sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Proibição de obtenção de prova

Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão 30 Outubro 2008

Relator: Jorge Artur Madeira dos Santos
Processo: 0878/08

Jurisdição: Contencioso Administrativo

Sumário Parcial:

I.A proibição da obtenção da prova através de escutas telefónicas abrange todos os processos que não respeitem aos crimes de catálogo e todos os processos de natureza não penal, como são os processos disciplinares.

II.A legalidade da obtenção das escutas não é suficiente para assegurar a legalidade da sua utilização.

II.Apesar das escutas terem sido legalmente obtidas no processo criminal, não podem ser utilizadas no processo disciplinar.

Intercepções telefónicas/Conhecimentos fortuitos

"A utilização/valoração das escutas no contexto e a título de conhecimentos fortuitos não depende da prévia autorização do juiz de instrução..."
As intercepções telefónicas "...podem também configurar um poderoso e definitivo meio de defesa. Por isso é que (...) a lei impõe a sua conservação até ao trânsito em julgado..."
(citações extraídas do artigo "Escutas: coisas simples duma coisa complexa", do Professor Costa Andrade, em "Espaçopúblico", Jornal "Público" de 18-11-2009)
Em face do teor do artigo 11º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal cumpre saber:
1.º Se a intercepção telefónica válida deve ou não cessar no momento em que se saiba que uma das figuras do Estado aí elencadas passou a intervir na conversação ou na comunicação (este conceito aplica-se, por exemplo, na conversação triangular, em que um dos intervenientes apenas escuta o diálogo, ainda que não fale, possibilidade essa permitida por qualquer telefone móvel);
2.º Se a intercepção realizada no desconhecimento de que um dos intervenientes na comunicação era uma das figuras elencadas no artigo mencionado padece de nulidade e, mesmo que não padeça, se é possível a transcrição ou audição de tal comunicação, fora do âmbito restrito do direito de defesa, designadamente por terceiros e para fins meramente informativos ou até para efeitos disciplinares ou de responsabilização política (pergunta esta que valerá para o 1.º ponto também, a entender-se aí que não existe nulidade na continuação da intercepção telefónica);
3.º Sendo viável a audição no âmbito do exercício do direito de defesa, a quem compete autorizá-la: o Presidente do S.T.J ou o juiz de julgamento e, naquele caso, como e com que consequências, em face do teor do artigo 328º, n.º 6, do Código de Processo Penal?
4.º Como compatibilizar as soluções encontradas com a possibilidade de transversalmente se deixar sem sentido o artigo 11º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal, através da figura dos conhecimentos fortuitos?
5.º Ou como compatibilizar as soluções encontradas com o princípio constitucional da igualdade, designadamente a impossibilidade de valoração de conhecimentos fortuitos no que respeita a tais figuras do Estado, quando os mesmos resultem de intercepções apenas autorizadas pelo juiz de instrução e não pelo Presidente do S.T.J., ou seja, se a protecção que deve ser dada a tais figuras do Estado pode ser tão ampla, em confronto com as regras a que estão sujeitos os demais cidadãos, posto que, na prática, tal protecção implica a quase total impossibilidade de responsabilização penal de tais figuras do Estado.
6.º Finalmente, cumpre perguntar se o complexo problema criado pelo legislador é ou não um problema de "Crise na Justiça" ou antes um problema do Estado de Direito, a que a Justiça é, no fundo, alheia.
Penso que o problema não pode deixar de nos levar a perguntar, até que ponto o Estado de Direito de hoje é fiel ao dogma da representatividade...

Artigo 11º do Código de Processo Penal

Código de Processo Penal

Artigo 11.º
Competência do Supremo Tribunal de Justiça

"2 - Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:

a) ...;

b) Autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º;

c) ..."