terça-feira, 31 de março de 2009

Prisão Substituída por Multa: revogação da substituição - possibilidade de ainda se pagar a multa e não cumprir a prisão(clique para ler o acórdão)

Acórdão da Relação do Porto de 04-03-2009

PRISÃO SUBSTITUIDA POR MULTA REVOGAÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO PAGAMENTO DA MULTA

Sumário:

É possível o cumprimento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, a todo o tempo, isto é, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão. Reclamações:
Proc. 690/05.8GBMTS-A.P1
Relator: MELO LIMA




TEXTO PARCIAL:

“…
3. A terceira questão diz respeito a saber se o pagamento da multa, levado a efeito após o trânsito da decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão substituída, tem a virtualidade de pôr termo ao cumprimento desta.

Cortando caminho, dir-se-á que sim.
Por razões que se resumem na ideia de coerência interna do sistema.
Vale dizer.

Quando o Juiz condena em pena de prisão que substitui por multa fá-lo tanto no cumprimento do imperativo legal de que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra não privativa da liberdade aplicável, quanto na comprovação, no caso concreto, de que não se verifica a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. ([6])
No pensamento do legislador a ideia há muito aceite pela comunidade jurídica internacional de que, na maioria dos casos, a pena curta de prisão causa mais dano do que benefício, em vez de prevenir favorece a prática de novos delitos. Pois que, a ser concretizada: no que será insuficiente para lograr conseguir uma execução ressocializadora do condenado, sobrará, por via do contacto com agentes de crimes graves, para o introduzir definitivamente no caminho do crime ([7]) ([8])

Esta ideia de subtracção às penas de prisão continua a ser defendida cada vez mais acentuadamente pelo legislador quando nomeadamente fala no interesse da descarcerização ([9])
Como entender, então, que estando o legislador ciente da total inconveniência da pena curta de prisão mantenha ainda esta quando o condenado ponha finalmente termo ao incumprimento?
Deixam, então, de valer a consideração da prisão como extrema ratio quanto o argumento do risco sério de dessocializar fortemente o condenado ao pô-lo em contacto com o ambiente deletério da prisão?
Com o devido respeito entende-se que uma resposta afirmativa além da ilogicidade intrínseca que traria para o sistema representaria uma violação dos princípios com fundamento constitucional da adequação, da necessidade, da razoabilidade.
As posições que opinam no sentido diverso ao exposto arrimam-se as mais das vezes nos ensinamentos de Figueiredo Dias extraídos de um artigo publicado a propósito da solução constante do artigo 44º/2 do projecto de 1991 de Revisão do Código Penal, revisão que viria a ocorrer com a publicação do DL 48/95 de 15 de Março.
Subscreve-se por inteiro a justeza da argumentação aí expendida, nomeadamente:
« a regulamentação contida no artigo 43º 3 conduz a resultados inadmissíveis, Se o condenado não pagar a multa e não houver lugar a execução, nem a substituição por dias de trabalho, ele vai então cumprir prisão igual a 2/3 dos dias de multa em que foi condenado (art. 46º/3)! Quer dizer: o tribunal fixou a pena de prisão, v.g em 4 meses, substituiu-a por 120 dias de multa e, como prémio do incumprimento culposo da pena de substituição, o condenado acaba por cumprir apenas 3 meses de prisão! Uma tal solução já nada tem a ver com a consideração da prisão como extema ratio, mas constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade politico-criminal da própria pena de substituição»
«Pode então perguntar-se em que consistiria, de iure condendo, a solução mais correcta para este problema. É perfeitamente aceitável, v.g. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades; ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão - valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, ([10]) se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe a afirmação seguinte, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade que se tornam indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»
Com o devido respeito se se interpreta mal, a questão não teve a ver com um inexorável (sem retorno) cumprimento da pena primitiva de prisão mas com o inadequado sistema de pena sucedânea que, então, vigorava e acabava por premiar o inadimplente relapso.
Questão diferente é, saber, se tal como na situação de prisão em alternativa à multa é possível o cumprimento desta a todo o tempo, nomeadamente se, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão é igualmente possível o pagamento da multa.
Ora, aqui, é pelas razões expostas da coerência do sistema que não se pode deixar de responder afirmativamente.

4. Visto a posição que fica assumida na questão 3, resulta desprovida de interesse a questão suscitada sob o item 4.

IV. Decisão

São termos em que, na procedência do recurso se revoga a decisão recorrida e no reconhecimento da extinção da pena de multa pelo pagamento, se ordena a imediata restituição do recorrente à liberdade.
Oportunamente, o Tribunal recorrido restituirá o valor pago de acordo com os dias cumpridos em prisão.
Sem custas.

Porto, 04.03.2009
Joaquim Maria Melo Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus

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“…
[6] aqui um critério de estrita necessidade: é necessário - e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável - que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime §557 - Aequitas- Editorial Notícias 1993
[7] Citando Claus Roxin:
Ya desde los tiempos de von Liszt es algo reconocido que la pena corta de prisión (con cuyo concepto se alude aqui y en lo que sigue a las penas inferiores a seis meses) en la mayoria de los casos causa más daño que beneficio. El breve tiempo de internamiento no es suficiente para llevar a cabo una ejecución penitenciaria (re) socializadora com perspectivas de êxito; pêro es lo suficientemente largo como para que el sujeto que há tenido un primer desliz, que es castigado com suma frecuencia com una pena inferior a seis meses, se ponga definitivamente en el mal camino por el contacto com criminales responsables de delitos graves y com condenas más largas. Además, el efecto que implica el cumplimiento de la pena, de separar al sujeto de su profesión y família, que a menudo suponen el último apoyo para el mismo, tyene consecuencias nocivas en la mayoria de los casos.

Por eso casi no es una exageración que se haya dicho que la pena corta de prisión favorece la comisión de nuevos delitos en vez de prevenirla
Por esa razón, el PA propuso por primera vez en la historia del movimiento alemán de reforma suprimir totalmente la pena de prisión inferior a seis meses como pena primaria y sustituirla por la imposición de penas sensibles de multa; para los delincuentes que no puedan o no quieran pagar, el PA preveía la possibilidad de satisfacer la pena mediante trabajo en beneficio de la comunidad (especialmente en hospitales, centros educativos, residências ancianos o instuticiones similares); solo cuando el sujeto se negara tanto al pago de la multa como a la prestación del trabajo en benefício de la comunidad, debería cumplir - pero en tal caso en cierta medida debido a su própria decisión - una pena privativa de liberdad sustitutoria de curta duración.
CLAUS ROXIN, DERECHO PENAL Parte General Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la teoria Del Delito Sec.1ª, §4, VIII, Nº30 e 31 - Editorial Civitas, S.A 1997
Com igual sentido, vide: HANS-HEINRICH JESCHECK - Tratado de Derecho Penal Parte General 4ªEd. Traducción de José Luís Manzanares Samaniego - Editorial Comares - Granada
[8] De igual modo Figueiredo Dias (ob.cit.):
«As penas curtas de prisão, na verdade, (i.)nem possibilitam uma actuação eficaz sobre a pessoa do delinquente no sentido da sua socialização; (ii)nem exercem uma função de segurança relevante face à comunidade. Pelo contrário, (iii)elas transportam consigo o risco sério de dessocializar fortemente o condenado, ao pô-lo em contacto, durante um período curto, com o ambiente deletério da prisão; curto, mas, em todo o caso, suficientemente longo para prejudicar seriamente a integração social do condenado, sobretudo ao nível familiar e profissional. Por sobre tudo isto, (iv) a pena curta de prisão representa para as autoridades encarregadas da execução um enormíssimo peso, que nem ao menos possui a virtualidade de ser compensado por oportunidades razoáveis de socialização»
[9] Neste sentido o Discurso do Ministro da Justiça na Assembleia da República quando da discussão da última proposta de alteração ao Código Penal.
[10] Claus Roxin, acima citado, vai ao ponto de exigir a comprovação de uma recusa expressa e inelutável do condenado inadimplente (sibi imputet): solo cuando el sujeto se negara tanto al pago de la multa como a la prestación del trabajo en benefício de la comunidad, debería cumplir - pero en tal caso en cierta medida debido a su própria decisión - una pena privativa de liberdad sustitutoria de curta duración”


Anotação:

.O argumento deste acórdão assenta de forma inteligente no facto de a pena de prisão só não dever ser substituída por multa quando a "...execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes" (cf. n.º 1 do art. 43º do Código Penal).

.Todavia, não ponderou o douto acórdão o facto de só ser possível revogar a substituição quando não for possível suspender a prisão, nos termos dos arts. 43º, n.º 2, parte final e 49º, n.º 3, ambos do Código Penal.

.Na verdade, se o arguido não paga e não for caso de suspensão da prisão substituída nos termos dos arts. 43º, n.º 2, parte final, e 49º, n.º 2, ambos do Código Penal, permitir que o arguido venha pagar a multa para inviabilizar o cumprimento da pena de prisão é identificar os casos do art. 43º, n.º 1, do Código Penal, bem mais graves, com os da mera aplicação de pena de multa nos termos do art. 47º do Código Penal.

.Ora, foi por reconhecer a diferença entre tais situações que o legislador não remeteu senão para o art. 49º, n.º 3, e já não, também, para o art. 49º, n.º 2, do Código Penal.

