segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ainda o Processo Sumário…



Ainda o processo sumário...
Tentativa de interpretação de normas ininteligíveis.





 
***


O processo sumário encontra-se previsto nos artigos 381.º a 391º do Código de Processo penal.
De seguida procederemos à análise de alguns aspetos deste processo especial, muito focados no instituto da suspensão provisória do processo.

1. Tramitação do Processo sumário

Recebido o auto de notícia, o Ministério Público pode:
a) Ordenar a autuação, registo e distribuição (se for o caso) do auto de notícia como processo preliminar a sumário, com o prazo perentório de 15 dias para remessa a sumário, contados nos termos do art. 382º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal.
Quanto a este processo preliminar a sumário importa reter as seguintes notas:
- Não se trata de um inquérito, no sentido dos arts. 262.º e segs. do Cód. Proc. Penal, pois se houver abertura de inquérito fica inviabilizada a dedução de acusação em processo sumário – a acusação não seria recebida, por erro na forma de processo, que constitui nulidade insanável (cf. art.º 119.º, al. f), do Cód. Proc. Penal);
- Neste processo preliminar a sumário não há intervenção do juiz de instrução, pois este só intervém na fase de inquérito ou na instrução ou no caso particular do art. 384.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal (aqui já se abriu processo sumário, fase processual sob a alçada do juiz). Aliás, não é também admissível a intervenção de juiz de instrução no caso de não abertura de inquérito pelo Ministério Público.
- Neste processo preliminar a sumário não existe recurso a detenção de testemunhas ou de arguidos para comparência, ao abrigo do art. 116.º do Cód. Proc. Penal, pelo que a alternativa, no caso de inviabilização dos objetivos prosseguidos, terá de ser a abertura de inquérito (neste caso já se poderá promover a condenação em multa e a detenção para comparência, nos termos do art. 116.º do Cód. Proc. Penal).
- Neste processo preliminar a sumário o Ministério Público pode, no prazo perentório de 15 dias, executar um conjunto de diligências que vão desde o interrogatório sumário do art. 382.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal até às diligências de prova essenciais à descoberta da verdade do art. 382.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
- Findas essas diligências, o Ministério Público, dentro do prazo perentório de 15 dias, pode arquivar o processo, sem possibilidade de abertura de instrução, pode requer o julgamento em processo sumário ou pode requerer (e não decretar) a suspensão provisória em processo sumário.
- No caso de requerer o julgamento em processo sumário ou a suspensão provisória em processo sumário, o juiz do processo sumário recebe o processo preliminar a sumário e determina a sua autuação como processo sumário.
b) Despachar no sentido de remessa direta, sem abertura formal de processo preliminar a sumário, do auto de notícia para julgamento em processo sumário, sendo certo que, neste caso, se a detenção foi efetuada por particulares, deve formular acusação, enquanto que no caso de detenção efetuada por OPC pode substituir a acusação pela leitura do auto de notícia (cf. art. art. 389.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal; e ainda Helena Leitão, in Jornadas de Processo Penal, “Processos Especiais: os processos sumário e abreviado no Código de Processo Penal”: «…Se a detenção tiver sido efetuada por outra pessoa que não uma autoridade judiciária ou entidade policial, nos termos do art. 381º, n.º 2, al. b), não haverá auto de notícia e, então, em nosso entender, o Ministério Público deverá deduzir acusação. De facto, nessas circunstâncias, não poderá prevalecer-se nem do “auto sumário de entrega” a que alude o art. 381º, n.º 1, al. b), nem da queixa ou denúncia criminais. Assim, o primeiro não preenche os requisitos de um auto de notícia (entendendo-se tal conceito em sentido técnico, ou seja, como o auto que é levantado por uma das categorias de pessoa referidas no art. 243º quando presencia um crime de denúncia obrigatória) e as segundas não podem ser lidas em audiência para os efeitos do art. 389º, n.º 2…»).

Uma vez recebido o expediente proveniente do Ministério Público, o juiz do processo sumário determina a sua autuação como processo sumário. E, neste caso, pode este juiz desencadear a aplicação da suspensão provisória do processo sumário, nos termos do n.º 1 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal. Ou seja, o juiz do processo sumário pode perguntar ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público se concordam com proposta sua de suspensão provisória do processo e, havendo concordância, decretar depois a suspensão provisória.
Mas também o assistente e o arguido podem requerer ao juiz do processo sumário a suspensão provisória do processo. Neste caso, o juiz do processo sumário deve pronunciar-se no prazo ordenatório de 5 dias, nos termos do n.º 1 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal.
E quando a lei refere “devendo o juiz pronunciar-se”, impõe ao juiz uma avaliação da viabilidade da requerida suspensão.
Diz depois o n.º 2 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal que, após pronúncia do juiz do processo sumário, este, quer concorde quer não, remete o processo ao juiz de instrução, para “concordância”, ou seja, para formalização do acordo alcançado, não resultando da lei que a pronúncia do juiz do processo sumário (cf. juiz da Pequena Instância Criminal) seja vinculativa ou impeditiva. Doutra maneira, converte a lei o juiz de instrução, sedeado no Tribunal de Instrução Criminal, num juiz de garantia face a outro juiz, faz a lei intervir um juiz de instrução no processo sumário! A concordância do juiz de instrução será por referência a uma decisão prévia, designadamente a do juiz do processo sumário, o que constitui uma incongruência da lei processual penal, que terá de ser objeto de uma interpretação corretiva, no sentido de que o juiz de instrução não deve ter qualquer intervenção, pois não é juiz de instrução face a outro juiz! Por aqui se vê que a lei demanda efetivamente uma interpretação corretiva, que exclua a intervenção de um segundo juiz, designadamente o de instrução, ainda por cima situado noutro tribunal, o Tribunal de Instrução Criminal.
c) Despachar no sentido de remessa do processo preliminar a sumário, requerendo a suspensão provisória neste tipo de processo, dirigido por um juiz.

