quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Confissão de Co-arguido

Dado que o art. 345º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal se refere à recusa em depor, não se aplica a norma em causa nos casos em que o co-arguido não comparece a julgamento e o mesmo se realiza na sua ausência ( cf. arts. 333º, n.º 1, e 334º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal ). A confissão do co-arguido é válida e atendível, não constituindo a ausência do co-arguido obstáculo a tal valoração.

O que se acaba de referir vale também quando um dos co-arguidos foi declarado contumaz.

Nos termos do art. 334º, n.º 3, al. a), do Cód. Proc. Penal, no caso supra-referido, a confissão não implica renúncia à produção de prova.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Requerimento do arguido para reabertura da audiência de julgamento

Um arguido está condenado em diversos processos, tendo sido realizado cúmulo jurídico no processo da última condenação e requer, ao abrigo do art. 371-A do Cód. Proc. Penal, a reabertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável.

Entendo que a audiência deve ser reaberta no processo onde foi realizado o cúmulo jurídico, porquanto os factos provados se mantêm inalteráveis e a pena a considerar será sempre a do cúmulo jurídico, para além de que, no cúmulo jurídico, se pode e sempre pôde dar sem efeito a suspensão da execução da pena, pelo que também se pode aplicar lei mais favorável, isto é , pena concreta mais favorável.

E se o cúmulo jurídico ainda não foi realizado, deve protelar-se para a audiência de cúmulo jurídico a apreciação da lei mais favorável, conforme requerido pelo arguido.

Do que se trata, na verdade, não é de fixar os factos, mas sim de aplicar o direito penal aos factos, pelo que a reabertura da audiência é apenas para apreciação de uma questão de direito. Não é assim de exigir que os juízes sejam os mesmos, até porque não se põe aqui qualquer questão de imediação da prova, a qual está já fixada.

Aliás, entendimento diverso levaria a negar o teor do artigo 78º, n.º 3, do Cód. penal, onde se dispõe que "As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior".

Tal como levaria a negar a própria possibilidade de cúmulo jurídico, posto que no mesmo se fixa pena única e necessariamente diferente das já aplicadas nos diferentes processos, o que o art. 77º, n.º 1, do Cód. Penal permite e por juízes diferentes dos que tiveram intervenção em vários dos processos, senão todos, que integram o cúmulo jurídico.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Art. 214º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal - extinção da prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação

Dispõe o art. 214º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, na redacção da Lei n.º 48/07, de 29.08, que "As medidas de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação extinguem-se igualmente de imediato quando for proferida sentença condenatória, ainda que dela tenha sido interposto recurso, se a pena aplicada não for superior à prisão ou à obrigação de permanência já sofridas".

A questão que coloco é a seguinte: realizada a leitura do acórdão, o arguido ficou condenado em 5 anos de prisão suspensa e encontrava-se com obrigação de permanência na habitação, com pulseira electrónica ( por período inferior aos referidos cinco anos )- deve o colectivo determinar a imediata cessação de tal medida de coacção ?

Mesmo que o Ministério Público declare em acta recorrer do acórdão, o certo é que não vejo que se possa manter tal obrigação de permanência na habitação, posto que do acórdão resulta a suspensão da execução da pena, cujos pressupostos impõem a revisão da medida de coacção pelos juízes que suspenderam a pena e no sentido da sua cessação.

A este respeito consulte-se ainda o art. 213º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal, que naquelas circunstâncias impõe a imediata revisão do estatuto coactivo do arguido.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Reconhecimento de Pessoas