.Em suma, o douto acórdao faz uma interpretação verdadeiramente correctiva da lei penal, que não lhe é consentida pelo art. 9º, n.º 2 e 3, do Código Civil. Ou seja, a solução em apreço não tem um mínimo de correspondência na lei penal.

Violência Doméstica

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

LEGISLAÇÂO:

» Protecção às mulheres vítimas de violência - DL nº 61/91, de 13 de Agosto
» Indemnização às vítimas de violência conjugal - Lei nº 129/99, de 20 de Agosto
» III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica - Resolução do Conselho de Ministros nº 83/2007, de 22 de Junho
» Isenção de taxas moderadoras para vítimas de violência doméstica - Decreto-Lei nº 2001/2007, de 24 de Maio
» Isenção de taxas moderadoras para vítimas de violência doméstica - Despacho do Sec. Estado Adjunto e da Saúde - Despacho nº 20509/2008

CASAS DE ABRIGO
» Organização, funcionamento das casas de abrigo – Decreto regulamentar nº 1/2006, de 25 de Janeiro
» Criação da rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência – Lei nº 107/99, de 3 de Agosto
» Regulamento da rede pública de casas de apoio - DL nº 323/2000, de 19 de Dezembro

VÍTIMAS DE CRIME VIOLENTO
» Protecção às vítimas de crimes violentos - DL nº 423/91, de 30 de Outubro , alterado pela Lei nº 31/06, de 21 de Julho , pelo DL nº 303/07, de 24 de Agosto , pela Lei nº 10/96, de 23 de Março , pela Lei nº 136/99, de 28 de Agosto e pelo DL nº 62/2004, de 22 de Março
» Indemnização às vítimas de crimes violentos - Decreto regulamentar nº 4/93, de 22 de Fevereiro , alterado pelo Decreto Regulamentar nº 1/99, de 15 de Fevereiro




VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Documento elaborado a partir do Despacho nº 41/09, de 11-02-2009, da Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Distrital de Lisboa.



O aumento da visibilidade social das situações de violência doméstica, - a que não é alheio o intenso trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por instituições públicas e privadas orientadas para o tratamento desta problemática – determinou um aumento sensível das participações criminais apresentadas ao Ministério Público e aos Órgãos de Polícia Criminal que, acompanhando esse movimento, se estruturam em ordem a dar uma resposta mais adequada e célere a esse fenómeno criminal.

Para tal aumento contribuiu ainda e de forma muito substancial a alteração do tipo legal de crime, sendo agora inequívoco que o mesmo é preenchido em situações em que não existe reiteração e dizendo ainda o legislador que basta um único acto de violência psíquica ou física para que o tipo legal de crime do art. 152º, do Cód. Penal seja preenchido, não sendo já possível integrar os factos no tipo legal de crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º, n.º1, do Cód. Penal, que reveste natureza semipública, ou seja, cujo procedimento depende de queixa.

Concluo mesmo que o aumento exponencial de inquéritos por crime de violência doméstica se ficou a dever mais a esta alteração do que a uma maior consciência das vítimas no que respeita à vantagem de recurso ao Ministério Público.

O art. 152º do Cód. Penal tem o seguinte conteúdo:

1 — Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus
tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais,
privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex -cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o
agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga
à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de
idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência
económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se
pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição
legal.

2 — No caso previsto no número anterior, se o agente
praticar o facto contra menor, na presença de menor, no
domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido
com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 — Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido
com pena de prisão de dois a oito anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão
de três a dez anos.

4 — Nos casos previstos nos números anteriores,
podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias
de proibição de contacto com a vítima e de proibição
de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a
cinco anos, e de obrigação de frequência de programas
específicos de prevenção da violência doméstica.

5 — A pena acessória de proibição de contacto com
a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do
local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser
fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

6 — Quem for condenado por crime previsto neste
artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua
conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido
do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela
por um período de 1 a 10 anos.


Trata-se de um tipo legal de crime que afasta o do art. 152º-A do Cód. Penal (cf. maus tratos), por prever pena mais grave, segundo as regras da consumpção, em algumas situações (cf. formulário de acusação por crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º, n.º 1, al. d), e 2, do Cód. Penal, em concurso aparente com o art. 152º-A, n.º 1, al. a), do Cód. Penal no ponto I.II.4.2. de “Derectum”, Formulário Para o Ministério Público, da autoria de J.M. Nogueira da Costa e Sandra Almeida Simões, Almedina, 2009) .

Cumpre salientar que sendo a violência presenciada por menor ou praticada no domicilio comum ou da vítima a pena abstracta do crime é agravada nos termos do n.º 2, podendo dizer-se ser este, na prática, o normativo mais invocado nas acusações, muito provavelmente. E compreende-se a razão de ser do preceito, pois a fragilidade da vítima aumenta em tais locais, pela ausência de testemunhas.

Este último aspecto faz convocar uma advertência ao Ministério Público e ao julgador de uso rigoroso do seu juízo prudencial, não devendo ser acolhida a postura cómoda de desconsiderar o depoimento da vítima só porque só existe o mesmo e o arguido se remete ao silêncio ou nega. Importa aqui considerar testemunhos de amigos, de vizinhos, etc, que permitem, conjugadamente com o depoimento da vítima, perceber uma realidade muito cruel…

Um dos problemas que coloca o tipo legal de crime em apreço reside em saber o que terá querido o legislador ao referir “…uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação….”.

A expressão foi criada para as situações dos "namorados " que agridem?

Com a nova configuração do tipo legal de crime pôs-se termo à dúvida sobre se o legislador, ao falar em cônjuge no artigo 153º, n.º 3, do Código Penal de 1982, queria ou não envolver no conceito a pessoa ligada por mera união de facto, considerando as hesitações então existentes na jurisprudência sobre esse ponto.
Com efeito, considerava-se, até então, que a expressão “cônjuge” usada nesse preceito legal se ligava ao casamento, não abrangendo as situações de mera união de facto(1).
Com a nova redacção, ficou claro que aquela norma passou a abranger também o companheiro na união de facto ( 2).
O sujeito passivo deste tipo legal de crime era pois a pessoa que se encontrasse para com o agente numa relação de coabitação conjugal ou análoga (cônjuge ou quem com o agente conviver em condições análogas às dos cônjuges) (3).

Por outro lado, pretendeu-se ampliar o âmbito subjectivo do crime de violência doméstica passando a incluir as situações de violência doméstica que envolvam ex-cônjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, “procurando a revisão fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado” (4).
Não obstante o alargamento do âmbito de protecção das potenciais vítimas, o tipo legal de violência doméstica continua a remeter para uma realidade sociológica que se assemelha à relação que une os cônjuges.
Com efeito, enquanto na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 04.09 se fazia referência à convivência “em condições análogas às dos cônjuges”, a nova redacção do artigo 152º, n.º 2 do Código Penal prevê a “relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, o que supõe, em ambos os casos, a existência de uma comunhão de vida idêntica à subjaz ao conceito de união de facto, terminologia adoptada pela Lei n.º 7/2001, de 11.05, que “adopta medidas de protecção da união de facto” e que resultava já da epígrafe do artigo 2020º do Código Civil, resultante da reforma de 1977.
Na verdade, o artigo 1860º, n.º1, al. c) do Código Civil de 1966 (actual artigo 1871º) falava em “comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges”, enquanto o artigo 2020º do mesmo diploma legal refere a vida “em condições análogas às dos cônjuges”, norma para o qual remeteram, posteriormente, várias leis da segurança social. Por sua vez, o artigo 1911°, n.º 3, relativo ao poder paternal, previu a hipótese de os progenitores não terem contraído matrimónio mas “conviverem maritalmente”.
Conclui-se, assim, que, pese embora não se exija hoje a coabitação, ao prever a protecção das pessoas “com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges”, o tipo legal de crime em apreço refere-se aos designados “cônjuges de facto” (5), traduzindo a situação das pessoas que não são casadas mas vivem como se o fossem.
Em tais relações ocorre uma “aparência externa de casamento” (6), uma vez que as pessoas, pese embora não estejam ligadas pelo vínculo formal do casamento, vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, sem prejuízo de não ser exigível, para efeitos do cometimento do crime de violência doméstica, a coabitação.
Tais relações deverão adquirir contornos que permitam ser percepcionadas pelos intervenientes e pelas pessoas que os rodeiam, como relações em tudo semelhantes ao casamento.
Deste modo, também na união de facto há-de ter-se em vista uma plena comunhão de vida, não só no plano pessoal, como no plano patrimonial, com carácter de exclusividade, estabilidade e durabilidade, assim se distinguindo de outras relações afectivas fortuitas, passageiras ou acidentais (7).
O legislador penal procurou assim intervir no âmbito das relações conjugais ou de relações análogas, que se desenrolam, por via de regra, num determinado clima de confiança, solidariedade e respeito, que resiste à atinente cessação, sendo, essencialmente perduráveis ou duradouras, e a coberto das quais são praticadas condutas violentas, em contradição com a índole mesma daquele clima (8).
Pese embora não se restrinja às relações conjugais, o tipo legal de crime de violência doméstica exige uma “relação análoga à dos cônjuges”, o que supõe que com esta tenha algumas semelhanças, designadamente, a circunstância de os unidos de facto pernoitarem juntos regularmente, tomarem as refeições em conjunto, conviverem socialmente na companhia um do outro, compartilharem despesas… (9).

