terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Nascituro e direito à vida (in)susceptível de ser indemnizado/Morte de nascituro e dano não patrimonial/Alternadeira e dano futuro

Indemnização por morte de nascituro
Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão 9 Outubro 2008

Relator: Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria
Processo: 07B4692

Jurisdição: Cível

PERSONALIDADE JURÍDICA. NASCITURO.

Em consequência de um acidente de viação a autora reclama uma indemnização pela perda do direito à vida do seu filho nado-morto, em consequência das lesões sofridas no ventre materno e que tiveram como causa o acidente. Não é possível reconhecer ao filho da autora um direito à vida susceptível de ser indemnizado, uma vez que faleceu ainda antes de adquirir a qualidade de pessoa jurídica, o dano morte pode ser indemnizável em sede de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrente.

DANO NÃO PATRIMONIAL. A autora pretende ser indemnizada pelo desgosto moral com a perda do filho, pelos sofrimentos físicos e morais que padeceu e continuará a padecer, acrescentando uma outra quantia indemnizatória referente ao dano estético de afirmação pessoal e sexual. Tratando-se de uma questão nova a segunda instância não pode conhecer.

DANO FUTURO. A autora exercia a actividade de alternadeira, depois do acidente ficou totalmente impedida de a exercer. Tendo conseguido o emprego devido ao seu bom aspecto e à capacidade de relacionamento não pode continuar a fazê-lo pois passou a ser pessoa depressiva, sofrendo de mal estar e tonturas, apesar de ter apenas vinte anos, as perdas económicas serão muitas para tal contribui a Incapacidade Permanente Parcial de dez porcento de que ficou a padecer, pelo que julga-se equilibrada a indemnização cem mil euros, arbitrada em segunda instância.

Disposições aplicadas:
arts. 2, 24 e 66 CRP
art. 805.3 CC
arts. 722.1, 729.1 e 864.4 CPC

Jurisprudência relacionada:

No mesmo sentido, Ac. Uniformização de 09-05-2002, nº 4/2000 (In DR I Série-A de 27-06-2002)
No mesmo sentido, Ac. STJ de 25-05-1985 (in RLJ 3795, 185)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Art. 145º, n.º 5, do C.P.Civil/Processo de contra-ordenação ( clique aqui para consultar o texto integral do acórdão )

Acórdão da Relação de Coimbra, de 03-12-2008
Processo: 533/08.0TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
Legislação Nacional: ARTIGOS 145º, NºS 5 E 6 DO CPC, 59.º, N.º 3, DO RGCOC

Sumário:
Na fase administrativa do processo de contra-ordenação não é aplicável o disposto no art.145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil.

Texto Parcial:

"...No caso dos autos , face às conclusões da motivação da recorrente arguida as questões a decidir são as seguintes :

- se o recurso foi apresentado dentro do prazo de 20 dias a que alude o art.60.º do RGCOC, uma vez que aquele foi remetido pelo correio sob registo; e

- se, a não entender assim, devia o Tribunal ter procedido à aplicação do disposto no art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do C.P.C., por remissão dos arts. 107.º, n.º 5 do C.P.P. e 41.º do R.G.C.O.C..

Passemos ao conhecimento da primeira questão.

O art.59.º, n.º 3 do RGCOC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-9, estatui que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa é feito por escrito e apresentado a esta no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.

Sobre a contagem do prazo do recurso de impugnação judicial , o art.60.º, do mesmo regime legal, também na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-9, estabelece o seguinte:

« 1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.

2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil normal.».

O Assento do STJ n.º 1/2001, de 8 de Março de 2001, fixou jurisprudência no sentido de que « Como em processo penal , também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000.»[4].

A recorrente vem dizer na motivação do seu recurso que não obstante a data de 20-2-2008 constante do carimbo aposto no rosto do seu requerimento de impugnação, o mesmo foi enviado para a autoridade administrativa no dia anterior, isto é, no dia 19-2-2008, por via postal registada, estando por isso em tempo.