Nos termos do art. 147º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, "O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2".
Ora, entendo que o reconhecimento presencial subsequente a reconhecimento fotográfico pode ser realizado sem que as pessoas que intervieram na linha de reconhecimento - à excepção do arguido, como é óbvio - , sejam as mesmas, designadamente quando intercede um lapso de tempo entre ambos os reconhecimentos. Imagine-se que o arguido agora usa barba ou que um dos participantes na linha de reconhecimento faleceu - nestes casos não faz sentido aquela exigência, até porque não se poderia impor aos participantes que deixassem crescer a barba ( ! ), etc, etc.
Importa ainda ter em consideração que qualquer reconhecimento deve ser cuidadosamente avaliado pelo juiz, segundo o critério do art. 127º do Cód. Proc. Penal ( livre apreciação da prova ), que deverá verificar se o reconhecimento é ou não uma farsa ou antes verdadeiro e rodeado das necessárias garantias. Não é com afirmações de princípio que se apreciam as provas...
Por outro lado ainda, o reconhecimento presencial, mesmo ao abrigo do art. 147º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, configura um reconhecimento autónomo, sem prejuízo de a sua validade poder ser afectada por fraude, pois o art. 147º, n.º 5, remete para o art. 147º, n.º 2, onde se fala apenas em "...pelo menos duas pessoas..." ( e não as mesmas pessoas ).
Diga-se ainda que pessoas existem com características quase únicas, pelo que importa sujeitar a tirania do legislador a um crivo de razoabilidade, garantido que esteja a equidade do processo.
Não vejo que o legislador não pudesse ter criado outro tipo de regras, pois o reconhecimento fotográfico, bem executado, é, muitas vezes, mais garantístico que o presencial. Imagine-se um catálogo de cem fotos, uma das quais do arguido... Certo é que é esta a lei que temos e com a qual temos de trabalhar.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Detenção Para Exame Médico-Legal

ACÓRDÃO N.º 161/2005
Processo n.º 884/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:


A – Relatório


1 – O MINISTÉRIO PÚBLICO, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Mogadouro, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido pelo Juiz do mesmo Tribunal, nos autos de inquérito n.º 143/03.9GAMGD, em que figura como arguido A., despacho esse que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do n.º 1 do artigo 172º do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretada no sentido de que pode ser ordenada a detenção de arguido, pelo tempo indispensável à realização de exame médico e em caso de falta injustificada a diligência anteriormente designada para tal efeito, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2 – Alegando no Tribunal Constitucional, o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:

«1 – A norma do n.º 3 do artigo 27º da Constituição admite a detenção para assegurar a comparência perante a autoridade judiciária competente.
2 – Apenas merece censura constitucional uma interpretação do n.º 1 do artigo 172º do Código de Processo Penal, segundo a qual seja possível a detenção de alguém para comparecer a exame médico – a que anteriormente se procurou furtar – não sendo tal diligência, na fase de inquérito, presidida por Magistrado do Ministério Público».

3 – O arguido contra-alegou defendendo a inconstitucionalidade do art.º 172º, n.º 1, do CPP na interpretação cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida.

4 – No processo de inquérito acima identificado, o Ministério Público proferiu um despacho cujo teor é o seguinte:

«Notifique A. da data designada para o exame por contacto pessoal através da GNR.

Notifique igualmente a sua mãe a fim de o acompanhar na data agendada por contacto pessoal através da GNR.

Com a devida antecedência, envie cópia do processo conforme requerido.

Conclua os autos ao M.mo Juiz junto de quem se promove a condenação em multa processual e a passagem de mandados de detenção de A., para o tempo indispensável a realização da diligência, uma vez que o arguido, embora devidamente notificado, por duas vezes faltou injustificadamente ao exame requerido (cf. art.º 116º,n.ºs 1 e 2, do C.P.Penal).
O exame encontra-se agendado para o próximo dia 30/09/2004, pelas 14,00 horas.».

5 – Este pedido de condenação do arguido no pagamento de multa foi indeferido por despacho do Juiz do referido Tribunal, de 9 de Julho de 2004, por entender, em síntese, que o n.º 1 do art.º 116º não era aplicável a hipóteses abrangidas pelo n.º 3 do art.º 273º dada a remissão aí estabelecida para o n.º 2 daquele artigo, todos os preceitos do CPP.
Por outro lado, apreciando o pedido de passagem de mandados de detenção, discreteou o despacho recorrido pelo seguinte modo:

«Estabelece o artigo 63º/1 do CPP que “Recaiem em especial sobre o arguido os deveres de: (...) d) Sujeitar-se a diligências de prova (...) especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente” – acrescentando o artigo 172º/1 do mesmo Código que “Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”.
Nada parece obstar à aplicação (por remissão do supra citado artigo 273º/3), neste caso, da regra do n.º 2 do artigo 116º do CPP: “(...) o juiz pode ordenar oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da audiência (...)” – sendo certo que o arguido já faltou (sem justificação) aos exames marcados para os dias 21/01/04 (fls. 30 e 35) e 17/06/04 (fls. 44 e 51).
Dispõe o artigo 254º/1 do CPP que “A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada: “(...) b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder 24 horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual” – esclarecendo o artigo 259º que “Sempre que qualquer entidade policial proceder a uma detenção, comunica-a de imediato: a) Ao juiz do qual dimanar o acto de detenção, se esta tiver a finalidade referida na alínea b) do artigo 254º (...)”.
Sucede, porém, que o artigo 27º/3 da Constituição não prevê como excepção ao direito à liberdade, a detenção para realização de exame médico: apenas está prevista na alínea g) a detenção “para assegurar a comparência perante autoridade judiciária” – o que não se aplica no presente caso (CPP-1º/b).
Não sendo caso de “Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente” [alínea h)], conclui-se que o artigo 172º/1 do CPP é inconstitucional.
Motivos por que se indefere a requerida emissão de mandados de detenção.».



B – Fundamentação

6 – Do objecto do recurso

Antes de mais cumpre precisar a norma cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida com fundamento na sua inconstitucionalidade. Dos fundamentos da decisão recorrida resulta claramente que essa norma é a norma constante do artigo 172º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que pode ser ordenada a detenção do arguido pelo tempo indispensável à realização de exame médico e em caso de falta injustificada do mesmo a diligência anterior designada para o mesmo efeito. E embora, não evidenciada de forma tão explícita no despacho recorrido, é também seguro que a interpretação daquele preceito cuja aplicação foi recusada, no que tange à presidência da diligência do exame médico ao arguido, abrange também a dimensão normativa de a diligência ser efectuada sob a presidência e direcção apenas de quem pratica o respectivo acto de exame médico. Ou seja, tratou-se de uma detenção para o arguido ser presente pela autoridade policial directamente ao médico no Departamento de Psiquiatria de -----------, no dia 30/09/2004, pelas 14 horas, para, aí, ser por este examinado, e não de uma detenção para o arguido ser presente, no local e hora mencionados, a diligência de exame médico a ser feito por quem tem competência técnico-legal para tanto mas presidida pelo Ministério Público ou pelo juiz.

Na verdade, que aquele é o quadro de facto que foi hipotisado e tido como correspondente à concreta pretensão que foi apreciada pela decisão recorrida deflui efectivamente de o Magistrado requerente da detenção se ter limitado a pedir a passagem dos respectivos mandados dando conta que o arguido já havia faltado, injustificadamente, por duas vezes ao exame requerido e a informar que o exame [por si ordenado e solicitado ao respectivo estabelecimento hospitalar] estava “agendado para o dia 30/09/2004, pelas 14 horas”, no Hospital B. [a quem o mesmo o havia pedido], ao mesmo tempo que, tendo por referência essa marcação e a indicação nela feita de que “o examinando deve vir acompanhado por um familiar ou pessoa que coabita com ele”, ordenou a notificação, através de contacto pessoal da GNR, do arguido para estar presente no local e data designados e da mãe do mesmo para o acompanhar.
Ao determinar o exame psiquiátrico ao arguido, ao solicitar a sua marcação ao estabelecimento hospitalar, ao ordenar, mediante a sua notificação, a presença do arguido no mesmo estabelecimento na data agendada por este e ao requerer ao juiz tão só que o mesmo fosse detido para garantir a sua presença no exame médico por si ordenado e marcado para a data indicada pelo estabelecimento hospitalar, o Ministério Público apresentou ao Tribunal, na fase de inquérito por si dirigida, um quadro de facto subsumível ao art.º 172º, n.º 1, do CPP, na dimensão normativa cuja aplicação foi por este recusada.

7 – O artigo 172º, n.º 1, do Código de Processo Penal, de que foi inferida a interpretação normativa constitucionalmente questionada, dispõe que “Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente”.

Por seu lado, referindo-se à fase do inquérito, diz correspondentemente o art.º 273º do CPP:
«1. Sempre que for necessário assegurar a presença de qualquer pessoa em acto de inquérito, o Ministério Público ou a autoridade de polícia criminal em que tenha sido delegada a diligência emitem mandado de comparência, do qual conste a identificação da pessoa, a indicação do dia, do local e da hora a que deve apresentar-se e a menção das sanções em que incorre no caso de falta injustificada.
2. O mandado de comparência é notificado ao interessado com pelo menos três dias de antecedência, salvo em caso de urgência devidamente fundamentado, em que pode ser deixado ao notificando apenas o tempo necessário à comparência.
3. É correspondentemente aplicável o disposto no art.º 116º, n.º 2.».