Com a nova redacção do tipo legal de crime foram criadas duas figuras jurídicas, designadamente a “relação análoga à dos cônjuges, com coabitação" e a “relação análoga à dos cônjuges sem coabitação”.
A relação de "namoro " cabe na previsão do artigo desde que para além de ser uma "relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação " a agressão apresente o elemento caracterizador da violência doméstica, que é o abuso de um poder de facto emergente de uma relação afectiva ou familiar entre a vítima e o agressor.

Porém, o legislador veio criar vários problemas com tais conceitos, pois se é fácil concluir pela existência de uma relação análoga à dos cônjuges quando dois namorados vivem e apenas eles sob o mesmo tecto, já assim não será quando não exista coabitação ou seja alegada a inexistência de relações sexuais.

Tais conceitos abertos são intoleráveis em direito penal, pela incerteza que criam, sobretudo quando na própria sociedade a interpretação de tais realidades não é uniforme. Aliás a afirmação de que a relação entre duas pessoas do mesmo sexo é análoga à dos cônjuges não deixa de poder gerar forte perturbação interpretativa.

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Notas de rodapé deste ponto introdutório:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/1991, CJ Ano 1991, Tomo IV, pág. 19.
2 Cf. LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, II Volume, Rei dos Livros, 3ª Ed. pág. 181.
3 Cf. AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 333.
4 Exposição de Motivos da Proposta de Lei de alteração do Código Penal, disponível em http://www.portugal.gov.pt/
5 Cf. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Anotado e comentado, 16ª Ed., Almedina, pág. 545.
6 PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de direito da família, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, pág. 52
7 FRANÇA PITÃO, Uniões de facto e economia comum, 2ª Ed., Almedina, pág. 19 e segs.
8 VICTOR SÁ PEREIRA e ALEXANDRE LAFAYETTE, Código Penal Comentado e Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 403
9 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/1985, BMJ n.º 348, pág. 428.

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1.Aquisição da notícia


• A apresentação de denúncia pode ser feita pela vítima presencialmente junto dos serviços do Ministério Público (MP), de qualquer Órgão de Polícia Criminal (OPC) e ainda, residualmente, nas delegações e gabinete dos INML, nos termos do artigo 4º da Lei 45/2004. Pode ser apresentada digitalmente através no Sistema de Queixa Electrónica do Ministério da Administração Interna (MAI) [1] e do sistema de queixa on line da Polícia Judiciária [2].


• É possível apresentar denúncia por correio electrónico para os endereços electrónicos do MP. Se o destinatário não for competente, a mensagem é reencaminhada. Tal apresentação, quando não certificada com assinatura digital, não dispensa posterior comparência da vítima nos serviços.

• A denúncia pode ser feita por mandatário (advogado com procuração).


• A urgência na intervenção policial deve suscitar a solicitação, pela vítima ou por terceiros, do Número Nacional de Emergência 112.


• No auto de notícia padronizado para a violência doméstica, releva a informação sobre situação de dependência económica entre vítima e agressor, (in)existência de menores na residência, (in)existência de armas de fogo e sua relevância no crime denunciado, comportamento aditivo do agressor, recebimento de cuidados de saúde pela vítima em instituição de saúde. Um campo final para informações sobre a necessidade de intervenção urgente e um campo inicial para despacho policial sobre a mesma deve ser preenchido e observado. Estes autos, porém, carecem de revisão, por serem sugestivos e por esta via de legalidade duvidosa, sendo na prática muito pouco úteis, a não ser como instrumento de trabalho, misturando realidades muito distintas e não havendo campo para riscar o que não interessa. Obviamente que tudo depende em muito de quem o fornece e ajuda a preencher.


• A Polícia de Segurança Pública [3] e a Guarda Nacional Republicana [4] têm unidades especializadas de investigação e apoio e procedimentos tipo. Alguns serviços do MP na área criminal têm secções especializadas para a direcção dos inquéritos por violência doméstica. Nota-se, contudo, no Ministério Público uma fragilidade manifesta em matéria de especialização, que a reforma em curso não vai resolver, pois aposta-se na mesma disposição de meios humanos que já existia no século passado, não se vislumbrando a existência de meios humanos que permitam atingir a requerida especialização. A isto acresce a inexistência de formação específica em matérias muito sensíveis.

• Para a hipótese da verificação de episódios plúrimos, não está estabilizada, nos OPC, uma prática que consista na elaboração de aditamentos a um primeiro auto de notícia/denúncia. A elaboração de um aditamento ao primeiro auto de notícia e não de um novo e autónomo auto de notícia pelo novo episódio no mesmo contexto vítima/agressor, seria uma prática aceitável, conquanto os factos se compreendessem num período temporal recortado. Tem-se também entendido que em face de violação de medida de coacção já aplicada, existe nova resolução criminosa e por isso novo crime de violência doméstica, posto que se viola uma advertência judicial.


• Sem embargo, a aquisição da notícia de sucessivos episódios de violência pode manifestar-se junto de entidades diversas. Assim, em qualquer caso, nos serviços do MP, quando do registo inicial e antes da distribuição do auto de notícia ou denúncia, a secção deve oficiosamente fazer pesquisa no sistema informático para averiguação da (in) existência de várias denúncias ou expediente diverso que respeite à mesma vítima. Na sequência, o magistrado deve determinar a agregação dos autos e do expediente relativos a uma mesma vítima num mesmo inquérito. A agregação de autos de notícia ou denúncia relativos à mesma vítima num mesmo inquérito garante a melhor protecção daquela (cf. mais fácil recurso a medidas de coacção mais graves, fruto do conhecimento global do facto), o conhecimento global do caso e evita a inflação estatística do fenómeno criminal.

.Cumpre salientar ainda a importância de se nomear o mesmo advogado à vítima em todos os processos, aspecto este mencionado na Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica.


2.Medidas cautelares e de polícia e de apoio imediato


• O crime de violência doméstica tem carácter prioritário ao nível da prevenção e da repressão, face ao disposto nos artigos 3º e 4º da Lei de Prioridades de Política Criminal (Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto), o que é reafirmado na Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica (PL 665/2008), mas não foi inserido, e bem, no catálogo dos crimes prioritários (cf. prioridade absoluta e ou prioridade especial) escolhido pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, ao abrigo do art. 20º do diploma citado, muito embora constem do Despacho de 15.01.2008, o homicídio, a ofensa à integridade física grave, o sequestro, o rapto, a tomada de reféns, o tráfico de pessoas, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, o tráfico de droga, o roubo, a corrupção, os crimes praticados contra bens jurídicos individuais de pessoas idosas, crianças e deficientes (art. 5º da Lei n.º 51/2007, de 31.08), tendo em conta a sua especial vulnerabilidade, os actos de violência praticados contra professores e outros membros da comunidade escolar ou contra médicos e outros profissionais de saúde (art. 4º da Lei n.º 51/2007, de 31.08).

. Na Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica é atribuída natureza urgente aos inquéritos neste âmbito, ainda que não haja arguidos presos, o que implicará a aplicação do disposto no art. 103º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal. Compreendendo-se a intenção do legislador, o certo é que, à semelhança das críticas que já foram feitas à Lei de Política Criminal, a natureza urgente não se alcança só com a previsão legal, sendo necessário ponderar se as estruturas judiciárias conseguirão fazer face a tantos processos classificados como urgentes, sem especialização adequada e sem meios humanos. Mas enfim, fica o propósito mais programático que real…

• Numa situação reputada de flagrante delito pelo OPC, a apreensão de arma - de fogo, ou outra - que tenha sido utilizada na agressão, ou de arma que esteja destinada à agressão – bastando que envolva probabilidade de o ser -, é realizada dentro da residência, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 177º n.º 3 e 178º do Código de Processo Penal (CPP) e ainda do artigo 107 n.º 1 b) e n.º 2 da Lei das Armas, a Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. As armas que sejam encontradas, nessa situação de flagrante, em situação ilegal face à Lei das Armas, sendo a sua detenção ou posse, em si mesmo, ilícitos (v. g. arma de fogo não registada ou sem licença), são apreendidas, independentemente da sua conexão com o crime de violência doméstica.

. Se houver flagrante delito, os OPC podem fazer a detenção do agente (art. 255 CPP) e poderão, sem consentimento, nem autorização judicial, entrar em casa (busca domiciliária) para proceder à detenção (verificando-se a situação prevista nos arts. 174, nº 2, nº 5-a) e c), 177 nº 3 e art. 1º, al. j) -cf. criminalidade violenta-, do CPP) no caso do crime previsto no art. 152 Cód. Penal, ou seja, de violência doméstica (mas segundo a informação nº 73/2000 da PGR – conclusão 3.4. - «as autoridades policiais só poderão entrar sem consentimento ou autorização judicial, na ponderação de um perigo real ou iminente e no respeito pelos princípios da proporcionalidade e da adequação do comportamento à situação tal como a mesma se representa») – está sujeito a validação judicial sob pena de nulidade.