O despacho recorrido, mencionando que a arguida foi notificada da decisão da autoridade administrativa no dia 21 de Janeiro de 2008 e que apenas apresentou o recurso de impugnação no dia 20-02-2008, conforme se constata pelo carimbo aposto no rosto do seu requerimento de impugnação, concluiu que o recurso é extemporâneo.

Vejamos.

É pacífico que a arguida C..., teve conhecimento da decisão da autoridade administrativa no dia 21 de Janeiro de 2008.

Considerando que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa se suspende aos sábados, domingos e feriados, o prazo para interpor recurso de impugnação judicial da decisão administrativa terminou no dia 18 de Fevereiro de 2008.

Assim, quer o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa tenha sido apresentado pela arguida no dia 20-2-2008 – como consta do carimbo aposto no rosto do recurso de impugnação judicial -, quer o o mesmo tenha sido enviado para a autoridade administrativa no dia anterior, isto é, no dia 19-2-2008, por via postal registada – o que não resulta comprovado nos autos -, tendo o prazo de interposição do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa terminado no dia 18 de Fevereiro de 2008, sempre este recurso foi interposto fora do prazo de 20 dias a que alude o art.60.º do RGCOC.

O recurso de impugnação judicial, caso tenha sido apresentado no dia 20-2-2008, foi apresentado no segundo dia após o termo do prazo. Caso tenha sido enviado por via postal, no dia 19-2-2008, considera-se apresentado nessa data, ou seja, no primeiro dia após o termo do prazo.

Apenas terá interesse saber – após recolha de informação, desde logo junto da autoridade administrativa – se a arguida enviou por via postal o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, se vier a decidir-se que ao prazo para a interposição do recurso é aplicável ao disposto no art. 145.º, n.º 5 do C.P.C.. Essa é a questão que vamos conhecer em seguida.

Decidido que o recurso de impugnação judicial foi interposto após o termo do prazo a que aludem os artigos 59.º e 60.º do RGCOC, importa agora decidir se o Tribunal a quo deveria ter procedido à aplicação do disposto no art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do C.P.C., por remissão dos arts. 107.º, n.º 5 do C.P.P. e 41.º do R.G.C.O.C..

O art.41.º, n.º1 do R.G.C.O.C. estatui que « Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.».

O art.107.º, n.º5 do C.P.P., na redacção anterior à Revisão do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estatuia que , independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em procedimento civil, com as necessárias adaptações.

Com a Revisão do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 48/2007, em vigor desde 15 de Setembro de 2007, essa matéria relativa à prática de acto fora de prazo passou a ser regulada pelo art.107.º- A, que continua a mandar aplicar ao processo penal o disposto nos n.ºs 5 a 7 do art.145.º do C.P.C..

O art.145.º do Código de Processo Civil, para que se remete do C.P.P., permite a realização de acto processual até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, desde que o interessado proceda ao pagamento de uma multa, independentemente de despacho ( n.º5 ) ou após a notificação pela secretaria nos termos do seu n.º 6.

Vejamos.

O Assento do STJ n.º 2/94, datado de 10 de Março de 1994[5] , fixou jurisprudência no sentido de que « Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do art.59.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo DL n.º 356/89, de 17 de Outubro.».

Considerou para o efeito, designadamente, que o prazo judicial pressupõe que a acção já está em juízo. Ora, o recurso de impugnação não é apresentado em juízo, mas perante a autoridade administrativa ( art.59.º, n.º 3 do RGCOC) , na qual permanece o processo até ser enviado ao Ministério Público ( art. 62.º, n.º 1 do RGCOC), podendo entretanto a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima ( art.62.º, n.º2 do RGCOC).

Tal significa que até ao envio dos autos ao Ministério Público, tudo se mantém no âmbito administrativo, não representando a interposição de recurso a imediata entrada na fase judicial do recurso. Em consequência, o STJ entendeu não ser aplicável à fase administrativa do processo de contra-ordenação o disposto no n.º 3 do art.144.º do Código de Processo Civil relativo aos casos suspensão do prazo judicial.