E no n.º 2 do artigo 116º reza-se assim:

«Sem prejuízo do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível».

De acordo com a própria formulação legal, o inquérito, em processo penal, compreende «o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação» (cf. 262º do CPP).
Entre as provas cuja realização no processo penal é admissível, desde logo na fase do inquérito, figuram as provas periciais (cf. art.ºs 151º e ss. do CPP), nelas se contando a perícia psiquiátrica, vocacionada, entre o mais, para determinar se o arguido sofre de estados patológicos do foro mental que o tornem incapaz de se autodeterminar livremente ou seja, se é inimputável criminalmente em razão de qualquer patologia que afecte a sua capacidade de entender, de se decidir e de agir livremente ou em termos racionais (cf. art.ºs 159º, n.º 2, e 351º, do CPP), o que, a acontecer, acarretará que o mesmo não possa ser sujeito de sanções penais.
A prova pericial psiquiátrica pode, deste modo, incidir sobre a própria pessoa do arguido, pelo que a sua produção demanda a sua presença física na respectiva diligência processual e ter lugar logo na fase do inquérito.
A norma em apreciação prende-se com a necessidade de garantir a presença do arguido a esse exame pericial psiquiátrico, tendo a decisão recorrida recusado a sua aplicação por entender que, não obstante o arguido haver faltado injustificadamente aos exames antes marcados ao abrigo do disposto no art.º 273º do CPP e a detenção pedida ser apenas pelo período indispensável à realização do exame médico, a privação da sua liberdade era para ser presente a diligência a ser efectuada sob a presidência e direcção apenas de quem pratica o respectivo acto de exame médico.

O art.º 27º, n.º 1, da Constituição reconhece como garantia fundamental o direito à liberdade e segurança. O direito à liberdade é, de resto, uma exigência intrínseca do princípio da dignidade da pessoa humana sobre o qual a Lei Fundamental baseia a República Portuguesa e o Estado de direito democrático que esta é (art.ºs 1º e 2º da CRP). E no n.º 2 do mesmo artigo 27º, partindo-se da reafirmação desse direito fundamental, consagra-se o princípio de que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”.
Por seu lado, no n.º 3 do mesmo artigo enunciam-se os casos em que, em excepção a esse princípio, a Constituição admite “a privação de liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar”.
Entre eles conta-se a “detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente” [al. f)].
Trata-se de uma excepção que se compreende à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade (cf. n.º 2 do art.º 18º da CRP) a fim de fazer valer outros direitos ou princípios constitucionais de cuja defesa a Lei Fundamental incumbe os tribunais (cf. art.º 202º, n.º 2).

Tal entendimento, enucleado na conformação do âmbito tutelar do parâmetro constitucional aqui implicado, foi já retratado por este Tribunal que, no seu Acórdão n.º 363/2000, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Novembro de 2000 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol. pp. 653, referiu que:

«Do preceito supra referido resulta que a lei ordinária só pode restringir o direito à liberdade (enunciado no n.º 1) nas hipóteses previstas nos seus números 2 e 3. Consagrou-se, assim, no artigo 27º da Constituição, o princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas ou restritivas da liberdade (nesse sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed. revista e ampliada, 1º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 199).

Em face daquele princípio - da tipicidade constitucional das medidas privativas ou restritivas da liberdade - o que há então que decidir é a questão de saber se a restrição do direito à liberdade, em situações como a retratada nos autos, se encontra ou não autorizada por aqueles números 2 ou 3 do artigo 27º da Constituição.

