quarta-feira, 30 de maio de 2007

Acórdãos do Tribunal Constitucional

Acórdãos do Tribunal Constitucional
Acórdão n.º 42/2007, D.R. n.º 91, Série II de 2007-05-11
Tribunal Constitucional
Julga inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 123.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição; não julga inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério Público, na fase de inquérito, determinar o levantamento de sigilo bancário

Excerto extraído deste Acórdão:
“…O recorrente impugna, por outro lado, a norma do artigo 2.º,
n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
Tal norma permite que o Ministério Público, na fase de inquérito,
determine, em despacho fundamentado, o levantamento do segredo
bancário.
O recorrente sustenta que tal acto consubstancia um acto jurisdicional,
pelo que só poderia ser praticado por um juiz. Invoca a
reserva da vida privada, assim como a fundamentação do Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 278/95 (www.tribunalconstitucional.pt).
Em primeiro lugar, cabe sublinhar que no Acórdão n.º 278/95 o
Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional uma norma
que permitia à administração fiscal o acesso a informações bancárias.
Nos presentes autos, porém, a situação é diversa. Com efeito, não
está agora em causa o acesso a informações bancárias por parte da
administração fiscal, mas antes por decisão do Ministério Público.
Na verdade, o Ministério Público constitui uma magistratura com
um estatuto próprio e autonomia, à qual cabe exercer, entre outras
competências, a acção penal de acordo com critérios de legalidade
e de objectividade (cf. os artigos 219.o da Constituição e 53.º do
Código de Processo Penal).
É verdade que o Código de Processo Penal confere ao juiz de
instrução criminal a competência para a prática de determinados actos
particularmente lesivos ou restritivos de direitos fundamentais (cf.
os artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal). Com efeito,
a aplicação de uma medida de coacção, a realização de buscas em
escritório de advogado ou a realização de buscas domiciliárias ou
de intercepções de conversas telefónicas (apenas para apresentar
alguns exemplos) competem ao juiz ou têm de ser autorizadas por
ele.
Porém, nos presentes autos está em causa o sigilo bancário. E os
crimes investigados no processo pretexto são os da fundação e chefia
de associação criminosa, burla qualificada, falsificação de documentação,
receptação, adesão a associação criminosa e branqueamento
de capitais.
O âmbito da privacidade atingido pelo levantamento do sigilo bancário
não é equiparável à liberdade pessoal (afectada com a aplicação
de medidas de coacção) ou ao núcleo da reserva de privacidade que
é afectado com uma escuta telefónica ou com uma busca domiciliária.
O segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional da
reserva da intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras
áreas da vida pessoal (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional
n.o 607/2003, em que foram tomadas em consideração diferenciações
em função da esfera da privacidade em causa—www.tribunalconstitucional.
pt). Seja como for, no Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 602/2005 (www.tribunalconstitucional.pt) salientou-se
que o segredo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer
restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos.
Em face disto, o Tribunal Constitucional entende o seguinte:
Em primeiro lugar, o levantamento do sigilo bancário é instrumento
especialmente relevante em matéria de criminalidade económica; por
outro lado, abrange uma dimensão da vida do investigado diversa
daquela que reclama necessariamente do ponto de vista constitucional
a intervenção do juiz (refira-se, como lugar paralelo, ainda que distante
e com fundamentos próprios, que a propriedade de bens imóveis
e de alguns móveis está sujeita à publicidade registal); ponderando-se
ainda que o Ministério Público é uma entidade com poderes de controlo
da investigação, com a função de representante da legalidade
democrática, e que a actuação do Ministério Público sempre poderá
ser, se tal for requerido, sindicada pelo juiz de instrução criminal,
conclui-se que a garantia constitucional não se revela insuficiente para
a tutela dos direitos afectados.
III—Decisão.-Em face do exposto, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição, a norma do artigo 123.º do Código de Processo Penal,
interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir
irregularidades contados da notificação da acusação em processos
de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza
da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição;
b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 2, da Lei
n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério
Público, na fase de inquérito, determinar o levantamento de sigilo
bancário;
c) Conceder provimento parcial ao recurso, revogando a decisão
recorrida no que se refere ao juízo constante da alínea a).
Lisboa, 23 de Janeiro de 2007



Acórdão n.º 194/2007, D.R. n.º 94, Série II de 2007-05-16
Tribunal Constitucional
Julga inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso.

Acórdão n.º 196/2007, D.R. n.º 95, Série II de 2007-05-17
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional o artigo 24.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de permitir a conexão de processos que obste, em fase processual subsequente à dedução da acusação, à escolha de um arguido, advogado, como defensor de outro arguido, através de procuração previamente junta aos autos

Acórdão n.º 221/2007, D.R. n.º 98, Série II de 2007-05-22
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, segundo a qual são sancionadas como contra-ordenações infracções resultantes de falta de pagamento de taxas de portagem previstas na base LII das bases de concessão aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/99, de 6 de Julho, praticadas antes da entrada em vigor da Lei n.º 25/2006, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis

Acórdão n.º 228/2007, D.R. n.º 99, Série II de 2007-05-23
Tribunal Constitucional
Julga inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 25.º, 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita; julga inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 126.º, n.os 1, 2, alíneas a) e c), e 3, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de considerar válida e, por conseguinte, susceptível de ulterior utilização e valoração a prova obtida através da colheita realizada nos moldes descritos na alínea anterior

Acórdão n.º 236/2007, D.R. n.º 100, Série II de 2007-05-24
Tribunal Constitucional
Julga inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido


Acórdão n.º 237/2007, D.R. n.º 100, Série II de 2007-05-24
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma extraída dos artigos 289.º e 493.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 1.º, n.º 1, alínea f), 4.º, 359.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal, segundo a qual, comunicada ao arguido alteração substancial dos factos descritos na acusação, resultante da prova produzida em audiência - em situação em que "os novos factos apurados formam, juntamente com os constantes da acusação, uma unidade de sentido que não permite a sua autonomização" -, e, opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos, o tribunal pode proferir decisão de absolvição da instância quanto aos factos constantes da acusação, determinando a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos

Acórdão n.º 254/2007, D.R. n.º 101, Série II de 2007-05-25
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais os artigos 37.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, e 17.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando interpretados em termos de permitir aplicar às sociedades unipessoais por quotas uma coima cujo limite mínimo seja determinado por referência aos limites previstos para as pessoas colectivas

Acórdão n.º 274/2007, D.R. n.º 115, Série II de 2007-06-18
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a interpretação dos artigos 174.º, n.º 5, e 177.º, n.º 2, no sentido de admitir a tempestividade da comunicação de uma busca realizada a coberto do disposto no artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal, dentro do prazo de apresentação dos arguidos detidos para 1.º interrogatório judicial; não julga inconstitucional a norma resultante dos artigos 174.º, n.º 4, alínea a), e 177.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretada "no sentido de que para efeitos de apreciação e validação de busca domiciliária realizada é suficiente que o juiz de instrução valide as detenções dos arguidos e aprecie os indícios existentes nos autos em ordem à fixação de uma medida de coacção, sem expressa e ou inequivocamente declarar que valida a busca realizada"

Acórdão n.º 278/2007, D.R. n.º 117, Série II de 2007-06-20
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, efectuada busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, é de quarenta e oito horas o prazo para a comunicação ao juiz de instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua validação pode resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva

Acórdão n.º 285/2007, D.R. n.º 122, Série II de 2007-06-27
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, efectuada busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, é de quarenta e oito horas o prazo para a comunicação ao juiz de instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua validação pode resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva.

Acórdão n.º 312/2007, D.R. n.º 125, Série II de 2007-07-02
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que não prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais

Acórdão n.º 314/2007, D.R. n.º 125, Série II de 2007-07-02
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 39.º do Código de Processo Civil, enquanto aplicável subsidiariamente ao processo penal, com a interpretação de que a renúncia de mandatário constituído do arguido, no decurso de prazo para recurso, só suspende a contagem deste com a notificação da renúncia ao arguido, prosseguindo essa contagem com a constituição de novo mandatário

Acórdão n.º 352/2007, D.R. n.º 143, Série II de 2007-07-26
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 80.º, n.os 1, 2 e 3, e 83.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais

Acórdão n.º 351/2007, D.R. n.º 166, Série II de 2007-08-29
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal








Acórdão n.º 403/2007, D.R. n.º 215, Série II de 2007-11-08
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante dos artigos 113.º, n.º 6, e 178.º, n.º 4, do Código Penal, interpretados no sentido de que, iniciado o procedimento criminal pelo Ministério Público por crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes, independentemente de queixa das ofendidas ou seus representantes legais, por ter entendido, em despacho fundamentado, que tal era imposto pelo interesse das vítimas, a posterior oposição destas ou dos seus representantes legais não é suficiente, por si só, para determinar a cessação do procedimento

Acórdão n.º 404/2007, D.R. n.º 166, Série II de 2007-08-29
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na versão originária, que considerava como valor tributário do incidente de apoio judiciário o da respectiva causa principal

Acórdão n.º 407/2007, D.R. n.º 166, Série II de 2007-08-29
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 180.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, quando interpretado em termos de ele não abranger juízos de valor, mesmo que tais juízos sejam acompanhados da referência aos factos que lhe estão subjacentes

Acórdão n.º 450/2007, D.R. n.º 205, Série II de 2007-10-24
Tribunal Constitucional

Não julga inconstitucional a norma extraída dos artigos 188.º, n.º 4, segunda parte, e 101.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o juiz de instrução criminal não tem de assinar o auto de transcrição das gravações telefónicas nem tem de certificar a conformidade da transcrição;
julga inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância;
e não julga inconstitucional o conjunto normativo integrado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º e pelos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, na interpretação que qualifique como não substancial a alteração dos factos relativos aos elementos da factualidade típica e à intenção dolosa do agente.
Acórdão n.º 472/2007, D.R. n.º 211, Série II de 2007-11-02
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma que resulta dos artigos 130.º, n.º 1, alínea a), e 122.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, segundo a qual a condenação pela prática de contra-ordenação muito grave determina a caducidade do título de condução provisório

Acórdão n.º 473/2007, D.R. n.º 211, Série II de 2007-11-02
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que não é obrigatório, para efeitos de interposição de recurso abrangendo também a decisão da matéria de facto, o fornecimento pelo tribunal ao arguido da transcrição da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, bastando, para esse efeito, o fornecimento dos suportes magnéticos dessa gravação;
e não julga inconstitucional a norma da segunda parte do n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de ser inaplicável nos casos em que existe documentação da prova produzida em audiência

Acórdão n.º 477/2007, D.R. n.º 212, Série II de 2007-11-05
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional o arco normativo constituído pelos artigos 2.º, 56.º, n.º 1, alínea b), 57.º e 64.º, n.os 1 e 3, do Código Penal, na redacção vigente até à entrada em vigor da 23.ª alteração ao Código Penal, efectuada pela Lei n.º 59/2007, e 64.º, do Código Penal, na redacção de 1982, em vigor até à sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, quando interpretados no sentido de, no âmbito da redacção do artigo 64.º do Código Penal de 1982, na versão em vigor até ao Decreto-Lei n.º 48/95, de 3 de Março, ser possível revogar a liberdade condicional depois de se ter esgotado o prazo estabelecido para a sua duração.


Acórdão n.º 609/2007, D.R. n.º 48, Série II de 2008-03-07
Tribunal Constitucional
Julga inconstitucional a norma prevista no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe

Acórdão n.º 2/2008, D.R. n.º 32, Série II de 2008-02-14
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto

Acórdão n.º 102/2008, D.R. n.º 71, Série II de 2008-04-10
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 277.º do Código Penal

Acórdão n.º 114/2008, D.R. n.º 71, Série II de 2008-04-10
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada, enquanto pune como desobediência qualificada quem conduzir veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva a título de sanção acessória

Acórdão n.º 164/2008, D.R. n.º 71, Série II de 2008-04-10
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, na redacção aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir a reabertura de audiência para aplicação de nova lei penal que aumenta o limite máximo das penas concretas a considerar

Acórdão n.º 117/2007, D.R. n.º 75, Série II de 2008-04-16
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, na parte em que estabelece, para a contravenção aí prevista, uma multa correspondente a 50 % do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado

Acórdão n.º 344/2007, D.R. n.º 75, Série II de 2008-04-16
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, na parte em que estabelece, para a contravenção aí prevista, uma multa correspondente a 50 % do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a 100 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado

Acórdão n.º 458/2007, D.R. n.º 154, Série II
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 116.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a testemunha que não justifique a falta tem de ser sancionada, mesmo que o sujeito processual que a arrolou prescinda do respectivo depoimento e o juiz não determine oficiosamente a inquirição

Acórdão n.º 70/2008, D.R. n.º 129, Série II de 2008-07-07
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, se considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e sobre ele possa pronunciar-se

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008, D.R. n.º 79, Série I de 2008-04-22
Tribunal Constitucional
Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia

Acórdão n.º 188/2008, D.R. n.º 86, Série II de 2008-05-05
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas dos n.os 1 e 3 do artigo 403.º do Código de Processo Penal

Acórdão n.º 280/2008, D.R. n.º 141, Série II de 2008-07-23
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo máximo da prisão preventiva, na fase de inquérito, afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da notificação da mesma

Acórdão n.º 213/2008, D.R. n.º 86, Série II de 2008-05-05
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 125.º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual é permitida a admissão e valoração de provas documentais relativas a listagens de passagens de um veículo automóvel nas portagens das auto-estradas, que foram registadas pelo sistema de identificador da «Via Verde», armazenadas numa base de dados informatizada e ulteriormente juntas ao processo criminal, sem o consentimento do arguido e por mera determinação do Ministério Público
Acórdão n.º 226/2008, D.R. n.º 140, Série II de 2008-07-22
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 359.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, perante uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela totalidade dos factos