O juiz do processo sumário recebe então o processo preliminar a sumário e determina a sua autuação como processo sumário. E, concordando (a lei diz que o juiz, e não o juiz de instrução, deve “pronunciar-se”) com o requerimento do Ministério Público, no prazo de 5 dias (prazo meramente ordenatório) do art. 384.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, deve enviar o processo sumário ao juiz de instrução, tal como é imposto pelo n.º 3 do mesmo dispositivo legal.
Recebendo o processo sumário, o juiz de instrução, em prazo que a lei não refere, mas que seria sempre meramente ordenatório, dá a sua concordância ao acordo apresentado, ou seja, determina a sua “homologação” através de despacho que determina o início da suspensão provisória. Ato seguido, devolve os autos ao juiz do processo sumário, o qual passa a fiscalizar o cumprimento/incumprimento da suspensão provisória decretada, não esclarecendo a lei qual juiz deve formular o despacho de arquivamento da suspensão provisória em processo sumário, para que fique com visto em correição nessa fase de processo sumário e no tribunal competente para o processo sumário.
Não havendo concordância nem do juiz do processo sumário nem do juiz de instrução, o processo sumário é devolvido ao Ministério Público, para que formule acusação ou decida em conformidade. E o Ministério Público deverá então proceder conforme indicado no art. 384.º, n.º 2, segunda parte, do Cód. Proc. Penal.
Porém, antes disto, pode acontecer que o juiz do processo sumário remeta o processo ao juiz de instrução, pronunciando-se favoravelmente à suspensão provisória, e este não concorde. Não existe qualquer conflito, pois prevalece sempre a posição do juiz de instrução. Todavia, esta incongruência, bem vistas as coisas, demanda uma interpretação corretiva da lei, como já atrás referido, no sentido de afastar sempre a intervenção do juiz de instrução – desde logo por estas duas razões: em primeiro lugar, não há fase de instrução em processo sumário; em segundo lugar, não se compreende que a lei imponha ao juiz do processo sumário que se pronuncie e que depois permita ao juiz de instrução contrariar tal pronúncia.
Recorde-se que, por força do art. 384.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, pode a iniciativa da suspensão provisória partir do juiz do processo sumário (art. 384º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal). E neste caso é ele que a decreta, não existindo envio ao juiz de instrução, o que reforça ainda mais a necessidade da aludida interpretação corretiva que afasta sempre a intervenção do juiz de instrução.
Tenha-se, porém, em consideração que a suspensão provisória em processo sumário, após formulação de acusação pelo Ministério Público, apenas pode ser requerida pelo arguido e pelo assistente ou ser decretada pelo juiz, sempre com a anuência do Ministério Público, até ao início da audiência de julgamento.
d) Importa ainda ter em consideração estes pontos:
1.º Não existe autuação de processo sumário do e pelo Ministério Público, e até com intervenção de juiz de instrução, à revelia de qualquer autuação como processo sumário no Tribunal de Pequena Instância Criminal – só há processo sumário se o juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal mandar autuar como processo sumário o expediente do Ministério Público ou o processo preliminar a sumário;
2.º O Ministério Público não pode recorrer contra si próprio e não seria concebível que pudesse formular decisões em processo sumário, tal como não é concebível que em processo sumário tanto possa determinar a suspensão provisória o Ministério Público (cf. tese do “processo sumário do Ministério Público”, sustentada no Acórdão da Relação do Porto de 28-09-2011, Processo: 60/11.9GBAND; relator: Maria Pilar Oliveira – trata-se de uma “ligação direta" ao juiz de instrução, naquilo que se configura como um processo sumário sem autuação como tal no Tribunal de Pequena Instância Criminal e assim à revelia do juiz que aí presta serviço!), o juiz de instrução (quer por via da tese atrás referida entre parêntesis quer por remessa do juiz do processo sumário) ou o juiz de julgamento, numa fase processual dirigida por este último;
3.º Não existe qualquer violação do princípio do contraditório nas soluções propostas – cf. art. 40.º, al. e), do Cód. Proc. Penal: o juiz de instrução que dê a concordância à suspensão provisória em inquérito também não fica impedido de julgar o arguido;
4.º Após o decretamento da suspensão provisória do processo, ocorrido em processo sumário, fica o mesmo processo sumário suspenso a aguardar o decurso do prazo por que foi ele suspenso provisoriamente na secção judicial onde foi o processo distribuído. E quem fiscaliza o cumprimento da suspensão provisória é o juiz do processo sumário, que terá de formular o despacho de arquivamento similar ao do art. 282.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, que transita em julgado, e depois apor, em momento oportuno, o visto em correição no processo, para que ingresse no arquivo judicial do tribunal de Pequena Instância Criminal ou similar.
5.º No caso de incumprimento da suspensão provisória do processo sumário, este é remetido a inquérito, e as prestações feitas não podem ser repetidas, designadamente: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
O Ministério Público deduz então acusação em inquérito para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento por decisão do juiz ou da condenação, conforme imposto pelo art. 384º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal.
Veja-se ainda o disposto no art. 390.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal: “Se, depois de recebidos os autos, o Ministério Público deduzir acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular, em processo abreviado, ou requerer a aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo sumaríssimo, a competência para o respetivo conhecimento mantém-se no tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária.”



 
 
2. Requerimento de suspensão provisória
N.U.I.P.C N.º

*

DESPACHO

SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
1) dos Factos
Resulta indiciariamente provado que, no dia …/…/…, cerca das 11h05, em …o arguido:

Tiago André …,
conduzia o veículo ligeiro de matrícula …, com uma TAS de 1,20 gr/l.
Mais se apura que actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Com interesse para os autos apurou-se ainda que o arguido mostra sério arrependimento.
O arguido está desempregado, mas mostra-se socialmente inserido.
O arguido não tem antecedentes criminais e não existe registo de que tenha beneficiado de suspensão provisória por idêntico crime.
Vinha da comemoração do seu aniversário.
2) da Integração Jurídica
Os factos descritos integram a previsão dos artigos 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Código Penal - crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, a que acresce a sanção acessória de inibição de conduzir entre três meses e três anos.
Trata-se de um crime que tem subjacente a proteção do bem SEGURANÇA.
Elemento do crime é a culpa, que constitui na sua génese a capacidade de um indivíduo se motivar de acordo com as normas que regem a sociedade onde se encontra inserido.
No caso concreto o arguido reconhece as implicações da sua conduta e demonstra sincero arrependimento, que se traduz em poder afirmar-se que o ato praticado não passou de um ato isolado e que o arguido foi como que “arrastado” pelas circunstâncias para a sua prática o que lhe diminuiu a capacidade de optar por uma conduta normativa.
Não resultaram consequências para terceiros da conduta do arguido.
3) da Natureza da Suspensão Provisória do Processo
O instituto da suspensão provisória do processo constitui uma formulação prática do princípio da oportunidade.
Traduz a opção do legislador por uma solução político-criminal inspirada na ideia da obtenção de uma solução consensual entre os vários sujeitos processuais.
Tem lugar quando estejam reunidas três condições cumulativas:
1º- subjetiva – ausência de grau elevado de culpa do agente, não subsistindo interesse público a reclamar a perseguição criminal;
2º- objetiva - reduzida gravidade da ilicitude ou danosidade social;
3º- índole político-criminal - dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral, se não mesmo a sua inconveniência de uma perspetiva de prevenção especial.
No caso concreto da condução sob o efeito do álcool, é dramática a ineficácia da Justiça a este nível, não obstante a severidade com que os tribunais vêm reagindo contra a situação, aplicando medidas de inibição efetivas.
O interesse público e a consequente perseguição criminal tem de assentar em princípios pedagógicos de prevenção, no sentido da educação cívica e para o direito e não de repressão.
Só com a interiorização do desvalor da ação, através do confronto com os seus valores, poderá o arguido estar desperto para a adoção de comportamentos diferentes.
Estas as razões subjacentes à justificação da proposta das injunções que se seguem.
4) dos Pressupostos da Suspensão Provisória do Processo

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 281.º do Cód. Proc. Penal importa considerar que:
a) O arguido concordou com a injunção proposta;
b) Nunca beneficiou do instituto da suspensão provisória por crime da mesma natureza, sendo primário;
c) A culpa é atenuada, pois vinha do seu aniversário, não dando lugar a acidente e até pela taxa de álcool apurada;
d) A injunção proposta e aceite pelo arguido é a resposta adequada e necessária ao conflito subjacente.
5) da Conclusão

Reunidas as suas condições de aplicabilidade, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1 e 2, al. m), do Cód. Proc. Penal, determino a remessa dos autos a juízo, sob a forma sumária, propondo-se, nos termos do disposto no art. 281.º, por remissão do art. 384.º, ambos do Código de Processo Penal, a suspensão provisória do processo sob as seguintes injunções:
1. Entrega da sua carta de condução nos autos, no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho judicial que determinar a suspensão provisória, sem averbamento da inibição no registo individual de condutor do arguido, ficando a mesma apreendida por quatro meses; e
2. Prestação de 100 horas de trabalho a favor da comunidade, em entidade e nos termos e sob a orientação da “Direcção-Geral de Reinserção Social”.
*

Processei, imprimi, revi e assinei o texto, seguindo os versos em branco ( art. 94.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal ).
                                                                                      
Local e data
Nome e cargo do magistrado

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Contumácia - Pessoa Colectiva


Acórdão da Relação do Porto de 16-11-2011
Processo 332/06.4TAMCD-A.P1
JTRP000
Relator: Álvaro Melo
4ª SECÇÃO.
Sumário:
O instituto da contumácia não é aplicável à pessoa coletiva.