• A PSP e a GNR, no momento da aquisição da notícia do crime, informam a vítima sobre a possibilidade de encaminhamento para a Segurança Social. Caso a vítima o deseje, o contacto é feito de imediato, para a Linha Nacional de Emergência Social 144.


• Existem possibilidades de apoio imediato à vítima. A Comissão de Cidadania e Igualdade de Género (CIG) [5] tem um “Guia de Recursos na Área da Violência Doméstica” [6], no qual, por distrito administrativo, se enumeram as entidades públicas e privadas que sustentam as respostas sociais à violência doméstica, incluindo entidades gestoras de casas de abrigo.


• A vítima, ou terceiro que queira informar-se sobre possibilidades de apoio, pode contactar a linha verde do Sistema de Informação a Vítimas de Violência Doméstica, o número 800 202 148, linha que funciona 24 horas por dia (das 09.00 às 17.00, através da equipa do Sistema, no restante período pela Emergência Nacional). A APAV [7], Associação Portuguesa de Apoio à Vítima dispõe da linha 707 20 00 77. A AMCV [8], Associação de Mulheres Contra a Violência dispõe de um centro de atendimento, contactável pelo 21 380 21 65 e pode ser também solicitada pelo Fax 21 380 21 68, bem como pelos endereços electrónicos sede@amcv.org.pt e ca@amcv.org.pt; o telefone geral da AMCV é o 21 380 21 60 e dispõe do site www.amcv.org.pt. A UMAR [9], Associação de Mulheres Alternativa e Resposta, é contactável pelo 21 887 30 05; tem um centro de atendimento sedeado em Almada, vocacionado sobretudo para vítimas residentes na área da península de Setúbal (sem prejuízo do apoio que possa dar a vítimas residentes noutros locais), contactável pelo número 21 294 21 98; tem três centros de atendimento e uma casa abrigo nos Açores; nesta região, para a ilha Terceira, existe o número 295 217 860, para S. Miguel, o número 296 283 221, para a Horta, o número 292 292 401; nos Açores, a UMAR é imediatamente contactável também pelo número 808 200 175. Como já referido, é possível accionar o Número Nacional de Emergência Social, o 144. Algumas Câmaras Municipais, bem como a generalidade das Misericórdias, desenvolvem apoio à vítima.


• Particular atenção merecem as vítimas que estejam ilegais e indocumentadas no nosso país, pelas dificuldades de acesso aos apoios do sistema público e pelas decorrentes do direito de estrangeiros. Nesta área, a protecção da vítima pode ser orientada para a UAVIDRE, Unidade de Apoio à Vítima Imigrante e de Discriminação Racial ou Étnica, criada pela através de protocolo entre a APAV e o ACIDI [10] Alto Comissariado para Imigração e Diálogo Intercultural; para as Associações de Imigrantes (na página do ACIDI existe uma lista das associações reconhecidas) [11]; para o Serviço Jesuíta aos Refugiados - Portugal, 21 755 27 90.


• Quanto a crianças e jovens em situação em perigo que devam ser de imediato encaminhados para entidade de acolhimento (v. g. por não poderem ficar com progenitor ou familiar), os OPC ou autoridades judiciárias devem contactar, na área da Grande Lisboa (municípios de Alenquer, Amadora, Azambuja, Arruda dos Vinhos, Cadaval, Cascais, Loures, Lourinhã, Mafra, Odivelas, Oeiras, Sintra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, Vila Franca de Xira) a Equipa de Acolhimento de Emergência da Segurança Social, no horário normal de expediente, para o 21 842 07 39, e entre as 19.00 e as 09.00 horas, para o 21 846 20 83; o Fax é o 21 842 07 40. Noutras localidades, pode contactar-se Linha Nacional de Emergência Social 144, a partir do qual será orientado o encaminhamento.


• Ao nível dos cuidados de saúde, para a área das crianças e jovens em risco (que não exclui a violência doméstica), o despacho n.º 31292/2008 [12] da Ministra da Saúde prevê a criação de núcleos de apoio a crianças e jovens em risco nos centros de saúde e nas unidades hospitalares com pediatria e aprova o documento intitulado “Maus Tratos em crianças e jovens – Intervenção da Saúde”.


• O Ministério da Saúde tem traduzido o documento das Nações Unidas intitulado “Estratégias de Combate à Violência Doméstica – Manual de Recursos”. [13]

. A Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica estrutura a intervenção complementar segundo esta raiz:

a) Tutela social;

b) Rede institucional:
- Rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica;
- Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género;
- Rede de casas de apoio a mulheres vítimas de violência;
- Casas de Abrigo;
- Centros de atendimento;
- Centros de atendimento especializados;
- Assistência médica e medicamentosa;
- Acesso aos estabelecimentos de ensino dos filhos menores das mulheres vítimas de violência acolhidas nas casas de abrigo;
- Organização pelo Estado de núcleos de atendimento às mulheres vítimas de violência, em articulação com as instituições particulares de solidariedade social ou ONG;
- Grupos de Ajuda Mútua;
- Participação das autarquias locais; e
- Princípio da gratuitidade;

c) Educação para a cidadania.


3. Atribuição, direitos e cessação do estatuto de vítima

Na Proposta de Lei atrás mencionada consagra-se o estatuto de vítima nos moldes seguintes:

Artigo 14.º
Atribuição do estatuto de vítima
1 - Verificada a constituição de arguido pela prática do crime de violência doméstica, podem as autoridades competentes conferir à vítima, a requerimento desta, a atribuição de documento comprovativo do estatuto de vítima, que compreende os direitos e deveres estabelecidos na presente lei.
2 - A vítima e as autoridades competentes estão obrigadas a um dever especial de cooperação, devendo agir sob os ditames da boa fé.

Notas:
- Importa discutir até que ponto este artigo será compatível com o princípio da presunção de inocência do arguido; e
- Perceber até que ponto não será confusa a atribuição de tal estatuto a ambos os cônjuges.

Artigo 15.º
Direito à informação
1 - É garantida à vítima, desde o seu primeiro contacto com as autoridades competentes para a aplicação da lei, o acesso às seguintes informações:
a) O tipo de serviços ou de organizações a que pode dirigir-se para obter apoio;
b) O tipo de apoio que pode receber;
c) Onde e como pode apresentar denúncia;
d) Quais os procedimentos sequentes à denúncia e qual o seu papel no âmbito dos mesmos;
e) Como e em que termos pode receber protecção;
f) Em que medida e em que condições tem acesso a:
i) Aconselhamento jurídico, ou
ii) Apoio judiciário, ou
iii) Outras formas de aconselhamento.
g) Quais os requisitos que regem o seu direito a indemnização;
h) Quais os mecanismos especiais de defesa que pode utilizar, sendo residente em outro Estado.
2 - Sempre que a vítima o solicite e sem prejuízo do regime do segredo de justiça, deve ainda ser assegurada à vítima informação sobre:
a) O seguimento dado à queixa;
b) Os elementos pertinentes que lhe permita, em caso de acusação ou de pronúncia do agente, ser inteirada do andamento do processo penal relativo à pessoa pronunciada por factos que lhe digam respeito, excepto em casos excepcionais que possam prejudicar o bom andamento do processo;
c) A sentença do tribunal.
3 - Existindo perigo potencial para a vítima, devem ser promovidos os mecanismos adequados para fornecer à vítima a informação sobre a libertação de agente detido ou condenado pela prática do crime de violência doméstica, no âmbito do processo penal.
4 - A vítima deve ainda ser informada, sempre que tal não perturbe o normal desenvolvimento do processo penal, sobre o nome do agente responsável pela investigação, bem como da possibilidade de entrar em contacto com o mesmo para obter informações sobre o estado do processo penal.
5 - Deve ser assegurado à vítima o direito de optar por não receber as informações referidas nos números anteriores, salvo quando a comunicação das mesmas for obrigatória nos termos do processo penal aplicável.

Artigo 16.º
Direito à audição e à apresentação de provas
1 - A vítima que se constitua assistente colabora com o Ministério Público de acordo com o estatuto do assistente em processo penal.
2 - São tomadas as medidas adequadas para que as autoridades apenas interroguem a vítima na medida do necessário para os fins do processo penal.

Artigo 17.º
Garantias de comunicação
Devem ser tomadas as medidas necessárias, em condições comparáveis às aplicáveis ao agente do crime, para minimizar tanto quanto possível os problemas de comunicação, quer em relação à compreensão, quer em relação à intervenção da vítima na qualidade de testemunha ou sujeito processual nos diversos actos processuais do processo penal em causa.

Artigo 18.º
Assistência específica à vítima
O Estado assegura, gratuitamente nos casos estabelecidos na lei, que a vítima tenha acesso a aconselhamento sobre o seu papel durante o processo e, se necessário, o apoio judiciário quando seja sujeito do processo penal.

Artigo 19.º
Despesas da vítima resultantes da sua participação no processo penal
À vítima que intervenha na qualidade de sujeito ou de testemunha no processo penal, deve ser proporcionada a possibilidade de ser reembolsada das despesas efectuadas em resultado da sua legítima participação no processo penal.