Acórdão n.º 237/2008, D.R. n.º 154, Série IITribunal ConstitucionalConfirma o acórdão n.º 458/2007, não julgando inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 116.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a testemunha que não justifique a falta tem de ser sancionada, mesmo que o sujeito processual que a arrolou prescinda do respectivo depoimento e o juiz não determine oficiosamente a inquirição

Acórdão n.º 292/2008, D.R. n.º 141, Série II de 2008-07-23
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma que resulta da conjugação dos artigos 484.º e 483.º, n.º 1, do Código Civil e 14.º, alíneas a), c) e h), do Estatuto dos Jornalistas (aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro), interpretada no sentido de que, estando em causa o direito à informação, basta a verificação de culpa inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao bom-nome de pessoa colectiva

Acórdão n.º 293/2008, D.R. n.º 125, Série II de 2008-07-01
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a), do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo diploma, sem que antes o arguido deles tenha conhecimento

Acórdão n.º 294/2008, D.R. n.º 125, Série II de 2008-07-01
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 181.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de poder ser mantida a apreensão de depósitos bancários, ainda que não tenha sido proferida acusação no prazo estabelecido no artigo 276.º do mesmo diploma

Acórdão n.º 335/2008, D.R. n.º 138, Série II de 2008-07-18
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 377.º do Código do Trabalho, na interpretação segundo a qual, declarada a falência do empregador após a entrada em vigor do Código do Trabalho, os créditos que venham a ser reclamados pelos respectivos trabalhadores são garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador e prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor do referido diploma legal


Acórdão n.º 336/2008, D.R. n.º 138, Série II de 2008-07-18
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho


Acórdão n.º 339/2008, D.R. n.º 139, Série II de 2008-07-21
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro


Acórdão n.º 340/2008, D.R. n.º 139, Série II de 2008-07-21
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento. Não julga inconstitucionais as normas constantes da alínea o) do artigo 2.º da Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto, e do n.º 2 do artigo 134.º-A do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro

Acórdão n.º 357/2008, D.R. n.º 154, Série II
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 36.º, n.º 3, 253.º e 254.º do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que, em caso de substabelecimento com reserva, as notificações podem ser feitas em qualquer dos advogados constituídos (substituinte e substabelecido)

Acórdão n.º 378/2008, D.R. n.º 156, Série II
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa. Não julga inconstitucional a norma do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, interpretada no sentido de permitir que o Tribunal Constitucional profira, no julgamento de um recurso, juízo de não inconstitucionalidade de uma norma que já fora objecto de juízos de inconstitucionalidade em três decisões anteriores. Não julga inconstitucional a Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto, nem o Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, em tido ao abrigo da autorização concedida por essa lei

Acórdão n.º 409/2008, D.R. n.º 185, Série II
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção dada pelo artigo 95.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, interpretado no sentido de que pode o tribunal de julgamento determinar a notificação aí prevista

Acórdão n.º 428/2008, D.R. n.º 189, Série II
Tribunal Constitucional
Julga inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao arguido, antes do encerramento do inquérito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional, sem que tenha sido concluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal

Acórdão n.º 446/2008, D.R. n.º 209, Série II de 2008-10-28
Tribunal Constitucional
Não conhece do recurso, em parte; não julga inconstitucional a interpretação da norma do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, no sentido de que o inciso «imediatamente» deve ser interpretado dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo

Acórdão n.º 450/2008, D.R. n.º 209, Série II de 2008-10-28
Tribunal Constitucional
Não conhece do objecto do presente recurso, relativamente às interpretações normativas extraídas dos artigos 187.º, n.º 1, conjugado com o artigo 97.º, n.º 4, e do artigo 188.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 48/2007), tal como configuradas pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso; julga inconstitucional a norma extraída dos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), conjugado com o artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 21 de Janeiro, quando interpretada no sentido de que o tribunal de júri é competente para julgar o crime de tráfico de estupefacientes enquanto criminalidade altamente organizada

Acórdão n.º 488/2008. D.R. n.º 250, Série II de 2008-12-29
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, na medida em que sujeita a concessão do perdão da pena à condição resolutiva do pagamento da indemnização ao lesado, dentro de certo prazo

Acórdão n.º 489/2008. DR 219 SÉRIE II de 2008-11-11
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 373.º, n.º 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado

Acórdão n.º 555/2008. D.R. n.º 250, Série II de 2008-12-29
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir que, durante o inquérito, a excepcional complexidade, a que alude o n.º 3 do mesmo artigo, possa ser declarada oficiosamente, sem requerimento do Ministério Público; julga inconstitucional a mesma norma, quando interpretada no sentido de permitir que, em caso de declaração oficiosa da excepcional complexidade, esta não tenha de ser precedida da audição do arguido

Acórdão n.º 22/2009. D.R. n.º 57, Série II de 2009-03-23
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 6.º do Regime do Arrendamento Urbano interpretado no sentido de que o locador goza da faculdade de denúncia relativamente ao arrendamento de prédios rústicos para a prática de actividades desportivas

Acórdão n.º 64/2009. D.R. n.º 57, Série II de 2009-03-23
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional o artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, enquanto faz prevalecer sobre qualquer penhor o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da segurança social por contribuições e os respectivos juros de mora

Acórdão n.º 65/2009. D.R. n.º 57, Série II de 2009-03-23
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional a norma do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, enquanto prevê a competência dos tribunais tributários para as execuções de créditos da Caixa Geral de Depósitos pendentes à data da entrada em vigor daquele diploma

Acórdão n.º 73/2009. D.R. n.º 57, Série II de 2009-03-23
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas do n.º 2 do artigo 1839.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, quando conjugadamente interpretadas no sentido de que o ónus da prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do exercício do direito de acção de impugnação da paternidade compete aos demandados

Acórdão n.º 126/2009. D.R. n.º 80, Série II de 2009-04-24
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucionais as normas do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 51-A/96, de 9 de Dezembro, não se engloba no limite máximo da suspensão previsto no n.º 2 do artigo 120.º do Código Penal e poderá ainda acrescer a esse limite, mesmo quando o facto determinante de tal suspensão tenha ocorrido em data anterior à do começo do prazo prescricional

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 135/2009. D.R. n.º 85, Série I de 2009-05-04
Tribunal Constitucional
Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 175.º, n.º 4, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3de Maio, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, interpretada no sentido de que, paga voluntariamente a coima, ao arguido não é consentido, na fase de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir, discutir a existência da infracção

Acórdão n.º 162/2009. D.R. n.º 87, Série II de 2009-05-06
Tribunal Constitucional
Não julga inconstitucional o critério normativo extraído dos artigos 119.º, alínea f), e 391.º-D do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo o qual a inviabilidade da realização do julgamento em processo abreviado, no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação, constitui uma nulidade insanável, conducente à alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo comum

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 173/2009. D.R. n.º 85, Série I de 2009-05-04
Tribunal Constitucional
Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente

Liberdade de Expressão

Dispõe o art. 37º da Constituição da Republica Portuguesa ( CRP ), no seu número 1, que todos têm direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (...) sem impedimentos e discriminações. E no seu número 2 afirma-se que o exercício deste direito não pode ser impedido ou limitado por qualquer forma de censura.
Consagra-se em tal normativo constitucional o direito à liberdade de expressão, o qual, aliás, existe também noutras constituições, como é o caso do art. 20º da Constituição espanhola, do art. 21º da Constituição italiana e do art. 5º da Constituição de Bona.
Tal liberdade de expressão tem uma dupla dimensão: a) substantiva: compreende a actividade de pensar, formar a própria opinião e exteriorizá-la; b) instrumental: traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados à divulgação do pensamento.
Cada um deve poder dizer o que pensa, mesmo quando não fornece nem pode fornecer fundamentos controláveis para o seu juízo. Subjacente ao direito à liberdade de expressão está um princípio fundamental de subjectividade e autonomia da valoração, assente na observação histórica de que as pretensas valorações objectivas se reconduzem, em muitos casos, à subjectividade dos mais poderosos.
Numa sociedade aberta e pluralista, em que se pretende a criação de uma esfera de discurso público desinibida, robusta e amplamente aberta, não há dúvida de que a liberdade de expressão deve ser interpretada nesse sentido.
A liberdade de expressão manifesta uma concepção constitucional de autonomia que se estende até ao “direito de discordar em coisas que tocam no coração da ordem existente” ( cfr. West Virginia State Board of Education V. Barnette 319 US 624, 642 [1943] ).
O Supremo Tribunal Norte-Americano afirmou que “one man´s lyric teaches another´s doctrine”, o que, porém, não significa a proclamação de uma ideologia de relativismo ético por parte do Estado ou dos cidadãos.
Mesmo entendido em sentido amplo, o direito à liberdade de expressão conhece restrições, mesmo, em casos extremos, baseadas no conteúdo.
Estas restrições não são de todo incompatíveis com a constituição. Todavia, elas devem fundar-se, não numa valoração, subjectiva ou objectiva, de mérito intrínseco ou da qualidade ética dos conteúdos comunicados, mas sim na ponderação, mediada democraticamente, do impacto, intersubjectivamente comprovado, que os referidos conteúdos comunicados possam ter noutros direitos ou bens dignos de protecção constitucional.
Embora se deva aceitar que o conceito de verdade conserva ainda muito do seu interesse prático, é discutível que se deva considerar a existência de uma obrigação de verdade como pressuposto da liberdade de expressão, desligado da concreta realização de certos valores e do impacto que uma afirmação verdadeira ou falsa concretamente viesse a ter sobre os mesmos.
Por outro lado, mesmo prescindindo do caso específico da criação literária e artística, deve ter-se em conta que a espontaneidade da comunicação, que muitas vezes recorre a exageros patentes e a usos não literais de linguagem, seria gravemente cerceada se o direito exigisse que todos, de forma racional e ponderada, dissessem sempre “a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade”. A existência de afirmações falsas é um elemento inevitável de uma esfera de discurso público aberta e pluralista.
Tudo isto, note-se, sem prejuízo da existência de circunstâncias determinadas onde o equilíbrio de direitos e interesses em conflito exija a definição e a observância de deveres especiais de verdade.
Particularmente importante, fora de tais deveres especiais, é a existência de condições estruturais e discursivo-procedimentais que permitam a valoração crítica e empírica dos conteúdos expressos e a sua subsequente falsificação e denúncia pública.
Tem de haver um ponto de equilíbrio.
Um conteúdo expressivo não deixa de ser protegido pelo facto de ser considerado obsceno ou ofensivo, mas tão somente por se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcional contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
Os juízes não se encontram absolutamente condicionados pela interpretação subjectiva dos factos dada pelo ofendido a despeito da sua inegável relevância indicativa, devendo procurar um ponto de vista impessoal de ponderação do conteúdo efectivamente expresso e do seu presumível impacto no universo dos possíveis destinatários.
É duvidoso que o crime de difamação, por exemplo, se deva considerar preenchido através de simples conversas informais entre indivíduos, em que são trocadas impressões sobre situações, coisas e pessoas. Este efeito externo ainda que mediato, do direito fundamental ao bom nome e à reputação nas relações entre privados, para além de qualquer interesse específico de natureza social ou económica, constituiria uma intromissão desproporcional na autonomia privada, minando a espontaneidade da interacção conversacional que os indivíduos estabelecem uns com os outros, sendo certo que a esse nível, dizer o que honestamente se pensa sobre os outros é uma dimensão emocional da maior importância para os indivíduos, mas que o direito penal deve considerar como de minimis ( cfr. neste sentido, Greenawalt, Speech, Crime and The Uses of Language, p. 136 e 142 e segs. ).
Deve dar-se uma margem de tolerância substancialmente maior para as opiniões e juízos de valor em questões de interesse público, ainda que os mesmos surjam como exagerados, preconceituosos, obstinados e infundados. Por maioria de razão assim deverá ser se os mesmos tiverem um fundamento minimamente sério, razoável ou provável, em termos objectivos ou intersubjectivos, sendo susceptíveis de acolhimento por pessoas razoáveis e intelectualmente honestas.
O direito constitucional de comunicação aponta para a necessidade de não criar excessivas inibições na esfera pública.
Mas se tal necessidade é uma realidade incontornável num Estado de Direito democrático e plural, isso não significa, todavia, que não haja limitações aos juízos de valor e às opiniões.
Desde logo, o modo como os mesmos são expressos não é, de forma alguma, despiciendo, sendo os mesmos protegidos quando se reconduzam a um comentário justo e adequado ( “fair comment” ) designadamente apoiado na tentativa séria de articulação, análise e valoração de um conjunto de evidências circunstanciais plausíveis e desprotegidos quando se esteja perante uma crítica maldosa e desproporcionalmente insultuosa e ofensiva, em que os elementos informativo, formativo ou dialógico-confrontacional surgem claramente em segundo plano.
Sublinhe-se que a ordem jurídica não pretende reagir contra toda e qualquer descortesia, o discurso emocional e a hipérbole retórica ou a utilização de códigos linguísticos pouco elaborados, na medida em que uma protecção ampla das liberdades de comunicação terá necessariamente como consequência a presença de utilizações abusivas das mesmas, ao passo que uma pronta penalização destas utilizações teria necessariamente um efeito inibidor ( “chilling effect” ). Apenas se tem em vista prevenir o desrespeito gratuito por regras mínimas de civilidade e consideração, decorrentes de um mínimo ético-comunicativo incito nas relações simétricas de reconhecimento que devem existir entre cidadãos livres e iguais.
Seria ideal que na actividade política existisse o hábito ( que não o dever, sem prejuízo do que se acabou de dizer atrás ) do “dever de objectividade”, que obriga a observar, tanto quanto seja razoável, epistemológica e profissionalmente possível, uma separação entre “intervenções” e comentários pessoais, sem prejuízo da adopção assumida de uma perspectiva crítica e mesmo duramente crítica. Semelhante dever não existe, porém, da mesma forma entre, por exemplo, jornalistas e políticos, e imperioso se torna constatar que semelhante dever de separar informações e comentários pessoais, não pode estender-se à generalidade dos cidadãos, pelo que terá necessariamente de ser concedida uma maior margem para exageros e abusos. Como dizia James Madison, “Some degree of abuse is inseparable of the proper use of anything” ( apud New York Times V. Sullivan, 376, US, 254, 271 [1964] ).
Para além do dever de objectividade em causa que existe no caso do exercício da actividade dos jornalistas ( sublinhe-se, todavia, que mesmo no exercício autónomo da actividade jornalística deve haver um lugar razoável para o exagero e mesmo para a provocação, como foi reconhecido pelo TEDH, no caso Prager and Oberschlick V. Austria, de 26.04.1995, ECHR, A-313, 19, § 38 ), para além disso, existem determinadas situações que nalguns ordenamentos jurídicos são vistas como conferindo um privilégio absoluto ou qualificado à liberdade de expressão.
Os exemplo típico do primeiro caso – privilégio absoluto – são as afirmações feitas no âmbito da actividade parlamentar ( no Reino Unido já se estabelecia assim no art. 9º do Bill of Rights de 1689; Nicol Robertson, Escobar de La Serna e Badura salientam que a liberdade de expressão dos deputados depende menos do direito à liberdade de expressão do que da liberdade de mandato ) ou no contexto de um processo jurisdicional ( cfr. V sec. 14 do Defamation Act, de 1996, no Reino Unido; entre nós, o Tribunal Constitucional parece ter adoptado uma visão restritiva da liberdade de expressão no processo jurisdicional – cfr. Acórdãos do TC n.º 11/85, de 09.01, 185/85, de 23.10, e 75/88, de 18.11, respectivamente, Acórdãos do Tribunal Constitucional, V, VI, 1985, 337 e segs. E 411 e segs.; XI, 707 e segs., com posteriores reafirmações ), tendo em conta as intervenções ou os documentos apresentados nesse enquadramento institucional.
A consideração dos referidos “fora” como espaços privilegiados de discussão afigura-se-nos do maior relevo do ponto de vista da garantia constitucional das liberdades da comunicação. Além disso, os princípios que lhes estão subjacentes apontam para a construção de uma esfera de discurso público aberta e pluralista em termos desinibidos e robustos, favoráveis à generalização do debate em torno de questões de interesse geral.
Nos debates parlamentares e no processo judicial, deve ser reconhecida a função de válvula de escape da liberdade de expressão, a justificar uma maior deferência para com exageros formais e substanciais in facie curiae, de alcance difamatório e injurioso (entre nós, sublinhando a liberdade de utilização de “expressões enérgicas, veementes e vibrantes” no processo judicial, juntamente com “crítica empolada e discurso agressivo”, nos limites de “um mínimo de dignidade e de bom nome”, ver Acórdão da Relação de Lisboa, de 25.03.98, BMJ, 475, p. 760 ).
Uma sociedade democrática e aberta deve saber viver com os excessos discursivos, que frequentemente trazem em si mesmos a sua própria condenação.
Em todo o caso, estes privilégios não podem configurar-se como absolutos e definitivos, assumindo também eles uma estrutura principial e devendo o seu alcance ser fixado em termos institucionalmente adequados, tendo em vista assegurar, desde logo, a capacidade de prestação e a adequação funcional da instituição a que dizem respeito. Com efeito, nem um deputado, nem um magistrado, nem uma parte num processo, nem um vereador camarário pode aproveitar a sua posição institucional/procedimental para desferir ataques pessoais extemporâneos, à margem do objecto da discussão ou do processo.
No segundo caso – privilégio qualificado à liberdade de expressão – incluem-se, entre outras, afirmações feitas em resposta a um ataque pessoal, em que nalguns casos se vai ao ponto de se admitir uma resposta difamatória, embora neste domínio a jurisprudência apresente soluções díspares ( esta solução encontra-se, designadamente, no direito australiano, embora não seja acolhida, por exemplo, no direito francês ). Mas não é necessário ir tão longe...
Em termos sistemicamente coerentes, vigora nestes casos o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, à semelhança do que sucede no caso da legítima defesa propriamente dita.
Considerando que a discussão aberta em matéria de interesse político deve ser objecto de um privilégio qualificado, consulte-se, na jurisprudência australiana, o caso Theophanous V. Herall and Weekly Times, 1994, 182, CLR, 105, apud International Liability, Civil Liability in the Information..., p. 16.