Já após ter sido proferido o Assento do STJ n.º 2/94, foi alargado o prazo mencionado no n.º 3 do art.59.º do RGCOC e dada uma nova redacção ao art.60.º do mesmo regime , pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro - que se mantém em vigor -, esclarecendo as regras sobre o modo como deve contar-se o prazo para impugnação da decisão administrativa.

As alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, ao RGCOC, não tiveram a intenção de alterar a natureza do prazo mencionado no n.º 3 do art.59.º do RGCOC, pelo que se mantém válida a jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais fixada no acórdão do STJ n.º 2/94 sobre a natureza do prazo a que alude o n.º 3 do art.59.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro.

O art.60.º, n.º 1 do RGCOC, ao mandar suspender o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa aos sábados, domingos e feriados, tomou uma posição diferente da enunciada, pela mesma altura, no DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que optou pela introdução no art.144.º do Código de Processo Civil da regra da continuidade dos prazos, com suspensão durante as férias judiciais.

O art.60.º, n.º 2 do RGCOC tomou ainda posição sobre a situação em que o termo do prazo cai em dia durante o qual não é possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, estabelecendo que o mesmo termo se transfere para o primeiro dia útil seguinte.

Os artigos 59.º e 60.º do RGCOC, na redacção que resultou do DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, regularam a forma, prazo e contagem do prazo da impugnação judicial das decisões administrativas, de modo especial, numa altura em que não existe uma fase judicial, pelo que não são aplicáveis na fase administrativa, por via da remissão do art.41.º, n.º1 do RGCOC, os artigos 144.º e 145.º do Código de Processo Civil.

O acórdão do STJ n.º 1/2001[6], proferido em 8 de Março de 2001, ao decidir que « Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e Assento n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000.», tratou de questão diferente da que está em apreciação, não regulada nos artigos 59.º e 60.º do RGCOC, que se colocava com a remessa por via postal de peças processuais, traduzida em saber se a data do registo valeria ou não como data da prática do acto correspondente.

No sentido pugnado na presente decisão, de que não são aplicáveis na fase administrativa, por via da remissão do art.41.º, n.º1 do RGCOC, os artigos 144.º e 145.º do Código de Processo Civil, vem-se pronunciando a generalidade da jurisprudência, designadamente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Junho de 2006 ( proc. n.º 1635/06) ; do Porto, de 9 de Janeiro de 2008 ( processos n.ºs 0715838 e 0716685 ); de Évora, de 13 de Junho de 2006 ( proc. n.º 802/06-1)[7] ; e de Lisboa, de 8 de Dezembro de 2005 [8]; e na doutrina, os Conselheiros António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral [9], e Dr. Sérgio Passos [10].

Esta posição em nada viola o princípio da igualdade a que alude o art.13.º da Constituição da República Portuguesa, que postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais, uma vez que a não aplicabilidade do art.145.º, n.º 5 do C.P.C. à fase administrativa do processo de contra-ordenação colhe o seu fundamento na natureza não judicial do prazo a que aludem os artigos n.º 3 do art.59.º, n.º 3 e 60.º do RGCOC.

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 293/06, decidiu já que «.. a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto no art.145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação da contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva.» [11].

Em sentido próximo havia decidido o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 293/06.[12]

Em suma, sendo extemporâneo o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e não havendo razões para aplicação, na fase administrativa do processo de contra-ordenação, do disposto no art.145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, como defende a recorrente, bem andou o Tribunal recorrido em não lançar mão deste preceito legal.

Impõe-se, deste modo julgar improcedente o recurso.


Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida C... e manter o douto despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.


*

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).



