segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Retribuição mínima mensal garantida para 2008

Decreto-Lei n.º 397/2007, D.R. n.º 251, Série I de 2007-12-31

Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

Actualiza o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2008

Orçamento do Estado para 2008

Lei n.º 67-A/2007, D.R. n.º 251, Série I, Suplemento de 2007-12-31
Assembleia da República
Orçamento do Estado para 2008

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

Lei n.º 67/2007, D.R. n.º 251, Série I de 2007-12-31
Assembleia da República
Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas

sábado, 29 de dezembro de 2007

Pequeno Índice

Pode encontrar neste blog jurídico:

- Acção tutelar comum para instituição de tutela;
- Acção de interdição por anomalia psíquica;
- Acção de internamento compulsivo;
- Acção de impugnação e de investigação de paternidade;
- Acção de impugnação de maternidade e de perfilhação e de investigação de paternidade;
- Acção de investigação de maternidade e de impugnação de paternidade presumida ( acção complexa ) em representação de menor;
- Acção sumária do art. 146º do C.I.R.E.;
- Acção de regulação do exercício do poder paternal;
- Acção de inibição do exercício do poder paternal;
- Acção de prestação de contas;
- Acção de liquidação de herança em benefício do Estado;
- Despacho de autorização para a prática de actos;
- Requerimento para a prestação de consentimento prévio com vista a futura adopção;
- Requerimento de processo de promoção e de protecção;
- Modelo de carta rogatória em inquérito;
- Contestação de pedido de autorização judicial para a prática de actos;
- Contestação em representação de ausente;
- Despacho de arquivamento;
- Forma à partilha;
- Acusação por crime de abuso de confiança à segurança social;
- Acusação com Pedido Cível;
- Acusação em processo sumaríssimo;
- Acusação em processo abreviado;
- Requerimento de julgamento de arguido em processo sumário, com adiamento para realização de exame a objecto; e
- Reclamações de créditos ( IRS, IRC, IMI, Contribuição Autárquica, IVA, C.I.R.E. ).

Para "PESQUISAR NO BLOGUE", introduza o que pretende no canto superior esquerdo, no espaço com o referido título. Ex: introduza "Interdição" e verá que será remetido para o formulário respectivo.

Prisão em dias - contagem

Um arguido é detido para cumprimento de 59 dias de prisão subsidiária às 00h00 do dia 01.01.2007.

Como calcular o termo da pena ?

Dispõe o art. 479º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal que “A prisão fixada em dias é contada considerando-se cada dia um período de vinte e quatro horas, sem prejuízo do que no artigo 481º se dispõe quanto ao momento da libertação”.

O art. 481º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal dispõe que “A libertação tem lugar na manhã do último dia do cumprimento da pena”.

Assim, o arguido em causa teria de ser libertado na manhã do dia 28.02.2007 e não na manhã do dia 01.03.2007.

E se o arguido fosse detido pelas 15h00 do dia 01.01.2007 ?

Neste caso o termo da pena ocorreria pelas 15h00 do dia 01.03.2007, pelo que o arguido teria de ser libertado na manhã do dia 01.03.2007.

Desconhecendo-se a hora a que o arguido foi detido deve presumir-se que foi detido às 00h00.

Concluindo, o contador de penas em uso só deve ser utilizado para detenções após as 12h00, estando em causa prisão fixada em dias.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Art. 371º-A do Cód. Proc. Penal

Acórdão da Relação de Guimarães, de 10.12.2007

( processo 2361/07-1, relator: Fernando Monterroso )


Sumário:

I – Sendo um arguido condenado por um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203 nº 1 e 204 nº 2 al. e), por referência ao art. 202 al. d) do Cod. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, que está a cumprir, não lhe é aplicável o regime de reabertura da audiência previsto no artº 371-A do novo CPP, com vista à suspensão da pena, pois, com tal preceito, o legislador não visou, a pretexto da entrada em vigor de Lei Nova, dar ao arguido a oportunidade de um segundo julgamento, onde possam ser colmatadas deficiências do primeiro ou considerados novos factos.

II – A redacção do art. 371-A do CPP é unívoca ao estabelecer que a audiência nele prevista limita-se à aplicação do novo regime penal mais favorável, ou seja, não basta que tenham existido alterações na lei penal geral, mas é necessário que o novo regime contenha, pelo menos, uma qualquer norma que permita conjecturar que, se já existisse no momento da condenação, poderia ter levado a uma decisão concretamente mais favorável ao arguido.

III – Ora, no caso, não existe nenhuma alteração na definição dos elementos típicos do crime, na moldura penal abstracta, na espécie de pena aplicável, nos critérios para a determinação da medida concreta da pena de prisão, ou nos requisitos substantivos da suspensão da execução da prisão.

IV – Tendo o arguido sido condenado em pena de prisão inferior a três anos, a não opção pela suspensão decorreu de não ter sido formulado o juízo de que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e, nesta parte, são coincidentes as redacções da anterior e da nova lei.

Termo de Identidade e Residência e Carta Rogatória

Acórdão da Relação de Coimbra, de 31.10.07
( Processo 1924/05.4TBACB-A.C1; relator: Fernando Ventura )

Sumário:
1. O regime do D.L. 144/99, de 31/8 admite a emissão de carta rogatória para a prestação de TIR fora do território português. 2. A emissão da carta rogatória para a notificação do arguido e prestação de TIR não é admissível quando desconhecido o paradeiro do arguido visado.

Extracto do acórdão:

“…As questões suscitadas no presente recurso são:
1. Admissibilidade legal da prestação de T.I.R. através de carta rogatória:
2. Verificação dos pressupostos para a emissão de carta rogatória com esse objecto à Justiça do Brasil.
1. Da admissibilidade legal da carta rogatória para prestação de T.I.R.
[15] O primeiro princípio que enforma o regime da cooperação judiciária internacional no Direito português é o da primazia das fontes normativas convencionais. Assim decorre do artº 8º da Constituição da República Portuguesa, no qual se estabelece a recepção plena das normas constantes de convenções internacionais que vinculem o Estado Português, assim como das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte.
[16] Em 1991, o legislador português resolveu reunir num diploma – Decreto-Lei 43/91, de 22/1 – todo o regime de cooperação judiciária internacional em matéria penal, seguindo o modelo helvético da Loi fédérale sur l'entraide judiciaire en matière pénale, de 20 de Março de 1981, e o Código de Processo Penal italiano de 22 de Setembro de 1988.
[17] Em 1999, esse regime foi revisto, com o propósito de incorporar os avanços entretanto decorrentes dos diversos instrumentos convencionais assinados por Portugal e adequar o edifício legislativo ao novo texto constitucional, decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, o que culminou com a aprovação e publicação da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, em vigor [Com as alterações das Leis 104/2001, de 25/8, 48/2003, de 22/ e lei 48/2007, de 29/8.].
[18] Este diploma, tal como o anterior D.L. 43/91, de 22/1, substitui-se em parte às normas constantes do Código de Processo Penal sobre as relações com autoridades estrangeiras, decorrentes dos artigos 229º a 240º desse código.
[19] Assim, o regime português relativamente à cooperação judiciária internacional em matéria penal decorre: em primeira linha, das normas de direito internacional que vinculem o Estado Português; em segunda linha, do regime instituído pela Lei 144/99, de 31/8; e, por fim, em tudo o que não esteja regulado, dos artigos 229º a 240º do Código de Processo Penal.
[20] Entre Portugal e o Brasil foi firmado Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal [Aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 4/94, de 3 de Fevereiro, ratificado por Decreto do Presidente da República nº 2/94, da mesma data, tendo entrado em vigor, conforme Aviso nº 329/94, publicado em 1994/11/24.]. Porém, e como refere o despacho recorrido, esse Tratado limitou a seu objecto às “diligências preparatórias e necessárias em qualquer processo penal” [Artº 1º nº1.], com as Partes Contratantes a definir o marco processual até ao qual pretendiam regular o auxílio judiciário mútuo: todos os actos processuais praticados até à decisão judicial de recebimento da acusação ou de pronúncia do arguido, inclusive [Artº 1, nº3.].
[21] Afastada a presença de instrumento convencional, importa, como referido, atentar no regime da Lei 144/99, de 31/8, mormente nos artºs 145º e segs., com vista a responder à questão de saber se comporta actos relativos a medidas de coacção.
[22] Ora, não se vê que a interpretação efectuada no despacho recorrido tenha suporte nos dispositivos que evoca.
Diz o artº 145º, sob a epígrafe “Princípio e âmbito”:
O auxílio compreende a comunicação de informações, de actos processuais e de outros actos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo bem como os actos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos da infracção.
[23] Esta formulação, não só na alusão a “actos processuais”, sem qualquer exclusão, como também a inclusão de “actos públicos”, desde que admitidos pelo direito português, transmite claramente ao intérprete o propósito de abranger a generalidade dos actos, mesmo aqueles relativos à aplicação de medidas de coacção.
[24] Este entendimento surge reforçado pela enunciação exemplificativa constante do nº 2 do artº 145º da Lei 144/99, de 31/8 [“2. O auxílio compreende, nomeadamente…” (sublinhado nosso).] e, ao contrário do referido no despacho recorrido, pelo disposto no artº 147º. Dele decorre a consagração no direito português da possibilidade de praticar, a solicitação de outro Estado, actos que implicam o recurso a medidas de coacção, ainda que com o requisito da dupla incriminação e de respeito pelos trâmites do Estado rogado.
[25] Dúvidas não ficam, então, de que o legislador pretendeu abranger no auxílio judiciário os actos de aplicação de medida de coacção, para além das medidas privativas da liberdade (aí rege a extradição e a entrega de pessoas), mormente a prestação de Termo de Identidade e Residência, nos termos do artº 196º do CPP.
[26] Assim, e como vem sendo decidido neste Tribunal da Relação de Coimbra [Cfr. Ac. do T.R.C. de 2007/09/12, Proc. 613/03.9 TAACB.C1, www.dgsi.pt.] , entendemos que o regime do D.L. 144/99, de 31/8 admite a emissão de carta rogatória [Pode definir-se carta rogatória como “mandato conferido por uma autoridade judiciária de um país a uma autoridade estrangeira para, em seu lugar, proceder a um ou mais actos especificados” – cf. Rapport Explicatif sur la Convention Européenne d'Entraide Judiciaire en Matière Pénale, ed. Conselho da Europa, 1969, p. 14.] para a prestação de TIR fora do território português.
[27] A esta conclusão não obstam as razões indicadas no despacho recorrido relativamente ao funcionamento do princípio da reciprocidade, contemplado no artº 4º do D.L. 144/99, de 31/8, pois não existem razões para crer que Estado rogado venha a negar a cooperação.
[28] E, da mesma forma, salvaguardado o devido respeito, também não colhem os argumentos relativos às condicionantes de cumprimento do depósito postal em país estrangeiro. Não se pode confundir a admissibilidade, e a propriedade, da emissão da carta rogatória com as condições de validade do acto que integra o objecto do pedido e, no caso, nunca ficaria inviabilizado recurso a forma de notificação distintas do aviso postal simples, com garantias acrescidas de recepção.
2. Da verificação dos pressupostos para a emissão
[29] Estas considerações transportam-nos para a segunda vertente do recurso, abordada na motivação, a saber, a verificação dos pressupostos para a pretendida emissão de carta rogatória para a prestação de TIR quando é desconhecido o paradeiro do arguido visado. Mais, nem mesmo consta das peças processuais enviadas a sua última residência no Brasil, país onde nasceu.
[30] Com os fenómenos migracionais que marcaram o final do século passado e o ínicio do presente e facilidade na circulação planetária, cresceram os fenómenos de criminalidade transnacional e, correspondentemente, a necessidade de aprofundar os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal, mormente evoluíndo do paradigma da cooperação para o do reconhecimento mútuo [Desde as conclusões do Conselho Europeu Tampere de Outubro de 1999 que o reconhecimento mútuo das decisões judiciais é considerado a pedra angular no domínio da cooperação judiciária na esfera da União Europeia.].
[31] Porém, e mesmo que muito tenha sido conseguido, os pedidos de cooperação internacional em matéria penal permanecem instrumentos pesados e onerosos, sobretudo fora do contexto europeu, a utilizar apenas quando esgotados todos os recursos ao alcançe da jurisdição onde decorre o procedimento e depois de asseguradas todas as condições de viabilidade na satisfação do acto rogado.
[32] Ora, tomando os elementos facultados, não se vê como pode o recorrente afirmar que “resulta sobejamente dos autos que o arguido, cidadão de nacionalidade brasileira, se encontra a residir no seu País Natal”, face aos termos lacónicos das indicações policiais, algumas com mera presunção.
[33] Acontece que, tratando-se de notificação [Embora não equacionado na promoção de emissão de rogatória, nem no despacho recorrido, importa atentar no disposto artº 336º nº3 do CPP, pelo que a pretendida carta rogatória sempre deveria envolver a notificação da acusação proferida. Aliás, dificilmente uma carta rogatória pode ter como objecto apenas a prestação de TIR. Em inquérito, envolverá o obrigatório interrogatório do arguido, caso não tenha acontecido e, nas demais fases processuais, as notificações pessoais indicadas no artº 103º nº9 do C.P.P.], o pedido de auxílio deve conter a menção do nome e residência do destinatário ou de outro local em que possa ser notificado, sem o que o pedido de auxílio não é mais de notificação, mas sim de obtenção de paradeiro, situação em que existe desproporção manifesta com a utilização de carta rogatória.
[34] Com efeito, a emissão de cartas rogatórias, tanto aquelas para a obtenção de prova, como para a notificação e prática de actos processuais, como a prestação de TIR, está dependente do respeito cumulativo dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, como decorre do disposto no artº 230º nº2 do CPP, de forma a que a apressada utilização do recurso a jurisdição estrangeira não venha a afectar a desejável celeridade de solicitações futuras e o respeito devido entre Estados.
[35] O que dizer, porém, da indicação do recorrente de que “…mesmo que não se sabendo em concreto da sua residência nada obsta ao cumprimento da Carta Rogatória, porquanto, o Ministério Público Federal junto do Supremo Tribunal de Justiça no Brasil sempre procederá às diligências atinentes à averiguação da residência do arguido nesse país”, remetendo para a tramitação verificada na carta rogatória expedida à Justiça do Brasil no Processo nº 252/00.6 TBACB?
[36] Compulsados esses elementos, verifica-se que a residência do aí arguido no Brasil é identificada na carta rogatória expedida e que o “exequatur” concedido pelo Supremo Tribunal de Justiça foi precedido de notificação postal para a residência indicada [Intimação para, querendo, impugnar o cumprimento da rogatória, conforme artº 226º do Regulamento Interno do Supremo Tribunal Federal], não devolvida. Após a mesma, o Ministério Público Federal indicou outro endereço “além do que consta nos autos” [Sublinhado nosso.]. Ou seja, situação bastante dissemelhante daquela dos presentes autos, em que se pretende confrontar a Justiça do Brasil com a absoluta ausência de determinação de endereço.
[37] Por outro lado, tomando a consideração de que o cumprimento da carta rogatória envolverá, necessariamente, actividade investigatória prévia por parte do Ministério Público Federal do Brasil, então permanece aberta a possibilidade, e a necessidade, de desencadear primeiro essa colaboração, mormente através da Procuradoria Geral da República, enquanto Autoridade Central de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, o que pode ser efectuado por simples comunicação.
[38] Aqui chegados, emerge nítida a conclusão de que, sendo admissível a pretendida emissão de carta rogatória para a notificação do arguido e prestação de TIR, não estão reunidos os pressupostos para que essa determinação aconteça.
[39] Deve então manter-se a decisão recorrida, ainda que não pelos mesmos fundamentos.
III. Dispositivo
[40] Termos em que acordam os Juízes da secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar, ainda que por diferentes fundamentos, o despacho recorrido.
[41] Sem custas (artº 522º nº1 do CPP).
Notifique.
Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).
Recurso 1924/05.4TBACB-A.C1
Coimbra,
(Fernando Ventura - relator)
(Gabriel Catarino)
(Barreto do Carmo) “