Entre nós, o Código Penal legitima afirmações dotadas de um efeito difamatório ou injurioso quando se trate de realizar interesses legítimos, contanto que haja fundamento sério para, em boa fé, as reputar verdadeiras. É ao arguido que cabe provar ambas as coisas. Assim é para todos os casos, independentemente de se saber se se está perante titulares de cargos públicos ou de outros protagonistas do sistema político. Contudo, quando seja este o caso, a questão, da realização de interesses legítimos é imediatamente respondida em sede jurídico-constitucional, por via de remissão para o superior interesse na formação autónoma da opinião pública e da vontade política e no controlo democrático do funcionamento das instituições governamentais em sentido amplo. Isto, sem prejuízo da verificação, no processo de ponderação, de forma devidamente contextualizada, da existência, ou não, de uma relação razoável de proporcionalidade em sentido amplo entre a conduta expressiva em causa e a prossecução do interesse legítimo em presença ( neste sentido, Faria Costa, comentário ao art. 180º, Comentário Conimbricense, p. 620 ).
“Em todo o caso, mesmo em nome da polémica robusta não devem ser protegidos ataques pessoais injustificados, dirigidos à dignidade, integridade e probidade moral e profissional, totalmente à margem de quaisquer propósitos publicísticos ou considerados manifestamente desnecessários e desproporcionais relativamente aos objectivos argumentativos e conversacionais que se pretende atingir” ( cfr. neste sentido, Jónatas E. M. Machado, Liberdade de Expressão, Studia Iuridica 65, Boletim da Faculdade de Direito, página 820, Coimbra Editora).

A este respeito escreveu Artur Rodrigues da Costa, na Revista n.º 37 – 1º Trimestre de 1989, ano 10º - do SMMP, págs. 21 a 23, sob o título “A Liberdade de imprensa e as limitações decorrentes da sua função”:

“... As pessoas públicas têm menos vida privada do que as outras, já que optaram por funções ou por carreiras profissionais que têm por essência a publicidade.

Nessa medida, expõem-se mais à crítica, à crónica das factos com eles relacionados, à opinião das outras pessoas e, nomeadamente, de quem exerce o direito de informar. Isto não quer dizer que, por serem essas pessoas públicas, se verifique uma assimilação da sua vida privada à sua vida pública.

As pessoas que ocupam determinados lugares de relevância política, nomeadamente os titulares de órgãos de soberania, as que desempenham funções de autoridade e as que servem em lugares importantes da Administração Pública, estão sujeitas «ipso facto», a uma maior intromissão nas suas vidas e não apenas dos seus actos, pela simples razão de que o conhecimento de certos aspectos da vida privada e familiar se pode prender com as funções que exercem e com o prestígio delas, podendo, além disso, contribuir para um juízo legítimo que os cidadãos devam formar a respeito dessas pessoas.

Da mesma forma pode ser lícita a imputação de factos que se traduzam numa diminuição da reputação dessas pessoas, exactamente por ocuparem cargos públicos e por, nos sistemas democráticos, ser inalienável o controlo da opinião pública sobre elas. Dessas pessoas exige-se, mais do que nas outras, a seriedade, a rectidão, quer na sua vida privada, quer na vida pública, uma e outra se implicando mutuamente e, por isso, sendo difícil, por vezes, estabelecer a fronteira onde termina a vida privada e começa a vida pública. Exige-se que se norteiem pelo bem comum, que tenham em vista o interesse social e o prestígio das próprias instituições democráticas. A denúncia, pela imprensa, de irregularidades por elas cometidas, ainda que deva sujeitar-se a um processo especial de incriminação, pode, deste modo, corresponder à função social implicada no exercício do direito de informação.

A crítica a essas pessoas e aos próprios órgãos de soberania e da Administração, «maxime» a crítica política, tem, assim de admitir-se com toda a latitude, desde que não haja, como se referiu atrás, um mero espírito de «révanche», de cegueira ideológica, de ataque imotivado. A nossa tradição literária oferece-nos dois bons exemplos, num período áureo da liberdade de imprensa: EÇA DE QUEIRÓS e RAMALHO ORTIGÃO. «Uma Campanha Alegre» e «As Farpas» contêm numerosos textos de crítica violenta, mordaz, contundente, quer a pessoas, quer às instituições da época. Todavia, era patente em qualquer desses autores, o norteamento pelo bem comum, o espírito de construir, embora demolindo o que, na perspectiva deles, devia ser demolido, o sentido de proporção das suas investidas. No primitivo prólogo das «Farpas», EÇA DE QUEIRÓS dá a medida desse rigor e dessa justeza: «Nós não quisemos ser cúmplices na indiferença. E aqui começamos, sem azedume e sem cólera, a apontar dia para dia o que poderíamos chamar - o progresso de decadência ( ... ) Contra este mundo é necessário ressuscitar as gargalhadas históricas do tempo de Manuel Mendes Enxúndia. E mais uma vez se põe a galhofa ao serviço da justiça! (...)
Somos dois simples sapadores às ordens do senso comum ( ... ) E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma farpa. Apenas a porção de ferro estritamente indispensável para deixar pendente um sinal!» ( ... ) ( Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre, Lello e Irmão Editores, 1979, vol. I, págs. 13 e 15 ).
É certo que muita gente que não é digna dessa ilustre tradição tem invocado em vão o nome desses brilhantes escritores - e isto para justificar a impunidade de escritos que não podem cair na alçada da crítica, por lhes faltar aquilo que vulgarmente se chama o «miolo», ou seja, a motivação, a subtileza, a falta de um ideário, de um projecto cultural, de um quadro de valores, e por deles sobressair apenas a intenção de atacar às cegas e num estilo caceteiro( sublinhado nosso ). Também no período da revolução liberal houve fundamentalmente muita imprensa má e isso levou, justamente, OLIVEIRA MARTINS, no «Portugal Contemporâneo», a desabafar amargamente que essa imprensa aparecia feita por «almocreves». É que, para criticar, exige-se uma fundamentação cultural, intelectual e moral, e isso tem de ser levado em conta na apreciação de qualquer caso que seja submetido a tribunal".

Furto em contentores de obras de construção civil

O furto cometido num contentor/escritório, ainda que com arrombamento deve ou não ser qualificado pelo n.º 1 ou 2 do art. 204º do Cód. Penal ?
A respeito de situação idêntica à referida, entendeu o douto acórdão do S.T.J., de 23.02.2005, publicado na CJ n.º 181 ( Acórdãos do STJ ), Ano XIII, Tomo I/2005, p. 207 a 209, que o furto não é qualificado pelo n.º 2, al. e), do Cód. Penal, para cuja fundamentação remetemos. E, em síntese, a protecção dispensada neste normativo é restrita à casa, por força do art. 202º, al. d), do Cód. Penal, não o sendo um simples contentor/escritório de uma obra em construção.
Resta assim saber se é ou não possível integrar os factos no art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal.
A este respeito opina em sentido negativo o Comentário Coninbricense (Coimbra Editora, 1999 ), em anotação das páginas 67 e 68, da autoria do Prof. Dr. Faria Costa. No mesmo sentido, decidiu o douto Ac. STJ de 15.06.2000 ( Processo 182/00 – 5ª ), que consta em nota da página 652 do Cód. Penal Anotado de Maia Gonçalves, p. 652, 14ª Edição ).
No fundo, o que importa ter em consideração é que o conceito de espaço fechado das alíneas e) e f) do art. 204º do Cód. Penal não deve servir como critério interpretativo dos demais segmentos de tais alíneas. Espaço fechado para tal efeito não é qualquer espaço fechado, sob pena de aí caberem, por exemplo, os veículos automóveis, posto que a protecção penal é reclamada para a casa.
Por outro lado, o contentor não se enquadra na noção de estabelecimento, concebido como uma universalidade constituída por elementos materiais ( bens, espaço físico ) e imateriais ( o nome, clientela, o seu aviamento ), os quais devidamente integrados, concatenados e aglutinados, concorrem para uma organização apta a um fim específico, de produção de bens ou serviços, dissociando-se aqueles elementos, seus componentes, do todo unitário a que conduzem, formando um valor que se não confunde com a soma atomística daqueles elementos.
Perante um vulgar estaleiro, vulgo, “obra”, o furto ao referido estaleiro, mesmo enquanto espaço fechado, pelo processo descrito de arrombamento, não configura arrombamento de espaço fechado dependente de qualquer casa, dependência de que não pode abdicar-se porque a tutela penal pressuposta no tipo qualificado de furto, nos termos do art. 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal não pode desprender-se daquela acessoriedade – a protecção penal é reclamada para a casa. E o mesmo se passa em sede do art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal, pois o único elemento distintivo é a ausência de arrombamento, permanecendo a referida acessoriedade a casa - neste sentido, embora sem necessidade de se pronunciar sobre se a condenação deverá ser feita apenas por referência ao crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, ou também, em concurso efectivo, por referência ao crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191º do Cód. Penal, decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de 09.05.07, Rec. 173/05.6PBFIG.C1.
E aí – art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal - porquê ? Alcança-se, numa ordem lógica e racional, com apoio em argumento de índole histórica, que a protecção penal é reclamada para a casa, que não já para um qualquer espaço fechado, dela autonomizado, como é um estaleiro, quantas vezes sem grande segurança, erguido de forma improvisada e onde, com frequência, apenas, temporariamente, se resguardam materiais de aplicação em obra em construção e pelo período em que o estiver e àquela restam serviços de apoio ( cfr. Ac. STJ, de 01.10.97, in CJ, STJ, 1997, III, 182, na esteira do de 15.01.97, in CJ, STJ, 1997, 196 ).

Termos em que se entende que apenas existe autoria, em concurso, de um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191º e de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, ambos do Cód. Penal.