Texto integral
Processo n.º 332/06.4TAMCD-A.P1
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO:
No processo n.º 332/06.4TAMCD, do Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros, no qual é arguida B…, Ldª, datado de 23/02/2011, foi proferido despacho que indeferiu a promoção do Ministério Público para que a sociedade arguida fosse notificada para se apresentar em juízo, nos termos do disposto no artigo 335º, do CPPenal.
Não conformado com tal decisão, interpôs o Ministério Público o presente recurso apresentando as seguintes conclusões, as quais como é consabido, balizam e limitam o âmbito e objecto de mesmo (Transcrição Integral):
1. Perante os factos emergentes dos autos não se podia concluir pela não aplicabilidade do instituto previsto no art. 335º do Código Penal à sociedade arguida;
2. Não o fazendo, o meritíssimo juiz violou, em nosso modesto entender, o art. 125.º, n.º l, al. b), e art. 126.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal e os arts. 335.º a 337º do Código de Processo Penal;
3. É claro que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas não reveste os mesmos contornos que a responsabilidade das pessoas singulares e por isso também o instituto da contumácia tem de ser aplicado às pessoas colectivas com as necessárias adaptações;
4. Poderá haver lugar ao arresto de todas as contas bancárias tituladas pela arguida em território nacional, para o que se oficiará ao Banco de Portugal, em conformidade, e bem assim o arresto de eventuais depósitos em Certificados de Aforro de que seja titular, oficiando-se para o efeito ao Instituto de Gestão de Crédito Público, em Lisboa — cf. art. 337.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal;
5. Também nada obsta a que a declaração de contumácia da pessoa colectiva seja averbada no registo comercial.
6. Ora, ao afastar a possibilidade de notificação por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena da arguida ser declarada contumaz, o tribunal recorrido está a afastar a aplicabilidade do disposto no art. 125.º, n.º 1, al. b), e art. 126º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, e fez perigar a pretensão punitiva do Estado;
7. É certo que, nesta fase dos autos, e face ao teor do despacho recorrido, ainda se desconhece se o legal representante da sociedade arguida vai ou não apresentar-se em juízo no prazo de 30 dias, mas, não é de afastar a possibilidade do gerente da sociedade arguida não o fazer;
8. Desta feita, se não cabe ao julgador “criar ou justificar causas de suspensão não especialmente previstas” — Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, pág. 238, também não cabe ao julgador ignorar causas de interrupção ou suspensão quando se verificam;
9. Pelo que o despacho do Mmo Juiz que declarou que o instituto da contumácia não se aplica às pessoas colectivas deverá ser revogado, substituindo-se por outro que ordene a notificação da pessoa colectiva, na pessoa do seu legal representante, para se apresentar em juízo no prazo de 30 dias.
*
Não houve resposta.
Admitido o recurso e já neste Tribunal da Relação o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu Douto parecer no qual considera o recurso não merece provimento.
*
Colhidos os vistos, e realizada conferência, cumpre decidir:
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
É o seguinte o teor integral do despacho recorrido:
«A Sr.ª Procuradora-Adjunta veio promover que a sociedade arguida seja notificada para se apresentar em juízo nos termos do disposto no artigo 335.° do CPP.
Tal promoção pressupõe naturalmente que as pessoas colectivas podem ser declaradas contumazes.
Na nossa modesta opinião, entendemos que tal possibilidade não se extrai da lei tal como ela está talhada actualmente.
Por um lado, a figura está configurada para pessoas singulares (cf. artigo 337.º do CPP) a que a natureza da pessoa colectiva não se ajusta: note-se que no n.º 5 do referido dispositivo legal se refere que a declaração de contumácia deve ser comunicada a parente ou pessoa da sua confiança, momento em que são emitidos mandados de detenção.
A tudo acresce que no registo de contumácia, o formulário actualmente em vigor dispõe de campos com dados nominativos que apenas se dirigem a pessoas singulares (cf. Jorge Reis Bravo, in Incidências processuais da punibilidade de entes colectivos, Revista do Ministério Público, 105, 2006, págs. 76 e ss.).
Assim sendo, e sem prejuízo de entendermos que tal regime legal coloca questões delicadas, mormente no que tange com a prescrição do procedimento criminal, a verdade é que actualmente a letra e o espírito da lei não apontam na direcção da possibilidade de declarar contumazes pessoas colectivas.
Em face do exposto, indefiro a promoção do Ministério Público.
Notifique.».
*
A questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se o instituto da contumácia é aplicável às pessoas colectivas, designadamente, as sociedades comerciais.
A propósito da questão escreveu o Sr. PGA no seu Douto Parecer de fls. 41 e 42:
«Escreveu Paulo Pinto de Albuquerque no seu “Comentário ao Código de Processo Penal” (2ª edição – 2008), em anotação ao artigo 335º do código referido (comentário n.º 8):
“A pessoa colectiva arguida não pode ser declarada contumaz, mesmo que não tenha tido sucesso a tentativa de notificação da acusação e do despacho de saneamento dos autos, sendo a natureza pessoalíssima desse regime rebelde à sua aplicação analógica a pessoas colectivas (também assim, Reis Bravo, 2006:77, que tempera esta conclusão com uma “adesão” contra natura do ente colectivo à contumácia dos co-arguidos pessoas físicas, designadamente para efeitos da suspensão e interrupção do prazo de prescrição do procedimento, em violação do princípio da legalidade)».
Refere também o Sr. PGA no seu Douto Parecer referido, transcrevendo Jorge Reis Bravo, in Revista do Ministério Público, n.º 105, pág. 76 e segs.:
“… o referido instituto é matricialmente concebido e regulado tendo em atenção a natureza individual dos seus destinatários. Na verdade julga-se que será dificilmente defensável que o instituto se possa aplicar a pessoas ou entes colectivos. Com efeito, a inexistência de previsão dessa possibilidade em sede de direito positivo, sugere que tal hipótese nunca terá estado na mente do legislador. Por outro lado, toda a regulamentação do instituto é direccionada para indivíduos (pessoas humanas), sendo mais uma manifestação do carácter antropocêntrico do nosso direito processual penal. A previsão em diversas normas da possibilidade de «detenção» ou «apresentação voluntária» do arguido como meio de operar a caducidade da declaração de contumácia, «a comunicação a parente ou a pessoa da confiança do arguido» (artº 337º, n.º 5) expressam eloquentemente que tal regime se encontra apenas pensado para indivíduos. Ou, dito de outra forma, ainda que se admitisse a possibilidade de declaração de contumácia de entes colectivos, pode legitimamente inferir-se que seria inviável a verificação dos pressupostos da sua caducidade. Também no que respeita à natureza dos efeitos da contumácia, os seus contornos são claramente pensados para pessoas singulares, ao pensar o legislador, como formas de desmotivar tal situação, a «passagem imediata de mandado de detenção», «a anulabilidade de negócios jurídicos» e a proibição de obter determinados documentos junto de repartições públicas (artº 337º, do CPPen.). Acresce que o artº 19º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro (Registo Criminal e de Contumazes), ao prever o conteúdo dos ficheiros de contumazes, aponta para a inclusão de elementos de identificação civil apenas aplicáveis aos indivíduos.
Na verdade, compreender-se-ia mal, pela própria natureza das coisas, que uma sociedade, associação, fundação, outra pessoa colectiva equiparada com ou sem personalidade jurídica, pudesse ser sujeita a um mecanismo formatado para pessoas físicas, uma vez que o seu substrato ficcional permitiria sempre uma qualquer forma de representação e defesa processual”.»
Também no estudo “A responsabilidade penal das pessoas colectivas ou entidades equiparadas na recente alteração ao Código Penal ditada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro: Algumas Notas” de Mário Pedro Meireles, publicado na Revista Julgar, n.º 5, pág. 136 se escreve:
«Dada a redacção do actual artigo 335º do Código de Processo Penal entendemos que tal declaração supõe diligências no sentido de conseguir a notificação do arguido para julgamento que, tal como se mostra redigida tal norma, no nosso modesto ver, não se mostra aplicável, mesmo com adaptações, às pessoas colectivas ou entidades equiparadas. Aliás, no sentido que propugnamos, se mostram ainda redigidas as normas que completam o instituto da contumácia, tal como o mesmo decorre do disposto nos artigos 336º e 337º do Código de Processo Penal, atendendo, nomeadamente, aos efeitos previstos para a declaração de contumácia, não susceptíveis de aplicação às entidades colectivas, mesmo com adaptações».
Não encontramos melhor argumentação no sentido da tese defendida no recurso, pelo que sufragando a expendida nas transcrições supra, resta confirmar a decisão recorrida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.
*
III – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Não é devida tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator, com verso das folhas em branco – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 2011-11-16
António Álvaro Leite de Melo – Relator
José António Mouraz Lopes – Adjunto