******

Já antes o Acórdão da Relação de Coimbra, de 12.09.07 ( processo 613/03.9TAACB.C1; relator: Gabriel Catarino ), decidira que:

Sumário:

A medida de coacção de termo de identidade e residência imposta ao arguido por termo nos Autos, lavrado em Auto, em diligência presidida pela Autoridade Judiciária Alemã, no caso sub judice pelo Juiz, que explicou ao arguido e lhe deu a conhecer os seus deveres de acordo com o nº 3, do artigo 196º, do Código de Processo Penal, factos que o mesmo compreendeu e do qual recebeu um duplicado traduzido em língua germânica, Auto esse que foi redigido, assinado quer pela Autoridade Judiciária competente, quer pelo arguido e por uma terceira outra pessoa, é formal e substancialmente válida, ainda que o formulário “stricto sensu” do termo de identidade e residência, enviado para o efeito, não se mostre assinado pelo arguido.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Conflito de Competência

Acórdão da Relação de Coimbra de 21.11.2007
( processo 2.177/06.2TAAVR.C1; relator: Brízida Martins )

“Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


*
I – Relatório.

1.1. A..., com os demais sinais nos autos, participou criminalmente contra B... e outros (3), também aqui mais identificados, como melhor consta de folhas 2 e segs.Tramitado o pertinente inquérito, cumprido com o estatuído pelo artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Penal [CPP], o denunciante, entretanto admitido a intervir na veste de assistente, deduziu acusação particular contra os 4 visados denunciados, imputando-lhes a autoria de um crime de difamação com publicidade e calúnia, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.ºs 1, alínea e) e 2, ambos do Código Penal [CP], advindo a responsabilização de dois dos arguidos, por força do estatuído no artigo 31.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro [vulgo Lei de Imprensa].O Ministério Público acompanhou tal acusação relativamente a três dos arguidos, e absteve-se de o fazer no que concerne a um deles. Observado agora o disposto no artigo 283.º, n. º 5 do CPP, foi a vez de os arguidos relativamente aos quais o Ministério Público acompanhou a acusação particular (3), requererem a abertura da fase de instrução (folhas 136 e segs.).Remetidos os autos á distribuição como tal (folhas 162), recebidos em Juízo, foi proferido despacho do teor seguinte:“Os arguidos, não se conformando com a acusação particular formulada pelo assistente A..., vieram requerer a abertura de instrução. Cumpre, desde já, aferir da competência territorial deste Tribunal para a presente instrução. Ora, conforme se constata pelos factos descritos na acusação particular, a consumação da prática do crime de difamação, de publicidade e calúnia foi efectuada através da publicação de notícia, em 1.09.2006, no Jornal “24 horas” e, nos termos dos arts. 30.º, 37.º e 38.º, n.º 1, da Lei de Imprensa (2/99, de 13/01): “Para conhecer dos crimes de imprensa é competente o tribunal da comarca da sede da pessoa colectiva proprietária da publicação.” Ora, a sede da pessoa colectiva proprietária elo Jornal em causa – Global Notícias, Publicações, S.A. – situa-se na Rua Gonçalo Cristóvão, n.º 195-219, 4049-011 – Porto, área geográfica da comarca do Porto. Deste modo temos pois que é o Tribunal de Instrução Criminal do Porto o territorialmente competente para a realização da requerida instrução. Nestes termos e segundo o disposto nos arts. 19.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e 33.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal: - Declaro este Tribunal incompetente, em razão do território, para proceder à requerida instrução; - Mais ordeno a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Notifique e, após trânsito, remeta os autos como determinado.”

1.2. Não se conformando com esta decisão, recorre o assistente, extraindo da motivação oferecida as conclusões seguintes:

1.2.1. Os factos vertidos na acusação particular indicam a prática pelos arguidos dos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, previstos e punidos nos artigos 180.º e 183.º, n.º 2 do Código Penal.

1.2.2. Nos termos do n.º 5, do artigo 38.º da Lei n.º 2/99, “Para conhecer dos crimes de difamação ou calúnia é competente o tribunal da comarca do domicílio do ofendido.”

1.2.3. À data da prática dos factos crimes em apreço, o ora recorrente tinha corno domicílio o Estádio Mário Duarte, em Aveiro, pelo que,

1.2.4. Respeitando o predito normativo, é territorialmente competente o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro para proceder à instrução requerida pelos arguidos.

1.2.5. Decidindo como o fez, a decisão recorrida violou o predito normativo.Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare o Tribunal Judicial de Aveiro como territorialmente competente para apreciar a instrução em mérito.



1.3. Admitido o recurso, notificados os demais sujeitos processuais ao efeito, apenas respondeu o Ministério Público, sufragando a manutenção do despacho sob censura.1.4. Remetidos os autos a esta instância de apelo, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer suscitando a questão prévia de irrecorribilidade da decisão impugnada, apenas susceptível de ser ultrapassada incidentalmente como “conflito de competência”.Cumpriu-se com o disciplinado no artigo 417.º, n.º 2 do CPP.No exame preliminar a que alude o n.º 3 deste normativo consignou-se estarmos perante hipótese de rejeição do recurso, atento o disposto, conjugadamente, nos artigos 419.º, n.º 4, alínea a); 420.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, alínea a), todos do mencionado CPP.Como assim, determinou-se a recolha de vistos dos M.mos Juízes Adjuntos e submissão dos autos á conferência.Cabe, então, ponderar e decidir.


*
II – Fundamentação.

2.1. Como decorre do antecedentemente exposto, e previamente se impõe, questão colocada é a de verificarmos se não deve, desde já, julgar-se sobre qual o tribunal territorialmente competente para conhecer dos crimes denunciados.