Fica, porém, a questão seguinte: quando o furto for efectivamente qualificado pela introdução em lugar vedado ao público ( cfr. art. 204º, n.º 1, al. f), do Cód. Penal ) e depois desqualificado pelo n.º 4 do art. 204º do Cód. Penal, existe ou não concurso efectivo entre o furto simples do art. 203º, n.º 1, e a introdução em lugar vedado ao público do art. 191º do Cód. Penal ?
Se o furto foi desqualificado, pelo valor, tendo já a qualificativa da al. f) do n.º 1 do art. 204º do Cód. Penal, torna-se de difícil sustentação o referido concurso. E se assim for, ou seja, se o concurso não for já possível, então também não haverá concurso efectivo entre a introdução em lugar vedado ao público e o furto simples no caso de furto em veículos (art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal ), dada a incoerência sistemática que tal concurso efectivo representaria.

Dados de Base/Dados de Tráfego

A obtenção da identificação dos cartões de acesso ao serviço telefónico móvel que funcionaram por referência a certo IMEI de telefone furtado ( furto simples: art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal ) pode ser considerada obtenção de informação sobre dados de base ?

A obtenção de informação sobre os períodos temporais em que tais cartões estiveram associados a tal IMEI é ainda obtenção de informação sobre dados de base ?

Note-se que não se refere aqui qualquer facturação detalhada.

Poder-se-á considerar que estamos ainda em sede de dados relativos a uma fase prévia à comunicação ( dados de base ), uma vez que não se solicita informação sobre as comunicações estabelecidas, mas apenas sobre quem utilizou e utiliza o aparelho furtado, estando, pois, salvaguardada a confidencialidade das comunicações e a esfera privada íntima do utilizador, posto que nunca se saberá que chamadas foram realizadas, para quem, por quanto tempo, de onde e para onde ?

Uma interpretação que considere que tal informação respeita a dados de base viola ou não a Directiva n.º 5/2000, da Procuradoria-Geral da República, publicada no DR n.º 198, II Série, de 28.08.2000, na página 14 145 e seguintes ?

Para nós, o simples pedido de informação sobre que cartões funcionaram associados a certo IMEI e em que períodos temporais não faculta o acesso a qualquer informação sobre qualquer comunicação estabelecida.
Assim, não se está perante um pedido de dados de tráfego, no sentido de dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e dados gerados pela utilização da rede, pois que não conseguirá saber nem a direcção, nem o destino nem a via ou trajecto, ou seja, a informação em causa não permite saber qual o relacionamento directo entre uns e outros através da rede, a localização do chamador e do chamado em dada comunicação, a frequência de tais chamadas, a data, a hora e a duração da comunicação.
Assim, a obtenção de tal informação pode ser solicitada directamente pelo Ministério Público, sem prejuízo depois de recorrer à Relação, nos termos do art. 135º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, via juiz de instrução, para afastar o sigilo bancário que possa ser invocado, no que respeita a saber em que contas foram realizados os carregamentos nos cartões associados ao IMEI .
Tal informação, a ser solicitada e obtida, não viola a Directiva da PGR, até porque a mesma não foca a situação que se discute, remetendo para conceitos abstractos ( dados de base, dados de tráfego e dados de conteúdo ). A preocupação da Directiva relaciona-se com a obtenção de informações que violem a intimidade e reserva da vida privada.
A informação a respeito de que cartões funcionaram por referência a certo IMEI de telemóvel furtado e em que período de tempo foram usados tais cartões em tal IMEI é fundamental para a investigação e não contende de forma intolerável com qualquer interesse digno de protecção, pese embora as consequências possam vir a ser o ter de se inquirir alguém para que esclareça em que circunstâncias utilizou o telemóvel furtado. Mas isto não é um "dano ", pois que, afinal, existe utilização de um aparelho furtado...E fica sempre salvaguardada a confidencialidade das comunicações que essa pessoa estabeleceu.
Parece-nos também importante o facto de o art. 190º do Cód. Proc. Penal se referir apenas e tão-só "...às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone... ", no que não se inclui a situação dos autos.
Pensamos que haverá que fazer aqui intervir os princípios relativos à interpretação da lei, que impõem que se atenda à ratio legis.
Por outro lado, num exercício de concordância prática de direitos, não vejo que a interpretação que fazemos não seja adequada, pois que a mesma salvaguarda devidamente o princípio da proporcionalidade em sentido amplo ( adequação, necessidade e proibição do excesso ) do art. 18º da CRP.
A concluir em sentido contrário, as operadoras de telemóveis não poderiam prestar o serviço que prestam, pois que têm acesso aos dados de tráfego e até de conteúdo.
O que importa para efeitos da Directiva da PGR é que no inquérito se não exibam e não se aceda a dados de tráfego ou de conteúdo.
Não vejo que o simples facto de dar a informação sobre que cartões estiveram associados a certo IMEI e em que período de tempo, ainda que com consulta a dados de tráfego por parte da operadora, mas que não são revelados no inquérito pela mesma, viole a Constituição.
O art. 190º do Cód. Proc. Penal passa por cima da distinção entre dados de base, de tráfego e de conteúdo, visando apenas impedir que a pretexto de uma investigação criminal se devassem de forma intolerável aspectos da reserva da vida privada.
Os critérios nesta matéria, por outro lado, conforme refere José Mouraz Lopes, em "Escutas telefónicas: seis teses e uma conclusão ", in RMP 104, página 144, têm de ter em consideração que deve imperar uma menor rigidez.
E o certo é que o art. 190º do Cód. Proc. Penal se refere a "conversações " ou "comunicações " e não a dados de base, dados de tráfego ou dados de conteúdo.
Ora, não vemos que a informação sobre que cartões funcionaram por referência a certo IMEI (de telefone furtado ) e em que período de tempo, sem mais, note-se, isto é, sem que tal informação se faça acompanhar de facturação detalhada, se possa enquadrar nos conceitos plasmados no art. 190º do Cód. Proc. Penal.
Note-se que não se defende aqui que o Ministério Público devesse ter acesso a dados de tráfego ou de conteúdo na investigação de um crime de furto simples.
Não se contesta e decorre expressamente da lei que às operadoras incumbe providenciar, no que for necessário e estiver ao seu alcance, no sentido de assegurar e fazer respeitar, nos termos da legislação em vigor, o sigilo das telecomunicações do serviço prestado, bem como o disposto na legislação de protecção de dados pessoais e da vida privada
Aquilo que mais uma vez deixo sublinhado é que não há qualquer ingerência nas conversações ou comunicações ( conceitos operativos estes que são os enunciados no art. 190º do Cód. Proc. Penal, e não outros ) quando o Ministério Público solicita a uma operadora que informe que cartões de acesso ao serviço telefónico móvel funcionaram por referência a determinado IMEI e em que período temporal – note-se que não se pede aqui senão dados de base, ou seja, não se solicita qualquer facturação detalhada, nem tal seria possível e se tal ocorresse a mesma deveria ser destruída nos autos, como aconteceu neste inquérito.
O conceito de ingerência que se subscreve é, pois, distinto do que se encontra subentendido no despacho recorrido, que adopta um conceito que levaria, em último termo, à criminalização dos empregados das próprias operadoras.
O conceito de ingerência deve ser enquadrado na norma do art. 190º do Cód. Proc. Penal, a qual estabeleceu uma verdadeira concordância de direitos, mais uma vez se demonstrando como o processo penal é direito constitucional aplicado. Ora, não se vislumbra que ingerência exista nas conversações ou comunicações quando se fornece ao Ministério Público a informação referida, essencial para a investigação do crime de furto do telemóvel.
Com tal informação o Ministério Público nunca conseguirá saber nem a direcção, nem o destino nem a via ou trajecto, ou seja, a informação em causa não permite saber qual o relacionamento directo entre uns e outros através da rede, a localização do chamador e do chamado em dada comunicação, a frequência de tais chamadas, a data, a hora e a duração da comunicação.

No sentido supra-exposto decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.12.2006, processo 1001/05.8PBFIG-A.C1, cujo relator foi o Desembargador Orlando Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.

Abuso de Confiança Fiscal e Apropriação

O crime de abuso de confiança fiscal tem, como elementos objectivos, a apropriação total ou parcial de prestação tributária, que essa prestação tenha sido deduzida pelo agente, nos termos da lei, e que o agente esteja obrigado a entregá-la ao credor tributário. “A obrigação de entregar o imposto ao Estado não é meramente contratual mas antes deriva da lei, que estabelece a obrigação de pagamento dos impostos em questão. Nestas situações o devedor tributário encontra-se instituído em posição que poderemos aproximar do fiel depositário. Na verdade, no IVA e no imposto sobre rendimentos singulares, os respectivos valores são deduzidos nos termos legais, devendo depois o respectivo montante ser entregue ao credor tributário que é o Estado” – vide Ac. do Tribunal Constitucional, de 29-11-00, in DR de 31.01.
Ora, se os contribuintes retiveram o IRS e liquidaram e receberam o IVA, não o entregando depois, isso só pode significar que se apropriaram indevidamente de algo que lhes não pertencia, pois era pertença do Estado-credor tributário e, desse modo, inverteram o título de posse ou de detenção. Os arguidos retiveram o IRS e liquidaram e receberam o IVA, mas o que não fizeram e lhes era imposto por lei, foi entregar tal dinheiro ao Estado, seu legal e legítimo destinatário. No fundo, tal dinheiro nunca lhes pertenceu.
Houve, pois, apropriação consciente, voluntária, ilícita e dolosa.
Nem vale, na verdade, insistir na ideia do destino dado ao dinheiro produto dos descontos. É que a lei apenas exige a apropriação, para que se verifique o crime em análise, independentemente da finalidade que lhe venha a ser dada.
“Para a verificação do crime não é necessário que o agente retire um proveito directo das quantias retidas”, cfr. CJS, 8-3-194.
“A circunstância de os arguidos terem utilizado as quantias devidas ao Estado para manter a laboração da empresa e pagar os salários dos trabalhadores não constitui causa de exclusão da ilicitude, art. 36º, n.º1, do Cód. Penal”, cfr. BMJ 361 – 374.
Isto é assim, uma vez que os impostos são indispensáveis ao Estado para que este possa prosseguir o bem estar social, os interesses da comunidade.
Os interesses constitucionalmente garantidos a um grupo – ex: trabalhadores – não podem sobrepor-se aos interesses de toda a comunidade também garantidos pela Constituição da República.
Neste sentido, consulte-se o douto Ac. STJ, de 18.06.2003, no processo 02P3723 ( n.º convencional JST J000; relator Conselheiro Franco de Sá ).
Se colocarmos os preceitos do art. 24º do RJIFNA e do art. 105º do RGIT lado a lado, veremos que as diferenças são mínimas, diremos mesmo insignificantes. As diferenças são meramente literais, que não de fundo, tudo não passando de uma mera diferença de redacção, sem qualquer significado especial, a não ser o de ser agora mais claro que os impostos têm de ser recebidos, não relevando criminalmente as situações em que existe liquidação de IVA, mas em que não se recebe do cliente o respectivo valor.
Com efeito, embora na lei actual se não faça referência expressa à apropriação, ela está contida no espírito do texto, pois se o agente não entrega à administração tributária as prestações que deduziu e era obrigado a entregar, é porque se apropriou delas, dando-lhes assim um destino diferente daquele que lhe era imposto por lei.
A ideia fulcral do crime de abuso de confiança, seja ele fiscal ou não, é sempre a de que se dá a valores licitamente recebidos um rumo diferente daquele a que se está obrigado.
Na realidade, a não entrega total ou parcial da prestação tributária ou equiparada traduz-se num apropriar-se, num fazer sua coisa alheia. Inicialmente o agente recebe validamente a coisa, passando a possui-la ou detê-la licitamente, a título precário ou temporário, só que posteriormente vem a alterar, arbitrariamente, o título de posse ou detenção passando a dispor da coisa ut dominum. Deixa então de possuir em nome alheio e faz entrar a coisa no seu património ou dispõe dela como se fosse sua, ou seja, com o propósito de não restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligada, ou sabendo que não mais o poderia fazer.
Note-se ainda na seguinte diferença: para que exista o abuso de confiança do Código Penal ( art. 205º ) é necessário que o agente ilegitimamente se aproprie de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade; no caso do empresário que não entrega ao Estado os montantes que reteve na fonte a título de IRS, este não se apropria de nada que lhe tenha sido entregue pelo Estado, pois os valores em causa ficaram na disponibilidade do mesmo, desde sempre, ab initio, numa relação muito próxima da do fiel depositário – não há entrega, há é uma imposição legal de entrega de tais montantes ao Estado. Portanto, a ideia da inversão do título de posse não é totalmente válida, pois não existe a entrega. O que interessa verdadeiramente é a não entrega de tais valores ao Estado, independentemente da finalidade que se venha a dar a tal dinheiro, pois que estamos em matéria de interesse público geral, não se podendo aqui verificar a sobreposição de interesses particulares.
A apropriação a que se refere o art. 24º do RJIFNA é uma consequência lógica do desvio do destino das prestações tributárias retidas, estando por isso integrada no seu texto, ao menos implicitamente, como decorrência lógica.
Nelson Hungria refere no Comentário ao Código Penal Brasileiro, 135, que existe apropriação indébita não só quando a negativa de restituição se funda no «arbitrário animus rem sibi habendi», mas também quando «não haja, de todo, qualquer fundamento legal ou motivo razoável para a recusa ou omissão», podendo integrar essa recusa ou omissão actos da mais diversa espécie: venda, doação, consumo, dissipação, cessão, penhor, caução, ocultação, etc, isto é, qualquer acto que fique à margem do destino a que essas quantias estavam legalmente afectas.

Direito da Filiação ( artigo em construção )

1. AVERIGUAÇÃO OFICIOSA

1.1.CARACTERÍSTICAS:

a) Acção intentada no interesse público, em representação do Estado;
b) Existência de um processo prévio - tutelar cível, regulado na O.T.M. (art.s 202º a 207º) - visando a obtenção de um despacho judicial sobre a suficiência de indícios da filiação biológica em causa, que vai funcionar como condição da legitimidade do Ministério Público para a propositura da subsequente acção de estado.