Comentário:

Nenhum dos argumentos utilizados pelo Ministério Público no recurso se mostra adequadamente analisado pelo acórdão recorrido. É, aliás, irrespondível que:

- A responsabilidade criminal das pessoas colectivas não reveste os mesmos contornos que a responsabilidade das pessoas singulares e por isso também o instituto da contumácia tem de ser aplicado às pessoas colectivas com as necessárias adaptações;

- Tal como nas execuções, poderá haver lugar ao arresto de todas as contas bancárias tituladas pela arguida em território nacional, para o que se oficiará ao Banco de Portugal, em conformidade, e bem assim o arresto de eventuais depósitos em Certificados de Aforro de que seja titular, oficiando-se para o efeito ao Instituto de Gestão de Crédito Público, em Lisboa — cf. art. 337.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal;

- Também nada obsta a que a declaração de contumácia da pessoa colectiva seja averbada no registo comercial, ainda que os formulários devam ser adaptados.

Por outro lado, a declaração de contumácia da pessoa colectiva permite ainda outro efeito que o acórdão não refere: a suspensão da prescrição do procedimento criminal (cf. art. 120º, n.º 1, al. c), do Código Penal). Ora, não se compreende que o legislador não tenha querido esta suspensão também em relação a pessoas colectivas.
Este acórdão agarra-se, no meu entender, a elementos literais, deixando de fora uma interpretação sistemática que permitiria a aplicação do instituto da contumácia, com total respeito pela proibição da analogia em desfavor do arguido.
Para terminar, em conformidade com o referido em comentário a este "post", cumpre salientar o teor do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 288/2009, de 8 de Outubro (segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro, que regulamenta e desenvolve o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes, e primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 62/99, de 2 de Março, que regula os ficheiros informáticos em matéria de identificação criminal e de contumazes):



"Artigo 19.º [...]


1 - O registo de contumazes é constituído pela identificação do titular e por extractos de decisões proferidas pelos tribunais, de declaração, alteração ou cessação de contumácia que a ele respeitem.

2 - A identificação do titular abrange:

a) Tratando-se de pessoa singular, nome, sexo, filiação, naturalidade, data de nascimento, nacionalidade, residência e número de identificação civil ou, na sua falta, do passaporte ou de outro documento de identificação idóneo;

b) Tratando-se de pessoa colectiva ou entidade equiparada, denominação, sede e número de identificação de pessoa colectiva.

3 - ..."

Portanto, estamos perante uma decisão errada.








segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Faca de cozinha/Concurso de crimes em caso de posse de diversas armas

 

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 8 Nov. 2011, Processo 92/10, Relator: ANA BARATA BRITO.

Sumário parcial:

1. Uma faca de cozinha, de um só gume, com 19 cm de lâmina e 31 cm no total, como arma branca originariamente afecta ao uso doméstico, mas em que a adaptação de bainha para lâmina a torna susceptível de ser utilizada como verdadeiro punhal, agrava o risco de letalidade ao seu detentor ao facilitar a posse e o uso clandestino com o fim exclusivo de ser utilizada como arma.

2. O detentor de duas armas uma faca e uma pistola, na mesma ocasião, de categorias diferentes, deverá ser punido apenas pelo crime mais grave. A eliminação de um dos crimes obriga, à reformulação do cúmulo jurídico, após prévia reapreciação da pena parcelar correspondente ao crime de detenção de arma que passa a integrar, também, a factualidade referente à detenção da faca.

Anotações:

1. O Tribunal da Relação de Coimbra, pelo Acórdão de 23 Jun. 2010, Processo 212/09, em que foi relatora a Desembargadora CACILDA SENA, decidiu, a respeito da detenção de uma faca de cozinha, que a mesma só será considerada uma arma branca proibida se estiver disfarçada, pelo que a detenção de uma faca de cozinha, dotada de uma lâmina de cerca de 13 cm, utilizada para rasgar um placar eleitoral, não integra o crime de detenção de arma proibida.

2. O Acórdão da Relação de Évora em causa diverge da anotação ao art. 86º da Lei das Armas de Artur Vargues (Org. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, p. 244), o qual defende que "a detenção de várias armas, na mesma ocasião, que se enquadrem na mesma alínea, integrará um único crime. Em diferentes ocasiões, integrarão tantos crimes quanto aquelas. Se na mesma ocasião alguém for detentor de uma arma elencada na al. a), de duas constantes da enunciação da al. c) e três outras da al. d) praticará, em concurso real, um crime do art. 86º, n.º1-a), um crime do art. 86º, n.º1-c) e um crime do art. 86º, n.º1-d)"

Texto Parcial do Acórdão:

«…- Da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida:

Argumenta, neste ponto, o recorrente que,

"Da errónea apreciação da prova veio a decorrer uma incorrecta fundamentação de facto da decisão recorrida, que deve assim ser alterada no sentido de que de acordo com a prova efectivamente produzida e acima melhor explicitada, não pode concluir-se pela verificação e prova da factualidade referida em A) e B). De tal errónea apreciação da prova e relevância da matéria de facto considerada apurada, veio a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.º 1, alínea m), 3º, n.º 2, alínea f), 86°, n.º 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.º 4, alínea a), e 86, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 06.05. Alterada a matéria de facto deve, em consequência, absolver-se o arguido L… da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado.

Como se vê, o recorrente não discute o enquadramento jurídico dos factos devido a erro de direito mas como mera decorrência da procedência do recurso da matéria de facto.

Da improcedência deste resultaria então, sem mais, a confirmação do enquadramento jurídico dos factos efectuado no acórdão.

Mas não será assim.

É certo que o comportamento do recorrente preenche o tipo de crime de detenção de arma proibida dos arts 2.º, n.º 1, alínea m); 3.º, n.º 2, alínea f) e 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, no caso da faca, e do crime de detenção de arma proibida, dos arts 2.º, n.º 1, alínea p); 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), no caso da arma de fogo.

Esta matéria não é sequer discutida em recurso.

Mas, deve o agente ser punido pela prática dos dois crimes, considerando-se para tanto que a sua conduta preenche um concurso efectivo de crimes?

As (duas) condutas estão previstas no mesmo tipo de crime - do art. 86º, de detenção de arma proibida - mas em diferentes alíneas - na c), a arma de fogo e na d), a faca) - e são puníveis com diferentes penas abstractas.

À matéria do concurso de crimes chamou Eduardo Correia "um dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal".

Em anotação ao art. 86º da Lei das Armas, Artur Vargues defende que "a detenção de várias armas, na mesma ocasião, que se enquadrem na mesma alínea, integrará um único crime. Em diferentes ocasiões, integrarão tantos crimes quanto aquelas. Se na mesma ocasião alguém for detentor de uma arma elencada na al. a), de duas constantes da enunciação da al. c) e três outras da al. d) praticará, em concurso real, um crime do art. 86º, n.º1-a), um crime do art. 86º, n.º1-c) e um crime do art. 86º, n.º1-d)" (Org. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, p. 244).

Com todo o respeito, discordamos desta solução.