Pois bem, da análise das diferentes hipóteses ali previstas verifica-se que a única em relação à qual se pode discutir se não autorizará a existência de norma infra-constitucional como aquela que, na interpretação da decisão recorrida, se extrai do artigo 116º, n.º 2 do CPP, é a prevista na alínea f) do n.º 3, nos termos da qual é permitida a restrição da liberdade em casos de "detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente".
O próprio teor literal da alínea f) daquele nº 3 reforça a ideia de que só será legítima a restrição da liberdade, em que a detenção para comparência em julgamento se traduz, quando existissem fundados receios - nesse sentido deve ser interpretada a expressão "assegurar a comparência" constante da parte final daquela alínea f) - de que os meios normais de garantir essa comparência não seriam suficientes. O que, aliás, se compreende, porquanto, como acentuam Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., loc. cit.) "o direito à liberdade, enquanto «direito, liberdade e garantia», está sujeito às competentes regras do art. 18º, n.ºs 2 e 3, o que quer dizer, entre outras coisas, que só podem ser estabelecidas restrições para proteger outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger. Tais princípios vinculam o legislador na definição dessas medidas e o aplicador (designadamente o juiz) delas".

De facto, não podendo legitimamente concluir-se - designadamente em face do comportamento anterior do arguido, traduzido, por exemplo, em anteriores faltas injustificadas - pela existência de risco de não comparência perante a autoridade judiciária, revelar-se-ia efectivamente desproporcionada - e, nesse medida, contrária ao disposto no art. 18º, n.º 2 da Constituição - a restrição do direito fundamental à liberdade em hipóteses como a dos autos (...)».

A Constituição autoriza, pois, a detenção de pessoa com base numa decisão judicial e para “assegurar a (sua) comparência perante autoridade judiciária competente”.
De acordo com este preceito constitucional, a detenção tem sempre de ser determinada por um órgão judicial. Todavia, a autoridade perante quem se visa garantir a comparência da pessoa cuja detenção é determinada não tem de ser apenas o juiz.
É que a Constituição limita-se a falar de “autoridade judiciária competente”, sem explicitar quem seja ela.
Seguro é, no entanto, que, perante o disposto nos artigos 32º, n.ºs 1 e 5, 202º e ss., 215º e ss., e 219º, n.ºs 1 e 2, todos da CRP, se hão-de ter como autoridade judiciária competente os juizes e os agentes do Ministério Público, consoante a fase do processo penal em que se ponha a questão da detenção.
Na verdade, quanto aos tribunais (e aos juizes que os integram) porque eles são os órgãos a quem a Constituição comete a competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhe para tanto “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, sendo que a detenção do arguido para os referidos efeitos se apresenta como um meio de prosseguir estas funções.
Quanto ao Ministério Público, porque ao conformá-lo como órgão a quem “compete exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”, ao dotá-lo, tendo em conta uma tal funcionalidade constitucional, de autonomia e de estatuto próprio e ao estabelecer que essa acção penal tenha de ser levada a cabo num processo criminal que tem de assegurar todas as garantias de defesa e de estrutura acusatória, a Constituição configurou-o como um verdadeiro “órgão de justiça” (cf., entre outros, Figueiredo Dias, «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, pp. 25 e ss. e Acórdãos n.ºs 254/92 e 516/93, publicados, respectivamente, no Diário da República I Série-A, de 31 de Julho de 1992, e no Diário da República II Série, de 19 de Janeiro de 1994).
Enquanto “órgão de justiça”, cujo regime jurídico de actuação está, na sua modelação processual penal, sujeito a tais parâmetros constitucionais, não pode deixar de ser reconhecida ao Ministério Público a competência para poder realizar, na fase de inquérito, em processo penal, a fim de se poder decidir pela acusação, pelo arquivamento ou pelo requerimento de aplicação de medidas de segurança (cf. art.ºs 20º e 91º, do Código Penal), a diligência de perícia psiquiátrica do arguido, tendente a averiguar da sua inimputabilidade penal ou da possibilidade de existência de culpa diminuída.
Nesta perspectiva, a alínea b) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal, ao prescrever que “Para efeitos do disposto no presente Código” se considera “autoridade judiciária: o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos actos processuais que cabem na sua competência” não faz mais do que densificar o conteúdo preceptivo que teria de inferir-se daqueles preceitos constitucionais.