Artigo 20.º
Direito à protecção
1 - É assegurado um nível adequado de protecção à vítima e, sendo caso disso, à sua família ou a pessoas em situação equiparada, nomeadamente no que respeita à segurança e salvaguarda da vida privada, sempre que as autoridades competentes considerem que existe uma ameaça séria de actos de vingança ou fortes indícios de que essa privacidade pode ser grave e intencionalmente perturbada.
2 - O contacto entre vítimas e arguidos nos edifícios dos tribunais deve ser evitado, sem prejuízo do disposto no Código de Processo Penal.
3 - Tratando-se de vítimas especialmente vulneráveis, tendo em vista a sua protecção dos efeitos do depoimento prestado em audiência pública, deve ser assegurado à vítima o direito a poder beneficiar, por decisão judicial, de condições de depoimento que permitam atingir esse objectivo por qualquer meio compatível.
4 - O tribunal pode determinar, sempre que tal se mostre imprescindível à protecção da vítima e obtido o seu consentimento, que lhe seja assegurado apoio psicossocial e protecção por teleassistência, por período não superior a 6 meses.
5 - O organismo competente em matéria de cidadania e igualdade de género pode recorrer a regimes de parceria para instalar, assegurar e manter em funcionamento os meios técnicos utilizados na teleassistência.

Artigo 21.º
Direito a indemnização e a restituição de bens no âmbito do processo penal
1 - À vítima é reconhecido o direito a obter uma decisão, dentro de um prazo razoável, sobre a indemnização pelo agente do crime no âmbito do processo penal.
2 - Para efeito da presente da lei, há lugar à aplicação imediata do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, independentemente de requerimento da vítima.
3 - Salvo necessidade imposta pelo processo penal, os objectos restituíveis pertencentes à vítima e apreendidos no processo penal são imediatamente devolvidos.

Artigo 22.º
Condições de prevenção da vitimização secundária
1 - A vítima tem direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado, devendo ser criadas as adequadas condições para prevenir a vitimização secundária e para evitar pressões desnecessárias sobre a vítima.
2 - A vítima tem ainda direito, sempre que possível, e de forma imediata, a dispor de adequado atendimento psicológico e psiquiátrico por parte de equipas multidisciplinares de profissionais habilitadas à despistagem e terapia dos efeitos associados ao crime de violência doméstica.

Artigo 23.º
Vítimas residentes em outro Estado
1 - As vítimas não residentes em Portugal beneficiam, em condições de reciprocidade, das medidas adequadas ao afastamento das dificuldades que surjam em razão da sua residência, especialmente no que se refere ao andamento do processo penal.
2 - Nos casos previstos no número anterior, as vítimas beneficiam ainda da possibilidade de prestar depoimento imediatamente após ter sido cometida a infracção, bem como da audição através de videoconferência e de teleconferência.
3 - É ainda assegurado à vítima de crime praticado fora de Portugal a possibilidade de apresentar denúncia junto das autoridades nacionais, sempre que não tenha tido a possibilidade de o fazer no Estado onde foi cometido o crime, caso em que as autoridades nacionais devem transmiti-la prontamente às autoridades competentes do território onde foi cometido o crime.

Artigo 24.º
Cessação do estatuto de vítima
1 - O estatuto de vítima cessa por vontade expressa da vítima.
2 - O estatuto de vítima cessa igualmente com o arquivamento do inquérito ou após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo à causa.

4.Antecipação da indemnização


• A vítima de violência conjugal pode eventualmente obter o adiantamento de indemnização junto da Comissão de Protecção às Vítimas de Crime [14]. Não se tratando de um acto do processo penal, o Ministério Público tem legitimidade para formular o pedido, tal como a vítima e as associações de protecção à vítima. Configura uma medida de apoio financeiro inicial, que pode propiciar modo de subsistência à vítima ante o afastamento coactivo do agressor da residência. O regime consta do DL n.º 129/99 de 20 de Agosto.


5.Detenção, diligências urgentes e outros actos de inquérito


• Face à moldura penal do tipo de ilícito e ao regime do processo sumário, é legalmente admissível o julgamento do agressor em processo sumário. A prática não tem registado antecedentes de aplicação desta forma processual à temática em causa, dado a complexidade da matéria. Não seria teoricamente de excluir a submissão a julgamento sumário de uma situação de agressão intensa, pelo efeito dissuasor da condenação célere, conquanto se viabilizasse a recolha atempada da prova (v.g. exames médicos).


• De todo o modo, o MP, na diligência a que se refere o artigo 382º n.º 2 do CPP, deve avaliar prudentemente sobre a possibilidade de o julgamento se iniciar, ou não, ainda que dentro do prazo alargado previsto no artigo 387º n.º 2 b) do CPP com “realização de diligências de prova essenciais à descoberta da verdade”. Um julgamento sumário, em 48 horas ou mesmo em tempo superior, com deficiente preparação - deficiente compreensão da realidade do agressor (v. g. adições) e ou da densidade da violência (v.g. por omissão de antecedentes) - poderá originar novo e mais grave episódio de violência.


• No quadro do processo sumário, face à actual redacção do artigo 385º n.º 1 do Cód. Proc. Penal ( cf. redacção da Lei n.º 48/2007, de 29.08), resulta que, numa situação de flagrante delito, o agressor detido é de seguida libertado quando não seja apresentado ao juiz em acto seguido à detenção, e não houver razões para crer que se não apresentará espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe for fixado. Estando encerrada a secretaria do Tribunal (a partir das 16.00 horas em dias úteis), é inviável a apresentação ao juiz em acto seguido à detenção.

. Na Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica dispõe-se de maneira diferente. Assim, o art. 31º da Proposta refere o seguinte:

Artigo 31.º
Detenção
1 - Há lugar à detenção em flagrante delito pelo crime de violência doméstica, a qual se deve manter até o detido ser apresentado a audiência de julgamento sob a forma sumária ou a primeiro interrogatório judicial para eventual aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 143.º, no n.º 1 do artigo 261.º, no n.º 3 do artigo 382.º e no n.º 2 do artigo 385.º do Código de Processo Penal.
2 - Fora de flagrante delito, a detenção pelos crimes previstos no n.º 1 pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público, se houver perigo de continuação da actividade criminosa e se tal se mostrar imprescindível à protecção da vítima.
3 - As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, nos casos previstos na lei, e desde que verificado o requisito de perigo referido no número anterior.

. A solução em apreço resolve, para a casuística do artigo 152º do Cód. Penal, o problema da espontaneidade da apresentação no âmbito do processo sumário, desconsiderando que a libertação, no quadro dessa forma processual, parece ser, na lógica do sistema, um princípio e não uma excepção, princípio esse que encontra guarida no princípio constitucional da restrição mínima.


• A solução em apreço, porém, que vale apenas para os crimes do artigo 152º do Código Penal, ao impor a manutenção da detenção até ao julgamento ou, pelo menos, à apresentação ao MP, parece deixar desprotegidas outras vítimas em casos não muito diferentes (artigo 152-Aº do Cód. Penal), e agravar a situação destes arguidos face aos demais em situação paralela, visto que, apesar de terem como destino o julgamento sumário, ficam sujeitos à situação prevista para a detenção em flagrante nos crimes que não admitem sumário (eventualmente, duas noites de privação de liberdade, se detidos ao sábado depois do encerramento da secretaria). Aliás, no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, não se realizam sumários ao sábado e feriados, pelo que, se a detenção ocorrer em Lisboa ou Amadora à sexta-feira à noite, o arguido poderá vir ser, como regra, libertado pelo OPC.


• Hoje, recomenda-se no Despacho nº 41/09, de 11-02-2009, da PGD de Lisboa, que haja sempre comunicação, nos termos do artigo 259º do CPP e por contacto telefónico, da detenção em flagrante delito de um agressor; e que o MP possa dar ordem de manutenção da detenção, sustentando uma dupla afirmação: a relativa ao risco de não apresentação, concluindo que ele existe, se for caso disso; e o de que não haverá apresentação para julgamento na forma sumária, por impossibilidade da sua preparação, mas sim apresentação do arguido detido a interrogatório judicial para sujeição a medida de coação ou de garantia patrimonial (incluindo-se, para efeitos de apresentação, o serviço de turno de sábados e feriados).


. O juízo relativo ao risco de não apresentação perante as autoridades não se confunde com o relativo ao perigo de continuação de actividade criminosa ou ao que atende à necessidade de protecção da vítima. Índices de perigo de não apresentação voluntária, entre si conjugáveis, são apontados por Plácido Conde Fernandes [15]: “…tentativa concreta de fuga após os factos; declarações de rebeldia à ordem de detenção; ausência de residência conhecida; desinserção social; ausência de emprego; ausência de ligações familiares estáveis; antecedentes criminais que denotem insensibilidade recorrente aos valores sociais; antecedentes de não comparência ou mandados de detenção”.

. Na Proposta de Lei, porém, contrariamente ao que acontece hoje em relação a todos os crimes sem excepção, cria-se um regime diferente no âmbito da violência doméstica no que respeita à detenção fora de flagrante delito, pois que se prevê no art. 31º, n.º s 2 e 3, o seguinte:

Artigo 31.º
Detenção
“…
2 - Fora de flagrante delito, a detenção pelos crimes previstos no n.º 1 pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público, se houver perigo de continuação da actividade criminosa e se tal se mostrar imprescindível à protecção da vítima.
3 - As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, nos casos previstos na lei, e desde que verificado o requisito de perigo referido no número anterior
”.


