terça-feira, 31 de março de 2009

Prisão Substituída por Multa: revogação da substituição - possibilidade de ainda se pagar a multa e não cumprir a prisão(clique para ler o acórdão)

Acórdão da Relação do Porto de 04-03-2009

PRISÃO SUBSTITUIDA POR MULTA REVOGAÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO PAGAMENTO DA MULTA

Sumário:

É possível o cumprimento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, a todo o tempo, isto é, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão. Reclamações:
Proc. 690/05.8GBMTS-A.P1
Relator: MELO LIMA




TEXTO PARCIAL:

“…
3. A terceira questão diz respeito a saber se o pagamento da multa, levado a efeito após o trânsito da decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão substituída, tem a virtualidade de pôr termo ao cumprimento desta.

Cortando caminho, dir-se-á que sim.
Por razões que se resumem na ideia de coerência interna do sistema.
Vale dizer.

Quando o Juiz condena em pena de prisão que substitui por multa fá-lo tanto no cumprimento do imperativo legal de que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra não privativa da liberdade aplicável, quanto na comprovação, no caso concreto, de que não se verifica a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. ([6])
No pensamento do legislador a ideia há muito aceite pela comunidade jurídica internacional de que, na maioria dos casos, a pena curta de prisão causa mais dano do que benefício, em vez de prevenir favorece a prática de novos delitos. Pois que, a ser concretizada: no que será insuficiente para lograr conseguir uma execução ressocializadora do condenado, sobrará, por via do contacto com agentes de crimes graves, para o introduzir definitivamente no caminho do crime ([7]) ([8])

Esta ideia de subtracção às penas de prisão continua a ser defendida cada vez mais acentuadamente pelo legislador quando nomeadamente fala no interesse da descarcerização ([9])
Como entender, então, que estando o legislador ciente da total inconveniência da pena curta de prisão mantenha ainda esta quando o condenado ponha finalmente termo ao incumprimento?
Deixam, então, de valer a consideração da prisão como extrema ratio quanto o argumento do risco sério de dessocializar fortemente o condenado ao pô-lo em contacto com o ambiente deletério da prisão?
Com o devido respeito entende-se que uma resposta afirmativa além da ilogicidade intrínseca que traria para o sistema representaria uma violação dos princípios com fundamento constitucional da adequação, da necessidade, da razoabilidade.
As posições que opinam no sentido diverso ao exposto arrimam-se as mais das vezes nos ensinamentos de Figueiredo Dias extraídos de um artigo publicado a propósito da solução constante do artigo 44º/2 do projecto de 1991 de Revisão do Código Penal, revisão que viria a ocorrer com a publicação do DL 48/95 de 15 de Março.
Subscreve-se por inteiro a justeza da argumentação aí expendida, nomeadamente:
« a regulamentação contida no artigo 43º 3 conduz a resultados inadmissíveis, Se o condenado não pagar a multa e não houver lugar a execução, nem a substituição por dias de trabalho, ele vai então cumprir prisão igual a 2/3 dos dias de multa em que foi condenado (art. 46º/3)! Quer dizer: o tribunal fixou a pena de prisão, v.g em 4 meses, substituiu-a por 120 dias de multa e, como prémio do incumprimento culposo da pena de substituição, o condenado acaba por cumprir apenas 3 meses de prisão! Uma tal solução já nada tem a ver com a consideração da prisão como extema ratio, mas constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade politico-criminal da própria pena de substituição»
«Pode então perguntar-se em que consistiria, de iure condendo, a solução mais correcta para este problema. É perfeitamente aceitável, v.g. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades; ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão - valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, ([10]) se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe a afirmação seguinte, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade que se tornam indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»
Com o devido respeito se se interpreta mal, a questão não teve a ver com um inexorável (sem retorno) cumprimento da pena primitiva de prisão mas com o inadequado sistema de pena sucedânea que, então, vigorava e acabava por premiar o inadimplente relapso.
Questão diferente é, saber, se tal como na situação de prisão em alternativa à multa é possível o cumprimento desta a todo o tempo, nomeadamente se, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão é igualmente possível o pagamento da multa.
Ora, aqui, é pelas razões expostas da coerência do sistema que não se pode deixar de responder afirmativamente.

4. Visto a posição que fica assumida na questão 3, resulta desprovida de interesse a questão suscitada sob o item 4.

IV. Decisão

São termos em que, na procedência do recurso se revoga a decisão recorrida e no reconhecimento da extinção da pena de multa pelo pagamento, se ordena a imediata restituição do recorrente à liberdade.
Oportunamente, o Tribunal recorrido restituirá o valor pago de acordo com os dias cumpridos em prisão.
Sem custas.

