sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Suspensão provisória do processo em processo sumário

Acórdão da Relação de Lisboa de 18-12-2008
Processo: 9726/2008-9
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Votação: UNANIMIDADE

Sumário:
1 - Se bem que face ao crime em questão nos autos fosse admissível a aplicação da suspensão provisória do processo, o desencadear dessa aplicação teria de passar ou pela iniciativa oficiosa do M.º P.º aquando da dedução da acusação (o que não se mostra feito), ou ainda pelo M.º P.º mas sujeito a prévio requerimento do arguido, o que também não se mostra feito nos autos.

2 -O que existe de denominador comum na iniciativa da aplicação do referido instituto é que a mesma nunca parte do Juiz (seja de instrução seja de julgamento). O papel reservado a este interveniente processual é dar a sua concordância se se verificarem todos os requisitos exigidos no citado preceito processual.


TEXTO PARCIAL DO ACÓRDÃO:


“…Conforme já acima dissemos os presentes autos decorreram sob a tramitação do processo especial sob a forma sumária cujos termos se encontram regulados nos art.ºs 381º a 391º CPP..

Decorre do disposto no art.º 384º deste Código que em processo sumário o instituto da suspensão provisória do processo também é aplicável. Resta, no entanto, determinar em que momento deve ser suscitada a questão da aplicação de tal suspensão.

A aplicação do referido instituto encontra-se regulada no art.º 281º CPP que dispõe:

“1 — Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
2 — ….
3 — ….
4 — ….
5 — A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de impugnação.
6 — Em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os
pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.
7 — Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.”

Se bem que face ao crime em questão nos autos fosse admissível a aplicação da suspensão provisória do processo, o desencadear dessa aplicação teria de passar ou pela iniciativa oficiosa do M.º P.º aquando da dedução da acusação (o que não se mostra feito), ou ainda pelo M.º P.º mas sujeito a prévio requerimento do arguido, o que também não se mostra feito nos autos.

O que existe de denominador comum na iniciativa da aplicação do referido instituto é que a mesma nunca parte do Juiz (seja de instrução seja de julgamento). O papel reservado a este interveniente processual é dar a sua concordância se se verificarem todos os requisitos exigidos no citado preceito processual. Daqui a afirmação de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Verbo, pág. 111 no sentido de que a

“suspensão provisória do processo assenta essencialmente na busca de soluções consensuais para a protecção dos bens jurídicos penalmente tutelados e a ressocialização dos delinquentes, quando seja diminuto o grau de culpa e em concreto seja possível atingir por meios mais benignos do que as penas os fins que o direito penal prossegue” e que esse consenso é efectivamente alargado, porquanto envolve a concordância do juiz de instrução (no caso, seria do juiz de julgamento), do arguido e do assistente se o houvesse, tal não significa, no entanto, que por via disso, se tenha de estabelecer, como pretendido, um processo “dialógico” entre o Ministério Público e o juiz.

Podemos assentar, assim, que a iniciativa dessa decisão parte inquestionavelmente do Ministério Público, como titular da acção penal e exercendo a posição de “dominus” do Inquérito, a lei é perfeitamente clara ao afirmar que a actuação de tal faculdade depende da sua “decisão”.

Tal como se refere no douto Acórdão da Relação do Porto de 22/03/2003, proferido no Processo 031095, em que foi Relator o Sr. Desembargador Fernando Monterrosso (disponível em www.dgsi.pt/jtrp) “… Embora estejamos perante uma afloramento do princípio da oportunidade, trata-se de uma oportunidade regulada sem a configuração e a amplitude ilimitada do direito anglo-saxónico. A discricionariedade do MP é uma discricionariedade vinculada, porque está condicionada à observância dos requisitos e pressupostos fixados na lei de rigorosa imparcialidade e objectividade”.