Ela conduziria a que o detentor de cinco pistolas fosse punido por um crime e o detentor de uma pistola e de uma faca, o fosse por dois.

Figueiredo Dias propõe como solução do problema da unidade ou pluralidade de infracção, o "critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global". Refere que "o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais - que integra um tipo legal - efectivamente aplicável ao caso.

A essência de uma tal violação não reside, pois, nem (por um lado) na mera "acção", nem (por outro) na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (...) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes."

E acrescenta que "será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude, devendo reconhecer-se, de um ponto de vista teleológico e de valoração normativa "a partir da consequência", a existência de dois grupos de casos:

- o caso normal, em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis - hipóteses de concurso efectivo (do art. 30º,n.º1), próprio ou puro;

- e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude, que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados - hipóteses de concurso aparente, impróprio ou impuro.

Com a consequência de que só para o primeiro grupo de hipóteses deverá ter lugar uma punição nos termos do art.77º, enquanto que para o segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida concreta da pena.

(...) Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto". (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, fls. 988-991).

Perante uma pluralidade de realizações típicas, a unidade de desígnio criminoso, a identidade de bem jurídico, a unidade temporal e/ou espacial, entre outros e consoante o caso, funcionarão como sub-critérios para definição do sentido fundamentalmente unitário do ilícito.

Nas circunstâncias constantes dos factos provados, a detenção, pelo mesmo agente e na mesma ocasião, de duas armas, se bem que de categorias diferentes, não permite descortinar dois sentidos materiais ou sociais de ilicitude, autónomos entre si, pelo que o recorrente deverá ser punido apenas por um crime, o da alínea c) do art. 86.º, n.º 1 do R.G.A.M. (o ilícito mais grave).

(…)

4. Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em:

- Rejeitar o recurso do arguido J, por extemporâneo (arts. 420º, n.º1, al. b), 414º, n.º2 e 411º, n.º1, al. b) do CPP).

- Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido L, absolvendo-o do crime do art. 86º, n.º1 al. d) do R.J.A.M. e reduzindo-lhe a pena única para quatro anos e oito meses de prisão, confirmando no mais a decisão recorrida.

Fixo em 4UC as custas devidas apenas pelo recorrente J.

Évora, 8.11.2011

Ana Barata Brito

António João Latas

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Processo abreviado: casos em que se verifica necessidade de inquérito sumário

Acórdão da Relação do Porto, de 26.10.2011
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/fb7e7c70f79fb9ae8025794100562c99?OpenDocument
Processo: 491/11.4TAMTS-A.P1
N.º Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
N.º do Documento: RP20111026491/11.4tamts-A.P1
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Sumário (disponível em http://www.dgsi.pt/):

I – O Ministério Público pode deduzir acusação em processo abreviado, sem necessidade de realizar quaisquer diligências de investigação, quando, cumpridos os restantes requisitos legais [art. 391.º-A, do CPP], o processo contiver um auto de notícia.
II – Uma certidão extraída de outro processo não é um auto de notícia.
III – Se o Ministério Público deduziu acusação (em processo abreviado) apoiado unicamente nessa certidão, verifica-se a nulidade insanável de falta de inquérito [art. 119.º, alínea d), do CPP].
Resumo do acórdão:
Quando o processo se inicia com um auto de notícia, o Ministério Público pode deduzir acusação em face simplesmente do auto de notícia, sem qualquer outra diligência de inquérito e até mesmo sem que o arguido seja interrogado.
Assim, contudo, já não acontecerá quando não há qualquer auto de notícia, pois que nesse caso, haverá que proceder a inquérito sumário, o que sucederá, além do mais, nos casos previstos nas als. b) e c) do n.º 1 do transcrito art.º 391.º-A do CPP. E havendo lugar a inquérito, nele se contará, como obrigatório, o interrogatório de arguido e a sua constituição como tal, tudo em obediência ao que dispõe o art.º 272.º, n.º 1, do CPP [Nota 1 do acórdão: “não sustentando embora directa e inequivocamente a obrigatoriedade que aqui defendemos da realização de inquérito sumário nos casos em que inexiste auto de notícia, cf. Helena Leitão, “Processos Especiais: os processos sumário e abreviado no Código de Processo Penal (após a revisão operada pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto”, pág. 16 in http://www.cej.mj.pt/cej/forma-continua/forma-continua-activid.php, segundo a qual “ainda assim, em casos específicos, designadamente quanto a notícia do crime tenha sido alcançada através de denúncia formulada por particulares, deverá haver lugar à abertura de inquérito e à realização de diligências probatórias em processo abreviado, sob pena de prática de nulidade insanável, prevista no art. 119º al. d).” Neste sentido ainda, Luís Silva Pereira, “Os processos especiais no Código de Processo Penal após a revisão de 1998”, in RMP, ano XX, nº 77, pág. 148)”].
Não sendo realizadas quaisquer diligências de inquérito, sendo no caso obrigatória a realização de inquérito sumário, por inexistir auto de notícia do ilícito acusado, verifica-se a nulidade prevista no art.º 119.º, al. d), do CPP.
A falta de inquérito, além de constituir nulidade insanável, é do conhecimento oficioso, é susceptível de ser conhecida em qualquer fase do procedimento (art.º 119.º, n.º 1, do CPP) e torna a acusação deduzida nula, bem como os termos subsequentes do processado, designadamente a remessa dos presentes autos a este juízo, enquanto actos dela dependentes e por ela afectados, tudo nos termos previstos no art.º 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.

domingo, 30 de outubro de 2011

Vocabulário SMS




-
menos
+
Mais
+-
mais ou menos
bjs
Beijos
c ou c/
com
cmg
comigo
cmo ou cm
como
dd
Donde
fds
fim de semana
img
Imagem
K
quê
LOL
rir às gargalhadas (laughing out loud)
lol
rir alto (laughing out loud)
mm
Mesmo
msg
Mensagem
n
não
obg
Obrigado
p/ ou p
para
pc
pouco
pf
por favor
PPL
people (pessoal)
q
que
qdo ou qd
quando
qto ou qt
Quanto
ROTFL
rebolar no chão a rir (rolling on the floor laughing)
tas
Estás
tbm ou tb
Também
tc
teclar (conversar usando o teclado)
td
Tudo
tks
obrigado (thanks)
tok
Toque
vzes
vezes
x
vez






Emoticons/Smileys para SMS, E-MAIL e CHATS

:)         alegria
:(         tristeza
:D       contentamento
:P        mostrar a língua
:S        agonia
:@       fúria
:$        vergonha
;)         piscadela
:-O      surpresa/admiração
*-)       confusão
(A)      anjinho
-6        diabinho
+o(      enjoo
:-#       guardar segredo
I-)        sono
(B)      cerveja
:~)       constipado
[]         abraços

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

INJÚRIA/DIFAMAÇÃO - PESSOA COLETIVA

Acórdão da Relação do Porto de 14-09-2011

Proc. 19460/09.8TDPRT.P1

Relator: ERNESTO NASCIMENTO

_______

Sumário (de www.dgsi.pt)

I - Se, relativamente a pessoa singular, em sede de difamação ou de injúria, tanto importa fazer uma imputação desonrosa de um facto como formular um juízo, de igual sorte desonroso, já no âmbito da ofensa a pessoa coletiva, apenas releva a imputação de factos.

II - Posto que grosseira e ordinária, a expressão merda de empresa com que o arguido se refere à assistente (pessoa coletiva) não assume dignidade penal por comportar apenas um juízo de valor, sem imputação de factos.

Processo comum singular 19460/09.8TDPRT da 3.ª secção do 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto

Relator - Ernesto Nascimento

Adjunto - Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

Texto Parcial:

“…III. 2. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

A acusação particular deduzida pela assistente B, Lda. Foi rejeitada, por ter sido considerada manifestamente infundada, na consideração de que os factos imputados ao arguido não constituíam crime, relativamente à sociedade, única assistente constituída e com acusação deduzida nos autos, pelo crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187.º/1 C Penal.