Pese embora a admissibilidade de prisão preventiva, não é, actualmente, admissível, ao Ministério Público, a emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito para sujeição do arguido a medida de coacção (de prisão preventiva ou de outra) a não ser que se verifiquem fundadas razões (não apenas razões, mas fundadas razões) de que o visado não se apresentaria espontaneamente à autoridade em prazo que lhe fosse fixado. Uma solução legal que, deixando subsistente o artigo 275º do Cód. Proc. Penal, considere, na legitimação da detenção fora de flagrante delito, a necessidade de protecção à pessoa da vítima (entenda-se, vítima no quadro do artigo 152º do Cód. Penal e não dos demais) ou o perigo de continuação de actividade criminosa, pode manter descuradas hipóteses em que a actividade criminosa do agressor rapidamente se transmute (v.g. de actos de agressão física sobre a vítima, à pressão exercida sobre terceiros vulneráveis afectivamente relacionados com a vítima, ou actos de perturbação da ordem pública na área da residência ou do trabalho da vítima, ou em que o arguido actua no sentido da delapidação da prova). A Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica, como se viu, segue este caminho.

• Correndo os autos como inquérito comum, o MP deve ponderar sobre a eventualidade de atribuir carácter urgente ao inquérito, nos termos ao artigo 103º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal e de inquirir de imediato a vítima em vista à tomada de decisão que acautele a sua protecção e garanta a recolha de indícios. Uma solução legal que imponha a tramitação urgente (não apenas prioritária) de todos os casos, como a Proposta de Lei referida, pode revelar-se frustrada nos seus propósitos, pois o efeito prático, ainda que não desprezível, será o de tais inquéritos poderem ser movimentados em férias judiciais, como, aliás, já vinha acontecendo.


• A inquirição precoce da vítima releva para a avaliação do risco de continuação ou de agravamento da específica actividade delituosa e para a aquisição de prova. Subsiste a dúvida, que a lei não resolve expressamente, de saber se é admissível a tomada de declarações para memória futura à vítima, nos termos do artigo 271º do Cód. Proc. Penal, previamente à constituição do agressor como arguido (v.g. na hipótese em que não houve constituição de arguido porque o agressor não foi detido mas a vítima se apresenta a “queixar-se” em Tribunal). Tem-se entendido, contudo, não ser possível a tomada de declarações para memória futura sem a prévia constituição de arguido.
Mesmo fora do formalismo (e sem as vantagens do evitamento de vitimização) do artigo 271º, a inquirição da vítima é essencial.
A Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica vem alargar a possibilidade de recurso a declarações para memória futura. Assim, dispõe a Proposta de Lei no seguinte sentido:

Artigo 34.º
Declarações para memória futura
1 - O juiz, a requerimento da vítima ou do MP, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2 - Ao MP, ao arguido, ao defensor e aos advogados constituídos no processo, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do MP e do defensor.
3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a vítima ser assistida no decurso do acto processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo tribunal.
4 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o MP, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.
6 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e acareações.
7 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Da conjugação deste dispositivo com o disposto no art. 16º, n.º 2, da Proposta de Lei - “São tomadas as medidas adequadas para que as autoridades apenas interroguem a vítima na medida do necessário para os fins do processo penal”- parece resultar a obrigatoriedade de recurso a tais declarações para memória futura em todos os processos, o que terá um impacto tremendo nos tribunais, como é fácil de prever, impacto esse que provocará seguramente um perverso aumento da morosidade geral, sendo certo que o direito a prestar declarações por parte da vítima, depois de as ter prestado já para memória futura, conjugado com o seu direito ao silêncio, pode inviabilizar a valoração de tais declarações para memória futura, designadamente naqueles casos em que, depois de tais declarações terem sido recolhidas, a vítima comparecer em julgamento e aí declarar que já não pretende prestar declarações. Pergunta-se então para quê tal generalização…

. Na Proposta de Lei prevê-se ainda no seu artigo 35º que, se, por fundadas razões, a vítima se encontrar impossibilitada de comparecer na audiência, pode o tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, que lhe seja tomada declarações no lugar em que se encontre, em dia e hora que lhe comunicará.

• O encaminhamento para unidade de saúde em vista a receber cuidados médicos, a determinação de perícia médica em momento precoce, a obtenção de elementos fotográficos são relevantes na fixação da prova, para que se corrobore, com prova documental ou pericial, a prova pessoal obtida em depoimentos.


• Caso não tenha ocorrido ainda, a informação sobre as hipóteses de apoio social à vítima deve ser prestada. Em grandes serviços de Justiça, justificar-se-ia uma interlocução pré-identificada que, junto das instâncias formais de controlo, pudesse fazer a concertação prática do apoio à vítima – designadamente o financeiro - com as soluções que a lei processual penal prevê em sede de medidas de coacção.


• Releva a recolha de expediente relativo à mesma vítima, para além do que é elaborado pelo OPC e que pode ser identificado junto de outras entidades, na hipótese de a vítima se ter queixado antes junto de outras instituições.


• O crime do artigo 152º do CP admite prisão preventiva do agente do crime, pela conjugação do disposto nesse artigo, na respectiva inserção sistemática e no previsto no artigo 1º alínea j) do CPP. Admite, naturalmente, medidas de coacção menos gravosas e ainda assim adequadas e suficientes. Mas o que é certo é que no recurso à prisão preventiva será necessário ponderar a “gestão dos silêncios”, designadamente da vítima, do arguido e das testemunhas.

• A Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS) pode ser chamada a intervir na fase inicial do inquérito. A DGRS trabalha fundamentalmente na óptica do agressor, embora articule pontualmente com instituições que trabalham junto da vítima. Elabora relatórios sobre o agressor para eventual acompanhamento da aplicação de medida de coacção (nomeadamente, a que envolva uso de instrumento de vigilância electrónica ou tratamento de dependência); e para eventual suspensão provisória do processo (SPP), incluindo o controlo e execução das injunções. A DGRS está em condições de fazer propostas de injunções concretas e exequíveis, designadamente, tratamentos psiquiátricos e tratamentos a comportamentos aditivos, ou outros. A DGRS está a ultimar um programa para ser aplicado a agressores domésticos, a divulgar em breve. Quando se solicita o apoio técnico da DGRS deve: dirigir-se a solicitação à equipa territorialmente competente em razão da residência do arguido; informar a equipa sobre o objectivo do pedido; fornecer-lhe a informação necessária à elaboração do relatório (auto de notícia, de denúncia, declarações pertinentes). Os endereços das equipas da DGRS estão disponíveis no respectivo site.[16]

. Cumpre, todavia, mencionar aqui que muitos são os casos, para não dizer até que se verifica uma prática muito generalizada, dando ideia de alguma concertação, de vítimas de violência doméstica que após a denúncia deixam de colaborar, faltando aos exames médicos, às diligências e recusando-se depois a prestar declarações. E o certo é que não é possível a emissão de mandados de detenção para comparência a exame médico-legal, posto que a Constituição da República só o permite para presença em diligência presidida por autoridade judiciária.


6. Medidas de coacção no processo penal

. O regime legal da detenção e das medidas de coacção sofre uma alteração com a Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica. Assim, para além do já mencionado artigo 31º, em tal Proposta estatui-se no:

Artigo 32.º
Medidas de coacção urgentes

Após a constituição de arguido pela prática do crime de violência doméstica, o tribunal
pondera, no prazo de 48 horas, a aplicação, sem prejuízo das demais medidas de coacção previstas no Código de Processo Penal e com respeito pelos pressupostos gerais e específicos de aplicação nele referidos, de medida ou medidas de entre as seguintes:

a) Não adquirir, não usar ou entregar, de forma imediata, armas ou outros
objectos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a continuação da actividade
criminosa;

b) Sujeitar, mediante prévio consentimento, a frequência de programas de
reabilitação e tratamento clínico dos arguidos;

c) Não permanecer na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde
habite a vítima;

d) Não contactar com determinadas pessoas ou frequentar certos lugares ou certos
meios.

A referida ponderação tem de ficar documentada no inquérito.


• Não sendo possível ao MP emitir mandado de detenção fora de flagrante para apresentação, em horas, do agressor ao juiz de instrução em vista à sua sujeição a medida de coacção, resta a urgência possível na notificação do denunciado e a possibilidade de accionar a intervenção policial, pelo 112, a qualquer momento.

. Na Proposta de Lei, como se referiu já, fora de flagrante delito, a detenção pelo crime de violência doméstica pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público, se houver perigo de continuação da actividade criminosa e se tal se mostrar imprescindível à protecção da vítima. E as autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, nos casos previstos na lei, e desde que verificado o requisito de perigo referido no número anterior

• A saída da mulher vítima de violência, da casa de família, implica a desestruturação da vida familiar na medida em que acarreta, por regra, a saída dos filhos, criando problemas escolares a estes e profissionais àquela, pelo que a institucionalização de mulheres e crianças é, em si mesmo, um problema. Mesmo não havendo menores a cargo, a saída da mulher da residência implica dupla vitimização, pelo que, socialmente, o suporte financeiro que sustente a permanência na habitação, a requerer pela vítima junto das Segurança Social ou de outras entidades, é uma hipótese, complementada por medida de coacção imposta ao agressor. O alojamento em casa de abrigo deve ser entendida como uma solução transitória, que não constitua regra.