1.2.TIPOS DE AVERIGUAÇÃO OFICIOSA:

1.2.1.AVERIGUAÇÃO OFICIOSA PARA INVESTIGAÇÃO DE MATERNIDADE:

O estabelecimento da maternidade dá-se por um de três modos:
-indicação da maternidade;
-declaração de maternidade; e
-reconhecimento judicial da maternidade.
A finalidade da averiguação oficiosa da maternidade é a obtenção de um despacho judicial de viabilidade.
Mas com ela não se estabelece ainda a maternidade, o que constitui regra sem excepção.
A averiguação oficiosa tem lugar sempre que seja lavrado assento de nascimento do menor sem menção da respectiva maternidade – art.s 1808º do Cód. Civil e 116º do Cód. Reg. Civil.
A omissão do registo de nascimento quanto à maternidade pode ser originária ou superveniente:
-omissão originária: a que resulta do facto de o declarante do nascimento ignorar ou querer esconder a identidade da mãe do registando, caso em que lhe devem ser tomadas declarações que serão igualmente remetidas a tribunal ( art.s 1808º do Cód. Civil e 115º do Cód. Reg. Civil );
-omissão superveniente: imagine-se o caso de um registo, originariamente completo, mas em que a menção de maternidade veio, posteriormente, a ficar sem efeito ( art.º 1805º, n. 3, do Cód. Civil ).
Há, no entanto, casos em que a averiguação oficiosa da maternidade não é admitida - art. 1809º do Cód. Civil.
Trata-se de requisitos negativos de que depende a legitimidade do Ministério Público para actuar em nome próprio. Se acaso o Ministério Público for julgado parte ilegítima, a solução será a seguinte: pode intentar a acção em nome do menor, deixando aí de ter relevo o decurso do tempo ou a relação de incesto.
Quanto à prova destes requisitos negativos pelo Ministério Público, diga-se que, quanto à alínea a), basta-lhe juntar certidão de nascimento da pretensa mãe e perfilhante.
Por detrás da alínea b) encontram-se as seguintes razões: por um lado, decorrido esse prazo, o Estado deixou de ter um interesse tão vivo no estabelecimento biológico da maternidade, como tem, sem dúvida, no caso de uma criança acabada de nascer, sem que ninguém cuide dela em termos de relação materno-afectiva ( neste sentido, Costa Pimenta, Filiação, págs. 66 e 67 ); por outro lado, decorrido esse prazo constata-se um «envelhecimento de provas».
Esta alínea b) suscitou alguma discussão quanto ao modo de contagem do prazo aí referido, tendo-se por assente, hoje, que o mesmo se conta da data do nascimento, como resulta da letra da lei, e não a partir do seu registo.
Verificada pelo funcionário a omissão do registo, diz o art. 1808º, n.º 1, do Cód. Civil que o funcionário deve remeter ao tribunal certidão integral do registo e cópia do auto de declarações, se as houver.
A finalidade desse envio é precisamente a averiguação oficiosa da maternidade.
A lei fala em «deve». Contudo, não o deve fazer quando exista perfilhação e o conservador verifique que o perfilhante e a pretensa mãe são parentes em linha recta, afins na mesma linha ou parentes no segundo grau da linha colateral ( art.s 1809º, al. a), do Cód. Civil e 115º, n.º 2, do Cód. Reg. Civil ) e quando tal envio se venha a efectuar em data já posterior ao fim do prazo previsto na al. b) do art.º 1809º do Cód. Civil, pois que se trataria de um acto inútil.
O n.º 1 do art. 1808º do Cód. Civil refere-se ao tribunal para onde deve ser enviada a certidão e a cópia aí referidas.
Uma vez recebida a certidão na secretaria judicial, vai a mesma a despacho do juiz titular do juízo ao qual a mesma foi distribuída, o qual mandará autuar a mesma como A.O.M. e remeter o processo ao Ministério Público para instrução. E fala-se aqui de remessa posto que a instrução pertence ao Ministério Público, não havendo lugar à abertura de qualquer «vista» nos autos ao mesmo Ministério Público - a remessa faz-se através de termo de remessa nos autos, a efectuar pela secção judicial.
Uma vez recebido o processo nos serviços do Ministério Público, este, na «conclusão» que lhe é aberta, ordena o registo do mesmo no livro próprio existente em tais serviços, o que ficará anotado no processo, em qualquer lugar visível, a comunicação da abertura do processo ao seu imediato superior hierárquico e as diligências de instrução necessárias a identificar a mãe do registado ( art. 1808º, n.º 2, do Cód. Civil ).
É a partir deste momento que se torna necessário conjugar o disposto nos art.s 1808º e segs. com os art.s 202º e segs. da O.T.M..
A instrução apresenta as seguintes características:
.incumbe ao Curador de Menores, que é o magistrado do Ministério Público
( art. 205º, n.º 1, da O.T.M. );
.é secreta ( art. 203º, n.º 1, da O.T.M. e 1812º do Cód. Civil ) - a respeito da violação do carácter secreto da instrução, consultem-se os art.s 371º e 383º do Cód. Penal;
.será conduzida por forma a evitar toda a ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas, com que a O.T.M. confessa expressamente a razão de ser da averiguação oficiosa (art. 203º, n.º 1, da O.T.M. );
.não consente a intervenção de mandatários judiciais ( art. 203º, n.º 2, da O.T.M.), salvo na fase de recurso ( art. 151º da O.T.M. );
.é lícito o recurso a inquérito e a qualquer meio de prova legalmente admitido ( art. 202º, n.º 1, da O.T.M. );
.não são obrigatoriamente reduzidas a escrito as diligências de instrução que não concorram para esclarecimento do tribunal ( art. 202º, n.º 2, da O.T.M. );
.o comparecimento às diligências para que se for devidamente notificado é obrigatório - art.º 519º do C.P.C., aplicável por força do art. 169º da O.T.M.; e
.já a recusa de prestação de declarações pela mãe do menor em averiguação oficiosa de maternidade tem cobertura constitucional ( art. 26º, n.º 1, da C.R.P.) e legal ( art. 519º, n.º 3, do C.P.C. ).
A mãe pode adoptar duas atitudes:
-confirma a maternidade; ou
-não confirma ( recusa ou nada diz ).
Se a mãe confirma a maternidade, lavra-se termo da sua declaração e remete-se certidão para averbamento à Conservatória competente para o registo ( aquela onde foi feito o registo ).
«...Naturalmente havendo declaração de maternidade, e podendo a mãe fazê-la, a filiação materna estabeleceu-se por este meio e não haverá lugar a qualquer acção judicial » ( Costa Pimenta, ob. cit., pág. 68 ).
O Ministério Público, neste caso, uma vez junta a certidão de nascimento à AOP, com a menção da maternidade, remete os autos ao Juízo respectivo, requerendo que se determine o seu arquivamento, por inutilidade superveniente ( art. 278º, al. e), do Cód. Proc. Civil ).
Confirmada a maternidade e se a mãe for casada, vale a presunção do art. 1826º do Cód. Civil.
Se a mãe não for casada, o processo continua para efeitos de averiguação oficiosa da paternidade.
Ao confirmar a maternidade pode ou não a mãe fazer a declaração do nascimento com a indicação referida no n.º 1 do art. 1832º do Cód. Civil ? A este respeito conhecem-se duas posições opostas entre si, designadamente a de Guilherme de Oliveira, em Estabelecimento da Filiação, edição de 1979, pág. 73 e 74 ( nota V ao art. 1832º do Cód. Civil ), e a de Costa Pimenta, ob. cit., pág. 95.
A prática das Conservatórias de Registo Civil tem sido a de admitir a declaração com a referida indicação.
Nesse sentido se pronunciou também o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, ( proferido no Proc. n. 32/95 ), de 20.12.1995.
Se a mãe não confirma a maternidade, o processo prosseguirá e de três uma:
-ou não há convencimento da parte do Juiz e Ministério Público;
-ou há suspeita sem provas seguras;
-ou, finalmente, há suspeita fundada em provas seguras.
As duas primeiras hipóteses são de despacho de inviabilidade e a última de despacho de viabilidade.
Para contornar o despacho negativo dispõe o Ministério Público, além do recurso (art. 206º da O.T.M. ), da possibilidade de intentar uma acção de investigação de maternidade em nome do menor ( art. 10º da O.T.M. ): art.s 1814º e segs. do Cód. Civil. E será, sem dúvida, este o caminho a seguir, dada a menor celeridade inerente ao recurso, dado o facto de ser restrito à matéria de direito e apenas se poder recorrer até ao Tribunal da Relação ( art.s 150º da O.T.M. e 1411º, n.º 2, do C.P.C. ) e também ao facto de o prazo de propositura da acção de dois anos da al. b) do art. 1809º do Cód. Civil continuar a correr, apenas se interrompendo com a propositura da acção de investigação ( cfr. risco de se obter decisão favorável na averiguação oficiosa e de já se não dispor de prazo para a investigação oficiosa ).
Obtidas provas seguras que abonem a viabilidade da acção de investigação ( n.º 4 do art. 1808º do Cód. Civil ), o Juiz profere despacho positivo em que ordenará a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do Tribunal competente, a fim de a acção ser proposta:
-o despacho de viabilidade é um requisito de que depende a legitimidade do Ministério Público para, em nome próprio ( oficiosamente ), intentar a acção de investigação da maternidade;
-a acção a que se refere o art. 1808º, n.º 4, do Cód. Civil é, segundo os termos do art. 1810º do Cód. Civil, a acção de investigação complexa dos art.s 1822º a 1823º e 1825º do Cód. Civil: é que, nas condições apuradas, a descoberta da maternidade suscitará o funcionamento da presunção de paternidade marital do art.º 1826º do Cód. Civil.
Do n.º 4 do art. 1808º e art. 1810º do Cód. Civil resulta para o Ministério Público um poder-dever de intentar a acção de investigação de maternidade no prazo legal, sob pena de omitir a actuação de uma competência legalmente imposta.
Em síntese:
-remessa ao tribunal da certidão de nascimento e cópia do auto de declarações;
-instrução;
-parecer do curador; e
-despacho final do Juiz, precedido de parecer do curador, sendo certo que o Juiz pode, todavia, realizar antes daquele despacho diligências complementares de prova, nos termos do art. 205º, n.º 2, da O.T.M..
A remessa do processo ao Ministério Público junto do tribunal competente para a acção complexa tem que ser entendida no sentido de que o processo não tem de ser junto àquela acção, bastando a certidão do despacho de viabilidade.
Porém, o Ministério Público instrui sempre o seu processo administrativo com cópia das peças relevantes da Averiguação Oficiosa de Maternidade, pelo que convirá habilitá-lo a tanto,
A não alegação da existência de despacho de viabilidade ou tão-só a sua não junção na acção de investigação dá lugar a despacho de aperfeiçoamento da petição inicial ( art. 508º, nº1, al. b), e 2 do C.P.C.).
Note-se que o Ministério Público ao não juntar nem alegar o despacho de viabilidade nem por isso está a dizer que não o possui, antes afirmando de forma implícita a sua existência, sendo assim correcta a atitude de ordenar o aperfeiçoamento da petição inicial.
Nos termos do art. 1811º do Cód. Civil, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 1808º do mesmo diploma legal, as declarações prestadas durante a A.O.M. não implicam presunção de maternidade nem constituem sequer princípio de prova.
A improcedência da acção oficiosa não obsta a que seja intentada nova acção de investigação de maternidade, ainda que fundada nos mesmos factos ( art.º 1813º do Cód. Civil).
Quanto à tributação da A.O.M., visto caber entre as actividades do tribunal de menores ou funcionando como tal destinadas a assegurar o registo da filiação, matéria de interesse social, acha-se abrangida pelo disposto no art.º 29º, nas 2 e 3, do Cód. Custas Judiciais, estando, pois, isenta de taxa de justiça.