Isto porque, por um lado, a expressão merda é definida como excremento, porcaria, sujidade, coisa reles, coisa desagradável, insignificância (Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora, 8.ª ed., p. 1081), sendo uma expressão, ainda que rude, grosseira ou vulgar, tem apenas o sentido de desabafo ou lamento e não constitui expressão suscetível de ofender ou denegrir a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à ofendida, a empresa B, Lda., nos termos exigidos pelo ilícito em apreço e, por outro lado, quanto à expressão são todos um bando de gatunos e filhos da puta - tidas como aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa singular, mas já não o crédito, prestígio ou a confiança de uma pessoa coletiva - considerou-se que não pode ser dirigida à assistente, B, Lda., enquanto pessoa jurídica, mas antes às pessoas singulares que a constituem, por isso, suscetível de integrar um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º C Penal relativamente a uma pessoa singular, mas já não relativamente à assistente nos autos - pessoa coletiva.

III. 2. 2. Os fundamentos do recurso.

Pretende a recorrente que a atuação do arguido, seu funcionário - no tempo e local de trabalho, na presença de outros funcionários e de clientes - ao dizer que não se importava de ficar sem o seu salário, para a merda da empresa falir e que eram todos um bando de gatunos e filhos da puta, integra a previsão do tipo legal de ofensa a pessoa coletiva, previsto no artigo 187.º/1 C Penal.

Entende, então, a recorrente que, o arguido ao proferir a expressão merda desta empresa colocou em causa o crédito, o prestígio e a confiança da sociedade, pois que afirma um facto que não é verdade, está de má fé e denigre a sua imagem e, por outro lado, ao proferir a expressão são todos um bando de gatunos e filhos da puta, estava, também, como ali, a referir-se à sociedade - como se constata pela análise da frase - e não, como se considerou na decisão recorrida, aos seus sócios.

Isto é, entende a recorrente que o arguido sempre se referiu a si própria e que as expressões referidas não são idóneas a ofender a honra e consideração dos seus sócios, pois que as mesmas não são objetivas nem concretas, não se lhes fazendo uma imputação direta, donde, se encontrarem preenchidos todos os elementos necessários do crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, como postulado no artigo 187.º C Penal

III. 2. 3. O crime de ofensas a organismo, serviço ou pessoa coletiva.

Dispõe o n.º 1 do artigo 187.º C Penal, que:

Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

Esta norma foi introduzida na Reforma operada pelo Decreto Lei 48/95, de 15.03, colocando-se fim à controvérsia a que se vinha assistindo sobre a questão de saber se as pessoas coletivas podiam ou não ser sujeito passivo de crimes contra a honra.

Como consta da ata n.º 25 da Comissão Revisora do C Penal de 1995, visa o tipo legal previsto no artigo 187.º C Penal criminalizar ações (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa coletiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria.

Como é sabido os tipos legais de difamação e de injúria, previstos, respetivamente, nos artigos 180.º e 181.º C Penal, pressupõem, respetivamente, a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, bem como em qualquer dos casos, a sua reprodução - no primeiro - e a imputação de factos ou a utilização de palavras - no segundo.

Por seu lado, o tipo objetivo de ilícito do artigo 187.º C Penal pressupõe, a afirmação ou a propalação de factos inverídicos; idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa coletiva; que o agente não tenha fundamento para, em boa fé, os reputar de verdadeiros.

III. 2. 4. Conhecendo.

O dito do arguido - não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir, são todos um bando de gatunos e filhos da puta.

Começaremos a sua análise pela parte final.

Obviamente que, sem descurar e olvidar - antes tendo presente - a primeira arte da expressão, de caráter único de resto, proferida num mesmo momento, de um só fôlego - afirmar-se que são todos uns gatunos e filhos da puta, no seguimento de se ter afirmado que a empresa era uma merda, visa tão só as pessoas de alguém com ela relacionado.

Quem, a represente, quem a dirige, o que é compatível com os seus sócios e ou gerentes.

É a eles que o arguido se refere, inequivocamente, quando afirma, serem todos um bando de gatunos e filhos da puta.

Desde logo, a empresa é uma entidade singular, por definição e, o arguido utiliza, não só o plural, para se referir a quem tem em mente na sua afirmação, como, utiliza, mesmo, um nome coletivo, bando, o que pressupõe, naturalmente, uma pluralidade de visados/destinatários, o que não pode deixar de afastar, liminarmente, qualquer possibilidade de se estar a referir, nesse segmento, sequer, ou também, à sociedade.

Por outro lado a natureza das expressões utilizadas, gatuno e filhos da puta, qualquer delas, pelo seu sentido etimológico e corrente, com que vulgarmente são utilizadas, traduzindo ligações a desonestidades e atos menos sérios, necessariamente, se reportam a pessoas singulares e não a sociedades.

Donde, manifesta e inequivocamente que a parte final da expressão do arguido não pode ter tido a sociedade como alvo.

Não lhe era direcionada, nem de resto é idónea, pelo seu significado intrínseco, a visar.

Visava, seguramente as pessoas - mais do que uma - que o arguido identifica com a empresa, porventura os seus sócios e ou gerentes.

Visados que, apesar de não terem podido deixar de tomar conhecimento do que o arguido afirmou não consideraram que os juízos de valor a que se reconduzem as expressões bando de gatunos e filhos da puta, como ofensivas da sua honra e consideração, do seu bom nome, pelo menos por forma a justificar a instauração de um processo crime.

Bem andou, a decisão recorrida, desde logo, neste segmento ao considerar que com as precisas expressões bando de gatunos e filhos da puta se não dirigiam à sociedade assistente, pelo que a mesma não constituía crime - atentando-se naturalmente que estamos em sede de crimes de natureza particular e que os visados não se queixaram, sequer e quem assumiu as dores da ofensa foi a sociedade, enquanto tal.

Quanto ao mais.

Também não merece censura a decisão recorrida, ao considerar que a expressão merda de empresa no contexto e que foi afirmada traduz uma expressão rude, grosseira, vulgar, com um sentido de desabafo ou lamento, mas não suscetível de ofender ou denegrir a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à assistente.

Ademais e decisivamente, a anteceder tal género de apreciação, atinente à objetividade da expressão, ao contrário do que exige o tipo em questão, merda de empresa não encerra, em si mesmo, quaisquer factos, mas tão só constitui um juízo (rude e grosseiro) de valor que a norma em causa não prevê, como forma de cometimento do ilícito.

Se em sede de difamação tanto importa, pois, fazer uma imputação desonrosa de um facto, fulano tirou-me a carteira, como formular um juízo, de igual sorte, desonroso, fulano é um ladrão e se em sede de injúria tanto basta a imputação do mesmo facto ou a afirmação da palavra, já no âmbito da ofensa a pessoa coletiva, apenas releva a imputação de factos.

Donde, ressalta um evidente interesse, real e efetivo na distinção (tarefa, as mais das vezes, plena de dificuldades) entre facto, por um lado, juízo e palavras, por outro.

A noção de facto constitui, assim, o ponto nuclear, no conhecimento da relevância jurídico-criminal da conduta do arguido.

A propósito da distinção facto versus juízo, refere o Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense: facto é o que se traduz naquilo que é ou que acontece, na medida em que se considera como um dado real da existência, facto é um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, um juízo de existência.

Um facto é um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjunto de cações que se protelam no tempo.

Por sua vez, o juízo, independentemente dos domínios em que pode operar (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa a existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor.

Quanto à palavra, a questão por demais evidente, não suscita dúvidas, de maior.

No caso concreto, com a expressão merda de empresa, seguramente que não estamos na presença, da imputação de factos, mas fundamentalmente, perante a formulação de um juízo de valor, sobre a imagem que o arguido tem da assistente (ainda que diretamente relacionada com os comportamentos e posturas que conhece dos seus representantes).