2.2. Para tanto seguiremos o entendimento vertido nos dois arestos mencionados pelo Ex.mo PGA no parecer oferecido, que se mostram com considerações pertinentes ao efeito, publicados ambos na Colectânea de Jurisprudência, Anos XXIII, Tomo I, págs. 141/2 (o Acórdão da Relação de Lisboa, 14 de Janeiro de 1998) e XXIV, Tomo II, pág. 152 (o do mesmo Tribunal, prolatado em 28 de Abril de 1999). Escreveu-se no primeiro deles que “1 – Aspecto fundamental da questão, e que não pode ser nunca esquecido, é o de que a declaração de incompetência não envolve apenas um tribunal (o declarado incompetente) mas sim, e pelo menos, um outro (o declarado competente, nos termos estipulados pelo artigo 33.º do CPP). É pacífico, por comummente aceite pela doutrina e jurisprudência, o entendimento segundo o qual só há conflito quando tenham passado em julgado todas as decisões sobre a competência proferidas pelos tribunais intervenientes (que poderão ser mais de dois). 2 - Sem embargo, é mister ter bem presente que no n.º 2 do art.º 34.º do CPP se prevê a cessação do conflito “logo que um dos tribunais se declarar, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso.” Ou seja, o caso julgado cede perante a pronta (e oficiosa) resolução do conflito, sendo patente o pragmatismo da lei, que coloca em primeiro e mais importante lugar a celeridade processual, em detrimento da solução “ideal”, isto é, “mais correcta”, ou “mais conforme com a lei”.(…)”.Captando de seguida a especificidade que casos como o presente suscitam, mais se anota no aludido aresto:“V – O que em primeiro lugar deve impressionar-nos nestas questões sobre a competência – … – é a dificuldade de enquadrar os recursos, quanto ao respectivo regime de subida, desde logo porque a declaração de incompetência “põe termo à causa” mas apenas no tribunal declarado incompetente (cfr. art.º 33.º do CPP; e art.º 407.º, n.º 1.a) m.d.l.). Parece, deste modo, que nos “principias gerais” – Capitulo I do Titulo I do Livro IX do C.P.Penal – não se contemplou a hipótese do recurso da decisão que declara um tribunal incompetente, até porque o n.º 2 do art.º 407.º não tem, manifestamente, aplicação neste dito caso. Ora é nossa opinião a de que não só parece, como é. Vejamos: 2 - Cremos que a solução se acha nos art.ºs 33.º, 34.º e 36.º-1 C.P.Penal, que conduzem, quanto a nós, à conclusão de que as decisões sobre a competência, cujo transito em julgado não impede a sua modificabilidade… não devem ser objecto de recurso, não tanto por força de uma inadmissibilidade legal, mas sobretudo pela sua inutilidade, e pelas desvantagens a nível da desejada celeridade processual. Mais correctamente: o único meio de reacção contra uma decisão que declara a incompetência do tribunal é a resolução em sede de conflito, e mesmo este limitado às partes face ao disposto no art.º 34.º-2 C.P.P.Abra-se um parêntesis para salientar a especificidade que ocorre na declaração de incompetência, pois quando o Tribunal se declara competente, o recurso porventura interposto dessa decisão será julgado a final (art.º 407.º-3. C.P.P.) não se colocando qualquer das questões aqui suscitadas Voltando à supra-enunciada solução: a) Declarada a incompetência, opera o comando do art.º 33.º-1 C.P.P., que (apenas) prevê a remessa do processo para o tribunal considerado competente. Logo, b) Será prematura qualquer reacção contra essa decisão, porquanto o “segundo” tribunal poderá aceitar a competência, evitando o conflito, o que é em si um fim a atingir (cf. supra, e art.º 34.º-2 C.P.P.). c) A decisão do recurso eventualmente interposto da “primeira” declaração de incompetência (caso dos autos) não vincula qualquer outro tribunal para além do recorrido. Na verdade, d) Apenas em sede de resolução de conflito há um tribunal cuja decisão se impõe a todos os tribunais intervenientes, por ter sobre eles jurisdição (cfr. art.º 36.º-1 C.P.P.). Logo, e) À partida é inútil o conhecimento do recurso, pois ele só resolveria a questão parcialmente, e na hipótese de ser provido (declarando a competência do tribunal a quo) mantendo ou criando o impasse processual na hipótese inversa (ao declarar a competência de um outro tribunal). VI – Chegados aqui, é evidente qual a conclusão a extrair de todo o exposto, que poderá formular-se em duas versões, ou formas, complementares: a) O princípio de que não há conflito sem duas (pelo menos) decisões transitadas deve ser entendido no sentido de que a questão da competência, para ser resolvida, deve aguardar a prolação de tantas decisões quantos os tribunais intervenientes, sem lugar a recurso. Se porventura a questão for dirimida nos termos aplicáveis do n.º 2 do art.º 34.º C.P. Penal, tanto melhor para a economia processual, pois aquela acabara aí. Não o sendo, cabe denúncia do conflito, cuja resolução vinculará os tribunais envolvidos. b) A questão da competência só devera ser dirimida em 2.ª instância por via de resolução de conflito, pois apenas esta é susceptível de vincular todos os tribunais intervenientes (cf. art.º 36.º-1. C.P.P.). Por outras palavras, a questão da competência está, portanto, e em larga medida, subtraída à litigância das partes, cabendo a estas tão só a legitimidade para a denúncia do conflito (art.º 35.º-2. C.P.P.) e devendo elas conformar-se com que a ele seja posto fim nos termos do citado art.º 34.º-2. Por outras palavras ainda, a irrecorribilidade das decisões proferidas ao abrigo do art.º 34.º-2. C.P.P. que, segundo parece, ninguém discutirá, é indício seguro de que também não deve caber recurso das decisões exaradas no âmbito do art.º 32.º-m.d.legal (o qual, e certamente não por acaso, alude exclusivamente à declaração de incompetência – cf. supra, V - 2.)”. Por seu turno, no segundo dos arestos mencionados, exarou-se com relevo para o caso vertente, também:“E a questão é pois a de saber se pode reagir-se de recurso da decisão que declara a incompetência do tribunal sem que se esteja perante uma situação de conflito de competências (que, …, não existe, ao menos, por ora).Perante a decisão de um único tribunal que se declara incompetente o art.º 33.º, n.º 1 do C. P. Penal prevê tão somente a remessa do processo para o tribunal considerado competente e este bem poderá aceitar essa competência e assim sendo não chega a haver conflito ficando os sujeitos processuais vinculados a tal decisão – art.º 34.º, n.º 2 do C. P. Penal. A existir decisão neste recurso ela apenas vincularia o tribunal recorrido uma vez que só em sede de conflito (…) é possível vincular todos os tribunais envolvidos.Tem-se assim por inútil o conhecimento deste recurso, por só poder resolver a questão, em parte, e apenas na hipótese em que viesse a conceder provimento ao recurso, declarando competente o tribunal …, único que ficaria vinculado pela decisão deste Tribunal; a hipótese inversa (a da competência do…) nunca seria possível conhecer quanto mais não fosse por este Tribunal carecer de competência para dirimir conflitos entre tribunais de distritos judiciais distintos. Assim, se a questão da competência vier a ser pelo Tribunal… tudo fica solucionado conforme dispõe o art.º 34.º, n.º 2 do C.P.Penal. Se não vier a aceitar a competência então, sim, estar-se-á perante um conflito que poderá ser suscitado pelo assistente mediante requerimento dirigido ao presidente do tribunal competente para a resolução – art.º 35.º, n.º 2 C.P.Penal (…). A lei ao dizer no art.º 34.º, n.º 2 C.P.Penal que o conflito cessa logo que um dos tribunais se declarar competente está a subtrair à vontade das partes a discussão sobre a competência. Estas têm apenas legitimidade para a denúncia do conflito. E citando ainda o Ac. desta Relação de 14/1/98 “o único meio de reacção contra uma decisão que declara a incompetência do Tribunal é a resolução em sede de conflito, e mesmo este limitado às partes face ao disposto no art.º 34.º, n.º 2 C.P.Penal”.(…).”

2.3. Na posse destes considerandos mostra-se de fácil intuição o desfecho da lide. O M.mo JIC de Aveiro declina a competência territorial para proceder á realização da instrução requerida, entendendo que deve ela ser efectivada pelo M.mo JIC do Porto.Sem mais, o assistente interpôs o recurso presente com o intuito de ver atribuída a competência a quem desde já a declinou.Ora, pelos fundamentos expostos, não se deve conhecer, por ora, da impugnação oferecida. Antes, devem os autos ser remetidos ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto e perante a posição que aí vier a ser assumida, seguirem os seus normais trâmites (caso de assunção de competência nesse Tribunal), ou (denegação da competência atribuída), então, ser incidentalmente suscitado o conflito negativo de competência originado.


*
III – Decisão.

São termos em que se decide não conhecer do recurso interposto, devendo os autos ser remetidos ao Tribunal a quo, e, aí proceder-se em conformidade com o expendido.

Não é devida tributação”.

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Em sentido diferente, veja-se:


Acórdão da Relação de Guimarães, de 18.10.2007

( processo 1027/07-1 , relator: Augusto Carvalho )


Sumário:


1. Dispõe o artigo 108º, do C. P. C., que a infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º determina a incompetência relativa do tribunal; Por sua vez, nos termos do nº 2, do artigo 111º, do mesmo diploma, “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”, devendo, no caso da excepção (de incompetência) ser julgada procedente, remeter-se o processo para o tribunal que for julgado competente – nº 3, do citado preceito.
2. Uma vez transitada em julgado, a decisão que conheça, mesmo oficiosamente, da excepção dilatória de incompetência relativa impõe-se dentro e fora do processo, ou seja, torna-se definitivamente vinculativa, não só para o tribunal que a profere, como também para aquele outro a quem o mesmo processo foi remetido; O julgamento da excepção da incompetência relativa põe definitivamente termo a essa questão, que não pode voltar a ser suscitada, ainda que com fundamentos diversos.
3. Verificando-se a situação de dois tribunais proferirem decisões sobre a mesma matéria, em que se declaram incompetentes, nomeadamente, em razão do valor ou do território, para apreciar e decidir certa acção, antes afirmando a competência do outro, nos termos do artigo 675º, nº 1, do C. P. C., a decisão primeiramente transitada em julgado resolve definitivamente a questão, impondo-se ao outro tribunal que, assim, a deverá acatar.

A respeito da tese defendida neste arresto, consulte-se o:

Despacho n.º 30/2007, de 22.11.2007, do Ex.mo Procurador-Geral Distrital de Coimbra, no qual se recomenda, ao abrigo do art. 58º, n.º 1, al. a), do E.M.P., face a tal tese, a interposição de recurso da decisão que declare a incompetência, no caso de se considerar que a mesma não é correcta, em processos em que o Ministério Público seja parte principal.

Mandado de Detenção Europeu e Contumácia

ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 05-12-2007
( Processo 49/03.1PATNV-A.C1; relator: INÁCIO MONTEIRO )
in http://www.dgsi.pt/


Sumário:


Não deve ser emitido mandado de detenção europeu contra arguido declarado contumaz e acusado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, para que o mesmo seja detido e entregue no tribunal onde correm os autos para prestar TIR, ser sujeito a outra medida de coacção que se considerar adequada, e para ser submetido a julgamento pelos factos por que vem acusado.



*



Já antes a mesma Relação havia formulado o



Acórdão de 21-11-2007
( processo 210/00.0TBTNV-A.C1; relator: Jorge Gonçalves ) :

"Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. O M.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas determinou a emissão de mandado de detenção europeu com vista à detenção do arguido A..., para “que o mesmo seja detido e entregue neste Tribunal para prestar TIR, ser sujeito a outra medida de coacção que se considerar adequada, e para ser submetido a julgamento nos presentes autos”.

2. Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões:



1.º O art. 2.°, n.º1 da Lei 65/03 de 23-08 dispõe que o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis com pena de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.

2.° O arguido foi acusado nos autos por dois crimes de roubo agravados na forma tentada, p. e p. pelo art. 210.°, n.º1 e 2, alínea b) com referência aos artigos 204.°, n.º 2, al. f), 22.°, 23.° e 73.° todos do C.P., puníveis com pena de prisão de 7 meses até 10 anos, encontrando-se contumaz. 3.° O Mmo. Juiz a quo emitiu mandados de detenção europeus para captura do arguido a fim de este prestar T.I.R. ou eventualmente outra medida de coacção e ser sujeito a julgamento.

4.° Nos termos do C.P.P. a detenção do arguido in casu só se mostra fundamentada ao abrigo do preceituado no artigo 337.°, n.º 1 e 336.°, n.º 2 de tal diploma legal.

5.° Porém, não havendo qualquer medida de coacção privativa de liberdade já decretada nos autos, o mesmo apenas poderá permanecer detido pelo período máximo de 48 horas nos termos do artigo 254.°, n.º 1 também do C.P.P. e 28.° da C.R.P.

6.° Tal regime aplica-se subsidiariamente ao processo de execução do MDE – cf. o artigo 34.º da Lei n.º 65/2003.

7.° Ora, no caso concreto com a eventual detenção no cumprimento de um MDE o arguido irá ficar detido no mínimo pelo período de 10 dias – cf. o artigo 26.° da Lei n.º 65/2003 - sem ser presente a um juiz com vista a aplicação de medida de coacção.

8.° Tal período de detenção é manifestamente desproporcionado aos fins que se visam com a detenção do arguido: prestação de TIR para poder ser submetido a julgamento e eventualmente sujeição a outra medida de coacção.

9.° A finalidade com que foi emitido o MDE contra o arguido é in casu, desproporcionada e violadora do disposto nos artigos 18.º (princípio da proporcionalidade) e 27. ° E 28.° todos da C.RP .