Ao juiz está reservado o papel de não interferir, em momento prévio, como se de uma negociação se tratasse, uma vez que não resulta do citado preceito a existência de qualquer fase preliminar de discussão e acordo prévio à “proposta” de suspensão (malgrado haver sempre a necessidade de cumprimento de requisitos devidamente definidos, de se instruir a mesma com a adesão do arguido e do assistente, caso o haja), a efectivar sob a forma de “debate multilateral” para a definição das suas condições.”
E assim sendo, a questão suscitada no recurso não tem qualquer viabilidade de obter provimento, dado que o Mmo. Juiz não podia tomar a iniciativa de aplicação da suspensão provisória do processo, nem essa concreta questão lhe foi posta pelo M.º P.º de um modo oficioso ou impulsionado este por qualquer requerimento do arguido.

III.
1.º Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
2.º. Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 8 UC.
Elaborado e revisto pelo 1º signatário.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2008.

João Carrola
Carlos Benido”


Comentário:

Se bem que decidindo correctamente o assunto que lhe era colocado (insusceptibilidade de suspensão provisória após dedução de acusação e remessa do expediente para julgamento sob a forma sumária), o presente acórdão, na parte em que afirma que a suspensão provisória do processo na fase de instrução ou na fase de processo sumário tem de ser decidida pelo Ministério Público, viola de forma flagrante a letra da lei, pois:

- O artigo 307º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal refere de forma expressa «É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 281º, obtida a concordância do Ministério Público», logo o Ministério Público só dá a sua concordância (o que não impede que proponha), sendo o juiz de instrução quem decide; e

-O artigo 384º do Cód. Proc. Penal refere de forma expressa “É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280º, 281º e 282º”, sendo certo que na fase de julgamento, seja em que forma de processo for, quem decide é o juiz e não o Ministério Público.

Obviamente não pode ser requerida a suspensão provisória do processo sumário uma vez aberta a audiência de julgamento, pois aí não há já lugar à aplicação do disposto no art. 384º do Cód. Proc. Penal, mas sim à produção de prova e à decisão a respeito da acusação, que já foi recebida. Seria um contra-senso! A suspensão provisória é anterior à formulação de acusação, e se esta é formulada, foi ultrapassada a possibilidade de suspender provisoriamente o processo, uma vez que não pode ser retirada e sobre a mesma tem de recair uma sentença, se não for rejeitada.

Mas o mecanismo da suspensão provisória em processo sumário é o seguinte:

- O Ministério Público recebe o auto de notícia para efeitos de sujeição do arguido a processo sumário, nos termos do art. 382º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal;

- Despacha então no rosto do auto ou em conclusão avulsa no sentido de obter o certificado de registo criminal e outros elementos pertinentes;

- Depois interroga o arguido sobre se concorda com a suspensão provisória do processo sob as injunções ou regras de conduta que propõe, tudo sem registar o expediente como inquérito, mas sim ao abrigo do disposto no art. 382º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o qual dispõe o seguinte: “O Ministério Público, depois de, se o julgar conveniente, interrogar sumariamente o arguido, apresenta-o imediatamente, ou no mais curto prazo possível, ao tribunal competente para julgamento”;

- Obtida a anuência do arguido, remete o expediente com despacho em que propõe ao juiz a quem o processo for distribuído, sob a forma sumária, que suspenda provisoriamente o processo sumário, sob as injunções ou regras de conduta que propõe;

- Recebido o processo sumário concluso, o juiz determina a suspensão provisória do processo, não podendo obter a anuência para outro tipo de regras de conduta ou injunções junto do Ministério Público e do arguido, por não haver cobertura legal para tal tipo de diligências, não sendo invocável aqui o art. 384º para legitimar tais diligências, não havendo impedimento, caso determine a suspensão provisória do processo sumário, para efeitos do art. 40º do Cód. Proc. Penal (só existe se não concordar com a suspensão provisória do processo), e determina porque é ele o “juiz da causa”, quem decide, sendo nesta fase o Ministério Público quem promove a acção penal, pois não pode recorrer contra si próprio (as normas que legitimam o Ministério Público a recorrer impedem que se lhe confira poder decisório em processo sumário!);

- Suspenso o processo e não cumprindo o arguido as regras de conduta ou injunções, remetem-se os autos a inquérito, por não ser já possível continuar sob a forma sumária (cf. art. 387º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal);

- Cumprindo o arguido as regras de conduta ou as injunções, são os autos arquivados definitivamente (cf. art. 384º e 282º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).