1.2.1.1.INVESTIGAÇÃO OFICIOSA DA MATERNIDADE:

Uma das inovações trazidas pela revisão do Código Civil, na redacção de 1977, foi a introdução da acção de investigação de maternidade prevista nos art.s 1810º (enquanto acção oficiosa ) e 1822º a 1825º (enquanto reconhecimento judicial ).
A acção complexa prevista no art. 1822º do Cód. Civil caracteriza-se pela existência de pluralidade de partes principais e, simultaneamente, objecto plúrimo.
A razão de ser de tal acção complexa reside no facto de a estabelecer-se a maternidade a presunção do art. 1826º do Cód. Civil resultará por via reflexa.
Dada a razão de ser da acção complexa, que se refere a filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da pretensa mãe, em consonância com a lógica inerente à presunção do art. 1826º do Cód. Civil, não há que lançar mão da acção complexa quando já haja cessado a presunção de paternidade nos termos do art. 1829º do mesmo código, por o nascimento do filho ocorrer passados 300 dias depois de finda a coabitação dos cônjuges. É que, neste caso, o estabelecimento judicial da maternidade não produz qualquer efeito reflexo sobre o estabelecimento de uma qualquer paternidade presumida, que já cessou.
O n.º 1 do art. 1822º do Cód. Civil refere-se ao caso de existir perfilhação ( cfr. art. 1851º do Cód. Civil ) - possível por omissão do registo em relação à maternidade. É que existindo perfilhação, o perfilhante terá direito em contradizer pelo facto de a investigação de maternidade - se a mãe for casada e funcionar a presunção de paternidade - ser susceptível de desencadear um conflito de paternidades entre a proveniente da perfilhação feita pelo terceiro e a resultante da presunção legal do art. 1826º do Cód. Civil.
O art. 1822º pressupõe que o filho tenha nascido ou tenha sido concebido na constância do matrimónio da pretensa mãe. Só nesta situação entra em funcionamento a presunção (relativa ) do art.º 1826º do Cód. Civil.
A legitimidade activa na investigação oficiosa intentada pelo Ministério Público em nome próprio pertence ao mesmo Ministério Público.
A legitimidade passiva pertence:
-à pretensa mãe;
-ao marido; e
-ao perfilhante ( se existir perfilhação ).
Existe, pois, uma situação de litisconsórcio necessário do lado passivo, com as seguintes consequências:
-o juiz julgará as partes ilegítimas faltando um dos litisconsortes;
-existência de uma única acção com pluralidade de sujeitos, sendo os pedidos formulados indiscriminadamente no confronto de todos os sujeitos passivos da lide;
-daí resulta que cada um dos réus tem plena legitimidade para contradizer todo o objecto da acção - e não apenas a questão que directa e imediatamente o afecta na sua esfera jurídica: daí que a pretensa mãe possa, por exemplo, impugnar a paternidade presumida, que o marido da pretensa mãe possa pôr em causa a maternidade daquela, que o perfilhante possa impugnar a presunção de paternidade ou pôr em causa que a pretensa mãe o seja efectivamente - com isto se distingue a presente acção de outras acções acumuladas em regime de coligação, em que havendo pedidos diferentes, formulados discriminadamente no confronto apenas de cada um dos réus ou grupo de réus ( v.g., coligação de investigantes - art. 1820º e 1872º do Cód. Civil -, investigação conjunta de paternidade e maternidade - art. 1869º do Cód. Civil).
Quanto ao regime da «prossecução e transmissão da acção», o art. 1825º do Cód. Civil manda aplicar à acção complexa, com as «necessárias adaptações», o que dispõem os art.s 1818º e 1819º, a respeito da investigação de maternidade simples.
Significa tal regulamentação que o legislador atribui prevalência à aplicação das normas reguladoras do reconhecimento judicial de maternidade - dado ser este o objecto principal da acção complexa - em detrimento das que se inserem no capítulo da impugnação de paternidade ( art.s 1844º a 1846º ). Ou seja: se, por exemplo, na acção a que alude o art. 1822º, n.º 2, falecer o marido da mãe - que nela figura como autor - terão legitimidade para a habilitação as pessoas referidas no art. 1818º, e não as constantes do art. 1844º, n.º 1, al. a) - de onde resulta que os ascendentes do presumido pai carecem de legitimidade para continuar a acção, embora pudessem prosseguir ou intentar uma acção autónoma de impugnação da paternidade.
Por outro lado, não será de aplicar, no âmbito da «transmissão» da acção complexa, o prazo especial de caducidade de 90 dias, fixado no art. 1844º, n.º 2, a propósito da acção de impugnação intentada pelos familiares do titular originário do direito, entretanto falecido.
No caso de morte da mãe, estando nós no âmbito da acção complexa, terá o filho legitimidade passiva, por força do art. 1819º ( 1825º ) do Cód. Civil e por aplicação analógica do art. 1846º do Cód. Civil ? As «necessárias adaptações» do art. 1825º do Cód. Civil permitir-nos-ão arredar a legitimidade passiva do filho. É que na acção oficiosa de investigação de maternidade o menor nunca é parte, pelo que não poderá ser réu, ainda que por via do art. 1819º do Cód. Civil.
Mas quais serão as ( outras ) necessárias adaptações a que alude o art. 1825º do Cód. Civil ?
Desde logo, há que ter em conta que, no domínio da acção complexa, alguns dos sujeitos legitimados para prosseguir ou intentar a acção, por força dos art.s 1818º e 1819º, se encontram obrigatoriamente na posição de partes contrárias na relação processual.
Assim, por exemplo, na acção do art. 1822º, n.º 2, o cônjuge sobrevivo do marido da mãe - autor - terá de figurar no lado passivo da relação processual, se for a pretensa mãe.
Ora, não sendo manifestamente possível atribuir à mesma pessoa as posições de autor e réu numa mesma acção, supomos que deverão prevalecer as normas que regulamentam a legitimidade a propósito da acção complexa ( art.s 1822º a 1824º ).
A respeito do objecto da acção complexa importa dizer que:
* O Ministério Público deve formular um pedido de reconhecimento de maternidade da pretensa mãe, por ser este o objecto da acção complexa.
* Dado o art. 1826º do Cód. Civil entrar em funcionamento se se estabelecer a maternidade, poderá também o Ministério Público formular um pedido de vindicação da paternidade presumida do marido da pretensa mãe; mas, dado que a paternidade presumida consta obrigatoriamente do registo de nascimento do filho, não sendo admitidas, salvas as excepções legais, menções que a contrariem, é óbvio que o autor não carece de fundamentar e demonstar a paternidade biológica do pai presumido: a prova da situação matrimonial da mãe, conjugada com a data do nascimento ou concepção, determinam de imediato o funcionamento da presunção. O Ministério Público irá naturalmente formular este pedido quando - estando registado com a filiação materna e paterna omissas - pretenda estabelecer a filiação quanto a ambos os cônjuges. Mas dado o princípio da obrigatoriedade e oficiosidade da menção de paternidade presumida ( art.s 1835º a 1837º ) é manifesto que se tal pedido não for expressamente formulado e nenhum dos réus impugnar a presunção por via de excepção, o tribunal ordenará que do registo conste a paternidade do marido da mãe, se a acção de investigação proceder.
* Qualquer dos autores, inclusive o Ministério Público ( na acção oficiosa ) se encontrava legitimado para impugnar a paternidade em acção autónoma, nos termos do art. 1839º, n.º 1; fazendo-o, desde já, no âmbito da acção complexa, obtém um benefício em termos de economia processual e de estabilidade do estado civil.
* Este pedido terá como causa de pedir a alegação de factos que, nos termos do art. 1839º, n.º 2, permitam concluir que, «de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável».
* Se existir perfilhação de terceiro, a formulação do pedido de impugnação da paternidade presumida terá como objectivo permitir a subsistência da perfilhação - que, segundo resulta do disposto no art. 1823º, « só prevalecerá se for afastada», pela procedência da pretensão de impugnação, a paternidade presumida.
* Em situações menos vulgares, poderá o autor formular um verdadeiro pedido de impugnação da perfilhação efectuada; isto é, virá sustentar, por exemplo, ser filho do marido da mãe e não - como consta do registo civil - do perfilhante. Porém, nesta hipótese, o ónus da prova da não filiação biológica do perfilhante não recai sobre o autor, já que a lei atribui, como referimos, maior peso à paternidade presumida, só autorizando a subsistência da perfilhação quando tenham procedido o pedido ou a excepção de impugnação da paternidade. De onde resulta que, na dúvida, mesmo que o autor não tenha conseguido demonstrar cabalmente a não filiação biológica do perfilhante, verá - na falta de procedência da excepção de impugnação deduzida pelos réus - proceder a sua pretensão.
Estabelece o art. 1823º, n.º 1, do Cód. Civil que na acção complexa pode ser sempre impugnada a presunção de paternidade do marido da mãe.
Tal significa, por um lado, que qualquer dos sujeitos legitimados para a acção pode formular um pedido de impugnação da paternidade presumida ( inclusive o Ministério Público) e, por outro lado, que qualquer dos sujeitos demandados pode, mesmo que o autor o não haja feito, impugnar a presunção de paternidade por via de excepção, ou seja, pretendendo o autor (ex. o Ministério Público ) estabelecer judicialmente a filiação presumida do marido da mãe, pode qualquer dos réus - incluído, portanto, o perfilhante - contestar, sustentando que o verdadeiro pai não é o marido da mãe.
Sobre o impugnante ( ex. o Ministério Público ) da presunção de paternidade recai sempre o ónus da prova da não filiação biológica do marido da mãe.
Efectivamente, o regime estatuído no art. 1823º, n.º 2, estabelece uma verdadeira regra de decisão quanto ao objecto acessório da acção, ao estabelecer que a perfilhação só poderá subsistir se for afastada a presunção - ou seja, se o tribunal considerar procedente o pedido ou a excepção referentes à impugnação de paternidade.
De onde resulta que, ficando o tribunal em dúvida insanável, face à matéria de facto apurada em audiência, sobre qual dos dois possíveis progenitores é o pai biológico, deverá declarar a prevalência da paternidade presumida e ordenar o cancelamento da perfilhação.
Conclusão:
-pedidos possíveis na acção complexa, que se revela assim com um objecto plúrimo:
.um pedido de reconhecimento de maternidade ( pedido obrigatório );
.um pedido de impugnação da presunção de paternidade do marido da mãe (art. 1823º do Cód. Civil );
.ou, quando não se queira impugnar a presunção de paternidade, um pedido de vindicação de paternidade presumida;
( estes dois pedidos são alternativos - ou um ou outro )
.um pedido de impugnação da perfilhação ( quando tenha sido impugnada a paternidade presumida e se entenda que o pai também não é o perfilhante ), nos termos do art. 1859º do Cód. Civil: nada impede, na verdade, esta cumulação dada a plena compatibilidade substantiva e processual dos pedidos e a inexistência de qualquer impedimento proveniente das regras próprias do registo civil.
No que respeita à formação e limites do caso julgado importa reter o seguinte:
* A procedência da acção complexa e do pedido ou da excepção de impugnação da paternidade presumida, dado o caso julgado, deixa definitivamente estabelecida a existência do vínculo de filiação materna e arrumada a questão da não paternidade biológica do presumido pai.
* A não ser impugnada a paternidade na acção complexa, poderão mais tarde os interessados que participaram como partes na lide vir intentar acção autónoma de impugnação da paternidade do marido da mãe ( que já consta do registo de nascimento), dado o disposto no art. 1839º, n.º 1, do Cód. Civil ? Lopes do Rego ( R.M.P., n.º 25, págs. 67 e segs. ) entende que não. Na verdade, a impugnação da paternidade, no âmbito da acção complexa, surge-nos como o exercício de um direito potestativo de natureza impeditiva, um verdadeiro contradireito, a ser oposto ao funcionamento automático da presunção legal de paternidade; ou seja, afinal, como verdadeira excepção ou meio de defesa a ser oposto pelo réu ao efeito jurídico pretendido - expressa ou tacitamente - pelo investigante.
Caducidade da acção complexa oficiosa:
-averiguação oficiosa: art. 1809º, al. b), do Cód. Civil;
-acção complexa ( art.s 1822º, 1823º e 1825º do Cód. Civil ): o prazo não é o do art. 1817º do Cód. Civil.
Disse-se atrás que o Ministério Público podia, embora autor, à semelhança de qualquer autor nas acções comuns de reconhecimento judicial da maternidade ( art.s 1814º e segs. ), impugnar a paternidade nos termos do art. 1823º, n.º 1, do Cód. Civil. Mas como compatibilizar isto com o facto de nas acções de impugnação de paternidade presumida autónomas ( art. 1841º, n.º 1, do Cód. Civil ) se exigir requerimento prévio de quem se declarar pai do filho ? É que a não se admitir esta possibilidade teria sempre o Ministério Público de, na acção complexa, de pedir a declaração judicial do vínculo de filiação paterna presumida, e isto ainda quando tivessem resultado da instrução levada a cabo na averiguação oficiosa provas mais do que suficientes para afirmar que tal vínculo jurídico não tem, na sua base, um vínculo biológico. Posteriormente teria de intentar acção de impugnação autónoma, com processo tutelar prévio.
Lopes do Rego ( “ A «acção complexa» de investigação de paternidade “, R.M.P., Ano 7º, n.º 25, pág. 75 ) ) entende que não e para tanto invoca a letra do art. 1822º, n.º 1, do Cód. Civil ( para onde remete o art. 1810º do Cód. Civil ), pois neste n.º 1 diz-se que a impugnação é «sempre» admitida, sem distinguir entre autor ou réu.
O sentido útil dessa expressão «sempre» não estará em assinalar que se não aplicam os prazos de caducidade previstos para a acção de impugnação no art. 1842º do Cód. Civil - é que, face ao disposto no n.º 2 deste preceito, « se o registo for omisso quanto á maternidade, os prazos de caducidade apenas se contam a partir do estabelecimento da maternidade -, mas antes em estabelecer que, no âmbito da acção complexa, o pedido ou a excepção de impugnação não estão sujeitos a quaisquer eventuais condicionalismos que, porventura, vigorassem para a acção de impugnação, intentada nos termos dos art.s 1838º e segs.
O que, para o Ministério Público, significará a atribuição de uma legitimação para desencadear uma impugnação no âmbito da acção complexa, sem os limites decorrentes do regime previsto no art. 1841º do Cód. Civil.
Tratando-se de uma averiguação oficiosa, a legitimação para agir do Ministério Público é condicionada pelo conteúdo do despacho de viabilidade; necessário se torna, pois, que este autorize o Ministério Público a investigar a maternidade e, simultaneamente, a impugnar a paternidade presumida do marido da mãe - por se entender, face à valoração dos resultados da instrução, que existem «provas seguras » de que, de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável.
Tratando-se de uma acção oficiosa, o Ministério Público actua em verdadeira substituição processual do menor - que não é parte na causa.
As partes na acção complexa serão, assim, do lado activo, o Ministério Público, em representação do Estado, titular do interesse colectivo; e, do lado passivo, a pretensa mãe, o marido desta e o perfilhante, se o houver. Ou seja: o menor não será nunca parte na causa, mesmo que eventualmente se discuta a questão da impugnação da paternidade presumida, ao contrário do que sucede, quando tal controvérsia seja objecto de acção autónoma ( cfr. art. 1846º, n.º 3, do Cód. Civil).
O art. 1810º do Cód. Civil apenas manda sujeitar o Ministério Público ao prazo de caducidade da acção oficiosa previsto no art. 1809º, al. b), do Cód. Civil.
Parece, assim, poder também inferir-se a contrario que o Ministério Público, no âmbito da acção do art. 1810º do Cód. Civil, não está sujeito ao impedimento a que alude a al. a) do art. 1809º do Cód. Civil: daqui resulta que o Ministério Público deve desencadear a acção complexa mesmo que a pretensa mãe e o perfilhante sejam parentes ou afins em linha recta, ou parentes no segundo grau da linha colateral.
É conhecida a finalidade do art. 1809º, al. a): privar o Ministério Público da legitimidade indirecta para se substituir ao menor na propositura de uma acção oficiosa, impondo-lhe inapelavelmente a constituição de uma filiação incestuosa.
Ora admitimos que o legislador tenha considerado que da acção complexa não resulta necessária e directamente para o menor a constituição de uma relação de filiação incestuosa, mesmo que existam as aludidas relações de parentesco ou afinidade entre a pretensa mãe e a filiação do perfilhante. É que, entre a filiação da pretensa mãe e a filiação do perfilhante, interpõe-se a presunção de paternidade que poderá prevalecer - nos termos, aliás, priviligiados do art. 1823º, n.º 2 - sobre a filiação paterna emergente da perfilhação.
Ou seja: sendo o estabelecimento da filiação incestuosa uma consequência puramente eventual da acção, o legislador terá, porventura, entendido que se não justificaria impor ao Ministério Público, na acção do art. 1810º, a limitação decorrente do preceituado no art. 1809º, al. a).
A impugnação não autónoma da paternidade presumida ( art. 1823º, n.º 1, do Cód. Civil) está sujeita a que prazo ? A expressão «sempre» não visa significar que a acção de impugnação não autónoma pode ser proposta a todo o tempo: na verdade, sendo o registo omisso quanto à maternidade, os prazos comuns de caducidade ainda não teriam começado a correr ( art. 1842º, n.º 2, do Cód. Civil ) e mesmo no caso particular de impugnação pelo Ministério Público nunca se poderia ter ultrapassado o prazo pois ele conta-se a partir da menção no registo da paternidade do marido ( art. 1841º, n.º 2, do Cód. Civil ) - cfr. Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, pág. 53, nota IV.
Imagine uma acção complexa oficiosa ( art.s 1822º e 1823º do Cód. Civil ) em que é autor o Ministério Público e réus a pretensa mãe, o seu marido e ainda o perfilhante. Simultaneamente aparece um terceiro, estranho à lide, e requer ao Ministério Público, nos termos do art. 1841º, n.º 1, do Cód. Civil ( art. 1839º do Cód. Civil ) que impugne a paternidade presumida do marido da pretensa mãe que se venha a estabelecer ( art. 1826º do Cód. Civil ) com o estabelecimento da maternidade. Quid juris ? Não só deve o Ministério Público impugnar a paternidade presumida, se convencido, como também deverá impugnar a perfilhação.
No entanto, o terceiro pode intentar antes acção posterior de impugnação da perfilhação, se o Ministério Público o não fez já, alegando um interesse moral e/ou patrimonial ( art. 1859º, n.º 2, do Cód. Civil ) - neste sentido: Guilherme de Oliveira, ob. cit., págs. 55 e 56, nota IV.
Consulte ainda sobre esta parte da sebenta as notas de Guilherme de Oliveira aos art.s 1818º e 1819º do Cód. Civil.