• Nos termos do artigo 193º e do artigo 200 n.º 1 alínea a) e d) do CPP, e com respeito pelo formalismo do artigo 194º, cabe promover a medida de proibição de permanência na residência e de proibição de contactos com a vítima, eventualmente ainda, a de sujeição a tratamento de dependência prevista na alínea f), sendo o caso, ou ainda a da alínea e), relativa a armas. Concomitantemente, ao abrigo do n.º1, alínea d), do artigo 108º da Lei 5/2006, pode ser promovida junto da PSP da cassação de licença do uso e porta de arma, e ainda, de aplicação pela entidade competente de medida cautelar disciplinar de desarmamento (cfr. artigo 74º do Regulamento Disciplinar da PSP e artigo 75º do Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima).
O artigo 32º da Proposta elenca de forma autónoma medidas de cocação para o fenómeno da violência doméstica, que são uma reprodução das das alíneas e), f), a) e d) do artigo 200º do Cód. Proc. Penal (por esta ordem).


• Tendo-se solicitado a intervenção da DGRS, esta pode acompanhar da medida de coacção que envolva o tratamento de dependência.

• Se aplicada medida de coacção de afastamento e proibição de contactos (ou outra mais gravosa, como é a prisão preventiva), o MP deve promover a respectiva comunicação ao Tribunal de Família e Menores, para que seja tomada em conta em sede de regulação das responsabilidades parentais ou outra providência cível ou de promoção e protecção de menores.


• Não é possível fazer a detenção do arguido encontrado em violação da medida de coacção de afastamento ou de proibição de contactos, nem tal violação constitui crime. A notícia dessa violação deve ser comunicada ao MP pela vítima e ou pelo OPC ou por qualquer entidade, com celeridade, em vista à revisão da situação coactiva, nos termos do artigo 213º do CPP, ou à audição do arguido.


• A reconciliação do casal em hipótese de violência doméstica coloca dificuldades de apreciação, designadamente quando está em execução medida de coacção. Haverá a prudência para distinguir a aparência da pacificação, da realidade do constrangimento.
A Proposta de Lei prevê no artigo 39º as medidas de apoio à reinserção social do agente:

“1- O Estado deve promover a criação das condições necessárias ao apoio psicológico e psiquiátrico aos agentes condenados pela prática de crimes de violência doméstica, obtido o respectivo consentimento.
2- São definidos e implementados programas de tratamento e de prevenção da
reincidência para agentes, designadamente com vista à suspensão da execução da pena de prisão.”

E no artigo 40º a figura do encontro restaurativo:

“Durante o cumprimento da pena, a solicitação do agente e obtido o consentimento da vítima, pode ser promovido um encontro entre ambos, com vista a restaurar a relação pessoal existente e a paz social, garantidas que estejam as condições de segurança necessárias e a presença de um mediador penal credenciado para o efeito”.


7.Suspensão Provisória do Processo


. Para a correcta aplicação de SPP deve solicitar-se a intervenção da DGRS.


• No contexto da violência doméstica, a intervenção da DGRS é dirigida para a prevenção do crime e reinserção do arguido, na óptica da promoção de comportamentos não violentos e socialmente ajustados. Elabora relatório prévio à decisão de suspensão provisória do processo, na óptica da apreciação da viabilidade da aplicação do instituto e da adequação das respostas processuais penais à situação concreta.


• A DGRS procede ao acompanhamento da execução das injunções aplicadas no quadro da suspensão provisória do processo, designadamente no que concerne ao tratamento de alcoolismo ou de outras dependências ou de frequência de consultas de psiquiatria, ou outras. Neste aspecto, articula-se com as instituições vocacionadas para tratar as diferentes problemáticas apresentadas pelo agressor.


• A DGRS acompanha o percurso do agressor durante o período de suspensão provisória do processo, por forma a avaliar a sua eficácia no que concerne à reabilitação ou reinserção do agente. No contexto específico da violência doméstica, esta intervenção compreende entrevistas regulares de apoio psicossocial e motivacional, deslocações ao meio da residência, articulação com outras instituições eventualmente envolvidas. Elabora relatórios sumários quadrimestrais de acompanhamento do período de suspensão.


• A SPP no contexto de violência doméstica depende de requerimento livre e esclarecido da vítima e da inexistência de prévia condenação ou aplicação de SPP por crime de natureza idêntica. Perante o requerimento, parece não haver margem de decisão em contrário por parte da autoridade judiciária, mesmo que esta avalie um grau de culpa elevado e um risco subsistente para a vítima [17][18]. O requerimento deve ser livre e esclarecido. O papel que ao MP cabe é o de garantir que a vítima sabe que não há, no sistema social e jurídico, qualquer margem de tolerância para a violência doméstica, que a circunstância de ter sido vítima de violência doméstica não a torna co-responsável pela situação e que há soluções sociais de apoio.


• Posta a questão ao contrário, poderia questionar-se se, não sendo a vítima assistente e na ausência de requerimento seu, poderia o MP decidir-se pela suspensão provisória do processo. A actual lei não resolve expressamente a questão. Parece que a teleologia do instituto e a natureza do tipo em causa conduzem a que a vítima não assistente deva expressar o seu acordo.


• A lei não prevê um período mínimo de duração da suspensão, apenas prevê um período máximo de 5 anos. Uma boa prática deve fixar um período que, pelo mínimo, seja compatível com a avaliação do cumprimento de programas de reabilitação ou reinserção por parte do arguido e da efectiva pacificação doméstica.


• Não impõe nem afasta lei qualquer tipo de injunções em razão do crime praticado. Há-de no entanto respeitar-se um princípio de adequação da injunção às razões que explicam o ilícito, para que aquelas constituam resposta ao problema criminal.



8. Alguns aspectos relativos à produção da prova

A estrutura do processo penal português é basicamente acusatória, integrada no entanto pelo princípio da investigação judicial. Este não se opõe àquela estrutura, pois não impede nem limita a promoção probatória do Ministério Público, do assistente ou do arguido e o seu total aproveitamento pelo tribunal. «Só significa que a actividade investigatória do tribunal não é limitada pelo material de facto aduzido pelos outros sujeitos processuais, antes se estende autonomamente a todas as circunstâncias que devam reportar-se relevantes» .

Não tem por isso o tribunal de se cingir, para a formação da sua convicção, aos meios fornecidos pela acusação ou pela defesa. Mas a prova a atender na decisão tem de ser obrigatoriamente produzida em audiência .

É nesta que, entre o mais, se vão ouvir as testemunhas. A prova testemunhal continua a ser, na prática forense, o meio de prova mais comum. «É essencialmente constituída pela narração de um facto juridicamente relevante de que a testemunha tem conhecimento» . As testemunhas são, na expressão de Bentham , «os olhos e os ouvidos da justiça». No respeitante aos crimes de maus tratos, violência doméstica ou de abuso sobre menores, a prova testemunhal é na generalidade dos casos essencial.

Há no entanto regras relativas à produção de tal prova que suscitam alguns problemas, dentre os quais se destaca a possibilidade de recusa de parentes e afins do arguido em deporem como testemunhas. Para tanto, a lei estabelece, para o juiz, a obrigação de advertência para essa faculdade, sob pena de nulidade .

Daqui decorre uma séria dificuldade prática nos casos em que os agressores, maltratantes ou violentadores são os próprios familiares ou o cônjuge (o que acontece na maioria dos casos). É que, de um modo geral, o depoimento da vítima e ou o depoimento dos demais elementos que compõem o agregado familiar revela-se essencial para a prova dos factos imputados ao arguido maltratante e a sua recusa em depor em audiência resultará quase sempre na absolvição do acusado por falta de provas.

Constata-se assim que, nestes casos, apesar de o procedimento criminal não depender da queixa da vítima, é ainda em grande medida nas suas mãos que está o desfecho do processo. Isso mesmo determinará, nas mais das situações de recusa em depor, a inutilidade do procedimento e dos meios nele envolvidos, pondo ainda seriamente em causa a própria credibilidade do sistema de justiça e das instituições judiciárias. Por isso nos crimes em que há uma envolvente familiar, com evidente ascendente do agressor sobre a vítima, naturalmente mais vulnerável e porventura intimidada (como acontece em grande medida no caso da violência doméstica, dos maus tratos e no abuso sexual de menores), há que prudencialmente ter especiais cautelas. A lei dispõe de alguns instrumentos, aos quais se deve dar uso cirúrgico e criterioso, atentas as especificidades de cada caso, instrumentos esses que serão agora reforçados pela nova lei referente à violência doméstica.

A preocupação com a prova, mas também com a vítima, deve começar logo no inquérito (que corre a cargo do Ministério Público). Verificando-se que alguma ou algumas das testemunhas, em razão do seu contributo para a prova dos factos que constituem o objecto do processo, podem correr perigo de vida, ou haver razões para temer pela sua integridade física ou psíquica ou pela manutenção da sua liberdade, ou haver perigo para os bens patrimoniais de valor considerável, deverão encetar-se as diligências necessárias à sua protecção e, quando disso for caso (como será, por regra, com as crianças), colher as declarações em depoimentos para memória futura, possibilidade esta que será no futuro possível também em relação à vítima de violência doméstica.