Ou seja, se na instrução o juiz de instrução pode ser pró-activo no sentido da aplicação do instituto, no processo sumário o juiz limita-se a determinar a suspensão provisória que lhe é proposta pelo Ministério Público, devendo ser a este que o arguido deve requerer a aplicação do instituto e não ao juiz do processo sumário, já depois da acusação se mostrar formulada.

Um caso paralelo das novas funções do juiz é o que decorre do art. 395º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, onde se determina a possibilidade de o juiz do processo sumaríssimo reenviar ele próprio os autos para outra forma de processo (abreviado ou comum), caso em que há lugar a despacho posterior de recebimento da acusação, dado não ter havido instrução (cf. art. 311º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal).
O art. 398º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal dispõe também que o juiz ao determinar a remessa do processo define qual a forma de processo respectiva.

Não vemos que obstáculo exista à solução que resulta de tais normas, pois a definição da forma de processo - no caso concreto, comum ou abreviada - não é senão a escolha do rito processual a seguir, não contendendo com o princípio do acusatório o facto de pode ser o juiz a defini-la, numa altura em que não havendo motivo para rejeitar a acusação, se impõe o prosseguimento do processo.

Era importante que se alterasse a jurisprudência nesta matéria...

Caso Julgado Parcial ( clique para consultar o acórdão )

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07P3509

Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUTO DE MOURA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
CUMPRIMENTO DE PENA
TRÂNSITO EM JULGADO
COMPARTICIPAÇÃO
ARGUIDO NÃO RECORRENTE
CASO JULGADO PARCIAL
CASO JULGADO REBUS SIC STANTIBUS
LIMITAÇÃO DO RECURSO
ÂMBITO DO RECURSO

Nº do Documento: SJ200709270035095
Apenso:

Data do Acordão: 27-09-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIMENTO

Sumário :


I - O arguido foi detido em 17-01-04; na 1.ª instância foi condenado pela prática, em co-autoria material e em concurso real e efectivo, dos crimes de burla qualificada, falsificação e associação criminosa, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, confirmada na Relação e, contrariamente a vários co-arguidos, não interpôs recurso para o STJ, sendo certo que aqui a condenação foi confirmada, por Ac. de 21-06-07.

II - Um dos seus co-arguidos recorreu para o TC, mas como o recurso não foi admitido, reclamou do despacho, aguardando-se a decisão da reclamação da não admissão do recurso, nessa instância.

III - De acordo com o regime processual penal, anterior à entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, a medida de coacção de prisão preventiva teria que se extinguir passados que fossem 4 anos depois daquela data, não havendo decisão condenatória transitada em julgado, por força do art. 215.º, n.ºs 1, al. d), 2, al. a), e 3, do CPP.

IV - Em face da nova redacção do preceito, o prazo em questão passaria para 3 anos e 4 meses.

V - Vem sendo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar – Acs. de 07-07-05, 08-03-06, 07-06-06 e de 07-02-07, respectivamente nos Procs. n.ºs 2546/05 - 5.ª, 886/06 - 3.ª, 2184/06 - 3.ª e 463/07 - 3.ª.

VI - Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do art. 403.º – cf. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág. 388, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 335, e Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 73.

VII - Tendo o arguido visto confirmada a sua condenação pelo Tribunal da Relação e não tendo interposto recurso, a mesma, quanto a si, transitou em julgado, encontrando-se em cumprimento de pena (arts. 677.º a 669.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

VIII - Ora, não se encontrando em prisão preventiva, falece o primeiro pressuposto da providência de habeas corpus, que assim é indeferida


No mesmo sentido:
Decisão Sumária de 03-12-2008, do TriBunal da Relação de Coimbra
Recurso: 121/06.6PBFIG-A.C1
Relator: Fernando Ventura