10.° Viola também os princípios que norteiam a emissão dos MDE (construção de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça, supondo um território comum de valores que federem sociedades, e princípios livremente partilhados que constituam âncoras de liberdade e segurança. Tal comunidade supõe a existência de valores e bens jurídicos comuns que devem ser tutelados pelo direito penal, aceitando os seus membros que a incriminação de comportamentos que afectem tais valores é inerente à partilha de valores comuns) e o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

11.° Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e determinar­-se a imediata recolha dos MDE expedidos.

12.° Mais deverá determinar-se caso assim se entenda que se aprecie a existência de fundamento legal para determinar a aplicação ao arguido de medida de prisão preventiva e concluindo em sentido afirmativo ser proferido despacho em conformidade, e na sequência do mesmo, então sim, determinar a detenção do arguido com recurso ao MDE.

13.° Mantendo-se, por ora, apenas o pedido de localização do arguido para que possa ser notificado e com recurso aos meios próprios em sede de cooperação internacional (cf. a Lei n.º 144/99).



3. O recurso foi admitido e o M.mo Juiz sustentou o despacho recorrido, como consta de fls. 64 e seguintes, nos termos do artigo 414.º, n.º4, do Código de Processo Penal.



4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá merecer provimento, louvando-se na argumentação desenvolvida na motivação.



5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a emissão de mandado de detenção europeu, ordenada no despacho recorrido, se mostra desproporcionada e violadora das disposições invocadas pelo recorrente, tendo em vista as finalidades que se pretendem alcançar mediante tal emissão.

2. Face aos elementos constantes dos autos de recurso, o quadro factual a considerar é o seguinte: 1) O arguido A... foi acusado, por despacho de 6 de Abril de 1999, pela prática, em 23 de Outubro de 1997, em co-autoria material e concurso real, de dois crimes de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º1 e 2, alínea b), 204.º, n.º2, alínea f), 22.º, 23.º e 72.º, todos do Código Penal. 2) O arguido nunca foi notificado da acusação, nem do despacho que designou dia para julgamento. 3) Por despacho de 3 de Março de 2000, foi declarado contumaz, com a imediata passagem de mandados de detenção nos termos do disposto no artigo 337.º, n.º1, do C.P.Penal. 4) Por despacho de 26 de Outubro de 2006, foi determinada a emissão de mandados de detenção europeus contra o arguido, por se suspeitar que “tenha saído de Portugal e se encontre dentro de um outro território europeu que faz parte do Espaço Schengen”, pretendendo-se a sua detenção para ser “entregue neste Tribunal para prestar TIR, ser sujeito a outra medida de coacção que se considerar adequada, e para ser submetido a julgamento nos presentes autos” (cf. fls. 37 destes autos de recurso).



3. Apreciando



3.1. O mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito do espaço de segurança e justiça (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março, 2003, pp. 27 segs; Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, pp. 325 segs.). A evolução das formas de cooperação penal, no âmbito europeu, deu origem a diversos instrumentos que, além do mais, visaram modernizar os procedimentos em matéria extradicional. Porém, foi sobretudo com o Tratado de Amesterdão que a cooperação judiciária em matéria penal ganhou uma nova perspectiva, como forma de realização de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.O aprofundamento desta dimensão, inspirada na noção de “espaço europeu” e orientada no sentido da construção de um espaço judiciário comum, foi impulsionado pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, que afirmou, nas suas conclusões, o princípio do reconhecimento mútuo como “pedra angular” da cooperação judiciária em matéria penal, preconizando a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes, cuja sentença já tivesse transitado em julgado, bem como a aceleração dos processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infracção (ponto 35 das conclusões). A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui, precisamente, uma concretização – a primeira - no domínio penal do referido princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a concepção tradicional do auxílio judiciário entre Estados. O “considerando” 5 da Decisão-Quadro esclarece, nos seguintes termos, a finalidade que o novo instrumento pretende realizar: O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, sendo que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.Foi para concretizar a referida Decisão-Quadro, na legislação interna, que a Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República I Série-A, nº 194, de 23 de Agosto de 2003, aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu.



3.2. O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade – artigo 1.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003.O mandado de detenção é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na supra referida Lei e na Decisão-Quadro - artigo 1.º, n.º2, da Lei n.º 65/2003.Pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses, sem controlo, em muitos casos, da dupla incriminação (artigo 2.º).A emissão em Portugal de mandado de detenção europeu compete à autoridade judiciária competente para ordenar a detenção ou a prisão da pessoa procurada nos termos da lei portuguesa, estando a emissão e a transmissão do mandado sujeitas às regras previstas no capítulo I da citada Lei n.º 65/2003 (artigos 36.º e 37.º).Nos termos da Lei e da Decisão-Quadro, o mandado de detenção europeu direcciona-se quer ao cumprimento da decisão final do processo criminal – “cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” -, quer ao cumprimento de um procedimento processual no decurso do processo – “efeitos de procedimento criminal”.



3.3. A contumácia é a situação processual de suspensão dos ulteriores termos do processo por ausência do arguido, que não haja prestado termo de identidade e residência, e que determina para o arguido declarado contumaz a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração, podendo ser decretada, como forma de desmotivação da contumácia, a proibição de obter determinados documentos, certidões ou registos, bem como o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido (artigo 337.º, n.º1 e 3, do C.P.P.).Com maior relevo para a matéria em causa nos presentes autos, saliente-se que a declaração de contumácia implica, ainda, ex lege, a passagem imediata de mandado de detenção contra o arguido, com vista a obter a sua comparência coerciva em juízo para efeitos de prestação de termo de identidade e residência e aplicação de outras medidas de coacção, sendo caso disso (artigo 337.º, n.º1, do C.P.P.). É sabido que, em princípio, ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança, como prescreve o artigo 27.º, n.º2, da Constituição da República, estando as medidas privativas da liberdade sujeitas a uma dupla reserva: reserva de lei e reserva de decisão judicial. Os mandados de detenção emitidos ex lege, tendo como único pressuposto a declaração de contumácia, estão abrangidos pela previsão geral do artigo 254.º, n.º1, alínea b), 2.ª parte, do C.P.P. e, entre as excepções ao princípio enunciado no artigo 27.º, n.º2, da Constituição da República, subordinadas ao princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade, enquadram-se na excepção prevista no n.º3, alínea f), do mesmo artigo da Lei Fundamental.Justifica-se, pois, que o legislador tenha estabelecido um apertado prazo máximo de duração da detenção, em que se admite como proporcional, necessária e adequada esta restrição do direito à liberdade individual, tendo em vista a finalidade que com a medida se pretende alcançar. Pode acontecer, porém, que a medida de coacção de prisão preventiva tenha já sido aplicada ao arguido contumaz, hipótese que o artigo 335.º, n.º1, do C.P.P., não só não exclui, mas expressamente prevê, caso em que os mandados de detenção se destinarão a dar execução a tal medida e não à aplicação ao arguido de uma medida de coacção.



3.4. Antes da entrada em vigor do regime relativo ao mandado de detenção europeu, nunca se suscitou qualquer dúvida sobre a possibilidade de difusão internacional de mandados de detenção para a execução de prisão preventiva, à semelhança do que sucedia com os mandados de detenção para efeitos de cumprimento de condenação em pena privativa da liberdade. Tal difusão internacional constituía uma fase preliminar de um processo internacional de entrega a Portugal da pessoa procurada, a desencadear após a sua detenção no estrangeiro, nos quadros tradicionais da extradição, ainda hoje vigentes fora do espaço da União Europeia.Note-se que quando a extradição se reportava a um pedido internacional de comparência num processo penal, ou seja, quando era formulada para efeitos de prosseguimento criminal e não para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade, o pedido de detenção provisória da pessoa a extraditar teria como pressuposto, necessariamente, um prévia decisão judicial que determinasse a privação da liberdade do arguido, no respeito das disposições legais do C.P.P., o que, na prática, impunha a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, desde que verificados os respectivos pressupostos (Mário Mendes Serrano, Cooperação Internacional Penal, Extradição, Regime e Praxis, CEJ, Volume I, pp. 74 e 75). Assim, havia não só que ponderar da necessidade da utilização de um mecanismo de cooperação internacional para assegurar a presença do arguido no processo penal português, mas também da admissibilidade da sujeição do arguido a prazos de detenção no estrangeiro, situação que materialmente se identificava com a figura da prisão preventiva, o que acarretava, num e noutro caso, uma adequada análise dos critérios de legalidade, adequação e proporcionalidade justificadores dessa restrição da liberdade, no quadro constitucional.Quando não estivesse em causa a execução da medida de prisão preventiva ou de detenção para efeitos de cumprimento de pena ou quando, por um qualquer outro motivo, se antevisse que o pedido de extradição subsequente não poderia vir a proceder, o mecanismo utilizado traduzia-se na averiguação do paradeiro da pessoa procurada no estrangeiro através de contactos com as autoridades policiais competentes ou, no interior do espaço Schengen, através da inserção da identidade dessa pessoa na base informatizada do Sistema de Informação Schengen (SIS), apenas para efeitos de indicação de paradeiro – artigo 98.º1 da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen de 1990 – e não para efeitos de detenção provisória como preliminar de um pedido de extradição – artigo 95.º, 1, da mesma Convenção.



3.5. No caso em análise, não oferece dúvidas que o despacho recorrido mais não pretendeu do que conferir difusão internacional, através do recurso ao mecanismo do mandado de detenção europeu, à detenção que tinha sido ordenada por força da mera declaração do arguido como contumaz, nos termos do artigo 337.º, n.º1, do C.P.P., não tendo sido decretada a medida de prisão preventiva.É certo que, de harmonia com o disposto no artigo 2.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003, diploma legal de transposição da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses. Porém, a autoridade judiciária portuguesa, sendo Portugal o Estado de emissão, não pode deixar de ter em conta o enquadramento constitucional e legal vigente, pois o mandado de detenção europeu não constitui uma realidade autónoma e isolada, que se baste a si própria, apenas sujeita às suas regras e desligada da Constituição e do quadro global da lei penal e processual do Estado de emissão. Quer isto dizer que a autoridade judiciária, confrontada com a hipótese de emissão de um mandado de detenção europeu, deve ponderar o contexto das situações processuais a que a detenção pretende dar resposta, tendo em vista que é sempre no quadro constitucional e legal de um Estado determinado que o alcance e significado dessas situações pode ser verdadeiramente determinado. Tratando-se da interpretação/aplicação das normas constantes da Lei n.º 65/2003, haverá que ter em conta a sua inserção no ordenamento jurídico em que vigora, os princípios que o regem, mormente os consagrados na Constituição. A eficácia de um mandado de detenção emitido por autoridade judiciária portuguesa projecta-se no espaço da União, implicando, de forma extrema, com os direitos fundamentais. De harmonia com o disposto no artigo 18.º, n.º2, da Constituição, no que concerne à restrição legítima de direitos, liberdades e garantias rege o chamado princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso), desdobrado em três subprincípios: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido restrito (sobre este tema, Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, p. 392). Traduzindo-se a execução de um mandado de detenção europeu numa restrição importante de um direito fundamental como o direito à liberdade, num horizonte territorial alargado, tendo em conta, igualmente, o período de tempo em que a detenção potencialmente se pode manter sem que seja tomada a decisão final de entrega, conclui-se que não só a sua prossecução, mas também a decisão que a montante é tomada quanto à sua emissão, deverão obedecer aos princípios da legalidade, da excepcionalidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade lato sensu. A decisão recorrida, pretendendo dar projecção internacional à ordem de detenção ex lege decorrente da declaração de contumácia, através da emissão de mandado de detenção europeu, não pondera os princípios da excepcionalidade e da subsidiariedade da privação da liberdade, a adequação, a necessidade ou proporcionalidade stricto sensu da medida adoptada, tendo em vista a finalidade a que se propõe.Levando às últimas consequências o raciocínio subjacente ao despacho recorrido, seria admissível a emissão de mandados de detenção europeus, com base na suspeita de permanência no território da União, contra a maioria dos arguidos declarados contumazes, porquanto: a contumácia determina a passagem imediata de mandado de detenção; muitos dos crimes tipificados no Código Penal contemplam molduras penais em que o máximo não é inferior a 12 meses. Assim, exemplificando: seria admissível emitir mandado de detenção europeu, para efeitos de procedimento criminal, por crime de ofensa à integridade física simples, independentemente de qualquer juízo concreto sobre a adequação, necessidade ou proporcionalidade da medida decretada, desde que o arguido fosse contumaz. Nesse caso, ocorre perguntar: não haveria que ponderar se, face às finalidades prosseguidas pela emissão dos referidos mandados de detenção, não seria manifestamente desproporcional e desadequado sujeitar o arguido a um prazo de detenção alargado, como ocorre na execução de um mandado de detenção europeu? Ora, o despacho que determina a detenção, decorrente da declaração de contumácia, não pondera (nem tem que ponderar), ao contrário do que sucede com o mandado de detenção resultante da aplicação da medida de prisão preventiva – e aqui identificamos uma das principais diferenças entre ambas as situações –, os mencionados critérios de adequação, necessidade ou proporcionalidade stricto sensu, e os princípios da excepcionalidade e da subsidiariedade da privação da liberdade. Sendo assim, entendemos que a possibilidade de restrição da liberdade individual que se traduza na sua privação em qualquer situação materialmente idêntica à da prisão preventiva só pode ocorrer, à luz da Constituição da República e da lei, fora dos casos de condenação transitada em julgado, na sequência de despacho judicial que, aplicando os critérios da legalidade, adequação, necessidade e proporcionalidade aos factos suficientemente indiciados, decida que essa sujeição, face aos referidos critérios, se compadece com os interesses que com a mesma se pretende alcançar. No caso de emissão de mandado de detenção europeu, com fundamento na declaração de contumácia, tendo em consideração as restrições à liberdade que implica, que se projectam para além do território nacional e podem determinar, até à decisão final de entrega, um período de detenção alargado, afigura-se-nos ser indispensável proceder à concreta ponderação dos apontados critérios, o que não foi feito pelo despacho recorrido, sendo certo que, admitindo os crimes imputados ao arguido a aplicação da medida de prisão preventiva, sempre o M.mo Juiz poderia ter decretado tal medida de coacção, se para o efeito estivessem reunidos os indispensáveis pressupostos legais, possibilidade que continua em aberto.