Merda de empresa não contém qualquer elemento de descrição/narração de realidade factual.

A expressão merda de empresa numa linguagem boçal, grosseira e ordinária, não tem outro significado que não seja adjetivar a imagem que o arguido tem da assistente e que equivale a má, pouco correta e pouco séria.

Donde, no caso concreto, uma vez que o que o arguido fez, foi formular um juízo de valor e não afirmar, ou propalar factos, modo, via, instrumento, de todo, não previsto, no tipo legal do artigo 187.º C Penal, não assume a conduta do arguido dignidade penal, por falta de tipicidade, podendo, então, a assistente, através de outro ramo de direito - o civil - satisfazer perfeita e plenamente - aliás até de maneira sistematicamente mais coerente e eficaz - os seus interesses, em ver ressarcidos os prejuízos que a alegada violação da sua credibilidade, do seu prestígio e confiança, provocou.

Se a emissão de um juízo de valor não é suscetível de integrar a factualidade típica, desde logo, com este fundamento - que precede a análise, avaliação e apreciação do sentido, que lhe é dado, com que foi utilizado e que é idóneo a traduzir - nunca por nunca, este segmento da expressão utilizada pelo arguido, se pode traduzir ou ter a virtualidade de integrar o tipo do artigo 187.º/1 C Penal - que é o que aqui está em questão.

Em resumo, não pode deixar de se manter o despacho recorrido, ainda que com outros argumentos - na consideração de que a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187.º/1 C Penal, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade - prevista para os crimes de difamação e de injúria - de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas.

É tempo de concluir, afirmando a falta de fundamento, para o recurso apresentado pela assistente.

IV. DISPOSITIVO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação, em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente, B, Lda., confirmando-se - ainda que com fundamentação diversa - a decisão recorrida.

Taxa de justiça pela recorrente que se fixa no equivalente a 4 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2011.setembro.14

Ernesto de Jesus de Deus Nascimento

Artur Manuel da Silva Oliveira

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quebra de Sigilo Bancário


Acórdão da Relação de Lisboa, de 19-10-2011


Processo: 2061/08.5PFLRS-A.L1-3 


Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA


Sumário (de www.dgsi.pt):

I – Nos termos do disposto nos arts. 78.º e 79.º, n.º 2, alínea d), do R.G.I.C.S.F., esta última com as alterações decorrentes da Lei n.º 36/2010, de 02/09, as instituições de crédito e seus representantes, empregados ou agentes, passaram a ter que revelar o nome de clientes, assim como as contas destes e respectivos movimentos e outras operações bancárias desde que:

a) A informação seja solicitada no âmbito de um processo penal;

b) Por autoridade judiciária competente; e

c) Na sequência de despacho devidamente fundamentado.

II – Desde logo, nos termos do apontado normativo configura-se que a excepção ao dever de segredo está restrita ao processo penal.

III – Depois, releva que a quebra de sigilo bancário decorra de despacho de juiz ou de magistrado do Ministério Público, conforme este ou aquele tenha a direcção da fase processual em que é suscitada a quebra de sigilo bancário.

IV – Finalmente, uma vez que tal quebra é susceptível de constituir violação à privacidade e ofensa à relação de confiança entre as instituições financeiras e os seus clientes, a excepção ao dever de segredo relativo ao regime em causa deve decorrer de despacho devidamente fundamentado, nomeadamente alicerçando a quebra de sigilo bancário num imperativo de protecção de interesses jurídicos proeminentes.

V – Este entendimento acarretar necessariamente que se tenha por tacitamente revogado o disposto no art. 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal em sede de quebra de sigilo bancário.

VI - O direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente protegido cede em nome da realização da justiça e da segurança enquanto valores do Estado de Direito Democrático e na justa medida em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado, conforme arts. 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Suspensão provisória em processo sumário





Acórdão da Relação do Porto, de 28-09-2011
Processo: 60/11.9GBAND
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA









Sumário (constante de www.dgsi.pt):




“No processo sumário prevê-se que a suspensão possa ocorrer até ao início da audiência, o que pressupõe que o possa ser quando o Ministério Público requereu o julgamento e o processo já foi remetido ao tribunal de julgamento.




Mas ainda assim continuam a ser aplicáveis os artigos 281º e 282º, do C. Proc. Penal, o que significa que o processo, depois de obtida a concordância do juiz de instrução, voltará a estar sob a alçada do Ministério Público que também nesse caso deve ter o registo correspondente nos respectivos serviços.




Nesta situação o processo serão bjecto de registo e autuação no tribunal de julgamento pela circunstância de ter sido requerido o julgamento.




Mas quando tal não ocorre e oMinistério Público determina a suspensão provisória, ao invés de requerer o julgamento e em processo sumário, não há motivo para o processo transitar para o tribunal de julgamento para um simples acto administrativo de autuação e registo como processo sumário.”









Comentário:









Lendo o acórdão da Relação do Porto, retiro alguns trechos do mesmo:









“No processo sumário e no âmbito da previsão do artigo 384º, nº 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, antes de requerer o julgamento em processo sumário e em alternativa a esse requerimento, pode determinar a suspensão provisória do processo em processo sumário. Mas se são aplicáveis os artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal, o processo continua sob a direcção do Ministério Público tal como continuaria se a suspensão fosse determinada no decurso do inquérito.”




Continua o acórdão, dizendo que “…resulta, a nosso ver, do texto legal é que o Ministério Público tem competência para ordenar aos seus serviços a autuação e registo do processo como sumário tal como a têm em relação a todos os processos que por lei forem da sua competência, como também é o caso do inquérito em que, de igual modo e pontualmente, nos casos expressamente previstos na lei, ocorre a intervenção do juiz do instrução. Neste aspecto não diverge a intervenção judicial na suspensão provisória em processo sumário.”




“Então que sentido faria o registo e autuação do processo na forma sumária no Tribunal de julgamento, se nem sequer é o juiz de julgamento o competente para praticaro acto judicial de que depende a suspensão (concordância), mas o Juiz de Instrução?”




“É certo que no processo sumário se prevê que asuspensão possa ocorrer até ao início da audiência, o que pressupõe que o possa ser quando o Ministério Público requereu o julgamento e o processo já foi remetido ao tribunal de julgamento. Mas ainda assim continuam a ser aplicáveis os artigos 281º e 282º, o que significa que o processo, depois de obtida aconcordância do juiz de instrução, voltará a estar sob a alçada do Ministério Público que também nesse caso deve ter o registo correspondente nos respectivos serviços.




Claro que nesta situação o processo será objecto de registo e autuação no tribunal de julgamento pela circunstância de ter sido requerido o julgamento.”




“Mas quando tal não ocorre e o Ministério Público determina a suspensão provisória, ao invés de requerer o julgamento e em processo sumário, não há motivo para o processo transitar para o tribunal de julgamento para um simples acto administrativo de autuação e registo como processo sumário que o Ministério Público tem competência para ordenar nos seus serviços como decorrência da sua competência para tramitar o processo até ao futuro processamento em processosumário/julgamento, caso não haja concordância com a suspensão do juiz de instrução, arquivamento ou dedução de acusação em outra forma processual.”




“…o que resulta, a nosso ver, do texto legal é que o Ministério Público tem competência para ordenar aos seus serviços a autuação e registo do processo como sumário…”




--------




Existe alguma contradição no acórdão. Na verdade, tanto admite que formulando o Ministério Público acusação em sumário, a mesma dê lugar à abertura de processo sumário, a tramitar num juízo, sob a alçada de um juiz, como de seguida refere que, se nessa fase de processo sumário, for requerida a suspensão provisória do processo sumário, o mesmo vai ao juiz de instrução e, sendo aceite a suspensão provisória, o mesmo processo sumário voltará ao Ministério Público, onde será registado e distribuído como processo sumário do Ministério Público.