1.2.2.AVERIGUAÇÃO OFICIOSA PARA INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE:

São também três os modos de estabelecimento da paternidade - dois deles extrajudiciais e um contencioso:
-a presunção de paternidade;
-a perfilhação; e
-o reconhecimento judicial.

1.2.2.1. AVERIGUAÇÃO OFICIOSA DA PATERNIDADE

O processo de averiguação oficiosa da paternidade é decalcado sobre o de averiguação da maternidade. Através dele não se estabelece a paternidade, a filiação. «Ele é apenas um pórtico para o estabelecimento dela, que se fará ou por perfilhação ou por reconhecimento judicial, voluntária ou contenciosamente» ( Costa Pimenta, ob. cit., pág. 145 ).
Tem lugar sempre que seja lavrado assento de nascimento de menor sem menção da respectiva paternidade, ou melhor, apenas com a maternidade estabelecida - art. 1864º do Cód. Civil e art. 121º do Cód. Registo Civil.
«A razão de ser da averiguação oficiosa da paternidade prende-se um pouco com o direito anterior à reforma de 1977. A acção de investigação de paternidade estava sujeita a pressupostos de admissibilidade ( art. 1860º, da primitiva redacção ). Todavia, o Ministério Público - detentor do poder-dever de desencadear a averiguação oficiosa - nunca esteve sujeito a esses pressupostos ou condições de admissibilidade da acção subsequente de investigação, para que também tinha legitimidade ( art. 1848º, n.º 4 ). O equivalente prático para filtrar a actuação do Ministério Público era a necessidade que este tinha de dar início ao processo prévio da averiguação oficiosa para nele obter o chamado «despacho de viabilidade», que o legitimaria para intentar aquela acção de investigação.
À luz do direito actual, não se percebe muito bem a existência da averiguação oficiosa, Só é explicável pelas razões históricas acabadas de apontar. Com efeito, o Ministério Público se não consegue o despacho ( positivo ) de viabilidade, pode instaurar sempre a acção de investigação invocando a representação do menor. Ora, o legislador alterou a acção de investigação, suprimindo os pressupostos de admissibilidade, mas incoerentemente ( talvez por isso o «despacho de viabilidade» ser, na prática, um despacho de mera rotina ), não alterou a averiguação oficiosa.
Talvez o único campo útil da averiguação oficiosa seja, actualmente, a possibilidade de, através das diligências que o Ministério Público faça, se vir a localizar o presumível progenitor, e este confirmar a paternidade, lavrando-se termo de perfilhação, com o que termina, por inutilidade superveniente ( art. 287º, al. e), do C.P.Civil ), remetida a certidão ao registo, o caminho para estabelecer a filiação paterna, ficando ela efectivamente estabelecida e, sobretudo, aceite » ( Costa Pimenta, ob. cit., págs. 145-146 e nota 68 ).
Os casos de admissibilidade surgem enunciados no art. 1866º do Cód. Civil - confronte-se, no entanto, a al. b) do art. 1866º com o art. 1867º do Cód. Civil: aqui não se exige despacho de viabilidade e o Ministério Público está antes vinculado ao prazo que limita as investigações particulares ( art.s 1873º e 1817º do Cód. Civil; vide tb Guilherme de Oliveira, ob. cit., págs. 149-150, nota III ).
Se o pretenso progenitor confirmar a paternidade vale o art. 1865º, n.º 3, do Cód. Civil (cfr. art.º 1853º, al. d ) e art.s 101º, 130º e 129º do Cód. Reg. Civil).
O tribunal competente para a acção de investigação ( e não para a averiguação oficiosa ) é o tribunal comum, segundo as regras gerais do Cód. Proc. Civil: art. 85º, n.º 1, do C.P.Civil.
Quanto ao despacho de viabilidade dispõe o art. 1865º, n.º 5, do Cód. Civil que «Se o tribunal concluir pela existência de provas seguras da paternidade, ordenará a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente, a fim de ser intentada a acção de investigação».

