quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Confiança de Menor a Terceira Pessoa

Para além das situações susceptíveis de darem origem a processo de promoção e de protecção - cf. art. 3º da Lei n.º 147/99, de 01.09, na redacção da Lei n.º 31/03, de 22.08 -, no qual é possível a aplicação das medidas de apoio junto de outro familiar (cf. art. 40º) ou de confiança a pessoa idónea (cf. art. 43º),

passaram a existir as seguintes possibilidades legais de confiança de menor a terceira pessoa:

- a tutela, verificados os pressupostos do art. 1921º do Cód. Civil, designadamente se os pais houverem falecido, estiverem inibidos, estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder paternal ou se forem incógnitos;

- a limitação ao exercício do poder paternal, por via de acção tutelar comum do art. 210º da O.T.M. ( cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 01-04-2004, Processo n.º 2476/2004-6, Relator: Pereira Rodrigues; in www.dgsi.pt );

- a inibição total ou parcial do exercício do poder paternal pela via dos arts. 1913º ou 1915º do Cód. Civil, conjugados com os arts. 194º e segs da O.T.M.;

- a limitação ao exercício do poder paternal pela via dos arts. 1918º e 1907º do Cód. Civil, conjugados com os arts. 194º e segs. da O.T.M.;

- a confiança a terceira pessoa por acordo prévio, homologado judicialmente, nos termos do art. 1903º do Cód. Civil, na redacção da Lei n.º 61/08, de 31.10, homologação essa que seguirá a forma de acção tutelar comum do art. 210º da O.T.M..;

- a confiança a terceira pessoa no âmbito de acção de regulação ou de alteração do exercício das responsabilidades parentais, na sequência de acordo ou de sentença.

Alteração ao R.G.I.T. introduzida pela Lei do Orçamento de Estado

Se é inequívoco que a partir da entrada em vigor da Lei de Orçamento de Estado, Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, que alterou o n.º 1 e revogou o n.º 6 do art. 105º do R.G.I.T., só é punível o crime de abuso de confiança fiscal quando o valor de cada declaração (mensal ou trimestral no IVA ) for superior a 7.500 €, independentemente de o conjunto das declarações poder exceder os 7.500 €,

o mesmo não se pode concluir no que respeita ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, pois no n.º 1 apenas se remete para as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º - não se utilizando a expressão « nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º -,

para além de que a remissão para o n.º 4 significa apenas que os factos descritos no número 1 do art. 107º (e não no n.º 1 do art. 105º)só são puníveis se se verificarem os pressupostos desse número 4.

Por outro lado, a remissão para o n.º 7 efectuada no n.º 2 do art. 107 não tem um significado diferente daquele que já tinha.

Seria uma incoerência sistemática admitir a identidade entre o art. 105º, n.º 1, e o art. 107º, n.º 1, ambos do R.G.I.T., no que respeita ao valor de 7.500 €, posto que no art. 103º, n.º 2, respeitante à fraude fiscal, se refere o valor de 15.000€ e no art. 106º, n.º 1, respeitante à fraude contra a segurança social, se refere o valor de 7.500 €, ou seja, não pode haver a mesma proporção entre o n.º 1 do art. 105º e a do n.º 1 do art. 107º do R.G.I.T.

Finalmente, entendo que ao revogar-se o n.º 6 do art. 105º do R.G.I.T., se optou involuntariamente por uma neocriminalização em sede de crime de abuso de confiança à segurança social, posto que deixa de existir a causa de extinção da responsabilidade criminal que aí se consagrava. Mas o certo é que tal até faz sentido, pois não estou a ver muitos portugueses que se possam gabar de descontar mensalmente para a segurança social um valor de superior a 2000 €.

Concluindo, a despenalização introduzida pela nova redacção do art. 105º do R.G.I.T. não tem qualquer reflexo no art. 107º do R.G.I.T.

Cumpre apenas lamentar a forma - irresponsável! (pense-se nos julgamentos que não se irão fazer, nos recursos que podem vir a ser interpostos, no tempo perdido, num contexto de ruptura do judiciário) - como se legisla em Portugal, pois os recursos vão multiplicar-se, impondo-se, no meu modesto entender, uma intervenção da Procuradoria-Geral da República, como tem sido habitual e se louva sempre e uma vez mais, se vier a acontecer, que uniformize desde já o entendimento que deve ser adoptado pelos magistrados do Ministério Público nesta matéria, ou, o que seria melhor, que o legislador venha esclarecer os tipos, dando uma redacção completa e não remissiva ao art. 107º do R.G.I.T..

Quanto à alteração do art. 105º do R.G.I.T., é sem dúvida de louvar...

Tal redacção levará ainda à aplicação da dispensa de pena no caso de valores bem mais elevados do que aqueles que se tinham por padrão...