Só isto permite perceber como a lei foi mal feita e como os senhores juízes desembargadores ficaram confundidos. Porém, se isto até era compreensível, já não é perdoável que se crie a figura do processo sumário do Ministério Público!




O que existe no Ministério Público é um processo preliminar a sumário, mas que nunca irá ao juiz de instrução, por tal não estar previsto, não havendo sequer controlo do juiz de instrução em relação às decisões do Ministério Público nestes processos preliminares a sumário.




Convém não esquecer a redacção do artigo 384º do Código de Processo Penal:














Artigo 384º
Arquivamento ou suspensão do processo




1. É correspondentemente aplicável em processosumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, até ao início daaudiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público,do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cincodias.
2. Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida aconcordância do juiz de instrução, o Ministério Público notifica o arguido e astestemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 15 dias posteriores àdetenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo oarguido de que aquele se realizará, mesmo que não compareça, sendo representadopor defensor.
3. Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Públicodeduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias acontar da verificação do incumprimento ou da condenação.









Portanto, os preceitos dosartigos 280º, 281º e 282º são aplicáveis, mas com as necessárias adaptações.




Por outro lado, se há processo sumário com acusação do Ministério Público e for requerida a suspensão provisória, o processo sumário vai ao juiz de instrução, nos termos do n.º 2, para que dê a sua concordância, concordância esta que significa aqui (embora a redacção seja criticável) decisão do Juiz de Instrução, pois decisão do Ministério Público não poderá ser, uma vez que até já havia formulado acusação. Daí que o processo sumário, suspenso por decisão do juiz de instrução, terá de aguardar o decurso da suspensão como processo sumário e não como “processo sumário do Ministério Público” (!).




Sobre isto, consulte-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-02-2011 (Processo 446/10.6GCTND-A.C1; relator: Brízida Martins).




O decidido no acórdão sob anotação não tem correspondência na letra da lei, aliás, na desastrosa letra da lei, exemplo de uma total inabilidade do legislador, e daí os problemas que estão a surgir sobre a tramitação da suspensão provisória. Vejamos:









-O n.º 1 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal permite que o juiz do processo sumário, mesmo depois de ter sido deduzida acusação, tenha a iniciativa da suspensão provisória do processo sumário, não fazendo sentido que este juiz, que também é juiz das garantias, fique sujeito à concordância do juiz de instrução e daí o n.º 1 não falar em juiz de instrução e apenas em juiz - logo, o juiz do n.º 1 é o juiz do processo sumário;









-O n.º 1 permite a formulação de requerimento dirigido ao juiz do processo sumário, até depois de ter sido formulada acusação – aliás, é este o juiz do processo sumário e não o juiz de instrução -; neste caso, o juiz do processo pronuncia-se no prazo de cinco dias, e, concordando, remete os autos ao juiz de instrução; assim, a concordância do juiz de instrução será por referência a uma decisão prévia, designadamente a do juiz do processo sumário, o que constitui uma incongruência da lei processual penal, que terá de ser objecto de uma interpretação correctiva, no sentido de que o juiz de instrução não deve ter qualquer intervenção, pois não é juiz de garantia face a outro juiz! Ou então, que a decisão de suspender será de juiz de instrução em processo sumário (preferimos a primeira solução).









-O n.º 1 fala em requerimento do Ministério Público e não em decisão doMinistério Público, até porque depois de formular acusação o Ministério Públiconão a pode dar sem efeito, apenas pode concordar ou não com a suspensão provisória, mas a ser decretada pelo juiz do processo sumário, se tiver a iniciativa de aplicar a suspensão provisória, à semelhança do que acontece na fase de instrução (cf. art. 307.º, n.º 2, do CPP), ou a ser decretada pelo juizde instrução se a suspensão for requerida pelo arguido ou pelo assistente.









-O n.º 1 fala em iniciativa do Tribunal, ou seja, do juiz do processo sumário, iniciativa essa que, existindo acusação, tem de traduzir-se numa decisão judicial de suspensão provisória do processo sumário, obtida a concordância quer do arguido quer do assistente quer do Ministério Público - e de maisninguém;









-O n.º 2 pressupõe sempre a remessa do processo sumário ao juiz de instrução pelo juiz do processo sumário - remessa essa que não parece ser de admitir,pois o juiz do processo sumário não deixa de exercer uma função de juiz de garantias – remessa essa pelo juiz, portanto, e não pelo Ministério Público, do próprio processo sumário. Assim optámos por excluir a intervenção do juiz deinstrução, por ser incongruente e por recurso a uma interpretação correctiva deste número dois;









-Não havendo concordância com a proposta do Ministério Público, o juiz de julgamento devolve os autos ao Ministério Público, para que este possa formular acusação sob a forma sumária, se ainda a não formulou; em alternativa, pode o Ministério Público registar como inquérito, caso julgue inviável já atramitação como processo sumário.














O problema reside nisto:









- Não havendo inquérito, a lei processual penal permite ao Ministério Público a execução de um conjunto de diligências, que vão desde o interrogatório sumário do art. 382.º, n.º 2, até às diligências de prova essenciais à descoberta da verdade do art. 382.º, n.º 3, ambos do CPP. Tais diligências compreendem, no fundo, tudo o que se possa realizar num inquérito normal, dentro do prazo de 15 dias. Mas a lei não permite o registo como inquérito, sob pena de ficar inviabilizada dedução de acusação em processo sumário (a acusação não seria recebida, por erro na forma de processo, que constitui nulidade insanável – cf. art. 119.º, al. f), do CPP). Assim, não se admite a intervenção do juizde instrução, pois este só intervém na fase de inquérito, de instrução ou no caso particular do art. 384º, n.º 2, doCPP, e daí não ser admissível que se requeira a abertura de instrução nasequência de despacho do Ministério Público que não só não abra inquérito comotambém que arquive o expediente recebido, por exemplo, por não existir queixa.A decisão supra refere isto de forma expressa: não se admite a fase de instrução senão por referência a um inquérito.









- Tal significa que nãoexiste recurso a detenção de testemunha ou de arguido para comparência sob detenção, ao abrigo do art. 116.º do CPP, em processo preliminar a sumário, pelo que a alternativa só será o registo como inquérito, por ter ficado inviabilizado o recurso ao processo sumário;









- Mas as faltas podem ser sancionadas, desde que exista registo como inquérito ou remessa a sumário, mediante promoção nesse sentido. Havendo arquivamento, não existirá a possibilidade de condenação em multa (cf. art. 116.º do CPP).









- PORTANTO, a suspensão provisória não pode ser decretada senão num inquérito ou no âmbito de um processo sumário e o processo preliminar de que falamos não é uma coisa nem outra. E não se vê que se possa tramitar algo como “processo sumário” à revelia do dominus dessa forma deprocesso – o juiz do processo sumário.









- Em suma, está instalada a confusão, porque o legislador, uma vez mais, não quis ouvir ninguém.









Omelhor é deixar as suspensões provisórias para os inquéritos, os verdadeiros, enquanto a lei não for clarificada. É de evitar a interposição de recursos e é até incongruente andar a perder tempo com isto, face à finalidade do institutoque se quer aplicar - simplificação, aceleração e consenso.









Nofundo, a suspensão provisória do processo constitui uma alternativa processualno tratamento da pequena e média criminalidade e com estas dúvidas a respeitoda sua tramitação, o resultado será o oposto.









Estamos, pois, perante uma norma ininteligível, só se obtendo efeito prático com recurso a uma interpretação correctiva, que exclua qualquer intervenção do juiz de instrução em processo sumário, até porque em processo sumário não há instrução!









Enão se argumente com a violação do princípio do acusatório - cf. art. 40.º, al.e), do CPP: o juiz de instrução que dê a sua concordância à aplicação noinquérito da suspensão provisória do processo também não fica impedido de julgar o arguido