1.2.2.2. INVESTIGAÇÃO OFICIOSA DA PATERNIDADE:

A causa de pedir nas acções de investigação de paternidade «é o facto jurídico da procriação» (Assento do S.T.J. n.º 4/83, de 21.07 ). É este o fundamento real, empírico ou factual que é preciso alegar e provar, temporalmente localizado no período legal de concepção» ( Costa Pimenta, ob. cit., pág. 157 ).
A causa de pedir consubstancia-se, pois, nas relações de sexo causais: relações de sexo do pretenso pai com a mãe do investigante durante o período legal de concepção e causalidade dessas relações relativamente ao nascimento do investigante.
A procriação biológica «...pode ser demonstrada na acção de investigação de paternidade por três vias distintas:
I. Em primeiro lugar, pode sê-lo directamente, através dos exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados, a que alude o art.º 1801º do Cód. Civil e que implica no processo, a produção de prova pericial ( art. 388º do Cód. Civil ).
II. Em segundo lugar, pode sê-lo indirectamente, através do uso de alguma das presunções legais de paternidade, previstas no art. 1871º do Cód. Civil ( art. 350º do Cód. Civil), desde que não ilididas, através da criação, no espírito do julgador, de «dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado».
III. Finalmente, poderá sê-lo, também por forma indirecta, através do recurso a presunções naturais ou judiciais alicerçadas em regras da experiência, nos termos previstos no art. 351º do Cód. Civil: a demonstração de que houve relações de sexo entre a mãe e o pretenso pai no período legal de concepção e que tais relações foram exclusivas. Na verdade, demonstrado que, no período temporal que as relações de sexo poderiam ser causa adequada da gravidez e do subsequente nascimento, a mãe do menor apenas com o pretenso pai as manteve, naturalmente as «máximas da experiência» permitem apontar como autor da fecundação o réu...
Salientaremos ainda que estes factos indiciários da procriação biológica poderão, em certas situações, resultar demonstrados no processo através do uso pelas partes de factos instrumentais, ou indiciários de segundo grau, tendentes nomeadamente à indirecta demonstração da exclusividade de relações: o « bom comportamento» da mãe, o ter sido esta sempre considerada, no seu meio social, «mulher séria, honesta e bem comportada». Supomos que a abordagem assim sistematizada do tema permite verificar, com maior nitidez, os limites à aplicação da doutrina do Assento n.º 4/83: ele só tem, na verdade, cabimento quando se procure demonstrar a procriação biológica através da via indirecta, referida em III»( Lopes do Rego, Acção Oficiosa de investigação de paternidade, R.M.P. n.º 41, Ano 11º, págs. 145 e segs. ).
« O problema põe-se não a nível da exclusividade, mas, no plano mais apertado e exigente, da causalidade. Aliás, pode o autor admitir logo na petição inicial a chamada coabitação concorrente (exceptio plurium ) - por oposição à denominada coabitação causal - e conseguir demonstrar a não causalidade dela, devendo a acção ser julgada procedente » ( Costa Pimenta, ob. cit., pág. 158 ).
É hoje solução pacífica na nossa jurisprudência a que se traduz em reconhecer que a prova directa, por meios científicos, da paternidade biológica torna inútil e dispensável a discussão sobre o tema da exclusividade de relações de sexo no período legal de concepção - reduzindo, assim, aos seus justos limites a solução que fez vencimento no Assento n.º 4/83, de 21.07.
O Assento n.º 4/83 não abrange todas as acções de investigação de paternidade a céu aberto, mas tão-só aquelas em que a prova da paternidade biológica é feita indirectamente, através de presunções naturais. O Assento não contempla aqueles casos de prova directa da paternidade biológica, prova que se obtém com o auxílio dos meios previstos no art. 1801º do Cód. Civil, nem se pronunciou sobre o valor probatório de tais meios, pois tais questões não tinham sido abordadas nos dois acórdãos em conflito sobre que recaiu o Assento.
A existência de relações ou contactos sexuais, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, mais não é que um meio indirecto ou instrumental de alcançar a verdade biológica. Ora, demonstrada directamente a paternidade biológica através do categórico resultado do exame, torna-se dispensável a prova do referido facto instrumental, para poder julgar procedente a pretensão do autor (Cfr. Lopes do rego, R.M.P., 45, ano 12, pág. 122 ).
Num caso em que a percentagem de probabilidades de paternidade apurada seja, por exemplo, de 99, 955%, o que corresponde a uma paternidade praticamente provada, segundo a escala de Hummel, a solução não poderá deixar de ser a do reconhecimento da paternidade, mesmo que o autor não tenha logrado provar por testemunhas a existência de relações de sexo no período legal de concepção.
A actual diversidade da espécie humana é tal que a probabilidade de encontrarmos dois indivíduos geneticamente idênticos é virtualmente nula, desde que não sejam gémeos monozigóticos, isto é, originários do mesmo ovo.
A nova redacção dada em 1977 ao art. 1801º do Cód. Civil - « nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados» - veio dar grande relevo a estes meios de prova, mostrando no dizer de Guilherme de Oliveira ( A Lei e o Laboratório, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, II, pág. 810 ), « que a lei “quis” depender da capacidade técnica laboratorial, consciente de que precisava de acompanhar o progresso da biologia forense», o que impulsionou o apetrechamento dos laboratórios e o aperfeiçoamento técnico-científico dos exames médico-forenses.
Por isso aquele autor é bem mais optimista e com boas razões, do que o Acórdão da Relação de Lisboa de 03.04.1990 ( C.J., XV, 2, pág. 146 ) quando, a pág. 817 da citada obra conclui: « Sem prejuízo do respeito por este princípio, julgo que a certeza estatística que se pode obter hoje, nos laboratórios portugueses, não é menor do que a certeza prática que sempre basta para fundar as decisões judiciais. Isto vale por dizer que não é facilmente aceitável que um tribunal despreze um resultado positivo de, digamos, 99% e resolva em sentido contrário com base em provas convencionais».
No sentido da admissibilidade da prova directa da paternidade biológica pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 11.12.1990 ( Rec. n.º 3580, 1ª secção), da Relação do Porto de 21.06.1988 ( R.M.P., 35-36, pág. 193 ) e do S.T.J. de 27.06.1989 (R.M.P., 41, pág. 145 ).
Depois do já citado art. 1801º do Cód. Civil, o DL n.º 387-C/87, de 29.12, veio reforçar a importância dos exames médico-legais como meios de prova, exigindo-lhes garantias de rigor técnico-científico e isenção, e conformidade aos respectivos regulamentos ( art.s 36º e 43º) - cfr. hoje o DL n.º 11/98, de 24.01.
Certamente que um exame que respeite tais requisitos técnicos, científicos e jurídicos possui um valor probatório muito superior ao da prova testemunhal. Por isso representaria inadmissível inversão de valores desprezar os resultados do exame médico-legal só porque, através da prova testemunhal, se viesse a concluir que a mãe da menor, durante o período legal de concepção, coabitou não só com o investigado mas também com outros homens, havendo, assim, coabitações concorrentes.
Evidentemente que tais peritagens não se impõem ao Tribunal, pois a este compete fixar a sua força probatória ( art. 389º do Cód. Civil ) em conjunto com os demais elementos probatórios.
A estatuição do valor probatório da prova científica é feita no art. 389º, ou seja, o resultado da peritagem está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, ao mesmo nível da inspecção e da prova testemunhal – art.s 391º e 396º, respectivamente.
Não tendo sido, porém, ordenado - oficiosamente ou a requerimento de parte - segundo exame por outro Instituto de medicina Legal, como se permite no art. 589º do C.P.Civil, não tendo os peritos sido convocados para comparecerem na audiência final (art. 588º e al. c) do n.º 3 do art. 652º, ambos do C.P.Civil ), tal revela que o relatório de exame não enferma de pontos obscuros e por isso não pode o mesmo ser postergado do elenco dos meios de prova previstos no n.º 2 do art. 653º do C.P.Civil.
A certeza absoluta é sempre inalcançável e sempre desnecessária para a caracterização da certeza moral em que o julgador assenta as suas decisões.
Perante um relatório de onde conste uma paternidade praticamente provada, o Autor, para obter a procedência da acção nem tem de provar que o réu manteve relações sexuais com a mãe do menor no período legal de concepção.
Por identidade de razão, não é de exigir a prova da fidelidade da mãe ao pretenso pai durante aquele período quando os exames médico-legais provam que as relações de cópula do réu com a mãe do menor foram causais da gravidez dela, da qual gravidez sobreveio o nascimento do menor ( cfr. Lopes do Rego, artigo cit., e Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação, págs. 154-155 ).
«A questão da determinação da filiação sempre assentou na nossa ordem jurídica, num juízo de verosimilhança ou probabilidade razoável - e não na exigência de critérios de certeza científica, absoluta ou matemática.
Permitimo-nos salientar, como lugares paralelos relevantes :
- o art. 1839º, n.º 2, ao estabelecer que, nas acções de impugnação da paternidade presumida, deve o autor demonstrar que a paternidade do marido da mãe é «manifestamente improvável»;
- o art. 1871º, ao assentar o juízo sobre a paternidade em circunstâncias objectivas que a tornam razoavelmente provável ( aceitação desta pelo investigado, juízo social sobre a paternidade, escrito em que o pretenso pai a aceita, comunhão duradoura de vida, em condições análogas aos cônjuges, etc. ), salvo se ocorrerem, em função de outros factos impeditivos, «dúvidas sérias sobre a referida paternidade biológica» ( Lopes do Rego, artigo cit., págs. 161-162 ).
É sabido que segundo a Tabela de Hummel ( cfr. O.T.M. anotada, Rui Epifânio e António Farinha, pág. 488 ) uma probabilidade de, por exemplo, 99,34% nos coloca em sede de uma paternidade «extremamente provável» ( que não “praticamente provada”). Poder-se-á afirmar ainda aqui um juízo positivo sobre a paternidade se a essa percentagem acrescer uma avaliação global das provas produzidas também favorável a esse juízo positivo, mas não se tendo provado a exclusividade a que se refere o Assento 4/83 ? Responde Lopes do Rego (artigo citado, pág. 162 ):
-«Sustentar solução contrária será, de algum modo, esquecer que o grau de certeza que normalmente permitirá ao julgador, com base em juízos empíricos, alicerçados na pouco fiável prova testemunhal, considerar provada a “exclusividade” será certamente bem inferior aos referidos 99,34%...» .
Refira-se, por outro lado, que se a causa de pedir na acção de investigação de paternidade é a procriação e se o questionário deve versar os factos articulados que interessem à decisão da causa (art. 511º do C.P.Civil ), há-de ser possível quesitar se a gravidez de que nasceu o menor resultou das relações da mãe deste com o investigado. Não há qualquer obstáculo de ordem legal a isso, como o não há de índole lógica: trata-se de um facto que hoje pode provar-se ( cientificamente ); logo, é susceptível de inclusão no questionário ( no sentido de que é possível quesitar-se directamente o facto da procriação pronunciaram-se, por exemplo, os Acs. do S.T.J. de 18.04.1996 e de 18.06.1996, in B.M.J. nºs 456º, pág. 334, e 458º, pág. 330, respectivamente ).
Não se esqueça, por outro lado, que a averiguação da filiação biológica constitui matéria de facto ( cf. Assento do S.T.J. n.º 5/78, in DR, ! Série, de 28.10.1978 ).
Aqui justamente se insere a justificação para a atitude do legislador de 1977, ao introduzir no Código Civil a regra inovadora do art. 1801º, visando com isso, através da referência expressa aos meios científicos de prova, permitir a averiguação directa da «causa petendi», a filiação biológica. É que esses meios de prova não servem para demonstrar a exclusividade das relações ( quesitação tradicional ) mas sim, mesmo não se provando essa exclusividade, a pessoa concreta do progenitor.
A este respeito diz Lopes do Rego ( artigo cit., págs. 163 e 164 ):
- «Restará salientar a necessidade de, nas acções de investigação de paternidade o autor articular e o juiz quesitar directamente a questão da procriação biológica pelo investigado.
Importa, na verdade, distinguir claramente os planos da alegação e da prova dos factos relevantes para a decisão da causa: o exame científico não é, em si, um facto, mas um meio de prova, que deve ser requerido e realizado para demonstração da realidade de um facto, que deverá ter sido oportunamente alegado e inserido no questionário.
A alegação da paternidade biológica é, portanto, o facto que servirá de suporte à oportuna produção das provas a que alude o art. 1801º do Cód. Civil. De outro modo, o relatório pericial ficará, de algum modo, “perdido”, à deriva nos autos, acabando por não ser considerado nem pelo tribunal colectivo, já que a matéria de facto constante do questionário com ele se não conexiona directamente ( art. 653º, n.º 2, do C.P.C. ); nem pelo juiz competente para proferir sentença, já que a perícia traduz um meio probatório sujeito à livre apreciação do tribunal - e, portanto, não uma prova que ao juiz que profere a sentença cumpre conhecer, nos termos do art. 659º, n.º 3, do C.P.C....».
Em sede de investigação oficiosa da paternidade aproveitam ao Ministério Público as presunções legai de paternidade do art. 1871º do Cód. Civil por aplicação subsidiária das regras próprias das acções de estado propostas pelos interessados directos, pois não há incompatibilidade aqui com a estrutura da acção oficiosa.
Note-se que nas acções sustentadas por alguma das presunções do n.º 1 do art. 1871º do Cód. Civil «...a causa de pedir é ( precisamente ) uma ou várias das situações de facto aí descritas, que têm a virtualidade da auto-suficiência para que seja dado provimento à pretensão de filiação ( jurídica ) do investigante, pois presume-se a filiação ou realidade biológica da filiação, de cuja prova está o autor dispensado» (Costa Pimenta, ob. cit., pág. 158 ).
O art. 1869º do Cód. Civil exige uma acção especialmente intentada para o efeito de estabelecer a paternidade, não podendo haver reconhecimento do vínculo de paternidade em incidente de outra acção.
Não constitui excepção a esta regra o art. 1603º do Cód. Civil, posto que, embora se prove a relação biológica fora de uma acção de estado, não chega a ser reconhecido, para todos os efeitos legais, o parentesco.
Do art. 1869º do Cód. Civil resulta ainda - cfr. «...em acção especialmente intentada...» - que num processo crime não pode ser investigada a paternidade, a título de questão prejudicial. Não se trata de um caso de devolução «conveniente» para a instância civil ( cfr. art. 7º, n.º 2, do C.P.Penal ), caso em que o juízo criminal poderia ter de suprir a inércia do juízo civil e julgar a questão ( art. 7º, n.º 4, do C.P.Penal ). Parece tratar-se de uma excepção ao princípio da suficiência da acção penal (art. 7º, n.º 1, do C.P.Penal ) - neste sentido, cfr. Guilherme de Oliveira, ob. cit., pág. 37, nota IV, e pág. 151, nota II ).
Nos termos do art. 1869º do Cód. Civil a maternidade deve estar previamente estabelecida ou ser pedido , conjuntamente, o seu estabelecimento. Isto é assim, mesmo quando a paternidade se presuma nos termos das alíneas a) e b) do art. 1871º do Cód. Civil, sob pena de o réu ficar impedido de se defender com a exceptio plurium ou com a prova da inexistência das relações sexuais procriantes com a mãe do investigante ( cfr. Guilherme de Oliveira, ob. cit., pág. 151 ).
O pedido de estabelecimento «conjunto» da maternidade suscita uma hipótese de coligação passiva. Esta coligação impõe-se ao juiz que, assim, não goza da faculdade prevista no art. 31º, n.º 2, do C.P.Civil.
O art. 1873º do Cód. Civil remete-nos, «...com as necessárias adaptações...», para o disposto nos art.s 1817º, 1818º, 1819º e 1821º do Cód. Civil.
As presunções legais do art. 1871º, n.º 1, do Cód. Civil podem ser:
- ilididas: art. 1871º, n.º 2, do Cód. Civil;
-impugnadas.
O art. 1871º, n.º 2, é um regime diferente do regime comum previsto no art. 350º, n.º 2, do Cód. Civil, pois não se exige nele «...a prova do contrário...». É de supor que a defesa mais frequente resultará da exceptio plurium devidamente comprovada. Contudo, não constituirá defesa suficiente face aos meios científicos ao serviço do tribunal. Assim, presumida a paternidade, o investigado tem de provar que não pode ser o pai ou, pelo menos, que a paternidade de um terceiro é mais provável do que a sua, o que só é possível com tais meios científicos.
Na investigação de paternidade, autor é o Ministério Público em representação do Estado; réu é o pretenso pai. O menor não é parte processual na acção oficiosa.
O prazo do art. 1817º, aplicável por força do art. 1873º, ambos do Cód. Civil, é de caducidade e de conhecimento oficioso ( art. 298º, n.s 1 e 2, e 333º do Cód. Civil ).
O art. 1818º do Cód. Civil respeita à legitimidade activa.
O art. 1819º do Cód. Civil respeita à legitimidade passiva.
O art. 1821º do Cód. Civil respeita aos alimentos provisórios.

1.2.3. AVERIGUAÇÃO OFICIOSA PARA IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE PRESUMIDA A REQUERIMENTO DE QUEM SE CONSIDERE PAI BIOLÓGICO DO MENOR (ART. 1841º DO CÓD. CIVIL ).

O requerimento a que alude o art. 1841º do Cód. Civil nada tem a ver com a causa de pedir da acção a instaurar, sendo antes um pressuposto processual específico da averiguação oficiosa (art.s 202º e segs. da O.T.M.).
A legitimidade do Ministério Público para impugnar a paternidade presumida está ligada ao despacho de viabilidade e não ao requerimento ( particular ) do pretenso pai real.
A este respeito consultem-se os Acs da Rel. Évora de 04.12.1980 e 04.02.1982, publicados na Col. Jurisprudência nºs 5/80, pág. 91, e 1/82, pág. 351, respectivamente, parecendo-nos, contudo, a respeito de tal matéria, que a razão de ser está antes no facto de o despacho de viabilidade resolver a questão definitivamente.
O prazo para o requerimento ao Ministério Público é de 60 ( sessenta dias ) a contar da data em que a paternidade do marido da mãe conste do registo ( art. 1841º, n.º 2, do Cód. Civil.
A lei nada diz sobre o prazo dentro do qual deve ser intentada a acção de impugnação de paternidade presumida, uma vez que apenas sujeita ao prazo de caducidade de sessenta dias o processo (prévio ) tutelar cível, cujo impulso inicial pertence a quem se declare pai ( art. 1841º do Cód. Civil ).
Assim, dentro de que lapso de tempo, contado a partir da obtenção do despacho de viabilidade, pode o Ministério Público instaurar a acção ordinária de impugnação de paternidade presumida ? Existem três hipóteses:
- a todo o tempo;
- 2 ( dois ) anos, por analogia com o disposto na alª a) ou b) do n.º 1 do art. 1842º do Cód. Civil; e
- 1 ( um ) ano, por identidade de razão com o prescrito na alª c) do n.º 1 do art. 1842º do Cód. Civil.
A nosso ver não existe qualquer lacuna, não se justificando o recurso à analogia ou ao argumento da identidade de razão, até porque aquelas normas são específicas, não admitindo interpretação extensiva ou analógica nos moldes indicados.
Assim, conclui-se que a acção pode ser instaurada a todo o tempo.
Quanto à legitimidade passiva, dispõe o art. 1846º do Cód. Civil que a acção deve ser proposta contra a mãe, contra o filho e o presumido pai, dado que não figuram nela como autores.
Note-se que quando o filho for menor não emancipado, nos termos do art. 1846º, n.º 3, do Cód. Civil, o tribunal nomear-lhe-á curador especial.

2. ACÇÕES NÃO OFICIOSAS INTENTADAS NO INTERESSSE PÚBLICO

2.1. ACÇÕES VISANDO A DETERMINAÇÃO DA DURAÇÃO CONCRETA DA GRAVIDEZ.

O art. 1799º do Cód. Civil prevê uma acção judicial de simples apreciação positiva destinada a provar a interrupção de gravidez anterior.
Esta acção é necessariamente autónoma, não podendo surgir como incidental ( art. 96º do Cód. Processo Civil ) numa acção de investigação ou de impugnação de paternidade – cfr. “...acção intentada (...) especialmente para esse fim”.
Esta autonomia é criticada por Guilherme de Oliveira, na pág. 13, nota V, do “Estabelecimento da Filiação”, citado.
Já o art. 1800º prevê 3 ( três ) acções, não autónomas, podendo surgir a título incidental.

2.2. IMPUGNAÇÃO DE MATERNIDADE ( ART. 1807º DO CÓD. CIVIL ).

A questão que aqui se coloca é a de saber se tal acção é uma acção de estado ou antes uma acção de registo.
Sobre tal matéria remetemos para Costa Pimenta, “ Filiação...”, ob. citada, págs. 60 e seguintes.
Aí se conclui pela possibilidade de uma acção de estado ou antes de uma acção de registo, com preferência por esta.