Porto, 04.03.2009
Joaquim Maria Melo Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus

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“…
[6] aqui um critério de estrita necessidade: é necessário - e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável - que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime §557 - Aequitas- Editorial Notícias 1993
[7] Citando Claus Roxin:
Ya desde los tiempos de von Liszt es algo reconocido que la pena corta de prisión (con cuyo concepto se alude aqui y en lo que sigue a las penas inferiores a seis meses) en la mayoria de los casos causa más daño que beneficio. El breve tiempo de internamiento no es suficiente para llevar a cabo una ejecución penitenciaria (re) socializadora com perspectivas de êxito; pêro es lo suficientemente largo como para que el sujeto que há tenido un primer desliz, que es castigado com suma frecuencia com una pena inferior a seis meses, se ponga definitivamente en el mal camino por el contacto com criminales responsables de delitos graves y com condenas más largas. Además, el efecto que implica el cumplimiento de la pena, de separar al sujeto de su profesión y família, que a menudo suponen el último apoyo para el mismo, tyene consecuencias nocivas en la mayoria de los casos.

Por eso casi no es una exageración que se haya dicho que la pena corta de prisión favorece la comisión de nuevos delitos en vez de prevenirla
Por esa razón, el PA propuso por primera vez en la historia del movimiento alemán de reforma suprimir totalmente la pena de prisión inferior a seis meses como pena primaria y sustituirla por la imposición de penas sensibles de multa; para los delincuentes que no puedan o no quieran pagar, el PA preveía la possibilidad de satisfacer la pena mediante trabajo en beneficio de la comunidad (especialmente en hospitales, centros educativos, residências ancianos o instuticiones similares); solo cuando el sujeto se negara tanto al pago de la multa como a la prestación del trabajo en benefício de la comunidad, debería cumplir - pero en tal caso en cierta medida debido a su própria decisión - una pena privativa de liberdad sustitutoria de curta duración.
CLAUS ROXIN, DERECHO PENAL Parte General Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la teoria Del Delito Sec.1ª, §4, VIII, Nº30 e 31 - Editorial Civitas, S.A 1997
Com igual sentido, vide: HANS-HEINRICH JESCHECK - Tratado de Derecho Penal Parte General 4ªEd. Traducción de José Luís Manzanares Samaniego - Editorial Comares - Granada
[8] De igual modo Figueiredo Dias (ob.cit.):
«As penas curtas de prisão, na verdade, (i.)nem possibilitam uma actuação eficaz sobre a pessoa do delinquente no sentido da sua socialização; (ii)nem exercem uma função de segurança relevante face à comunidade. Pelo contrário, (iii)elas transportam consigo o risco sério de dessocializar fortemente o condenado, ao pô-lo em contacto, durante um período curto, com o ambiente deletério da prisão; curto, mas, em todo o caso, suficientemente longo para prejudicar seriamente a integração social do condenado, sobretudo ao nível familiar e profissional. Por sobre tudo isto, (iv) a pena curta de prisão representa para as autoridades encarregadas da execução um enormíssimo peso, que nem ao menos possui a virtualidade de ser compensado por oportunidades razoáveis de socialização»
[9] Neste sentido o Discurso do Ministro da Justiça na Assembleia da República quando da discussão da última proposta de alteração ao Código Penal.
[10] Claus Roxin, acima citado, vai ao ponto de exigir a comprovação de uma recusa expressa e inelutável do condenado inadimplente (sibi imputet): solo cuando el sujeto se negara tanto al pago de la multa como a la prestación del trabajo en benefício de la comunidad, debería cumplir - pero en tal caso en cierta medida debido a su própria decisión - una pena privativa de liberdad sustitutoria de curta duración”


Anotação:

.O argumento deste acórdão assenta de forma inteligente no facto de a pena de prisão só não dever ser substituída por multa quando a "...execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes" (cf. n.º 1 do art. 43º do Código Penal).

.Todavia, não ponderou o douto acórdão o facto de só ser possível revogar a substituição quando não for possível suspender a prisão, nos termos dos arts. 43º, n.º 2, parte final e 49º, n.º 3, ambos do Código Penal.

.Na verdade, se o arguido não paga e não for caso de suspensão da prisão substituída nos termos dos arts. 43º, n.º 2, parte final, e 49º, n.º 2, ambos do Código Penal, permitir que o arguido venha pagar a multa para inviabilizar o cumprimento da pena de prisão é identificar os casos do art. 43º, n.º 1, do Código Penal, bem mais graves, com os da mera aplicação de pena de multa nos termos do art. 47º do Código Penal.

.Ora, foi por reconhecer a diferença entre tais situações que o legislador não remeteu senão para o art. 49º, n.º 3, e já não, também, para o art. 49º, n.º 2, do Código Penal.

.Em suma, o douto acórdao faz uma interpretação verdadeiramente correctiva da lei penal, que não lhe é consentida pelo art. 9º, n.º 2 e 3, do Código Civil. Ou seja, a solução em apreço não tem um mínimo de correspondência na lei penal.