segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Depoimento Indireto

Acórdão da Relação de Coimbra, de 20-12-2011

Processo: 160/10.2JACBR.C1

Relator: José Eduardo Martins

Sumário:

Não constitui depoimento indireto, não sendo, portanto, enquadrável no art.º 129.º, do Cód. Proc. Penal e, portanto, não constituindo prova proibida, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.

A cumplicidade diferencia-se da coautoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a ação típica, direta ou indiretamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a ação típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la.

Texto Parcial:

«…Passemos, agora, à impugnação que é feita quanto aos factos relacionados com o crime de detenção de arma proibida (24, 26 e 27) – alínea R) das conclusões.

O recorrente fundamenta a sua pretensão, para além da análise que entende por bem ser feita da prova, na circunstância de, na sua perspetiva, ter sido valorada prova proibida.

É, portanto, o momento de entrarmos na análise da segunda questão acima elencada.

O recorrente considera, então, que o tribunal a quo, para formar a sua convicção quanto a determinada matéria, usou prova proibida por lei (artigo 129.º, do CPP), na medida em que se baseou no depoimento da testemunha E... que “referiu que foi A... que lhe disse que quem abriu o buraco foi B..., sendo certo que a dita A... não prestou declarações.”

Relembre-se, quanto a isto, o que consta da sentença recorrida:

“Quanto a este conspecto e à valoração do que nos vem referido pela testemunha Elisabete Rodrigues, cumprirá salientar, que pese embora estejamos perante um testemunho de ouvir dizer, é este suscetível de valoração, já que foi prestado em audiência e sendo este perante a pessoa a quem se ouviu dizer, a arguida A..., pese embora esta tenha optado por não prestar declarações, tinha a possibilidade de contraditar tal depoimento, pelo que não estamos perante um caso de proibição de valoração de prova, prevista no artigo 129.º, n.º 1, do C.P. Penal (cf., neste sentido, Ac. R.P., de 25.06.2008, e Ac. R.P., de 9.02.2005, Ac. S.T.J. de 20.04.2006, ambos in www.dgsi.pt., e Ac. do Tribunal Constitucional de 8.07.99 in DR II S, de 9.11.99).”

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Como se sabe, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova, de acordo com o artigo 128.º, do C.P.P. Porém, conforme artigo 129.º do C.P.P.:

“1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha . 3. Não pode em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através dos quais tomou conhecimento dos factos.”

Por sua vez, do artigo 343.º n.º 1 do C.P.P., resulta que o arguido “tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objeto do processo, sem que no entanto, a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.”

Antes de mais, importa referir que o depoimento em causa não pode ser qualificado como depoimento indireto sujeito à disciplina do artigo 129.º, do C.P.P.

Não desconhecemos que, nesta matéria, jurisprudência existe que entende que as declarações de uma testemunha relatando conversa mantida com o arguido constituem depoimento indireto, portanto proibido, a menos que o arguido corrobore tais declarações.

Sem embargo do devido respeito por tal posição, entendemos que, na medida em que o depoimento indireto é uma comunicação, com função informativa, de um facto de que o sujeito teve conhecimento por um terceiro (Acórdão da Relação de Lisboa de 11-10-2006, processo 5998/2006), é razoavelmente claro que não constitui depoimento indireto - portanto não enquadrável no art. 129.º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.

Com efeito, quando em audiência uma testemunha afirma o que ouviu ao arguido, que está presente e que fez uso do seu direito ao silêncio, não colocando em crise a afirmação da testemunha acerca do que afirmou lhe ter ouvido, o depoimento, não deixa, nessa parte, de poder ser valorado.

Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal - artigo 127.º, do C.P.P.

A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender.

Podemos considerar, em resumo, que a lei não fixa as regras de valoração do depoimento indireto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127.º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento direto, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro (cf. neste sentido, Acs. do STJ, de 20/11/2002, CJ, X, III, 232, Ac. da R. do Porto, de 07/11/2007, Ac. da R. de Évora, de 30/01/2007, proc. n.º 2457/06-1, in http://www.dgsi.pt).

Tudo isto vai ao encontro da jurisprudência alemã dominante, cuja credibilidade nesta matéria, como noutras, não é questionável, segundo a qual «a exclusão pura e simples dos testemunhos de ouvir dizer seria inteiramente incompatível com uma jurisprudência capaz», citando Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora 1992, pág. 165.

Sublinhe-se, ainda, que o Tribunal Constitucional já decidiu – Acórdão n.º 440/99, de 8 de julho, Processo n.º 268/99, DR, II série, de 9 de novembro de 1999, que o artigo 129º nº 1 (conjugado com o artigo 128.º n.º 1, do CPP), interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas que relatem conversas tidas com um coarguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal forma não é inconstitucional.

Mais, como referiu o S.T.J., no Acórdão de.25-01-2006, Processo. n.º 184/06-5.ª Secção, de acordo com o disposto no art. 129.°, n.º 1, do CPP, quando o depoimento indireto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.

Assim sendo, bem andou o tribunal a quo em levar em consideração o depoimento da testemunha E..., nada havendo que censurar na argumentação apresentada para o efeito que se insere nas melhores doutrina e jurisprudência.

E, por ser assim, nada há que imponha, nesta parte, a pretendida alteração da matéria de facto…»