III – Dispositivo



Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se a recolha de todos os mandados de detenção expedidos.

Sem tributação.



Coimbra, 07-11-21

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


Jorge Gonçalves
Jorge Raposo

Gabriel Catarino

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Medida da Pena

ACÓRDÃO DO S.T.J., DE 15-02-2007 ( PROCESSO 07P003, N.º CONVENCIONAL JSTJ000, relator: Simas Santos )

in http://www.dgsi.pt/


Extracto:



“…De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);– A intensidade do dolo ou negligência;– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).Em síntese pode dizer-se que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade respeitando o limite da culpa…”.

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Acórdão da Relação de Guimarães, de 22.10.2007

( processo 1793/07-1, relator: Ricardo Silva )

Sumário:

I – Dispõe o número 3 do artigo 71º do CP que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, e ainda que se refira, no seu estrito teor literal, apenas à medida da pena, deve entender-se dada a natureza globalizante dos critérios enunciados, que na expressão medida se compreendem todas as opções relativas à pena concreta a fixar, nestas compreendidas, v. g., a opção por pena privativa ou não privativa de liberdade.
II – Por sua vez, o disposto no artº 70º do CP constitui a pedra angular de todo o racionamento relativo à pena, como norma subsidiária de todas as demais relativas a penas, onde estas não prevejam, especialmente, este ou aquele ponto e não contrariem expressamente aquele artigo o que, segundo cremos, nunca sucede.
III – Assim sendo, parece-nos clara uma imposição normativa do dever de fundamentação, na sentença, da opção pela pena de multa ou de prisão, onde a norma incriminatória preveja optativamente penas das duas naturezas, decorrente quer do dever geral de fundamentação do decidido – art. 97.°, nº 4, do CPP -, quer do disposto no referido nº 3 do artº 71º do CP.
IV – Esta questão que não foi devidamente tratada no acórdão recorrido, já que o mesmo não esclarece as razões das opções por penas de prisão, em detrimento das penas de multa susceptíveis de ser aplicadas no lugar daquelas, sendo certo que tal questão não é indiferente, nem à integridade da própria decisão, nem aos condenados, já que da diferente natureza das penas em causa, resulta um gravame essencialmente distinto para o destinatário da sua aplicação.
V – Nos termos expostos, há que declarar nulo o acórdão recorrido, por enfermar de nulidades contempladas na alínea c) do nº 1 do artº 379.° do CPP e determinar a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para aí ser proferido novo acórdão pelo mesmo tribunal que procedeu ao julgamento, por forma a serem supridas as nulidades declaradas.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

FELIZ NATAL !

Não é possível acolher "aquele que vem" se o nosso coração estiver cheio de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preocupação pelos bens materiais... É preciso, portanto, uma mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos, das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um despojamento de tudo o que nos rouba espaço ao "Senhor que vem".

É a partir de cada um de nós que começa o mundo novo. É a partir do coração novo de cada um de nós que o mundo poderá ter um novo coração !

FELIZ NATAL !

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Crime de Ameaça - Natureza Pública

Nos casos do art. 155º do Código Penal o crime de ameaça reveste natureza pública ( o procedimento criminal não depende de queixa ).

Assim, a ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos é sempre um crime de natureza pública.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Receptação Negligente - art. 231º, n.º 2, do Código Penal

A tese da não previsão da negligência no art. 231º, n.º 2, do Cód. Penal não convence.

Na verdade, não faria sentido que o legislador previsse o dolo directo e o dolo necessário no n.º 1 do art. 231º, reservando o n.º 2 do mesmo preceito apenas para o dolo eventual. Tal técnica não é seguida em qualquer preceito do Código Penal, sendo tal constatação um elemento interpretativo de monta para, desde logo, se afirmar que tal caminho interpretativo não é curial.

Por outro lado, em todas as versões do Código Penal sempre se puniu no respectivo preceito a receptação dolosa e a receptação negligente. Veja-se a este respeito a anotação ao art. 329º do Cód. Penal de 1982 de Leal Henriques – Simas Santos, em “O Código Penal de 1982”, vol. 4, 1987, páginas 259 a 260, Edição Rei dos Livros, 1989. Aí se refere o seguinte:

“O n.º 3 prevê a receptação culposa, que ocorre quando o agente, não tendo conhecimento certo da origem criminosa da coisa que adquire ou recebe, devia tê-la presumido em função da própria qualidade da coisa, da desproporção entre o preço proposto e o valor ou da condição de quem oferece.”

Tal n.º 3 do art. 329º do Cód. Penal de 1982 correspondia ao n.º 1 do artigo único do Dec. Lei n.º 28/79, de 22.02, sendo de notar que foi suprimido o seu n.º 2. Foi com o Código Penal de 1982 que a receptação negligente passou a ter relevância a título de crime, posto que até então fazia parte dos ilícitos contravencionais.

Para além do elemento interpretativo ligado à técnica de construção dos tipos e de tal elemento histórico, importa anda referir que uma opinião veiculada em Comissão Revisora de Código Penal não tem qualquer valor interpretativo de per si, ou seja, desacompanhada de outros elementos inequívocos a respeito da vontade que fez vencimento em tal Comissão.
Finalmente, a letra do art. 231º, n.º 2, do Cód. Penal plasma de forma inequívoca a negligência, quando estabelece:
“Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património, e punido…”.
Se um arguido não se assegura da legítima proveniência e apenas devia ter suspeitado, como qualquer cidadão normal, como um bom pai de família, da proveniência de facto ilícito típico contra o património, estamos perante um comportamento negligente. Para que existisse dolo eventual era necessário que o arguido previsse como possível que a coisa tivesse proveniência ilícita e que a adquirisse admitindo tal possibilidade, coisa diferente da censura pelo facto de ter suspeitado da proveniência ilícita, mas não se conformando com tal possibilidade.
Concluindo, no art. 231º, n.º 2, do Cód. Penal apenas se pune a negligência, consciente ou inconsciente, com o que divergimos da anotação do Dr. Pedro Caeiro ao preceito em causa no Comentário Conimbricense ao Código Penal e jurisprudência que se formou após tal anotação.

Denúncia e queixa por via de balcão único virtual

Portaria n.º 1593/2007, D.R. n.º 242, Série I de 2007-12-17

Ministério da Administração Interna

Cria um balcão único virtual para apresentação de denúncias de natureza criminal e estabelece os procedimentos a adoptar pela GNR, PSP e SEF com vista à prestação do novo serviço

sábado, 15 de dezembro de 2007

Acção de Inibição do Exercício do Poder Paternal

Por apenso à Acção de Regulação
Do Exercício do Poder Paternal
n.º …/…
… Juízo

Ex.mo Sr. Juiz de Direito
do Tribunal Judicial de …


O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 146º, al. i), 149º, 155º e 194º e ss da O.T.M. e dos artigos 1915º do Código Civil e 3º n.º 1, al. p) e 5º, n.º 1, al. g) ambos do Estatuto do Ministério Público, vem requerer, por apenso à Acção de Regulação do Exercício do Poder Paternal supra-referida, a instauração da presente

Acção de Inibição do Exercício do Poder Paternal

em benefício da menor Carolina …, nascida a …/…/…, natural de …

contra:

Manuel…., residente …

nos termos e com os seguintes fundamentos:

1º)
A menor Carolina …, nasceu a …/…/…, e é filha de Manuel … e Maria … – cfr. certidão de nascimento que se junta como documento 1.

2º)

No âmbito da acção n.º …/…, foi homologado, em …/…/…, o respectivo acordo de regulação do exercício do poder paternal, tendo a menor ficado à guarda e cuidados da mãe – cfr. doc. 2.

3º)
Por seu turno, fixou-se o seguinte regime de visitas da menor ao progenitor: “O pai poderá estar com a menor aos Domingos, entre as 15.00 horas e as 17.00 horas, sem prejuízo de outro convívio solicitado pelo pai e dentro da disponibilidade da mãe e da menor.”

4º)
Sucede que, o pai da menor apenas esteve com a criança em dois fins-de-semana, sendo que, desde fins de Abril de 2002, nunca mais esteve com ela – cfr. doc. 3.

5º)
Realizou-se nova conferência de pais, em 12 de Junho de 2002, onde se tentou efectuar acordo entre ambos os pais, o que não foi possível, e onde se solicitou ao IRS a elaboração de relatório social sobre os progenitores da menor- cfr. doc. 4.

6º)
No relatório social respeitante ao requerido é referido que este “não parece preocupado com as necessidades da filha.” – cfr. doc. 5.

7º)
Também ali é feita referência ao facto do requerido não ter procurado a filha, sendo que este não o faz por dificuldades de relacionamento com a requerida e a mãe desta.

8º)
Atenta a informação anterior, decidiu-se convocar o requerido para prestar declarações acerca do seu não cumprimento do direito de visitas – cfr. doc. 6.

9º)
Nessa medida, foi convocado para nova diligência, que teve lugar no dia 03 de Dezembro de 2002, e onde o progenitor se comprometeu a cumprir o regime de visitas estipulado o que iria começar a fazer no fim-de-semana seguinte – cfr. doc. 7.

10º)
Contudo, o mesmo voltou a não exercer o seu direito de visitas em relação à menor – cfr. doc. 8.

11º)
Por essa razão, foi convocada nova conferência de pais, realizada em 6 de Maio de 2003, tendo-se apurado que o progenitor da menor, desde Março e até fins de Abril de 2003, esteve com a menor, aos Domingos, durante cerca de três horas, num café da zona da sua residência – cfr. doc. 9.