Este expediente, no contexto do crime de violência doméstica, maus tratos ou dos crimes de abuso sexual, visa preservar a mulher e a criança que foi vítima (na sua pessoa ou como mera testemunha) de uma exposição desnecessária, por várias vezes, com diversos interlocutores, sendo a sua presença em audiência apenas necessária em casos extremos, dispondo a Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica precisamente neste sentido.

As mulheres, as crianças maltratadas ou vítimas de abuso devem prestar declarações perante o juiz para memória futura. No inquérito, esta diligência deve ocorrer a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, e, na fase de instrução, oficiosamente pelo juiz ou a requerimento. Trata-se de uma inquirição judicial, preferencialmente a efectuar na fase inicial da investigação, na qual os sujeitos processuais apenas podem solicitar ao juiz a formulação adicional de perguntas. Contudo, não pode ser realizada sem prévia constituição como arguido, matéria esta que suscita discussões jurídicas e que não são de todo esclarecidas na Proposta de Lei referida, designadamente nos casos em que o agente do crime se ausenta, inviabilizando o seu interrogatório e constituição como arguido. Será necessário aguardar pela formulação de acusação, momento este em que se opera a constituição de arguido (cf. art. 57º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal) ?

O conteúdo das declarações para memória futura é gravado. Tais declarações poderão vir a ser escutadas ou tidas em consideração em audiência e assim servir como prova, naturalmente sujeita ao princípio da livre convicção do julgador .

A protecção da vítima na qualidade de testemunha pode abarcar ainda, quando necessário, na Proposta de Lei referida a inquirição por teleconferência ou videoconferência. Assim, dispõe a Proposta o seguinte:

Artigo 33.º
Recurso à videoconferência ou à teleconferência
1 - Os depoimentos e declarações das vítimas, quando impliquem a presença do arguido, serão prestados através de videoconferência ou de teleconferência, se, após parecer dos profissionais de saúde que acompanhem a evolução da situação da vítima, o tribunal assim o entender como necessário para garantir a prestação de declarações ou de depoimento sem constrangimentos.
2 - A vítima será acompanhada na prestação das declarações ou do depoimento, por profissional de saúde que lhe tenha vindo a dispensar apoio psicológico ou psiquiátrico.


A Proposta de Lei é, porém, omissa quanto à necessidade ou não de contraditório, ou seja, de audição dos sujeitos processuais não requerentes.

O regime da Lei n.º 93/99, de 14.07, alterado pela Lei n.º 29/08, de 04.07, que regula a aplicação de medidas de protecção de testemunhas em processo penal, permite no art. 4º e seguintes a prestação de declarações com ocultação de imagem ou com distorção de voz, ou de ambas, de modo a evitar-se o reconhecimento da testemunha. A decisão respectiva, porém, é precedida da audição dos sujeitos processuais não requerentes, nos termos do art. 6º, n.º 3.
Nesse diploma, porém, o recurso à teleconferência para tomada de declarações a testemunhas com ocultação de imagem ou com distorção de voz, ou de ambas, só é possível para prova de crimes que devam ser julgados pelo tribunal colectivo ou pelo júri, no que não se inclui o crime de violência doméstica. Todavia, mesmo nos casos em que tal recurso é possível, vale o citado art. 6º, n.º 3, ou seja, a decisão tem de ser precedida da audição dos sujeitos processuais não requerentes.
Perante o que fica dito, tem de se afirmar que mesmo nos casos da Proposta de Lei, no futuro deve implementar-se a audição prévia dos sujeitos processuais não requerentes, por força do princípio do contraditório.

A Prestação de depoimentos e declarações com ocultação da identidade de testemunhas, incluída a vítima, não é consentida no âmbito do tipo legal de crime de violência doméstica do art. 152º do Cód. Penal, ao abrigo da Lei de Protecção de Testemunhas, dada a redacção do art. 16º:


“Artigo 16
Pressupostos

“A não revelação da identidade da testemunha pode ter lugar durante alguma ou em todas as fases do processo se estiverem reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O depoimento ou as declarações disserem respeito a crimes de tráfico de pessoas, de associação criminosa, de terrorismo, de terrorismo internacional ou de organizações terroristas ou, desde que puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a oito anos, a crimes contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade das pessoas, contra a liberdade ou autodeterminação sexual, de corrupção ou cometidos por quem fizer parte de associação criminosa, no âmbito da finalidade ou actividade desta…”

O recurso a “Medidas Pontuais de Segurança” previstas no art. 20º e ao “Programa Especial de Segurança” previsto no art. 21º, ambos da Lei de Protecção de Testemunhas, não é possível no âmbito do crime de violência doméstica do art. 152º do Cód. Penal, daí a necessidade de previsão da “intervenção complementar” na Proposta de Lei de Prevenção da Violência Doméstica.

Mas já hoje se permitem várias medidas no caso de testemunhas especialmente vulneráveis, independentemente do tipo legal de crime em causa, nos artigos 26º a 30º da Lei de Protecção de Testemunhas. Saliento aqui o disposto no art. 28º:

Artigo 28.º
Intervenção no inquérito

1 — Durante o inquérito, o depoimento ou as declarações da testemunha especialmente vulnerável deverão ter lugar o mais brevemente possível após a ocorrência do crime.
2 — Sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal.

Este dispositivo não permite, porém, contornar a necessidade de contraditório, pelo que não se pode concluir pela dispensa de prévia constituição como arguido do denunciado.

E no art. 31º-A da Lei de Protecção de Testemunhas prevê-se ainda o seguinte, que pode ser aplicado a vítimas de violência doméstica:

Artigo 31.º -A
Concessão de moratória

1 — À testemunha que, como resultado da sua colaboração com a justiça, se encontre em situação patrimonial que a impossibilite de cumprir obrigações pecuniárias para com o Estado ou outras entidades públicas pode ser concedida moratória se o superior interesse da realização da justiça o justificar, por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da «justiça e da tutela, mediante proposta fundamentada da Comissão de Programas Especiais de Segurança.
2 — A concessão de moratória interrompe o prazo de prescrição.
3 — O processo e a decisão relativos à concessão de moratória têm carácter confidencial e urgente.


O recurso à videoconferência ou à teleconferência surgirá na violência doméstica associado a outras respostas, como a que permita o afastamento do agressor ou o alojamento da vítima e filhos noutro local.

Está prevista também a possibilidade de acompanhamento das testemunhas especialmente vulneráveis por um técnico de serviço social ou outro especialmente habilitado, de apoio psicológico, de visita prévia ao local da inquirição e de contacto com o juiz que vai presidir ao acto, bem como o afastamento temporário da testemunha da sua família ou do grupo social fechado em que se encontra inserida.

Em todos os casos, procurando diminuir tanto quanto possível as consequências do impacto sobre os menores do funcionamento do sistema formalizado de justiça, a lei prevê que na audiência de julgamento a inquirição das testemunhas menores de 16 anos seja levada a cabo apenas pelo juiz presidente, podendo no entanto, finda aquela, os sujeitos processuais (bem assim como os demais juízes que intervenham no caso) sugerir a formulação de perguntas adicionais. A inquirição em audiência das testemunhas vulneráveis pode ainda, quando houver razões que o aconselhem, decorrer sem a presença do arguido, de modo a obter tanto quanto possível um depoimento não constrangido e com o mínimo de consequências sobre a integridade psíquica dos menores.

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[1] https://queixaselectronicas.mai.gov.pt/sqe.aspx?l=PT

[2] https://www.policiajudiciaria.pt/PortalWeb/page/{5BFC28DE-D200-4BCC-9422-F495EE8EE82A}

[3] http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/distrito/dis_main.php

[4] http://www.tribunaisnet.mj.pt/endjus/default.aspx

[5] http://www.psp.pt/Pages/programasespeciais/violenciadomestica.aspx

[6] http://www.gnr.pt/portal/internet/Treeview/Dynamictree.asp?IdPage=14


[7] http://www.cig.gov.pt/

[8] http://www.magnete-tech.com/cig/docs/GuiaRecursosCompleto_200711081153.pdf

[9] http://www.apav.pt/portal/

[10] http://www.amcv.org.pt/

[11] http://www.umarfeminismos.org/index.htm

[12] http://www.acidi.gov.pt/

[13] http://www.acidi.gov.pt/docs/Associacoes/dados_AI_15-07-07.xls

[14]DR, 2ªSérie, de 05.12.2008 http://dre.pt/pdfgratis2s/2008/12/2S236A0000S00.pdf

[15] Ambos disponíveis no site da Direcção-Geral da Saúde.

[16] http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/comissao-de-proteccao-as

[17] “ A detenção – novo processo novos problemas”, in Revista do CEJ, n.º 9, página 186.

[18] http://www.reinsercaosocial.mj.pt/web/rs/servicos/contactos

[19] Plácido Conde Fernandes, “Violência Doméstica – novo quadro penal e processual penal”, in Revista do CEJ, nº 8, página 327.

[20] Cfr Rui do Carmo, “ A suspensão provisória do processo…”, in Revista do CEJ, n.º 9, página 329.