Assim sendo, não existe dúvida de que é conforme com aquela prescrição constitucional uma norma infraconstitucional que permita a detenção de arguido pelo tempo indispensável à realização da diligência de exame pericial psiquiátrico a levar a cabo na sua pessoa sob a presidência de agente do Ministério Público ou de juiz.
Interpretados neste sentido tanto o art.º 172º, n.º 1, como o art.º 116º, n.º 2, ambos do CPP não violam a Constituição.
O que já não é consentido por aquele comando constitucional é uma norma com o sentido daquela cuja aplicação a decisão recorrida recusou ou seja, uma norma que permita que se faça a detenção do arguido, embora pelo tempo indispensável à realização do exame e em caso de falta injustificada a diligência anteriormente designada para esse efeito, para o apresentar a uma autoridade não judiciária, como o médico a quem cabe realizar o exame pericial psiquiátrico.


Deste modo, há que concluir que o juízo de inconstitucionalidade firmado pela decisão recorrida merece a aceitação deste Tribunal.

C – Decisão

8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no art.º 27º, n.º 3, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 172º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que pode ser ordenada a detenção judicial de arguido, pelo tempo indispensável à realização de exame médico na sua pessoa e em caso de falta injustificada a diligência anteriormente designada para tal efeito, para garantir a sua comparência em tal diligência a efectuar sob a presidência e direcção de quem pratica o respectivo acto de exame médico;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Lisboa, 29 de Março de 2005

Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos



Comentário:

Sendo indiscutivelmente correcta a decisão do Tribunal Constitucional, cumpre é referir que a Constituição da República Portuguesa foi mais longe que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sem qualquer justificação, pois em caso de exame médico-legal no Instituto de Medicina Legal não se percebe a necessidade de presidência da diligência por autoridade judiciária.
E tendo em consideração o enorme volume processual que existe nos tribunais, obrigar os magistrados a presidir a tais diligências implicará que os Institutos Médico-Legais passem a funcionar em instalações, pelo menos, anexas aos tribunais.

Enfim, este país vai de mal a pior !

E depois queixam-se que os processos são demorados !

2º Comentário:

Nos termos do art. 22º, n.º 1, da Lei n.º 45/04, de 19.08, os exames médico-legais não podem ser realizados, como regra, no tribunal, salvas as excepções aí previstas.

Pior ainda: o acórdão do Tribunal Constitucional pressupõe que a autoridade judiciária é que preside aos exames médico-legais, quando está presente. Porém, não é assim, posto que nos termos do art. 6º, n.º 4, da Lei n.º 45/04, de 19.08, a autoridade judiciária competente apenas pode assistir à realização dos exames periciais realizados no Instituto de Medicina Legal ou nos Gabinetes Médico-Legais. Assim, importa afirmar a impossibilidade de emissão de mandados de detenção para comparência, ao abrigo do art. 116º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, no Instituto de Medicina Legal, ainda que aí se encontre a autoridade judiciária para assistir, repito assistir ( e não presidir ), à perícia médico-legal.

Assim sendo, não comparecendo a vítima de crime de maus tratos a exame ( e todos sabemos porque razão as vítimas faltam a tais exames...), fica o Ministério Público apenas com a possibilidade de provar em julgamento que na sequência das agressões a vítima terá, repito, terá sofrido.

Se é com leis destas que querem combater a criminalidade, então digo-vos que não se vai longe.

A crise do Estado de Direito torna-se cada vez mais evidente e o engraçado é que a agora não é por desprotecção dos prevaricadores, mas antes por excessiva protecção dos mesmos. São sinais dos tempos ! É a lúxuria legislativa ...

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Suspensão do Decurso Prazo de Duração Máxima da Prisão Preventiva - Alteração

Nos termos do art. 216º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, na redacção anterior à da Lei n.º 48/07, de 29.08, o decurso do prazo da prisão preventiva suspendia-se quando tivesse sido ordenada perícia cujo resultado pudesse ser determinante para a decisão de acusação, de pronúncia ou final, desde o momento de efectivação da perícia até ao da apresentação do relatório.

Com a Lei n.º 48/07, de 29.08, o legislador eliminou tal suspensão.

Mas ao fazê-lo não curou de dotar o Laboratório de Polícia Científica de meios acrescidos, o qual se encontra em situação de manifesta incapacidade de reposta atempada a todos os pedidos que lhe são feitos, muitos dos quais incluem exames de execução morosa e complicada.