12º)
Procedeu-se à realização de nova conferência de pais, a 26 de Maio de 2003, onde o progenitor se comprometeu, mais uma vez, a visitar a menor – cfr. doc. 10.

13º)
No entanto, em Janeiro de 2004, o pai ainda não havia exercido o seu direito de visitas – cfr. doc. 11

14º)
Razão pela qual foi convocada nova conferência de pais realizada em 20 de Fevereiro de 2004, onde, novamente, o progenitor se comprometeu a visitar a menor – doc. 12.

15º)
Sucede que, mais uma vez, o pai da menor nunca procurou estar com a menor, tendo sido marcada nova conferência de pais, a qual ocorreu a 03 de Dezembro de 2004 e onde referiu ter intenção de ver a filha – doc. 13 e 14.

16º)
O que nunca se verificou - doc. 15.

17º)
Realizou-se nova conferência, a 28 de Janeiro de 2005, na qual alegou não ter cumprido as visitas por falta de meio de transporte, e que doravante já o poderia fazer – doc. 16.

18º)
Contudo, e como em Dezembro ainda não havia visitado a menor, foi realizada nova conferência de pais, onde o requerido, para além de ter confirmado não visitar a filha há cerca de quatro anos e que durante um ano e meio não o fez porque não tinha transporte, referiu não ter qualquer interesse em querer efectuar as visitas à menor - doc. 17 e 18.

19º)
Por esse motivo, decidiu-se conceder um prazo de 60 dias ao progenitor, findos os quais o mesmo seria confrontado com a questão da necessidade de efectuar as visitas à sua filha.

20º)
Decorrido tal prazo, o requerido reafirmou o seu desinteresse em estar com a sua filha, não querendo estabelecer com esta qualquer tipo de contacto – doc. 19.

21º)
O requerido não demonstra qualquer preocupação pelo destino da sua filha, não mais a procurando, visitando ou por ela mostrando qualquer interesse.

22º)
O requerido nunca pagou a pensão de alimentos nem contribuiu até ao presente com qualquer montante para a subsistência e educação da filha, sendo o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores que o tem substituído nessa tarefa, embora sabendo que a mãe da criança tem escassos proventos económicos- doc. 6.

23º)
O requerido não só infringiu culposamente o dever de visitas para com a filha, com grave prejuízo desta, como intencionalmente se alheia e rejeita o seu poder-dever parental com aquela, apesar de estar ciente das necessidades afectivas e de referência parental que a criança necessita para o seu desenvolvimento harmonioso.

Nessa medida,

24º)
Deve o requerido ser inibido totalmente de exercer o poder paternal relativamente à filha.

Termos em que se requer que, distribuída e autuada a presente acção, se digne ordenar a citação do requerido para contestar, nos termos do disposto no artigo 195º da O.T.M. e, realizadas as diligências tidas por pertinentes, seja decretada a inibição.


VALOR: 14 963,95 (catorze mil novecentos e sessenta e três euros e noventa e cinco cêntimos)

JUNTA: 19 documentos, cópias e duplicados legais.

ROL DE TESTEMUNHAS
(…)

O Procurador-Adjunto

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Um acórdão interessante - competência em caso de vários crimes elencados no art. 16º, n.º 2, al a), do C. P. Penal

Sumário:

Se no mesmo processo são mais de um os crimes abrangidos pela previsão da alínea a) do nº 2 do art. 16º do Código de Processo Penal, a competência para o julgamento pertence ao tribunal colectivo, quando o limite máximo da pena aplicável ao concurso de crimes é superior a 5 anos de prisão.


Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No processo supra identificado, findo o inquérito, o MP deduziu acusação, para julgamento em processo colectivo, contra o arguido B………., imputando-lhe a prática de factos que qualificou como susceptíveis de integrar em autoria material, na forma consumada e em concurso real, em número de 2, a previsão do tipo legal de crime de resistência e coacção sobre funcionário, pp. e pp. pelo artigo 347º C Penal. Distribuído o processo à .ª Vara Criminal do Círculo do Porto, aí foi, proferido o seguinte despacho:“ao arguido vem imputada a prática de 2 crimes de resistência e coacção sobre funcionário, pp. e pp. pelo artigo 347º C Penal, tendo sido requerido o julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo. Pese embora o número de crimes em apreço (no mínimo é discutível se se trata apenas de um crime, pois que o tipo e, apreço não visa a protecção de cada agente da autoridade, mas, isso sim, a protecção da objectiva actuação da autoridade), denegamos a atribuída competência, porquanto a competência para o julgamento de tais ilícitos é sempre do tribunal singular, conforme decorre imperativamente do preceituado no artigo 16º/2 alínea a) C P Penal. Termos em que e, sem necessidade de maiores considerandos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º “a contrario”, 16º, 32º/1 e 33º C P Penal, declaramos este Tribunal incompetente para julgar os presentes autos, competência, que, salvo melhor opinião, deve ser atribuída aos Juízos Criminais do Porto, a quem deverão ser os autos remetidos para ali virem a ser distribuídos. Não se vislumbra que existam actos urgentes que devam ser levados a cabo nesta altura, cfr. artigo 33º/2 C P Penal.Notifique.Após trânsito, remeta os autos conforme supra ordenado e dê conhecimento ao ilustre subscritor da acusação”. Nos juízos Criminais, foi proferido o seguinte despacho:“registe e autue como processo comum. Questão prévia:Nos presentes autos o arguido B………. encontra-se acusado pela autoria material e em concurso real por 2 crimes de resistência e coacção a funcionário, pp. e pp. pelo artigo 347º C Penal, cabendo a cada um deles prisão até 5 anos.O MP acusou o arguido em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo, não tendo por isso feito uso do artigo 16º/3 C P Penal.O processo foi distribuído pela .ª Vara Criminal do Porto, que conforme despacho de fls. 131 se declarou materialmente incompetente para julgar os crimes dos autos e competente o Tribunal de estrutura singular, nos termos aí alinhados.Previamente ao despacho que declarou o tribunal de estrutura colectiva materialmente incompetente, não houve efectiva e transitada convolação da qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação e imputados ao arguido, pelo que se mantém a mesma qualificação jurídica constante daquela.Ora salvo o devido respeito por opinião diversa, não concordamos com a douta opinião aí expressa.Na situação em apreço, o arguido foi acusado pela autoria material e em concurso real, por 2 crimes e a pena máxima abstractamente aplicável é superior a 5 anos de prisão, mais concretamente 10 anos.Ora nos termos do artigo 16º/2 C P Penal, “compete também ao tribunal singular, em matéria penal julgar os processos que respeitarem a crimes:a) previstos no capítulo III do Título V do Livro II C Penal:b) cuja pena máxima, abstractamente aplicável seja igual o inferior a 5 nos de prisão”.Em nenhum sítio deste número se diz, ainda que em situação de concurso.É que para a situação de concurso de crimes, ainda que, com os constantes das alíneas a) rege o nº. 3 do artigo 16º C P Penal, que prescreve que, “compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos no artigo 14º/2 alínea a), mesmo que em caso de concurso de infracções, quando o MP na acusação ou em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena superior a 5 anos”.Isto significa que em primeira linha a competência para julgar os processos cuja pena máxima aplicável for superior a 5 anos, pertence a um Tribunal de estrutura colectiva e, só a intervenção limitativa do MP, fazendo uso do artigo 16º/3 C P Penal, atribui competência para julgar o processo a um Tribunal singular.No caso dos autos o MP acusou em processo e com a intervenção do Tribunal Colectivo, pelo que a competência para julgar o concurso de infracções imputadas ao arguido, pertence ao Tribunal de estrutura colectiva, cfr. artigo 14º/2 alínea b) C P Penal, pois que não foi feito uso do disposto no artigo 16º/3 C P Penal.Em conformidade com o que vimos dizendo, pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto de 16.5.2007, in http://wwwdgsi.pt/jtrp com o nº. convencional JTRP00040327, que se debruça sobre a competência do Tribunal, no caso de concurso de infracções.Pelo exposto e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 14º/2 alínea b) e 16º/2 alínea b) e nº. 3 “a contrario”, ambos do C P Penal, declaro este Tribunal singular incompetente para proceder ao julgamento dos presentes autos.Nos termos do estabelecido no artigo 32º/1 C P Penal a incompetência do tribunal é do conhecimento e declarada oficiosamente.Pelo exposto, atenta a moldura dos crimes imputados ao arguido e ao disposto nas citadas disposições legais, declaro incompetente este Tribunal singular para julgamento dos presentes autos, cabendo a competência, para o efeito à .ª Vara Criminal do Porto. Notifique. Após trânsito, abra vista a fim de ser levantado conflito negativo de competência. Ambos os despachos transitaram em julgado.Foi suscitado o conflito negativo de competência, pelo Magistrado do MP junto deste último Tribunal.Aqui foi dado cumprimento ao disposto no artigo 36º/2 do C P Penal, ninguém, se tendo pronunciado.Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, defendendo que a competência deve ser atribuída ao Tribunal Colectivo, pois que no caso, ao concurso de crimes, corresponde a moldura penal abstracta de 10 anos de prisão, no seu limite máximo.Foram colhidos os vistos legais.Foram os autos presentes à conferência.Há que decidir.