Mas o legislador também não curou de saber quais as atrofias que existem na investigação criminal e suas causas, designadamente na área dos exames. Se o tivesse feito teria ficado a conhecer como a morosidade processual se deve em muito à falta de exames expeditos, para não falar noutras causas.

É assim espantoso que o legislador tenha eliminado tal prazo de suspensão do decurso do prazo da prisão preventiva.

Não critico a eliminação em causa, o que critico é a forma totalmente irresponsável como tal foi feito. Só um legislador irresponsável estabelece patamares de execução impossível.

Estou, porém, convencido que para o legislador tais aspectos não foram tidos por relevantes, pois o que interessava era atingir níveis de prisão preventiva ditos ideiais. Só que se esqueceu que tais níveis já tinham sido atingidos, embora pudessem ser melhorados, e desde logo através da inserção da mesma regra de contabilização da mesma, para efeitos estatísticos, uma vez que os demais países da União Europeia procedem à contabilização da prisão preventiva, para efeitos estatísticos, de forma diferente.

O que impressiona nisto tudo é a forma empírica como se legisla e até descuidada. Impressiona que não se estabeleça um diagnóstico dos entraves que existem a uma maior celeridade dos inquéritos. Se o fizessem ficariam a saber que é preciso investir dinheiro e muito na área da justiça, que os magistrados, funcionários judiciais e polícias dão o litro, mas que os resultados não são os ideiais porque a "gestão global" é medíocre e que essa pertence aos políticos e não a eles.

Já agora fiquem a saber que em inquéritos em que se necessite de exame a DVD's apreendidos chega a aguardar-se mais de um ano só pelo exame, que a colaboração das empresas ofendidas em sede de contrafacção, designadamente no que respeita à realização dos exames aos objectos contrafeitos, é deficiente, até porque têm de acudir a muitos processos, que a informática não chegou aos tribunais, como tem vindo a ser erradamente afirmado, que as fotocopiadoras são velhas e avariam com frequência, que as perícias às armas levam séculos a ser feitas, que os exames de ADN cresceram e muito, com o Laboratório de Polícia Científica Português a ter de acudir a mais exames que muitos dos seus congéneres europeus e de países maiores, com muito menos peritos. Enfim, às vezes apetece mandar o legislador para ... um sítio onde... nos deixe trabalhar.

Deixem-nos trabalhar ! Dêem-nos meios para perseguir os corruptos !

Responsabilizem os políticos que assim legislam. Façam-nos ver a sua irresponsabilidade.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Para o ensaísta Roberto Pompeu de Toledo, "todo o juiz é culpado até prova em contrário.
Pensando bem, é culpado mesmo com prova em contrário".

Umas "mancadas", a propósito:

"Ferido no joelho, ele perdeu a cabeça"

"No corredor do hospital psiquiátrico os doentes corriam como loucos".

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Lapso na versão revista do Cód. Proc. Penal

O art. 202º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, na versão revista pela Lei n.º 48/07, de 29.08, deve ter-se por revogado, uma vez que a Lei n.º 23/07, de 04.07, que entrou em vigor a 03.08.07, exclui a prisão preventiva no âmbito dos processos de expulsão, no seu art. 142º, n.º 1.
E o disposto no art. 203º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal não tem aplicação nestes casos, uma vez que a prisão preventiva é expressamente excluída.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Lapso do artigo 64º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal, na versão revista pela Lei n.º 48/07, de 29.08

Dispõe o art. 64º, n.º 1, al. c), do Cód. proc. Penal, na versão revista pela Lei n.º 48/07, de 29.08:

"1 - É obrigatória a assistência do defensor:

c) Em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída"

Não existe lapso do legislador quando refere "à excepção da constituição de arguido", pois o que aqui se dispõe é que para a simples constituição como arguido não é necessária a presença de defensor.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Processo Abreviado

Por força do disposto no art. 391º-A, n.º 1, do Cód. Proc. Penal ( revisto pela Lei n.º 48/07, de 29.08 ), o Ministério Público, uma vez recebido o auto de notícia ( ex: condução sem carta, presenciada pela polícia - cf. art. 391º-A, n.º 3, al. c), do C.P.P ), pode desde logo formular acusação, sem necessidade de constituição prévia do denunciado como arguido.
Deve é nomear defensor ao arguido e fazer a advertência do art. 64º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, antes da remessa à distribuição.