II. FundamentaçãoNa interpretação, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador.O texto é o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.Por um lado, apresenta-se com uma função negativa:a de eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, correspondência ou ressonância nas palavras da lei, e, por outro, com uma função positiva, nos seguintes termos: “primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador; quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto produz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exacto, de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”, cfr. João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, pág. 182.Ora, e no caso, não só se deve eliminar esse outro sentido, por não ter qualquer apoio nas palavras da lei, como, porque o texto da norma comporta apenas aquele afirmado sentido e outras normas se não conhecem que apontem para que o pensamento do legislador se tenha exprimido, digamos deste modo, por defeito.As normas em confronto para a resolução do presente conflito, são as seguintes:artigo 14º C P Penal:nº. 1, compete ao tribunal colectivo, em matéria penal, julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal do júri, respeitarem a crimes previstos no título III e no capítulo I do título V do livro II do C Penal;nº. 2, compete ainda ao tribunal colectivo julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes:alínea a) dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa , ou,alínea b) cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 5 anos de prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime.Artigo 16º C P Penal:nº 1, compete ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que por lei não couberem na competência dos tribunais de outra espécie;nº. 2, compete também a tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que respeitarem a crimes:alínea a) previstos no capítulo II do título V do livro II do C Penal;alínea b) cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a 5 anos de prisão;nº. 3, compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos no artigo 14º/2 alínea b), mesmo em caso de concurso de infracções, quando o MP, na acusação, ou em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.Pela sistematização contida no C P Penal, que não será inocente, podemos concluir que, em termos de competência em matéria penal, o regime legal vigente, estruturou a sua atribuição, pelas várias hipóteses, definindo-as, no artigo 13º, quanto ao tribunal de júri, que ao caso não interessa, no artigo 14º, quanto ao tribunal colectivo e no artigo 16º, quanto ao tribunal singular.Compete, então, ao tribunal colectivo julgar:os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal de júri, respeitarem a crimes previstos no Título III e no capítulo V do Livro II do C Penal, nº.1;os processos que não devendo ser julgados em tribunal singular, respeitarem a crimes,dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa, ou,cuja pena máxima, abstractamente aplicável, for superior a 5 anos de prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime.No que se reporta à competência do tribunal singular, resulta, então, que lhe compete julgar:os processos que por lei não couberem na competência dos tribunais de outra espécie, júri ou colectivo;os processos que respeitarem a crimes previstos no capítulo II do Título V do Livro II do C Penal;os processos cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a 5 anos de prisão;os processos por crimes previstos no artigo 14º/2 alínea b) C Penal, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o MP. entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.Por sua vez, o artigo 15º dispõe que para o efeito do disposto nos artigos 13º e 14º que definem a competência dos tribunais de júri e colectivo, na determinação da pena abstractamente aplicável são levadas em conta todas as circunstâncias que possam elevar o máximo legal da pena a aplicar no processo. Donde se tem que levar em consideração, no caso, a circunstância modificativa agravante, que constitui o concurso de crimes, artigo 77º/1 C Penal.Assim, nos termos do referido artigo 15º, não há que atender apenas ao máximo legal da pena a aplicar ao crime, mas ao máximo legal da pena que pode ser aplicada ao arguido no processo. Pois que o mesmo processo pode ter por objecto vários crimes e do concurso de crimes resulta que a pena a aplicar há-de ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes, em concurso, artigo 77º/2 C Penal.A competência do tribunal singular surge, então definida, de forma residual. Compete ao tribunal singular julgar todos os processos que não couberem na competência dos tribunais de outra espécie, de júri ou colectivo.As regras sobre a competência, digamos funcional, dos tribunais judiciais, em matéria penal, está definida, em regra, para o caso de unidade criminosa, seja de um único crime, a ser julgado em cada processo. Para o caso de concurso de crimes, regem apenas as regras contidas nos artigos 14º/2 alínea b), 15º e 16º/3, únicas daquele universo, onde a situação está prevista.Assim, da interpretação conjugada destas 3 normas resulta que compete, em caso de concurso, ao tribunal colectivo julgar os processos que respeitem a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável for superior a 5 anos de prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime, salvo se o MP entender que, no caso concreto, não deve ser aplicada pena superior aquela.Isto será assim, o que, de resto, constitui o cerne do suscitado conflito, independentemente de do concurso fazerem parte crimes que, se julgados sozinhos, pelo critério definido no artigo 16º, fossem da competência do tribunal singular, por força do critério qualitativo.Critério este, definido pela espécie do crime, que está na origem do entendimento de que crimes, como o de resistência e coacção a funcionário, inserido no capítulo II do Título V do Livro II do C Penal, dado que a apreensão da prova, neste caso, em regra, não oferece grande dificuldade, devam ser julgados pelo tribunal singular.Ademais diga-se que este crime de resistência, em caso de ser julgado sozinho num processo, em caso de unidade criminosa, portanto, seria da competência do tribunal singular, quer por força do critério qualitativo contido na alínea a) do nº. 2 do artigo 16º, quer por força do critério quantitativo contido na alínea b) da mesma norma.Isto resulta assim, desde sempre, dado que a alínea b), na versão inicial C P Penal, se reportava a processos que respeitassem a crime cuja pena máxima, abstractamente aplicável, fosse igual ou inferior a 3 anos de prisão, o que acontecia no caso, do então denominado crime de coacção de funcionários e de desobediência, cfr. artigos 384º, 385º e 388º C Penal de 1982 e, assim, continuou, depois da alteração introduzida pelo Decreto Lei 317/95 de 28.11, através da qual se estendeu a competência do tribunal singular para o julgamento de crimes puníveis com prisão até 5 anos. Limite que continuou a conter a moldura penal abstracta do crime de resistência e coacção sobre funcionário, que entretanto, passou a estar previsto, por força da Reforma do C Penal operada através do Decreto Lei 48/95 de 15.3, no artigo 347º. Uma vez que o arguido vem acusado pela prática de 2 crimes, em concurso real, de resistência e coacção a funcionário, tipo legal, incluído no capítulo dos crimes contra a autoridade pública, contido no capítulo II do Título V do Livro II do C Penal, correspondendo a cada um, em abstracto, moldura penal, que no seu limite máximo, não ultrapassa os 5 anos de prisão, não tem sentido, não tem qualquer utilidade prática, a invocação do normativo contido na apontada alínea a), pois que mesmo sem a sua existência, por força da alínea b), qualquer deles, de per si, seria conhecido em processo singular.A previsão da alínea a), para os crimes de resistência e de desobediência, é absorvida pela previsão da alínea b) do nº. 2 do artigo 16º.Assim temos que, por força do exposto, em caso de concurso de crimes, no que ao caso interessa, de resistência e coacção a funcionário, o critério para a determinação da competência do tribunal, é apenas e sempre estritamente, quantitativo, por força do estatuído nos artigos 14º/2 alínea b) e 16º/2 alínea b) C P Penal.Constitui regra básica da interpretação, que onde o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir. Nenhum fundamento válido, nenhuma razão de ser relevante, nenhum suporte, se perscruta, no texto ou na mente do legislador, para que, como pretende o Sr. Juiz da Vara Criminal, se exclua da previsão contida no artigo 14º/2 alínea b), a situação de concurso real de 2 crimes dos elencados na alínea 16º/2 alínea a).Esta interpretação restritiva desvirtua o sentido da norma e a indicação dada pelo legislador.molduras abstractas correspondentes aos crimes de resistência e de desobediência, para que não sejam tidas em conta, no critério da determinação da competência do tribunal, por decorrência, necessária, Se os crimes da alínea a) do nº. 2 do artigo 16º, estão em relação de concurso real e por isso, são as respectivas molduras individuais, que contribuem para a determinação da pena máxima aplicável, sendo esta que, em última e decisiva análise, determina a competência funcional do tribunal, então estamos caídos no campo de previsão do artigo 14º/2 alínea b) desde que a moldura penal abstracta, do concurso, seja superior a 5 anos de prisão, o que acontece no caso.Isto é, se as molduras penais valem, naturalmente, para a determinação da pena máxima aplicável e se esta é que determina a competência do Tribunal, então aquelas têm, necessariamente, relevância, nesta sede.Assim se dará prevalência ao critério quantitativo, que atende à gravidade da pena aplicável.E no caso o que temos, é que, no actual estado do processo, por força do concurso real de crimes, a moldura penal abstracta tem como limite máximo prisão até 10 anos, sendo certo que o MP não lançou mão do expediente contido no artigo 16º/2 C P Penal, para requerer o julgamento pelo tribunal singular.Por outro lado, a prevalecer a tese do Sr. Juiz do tribunal colectivo, teríamos que no caso, de realização do julgamento pelo tribunal singular, este tribunal que nunca poderia aplicar pena superior a 5 anos de prisão, pois que para tanto lhe falta competência funcional, uma vez que estava já decidida a questão da atribuição da competência, na sequência do suscitado e decidido conflito negativo de competência, que não poderia ser renovado, poderia ser colocado perante a hipótese de ver limitada, excluída mesmo, a aplicação do princípio legal da determinação da pena em função da culpa, se concluísse que a medida da pena ajustada e adequada seria superior a 5 anos de prisão e ver-se-ia, então, na impossibilidade de a fazer aplicar, forçado a aplicar pena inferior, dentro do limite da sua competência funcional.Situação, que ao contrário, com a competência do tribunal colectivo, o que se pode vir a colocar é uma situação de excesso de competência funcional, como de resto, em muitas outras situações.No entanto, segundo a velha regra de que quem pode o mais, pode o menos, quem pode aplicar pena superior a 5 anos, também, pode aplicar pena inferior. Presume-se que quanto mais solene é o tribunal, maiores são as garantias de defesa, donde não haveria prejuízo para o arguido, por ser julgado em tribunal com maior solenidade, cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. I, 148. Em resumo:na sequência de o MP ter deduzido acusação em processo comum com a intervenção do Tribunal colectivo, imputando ao arguido a prática, em concurso real, de factos, susceptíveis de integrar a previsão do tipo legal de crime de resistência e coacção a funcionário, p. e p. pelo artigo 347º do C Penal, em número de 2, o julgamento não pode deixar de ter lugar pelo tribunal colectivo.Nem se diga, questão de resto, aflorada pelo Sr. Juiz da vara Criminal que o MP não atentou no facto de que sendo o bem jurídico protegido pela incriminação, o da autonomia intencional do Estado, o da liberdade de actuação do Estado contra ataques que a impeçam ou dificultem, não releva o nº. de agentes que no caso são confrontados directamente com a actuação do agente.Com efeito, se é certo que esta actuação das forças de autoridade de reposição da ordem e da legalidade, por norma, não é levada acabo por agentes isolados, antes em conjunto, brigada ou patrulha, por razões óbvias de eficácia e prestígio da autoridade, nada impede, que em determinadas situações possa ocorrer que o visado pela actuação impeditiva do agente seja um agente sozinho, sendo no entanto indiferente para a incriminação, o número de agentes visados em concreto.Existe sempre unidade criminosa, apesar da pluralidade de agentes de autoridade, “desautorizados” pelo agente, cfr. entre muitos outros, AC,s. RE de 19.2.2002, in CJ, I, 278 e STJ de 18.2.2004, in CJ, S, I, 205.Se assim é, inequivocamente, com efeito, o certo é que na acusação pública se entendeu de forma diversa e como refere o Sr. Juiz do Tribunal Criminal, não foi alterada, rectificada a qualificação jurídica constante da acusação, pelo que sendo esta a que subsiste, sendo esta, de resto, única qualificação jurídica feita nos autos, enquanto outra, consolidada não exista, é a ela que nos temos que reportar para decidir sobre os trâmites normais do processo e designadamente sobre a competência do tribunal.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar incompetente o .º Juízo Criminal da Comarca do Porto, para julgamento do processo em epígrafe identificado, deferindo a competência à .ª Vara Criminal do Porto.
Sem custas.
Comunique e notifique, artigo 36º/5 C P Penal.
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.
Porto, 2007.Dezembro.05
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Aplicação oficiosa da lei penal mais favorável - art. 50º, n.º 5, do Código Penal

Um modelo de interposição de recurso para reflexão sobre a matéria.



Comum Singular n.º ...,
do ... Juízo

Ex.mo Sr. Juiz de Direito do
Tribunal Judicial de ...


O Ministério Público, não se conformando com o despacho de fls. 201 e verso do processo à margem identificado, vem, nos termos dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal, dele interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de ..., a subir imediatamente (art. 407.º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal), em separado (art. 406.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal) e com efeito meramente devolutivo (art. 408.º, a contrario, do Cód. Proc. Penal).
Para o efeito junta a sua motivação.
Mais requer a Vossa Excelência que se digne admitir o presente recurso e instruí-lo com certidão de fls. 174 a 180, com nota de trânsito em julgado, e de fls. 195 a 201 e verso dos autos à margem identificados.


***

Motivação



Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores:

O arguido Álvaro ... foi condenado em cúmulo jurídico na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
O prazo em causa de suspensão de execução da pena de prisão fixada não é hoje admissível, dada a alteração introduzida no art. 50º do Cód. Penal pela Lei n.º 59/07, de 04.09 ) – cf. art. 50º, n.º 5.
Em face disso promovemos nos autos o seguinte:
“…As questões que se colocam são as seguintes: deve ou não a lei penal mais favorável aplicar-se retroactivamente ? E, nesse caso, como ? Poder-se-á alterar a condenação, fazendo corresponder, por exemplo, à suspensão mais curta a existência de deveres que não foram fixados ?
Citamos aqui parte do Acórdão da Relação de Coimbra de 07.11.2007, processo 287/05.2JACBR.C1, in www.dgsi.pt :
“…o nº 4 do artigo 2º do mesmo livro de leis estendeu, na esteira de alguma doutrina, que há já algum tempo clamava pela inconstitucionalidade deste segmento de norma, [Cfr. Taipa de Carvalho, Américo, in “Sucessão de Leis no Tempo”, Coimbra Editora, págs. 213 a 255] o princípio basilar e axial da proibição da retroactividade mais desfavorável – cfr. artigos 18º, nº2 e nº1 e nº4, segunda parte, do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa - aos casos em que já tenha ocorrido condenação do arguido, “ainda que transitada em julgado”. O princípio da proibição da retroactividade desfavorável congraçado com o princípio da imposição da retroactividade mais favorável [Cfr. op. loc. cit. pág. 102], “assumidos pela perspectiva político-criminal do princípio da culpa, pela perspectiva jurídico-política da teoria constitucional dos direitos fundamentais no contexto do aprofundamento destes direitos, levado a cabo pelo Estado de Direito Material”, “[…] impõem que, no actual momento, tanto a proibição da retroactividade in peius como a imposição da retroactividade in melius devem considerar-se como garantias ou mesmo direitos fundamentais constitucionalmente consagrados”. “No plano jurídico-penal, tal princípio da restrição mínima dos direitos fundamentais conduz ao princípio da indispensabilidade ou da máxima limitação da pena: a pena e o seu quanto só se justificam, juridico-constitucionalmente, na medida do indispensável à salvaguarda dos «direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (Constituição da República Portuguesa, artigo 18.º-2.). Um tal princípio constitucional projectado na «aplicação da lei penal no tempo» vincula à retroactividade da lex mitior: se o legislador entende que uma pena menos grave e, portanto, menos limitadora dos direitos fundamentais, máxima da liberdade, é suficiente para realizar as funções político-criminais de prevenção geral (de integração e de intimidação) e de prevenção especial (também de integração e de intimidação do delinquente ), então esta terá de aplicar-se retroactivamente. O contrário seria aplicar uma pena que, no momento da aplicação (ou mesmo da execução), é tida como desnecessária e, portanto, seria inconstitucional”. “As alterações legislativas penais ou sucessão de leis penais em sentido amplo podem derivar da mutação da concepção do legislador sobre a ilicitude do facto ou sobre a necessidade político-criminal da pena, quer em sentido negativo (lei despenalizadora), quer em sentido afirmativo (lei penalizadora)”, sendo que no confronto que vier a ser efectuado quanto à aplicabilidade do regime mais favorável se há-de ter em consideração a totalidade ou conjunto de factores que possam influenciar positivamente a avaliação da conduta do arguido medida ou perspectivada segundo a orientação que o legislador pretendeu inculcar no regime político de aplicação e execução das sanções penais previstas no ordenamento jurídico-penal.O regime de suspensão que o legislador estatuiu no artigo 50º do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 04.09, inculca uma alteração do paradigma do instituto da suspensão da pena, no tocante ao período máximo da prisão possível para decretamento da suspensão…”.
A referida alteração de paradigma verifica-se também no que respeita aos prazos de suspensão (art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal).
Ora, as questões supra-colocadas leva a questionar se a aplicação da lei mais favorável pressupõe sempre a reabertura da audiência de julgamento nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal, a qual depende de requerimento do arguido. Ou se a aplicação da lei mais favorável pode/deve ser feita oficiosamente, designadamente naqueles casos em que é manifesto que o arguido só pode ser beneficiado pela lei nova, como será o caso da pena de prisão suspensa do arguido destes autos, uma vez que o prazo respectivo teria de ser alterado para menos. Só que a questão afigura-se-nos mais complexa, quando se pergunta se o tribunal pode ou não fazer corresponder deveres ao prazo mais curto de suspensão que resulta da lei nova, deveres esses que não constavam da sentença anterior.
Para nós tais deveres ( cf. art. 51º do Cód. Penal ) não podem ser adicionados, após redução do prazo da suspensão, por força do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal, posto que, não constando os mesmos da sentença, seria sempre um adicionar mais desfavorável ao arguido.
Por outro lado, se para alterar uma pena de prisão para uma pena de prisão suspensa deve o arguido requerer a reabertura da audiência de julgamento, nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal, entendemos que para aplicação do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal não é necessário o recurso ao disposto no art. 371º-A do Cód. Proc. Penal referido, posto que a única operação admissível é a mera redução do prazo de suspensão, não sendo admissível qualquer alteração da condenação, como por exemplo, através da adição dos aludidos deveres que não constavam da sentença/acórdão.
Há, pois, que distinguir, no âmbito da lei nova, os casos do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal dos casos em que penas de prisão efectiva podem ser modificadas para penas de prisão suspensas na sua execução. Se nestes casos tal operação só é possível a requerimento do arguido – art. 371º-A do Cód. Proc. Penal -, posto que importa reabrir a audiência de julgamento e formular nova sentença que aplique ou não a lei mais favorável, já em casos como o dos autos, do que se trata é de uma mera operação aritmética de mais para menos, ou seja, de reduzir o prazo da suspensão da execução das pena de prisão ao limite – 17 meses - do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal, o qual resulta automaticamente fixado a partir da pena de prisão aplicada.
Assim entendemos que o prazo fixado nos autos de suspensão de execução da pena de prisão deverá ser alterado por força da aplicação da lei mais favorável – art. 2º, n.º 4, e 50º, n.º 5, do Cód. Penal -, o que se promove que seja declarado em relação ao arguido”.
A M.M. Juiz indeferiu o promovido pelo despacho ora sob recurso, sustentando que a sentença condenatória transitou em julgado e que os arguidos não requereram a aplicação da lei mais favorável ao abrigo do art. 371-A do Cód. Proc. Penal.
A nosso ver, porém, com tal despacho violou-se de uma só vez o disposto nos arts. 18º e 29º, n.º 4, 2ª parte da Constituição das República Portuguesa e ainda o art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal.
A título de curiosidade refira-se que em Espanha o Código penal consagra há mais de cem anos a retroactividade da lex mitior, mesmo que já tenha transitado em julgado a sentença condenatória ( cf. Américo A. Taipa de carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 105 ).
Conforme sustenta Taipa de Carvalho, “…é, hoje – o autor escrevia ainda antes das novas redacções do Código Penal e de Processo Penal – incorrecta a classificação da proibição da retroactividade como princípio geral da «aplicação da lei penal no tempo» e da retroactividade da lei mais favorável como excepção. Deverá antes e com legitimidade, afirmar-se que o princípio é o da aplicação da lei penal mais favorável” ( cf. ob. citada, pág. 107 ).
“…Na verdade o princípio base, que regula a sucessão de leis penais no nosso direito positivo não é o da irretroactividade. A irretroactividade é um dos corolários de um princípio superior ( favor libertatis), o qual, em homenagem à liberdade do cidadão, lhe assegura o tratamento penal mais mitigado entre o do momento da prática do delito e os tratamentos estabelecidos por lei sucessivas” ( A. Pagliaro, citado na nota 136 da pág. 107 da ob. cit. ).
“…Compreendia-se que o Código Penal de 1852 e o de 1886 classificassem como excepções as hipóteses de retroactividade da lei penal favorável; a matéria da vigência temporal da lei penal era dominada pela proibição da retroactividade da lei desfavorável, pois estava ainda bem viva a arbitrariedade legislativa na atribuição persecutória de eficácia retroactiva à lei penal. Acresce a esta razão decisiva o facto de a política criminal ainda estar, nessa altura, a dar os primeiros passos.
Hoje, já não se compreende, pelo que vimos, classificar de excepções as hipóteses de retroactividade favorável; assim o parece ter entendido o legislador penal de 1982 que, no art. 2º, não as menciona como excepções…” ( ob. citada, páginas 107 a 108 ).
Note-se que o art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal foi objecto de nova redacção com a Lei n.º 59/07, de 04.09, que veio agora estabelecer de forma inequívoca, mais a mais se conjugado com o art. 371-A do Cód. Proc. Penal, o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável.
Note-se ainda que o art. 3º, n.º 2, do R.G.C.O, na redacção do Dec. Lei n.º 244/95, de 14.09, eliminou o impedimento do caso julgado, estabelecendo que a aplicação retroactiva da lei nova contra-ordenacional mais favorável só não se fará, quando a decisão ou sentença contra-ordenacional tiver sido já executada, no momento em que entrou em vigor a lei nova – “aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada».
Se assim é em relação a decisões ou sentenças cujo objecto principal é aplicação de uma sanção pecuniária ( coima ), que não constitui um mal absoluto ( pois que, em termos práticos, ao “empobrecimento” do condenado corresponde um “enriquecimento” do Estado-Administração e, indirectamente, da comunidade social ), por maioria de razão o deverá ser em relação a sentenças finais, mesmo que transitadas em julgado, desde que a execução ou cumprimento da pena de prisão ( ou das penas acessórias ) ainda não se tenha esgotado; por maioria de razão uma vez que as sanções penais, especialmente a pena de prisão ( e excluindo a pena de multa ), são um mal absoluto, pois que elas em si não trazem qualquer vantagem a ninguém.
É este um argumento contra o tratamento do limite do caso julgado à aplicação da lei retroactiva da lei penal mais favorável como um tabu ( cf. no sentido acabado de expor, Taipa de Carvalho, ob. citada, páginas 113 a 114 e 147 a 149 ).
A problemática da sucessão de leis penais tem sido resolvida através da teoria ou critério da continuidade normativo-típica, que não importa aqui desenvolver, por desnecessário.
Verificando-se uma verdadeira sucessão de leis penais, há que determinar qual das leis em confronto é mais favorável ao arguido. Levantam-se, aqui, dois problemas:
- Ponderação unitária ou diferenciada ? A este respeito conhece-se o Assento do STJ, de 15.02.1989, publicado no DR I-A, de 17.03.1989; contra, Taipa de Carvalho, ob. citada, páginas 192 e segs..
- Ponderação abstracta ou concreta ?
Esta última questão é a que mais nos interessa.
A opção vai há muito para a ponderação concreta: é relativamente ao caso sub iudice que se deve determinar qual das leis mais favorece ( ou melhor, menos desfavorece ) o infractor. Tal decisão pressupõe que o tribunal realize todo o processo de determinação da pena concreta ( art. 71º do Cód. Penal ) face a cada uma das leis, a não ser, como é óbvio, que seja evidente, numa simples consideração abstracta, que uma das leis é claramente mais favorável que a outra.
Por exemplo, num caso em que a L.A. estabelece uma pena de 1 a 10 anos de prisão e a L.N. estabelece pena de 3 a 7 anos de prisão, há que proceder necessariamente à determinação concreta da pena, pois só assim se poderá chegar à conclusão de qual das leis é mais favorável ao arguido, compreendendo-se que o impulso lhe pertença, por força do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal. Na verdade, deve ser atribuído ao arguido o ónus de, nos casos de permanência de dúvida, apesar da ponderação desenvolvida sobre qual das leis é mais favorável, requerer a aplicação da lei mais favorável.
Mas em casos em que a L.N. seja manifestamente mais favorável, o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável é de aplicação oficiosa, não dependendo de iniciativa ou audiência do arguido.
Nestes termos, não podia a M.M. Juiz deixar de aplicar a lei penal nova, reduzindo o prazo de suspensão da execução da pena aos seus justos limites.

Concluindo:

1. Ao indeferir a promoção do Ministério Público, no sentido de se aplicar o disposto no art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal, conjugadamente com o disposto no art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal, reduzindo-se o prazo de suspensão de execução da pena de prisão a 17 meses,

2. com base na alegação de caso julgado e de falta de requerimento do arguido ao abrigo do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal,

3. violou o despacho recorrido o disposto nos arts 18º, 29º, n.º 4, 2ª parte, da Constituição da República, 2º, n.º 4, e 50º, n.º 5, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 04.09,

4. porquanto resulta de uma mera ponderação abstracta, sem necessidade de recurso a uma ponderação concreta, com audiência do arguido, que a aplicação retroactiva da lei penal nova é mais favorável no caso em apreço.

5. O princípio base, que regula a sucessão de leis penais no nosso direito positivo, não é o da irretroactividade. A irretroactividade é um dos corolários de um princípio superior ( favor libertatis), o qual, em homenagem à liberdade do cidadão, lhe assegura o tratamento penal mais mitigado entre o do momento da prática do delito e os tratamentos estabelecidos por lei sucessivas. Deverá antes e com legitimidade acrescida, com a nova redacção do art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal, introduzida pela Lei n.º 59/07, de 04.09, afirmar-se que o princípio é o da aplicação da lei penal mais favorável.

6. Termos em que o despacho formulado deve ser revogado e substituído por outro que aplique a lei mais favorável.

No entanto, Vossas Excelências, como sempre, farão a tão costumada

JUSTIÇA !

O Procurador-Adjunto