*

Coimbra,






[1] Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2] Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] DR , I Série-A, de 20 de Abril de 2001.
[5] DR., I Série-A, de 7-5-1994.
[6] DR, I Série-A, de 20 de Abril de 2001.
[7] Todos em www.dgsi.pt.
[8] C.J., ano 2005, 5.º, pág. 129.
[9] Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª Edição, pág. 169.
[10] Contra-Ordenações, Almedina, 2.ª edição, pág. 412.
[11] www.tribunalconstitucional.pt
[12] www.tribunalconstitucional.pt

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Feliz Natal!

Não é possível acolher "aquele que vem" se o nosso coração estiver cheio de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preocupação pelos bens materiais... É preciso, portanto, uma mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos, das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um despojamento de tudo o que nos rouba espaço ao "Senhor que vem".

É a partir de cada um de nós que começa o mundo novo. É a partir do coração novo de cada um de nós que o mundo poderá ter um novo coração !

FELIZ NATAL !

sábado, 20 de dezembro de 2008

DETENÇÃO/DESCONTO NA PENA DE MULTA ( Ac. Rel. Coimbra: clique)

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-11-2008
Processo: 281/07.9PANZR.C1
Relator:
DR. ANTÓNIO ALBERTO MIRA
Sumário:

I. – O desconto da prisão preventiva é de funcionamento “automático/obrigatório”, devendo ser operado por mera regra de execução, como tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça: “o desconto da prisão preventiva não tem que ser ordenado na decisão condenatória – resulta imperativamente da lei, para ser tomado em conta no cumprimento da pena».

II. - O mesmo não acontece quanto ao desconto, na pena de multa, da detenção sofrida pelo arguido. Nesta situação, o juiz terá de fazer o que se lhe afigurar equitativo, porquanto a expressão “pelo menos” do artigo 80.º, n.º 2, do CP significa que 1 dia de prisão pode equivaler a mais de 1 dia de multa.

III. - Neste caso específico, é desejável que o desconto seja mencionado na sentença condenatória, para que fique desde logo determinado o exacto quantum da multa e, assim, definida a verdadeira situação “jurídico-penal” do arguido.

IV. - Todavia, não impõe a lei que o desconto tenha necessária e obrigatoriamente de ser ordenado na sentença, podendo ser determinado posteriormente, em momento ainda adequado, por despacho – cfr. Ac. da Relação de Évora de 18-02-2003.

TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA/MUDANÇA DE RESIDÊNCIA/JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO (Acórdão do STJ: clique )

Acórdão do S.T.J., de 18-12-2008
Processo:08P2816
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Nº do Documento: SJ200812180028165

Sumário :

1 – A imposição de termo de identidade e residência, de acordo com o art. 196° do CPP, significa que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado [a)], da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado [b)]; de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial onde correm os autos [c)]; e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [d)].


2 – Se o arguido mudou da morada que indicara, nos termos do n.º 2 do art. 196.º e não comunicou essa mudança aos autos, como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara fica legitimada a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º.


3 – A circunstância da mãe do arguido ter informado que o arguido estaria numa outra morada, o que foi consignado pela GNR não dispensou o recorrente de vir comunicar, na forma prevista na lei, a mudança de residência aos autos que visa garantir a disponibilidade e contactibilidade dos arguidos, responsabilizando-os por isso, em termos de notificações futuras.


4 – Daí que tendo o arguido sido notificado termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, na residência indicada, não enferme de qualquer nulidade o seu julgamento na ausência.


5 – No sistema de césure ténue de que é tributário o nosso sistema processual penal, a questão da determinação da sanção aplicável é destacada da questão da determinação da culpabilidade do agente. Por outro lado, o n.º 2 do art. 71.º do C. Penal manda atender também, na determinação da medida da pena, às condições pessoais do agente e a sua situação económica [d)], à sua conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [e)] e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [f)].

6 – Só estando apurado que o arguido, julgado na ausência, não tem antecedentes criminais, nada mais se sabendo, designadamente quanto às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à sua conduta posterior ao facto (a qual não pode ser deduzido da sua não comunicação de mudança de residência e falta de cumprimento ou incumprimento inadequado do dever de apresentação) e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, impõe a elaboração e consideração de um relatório social, pelo que deve ser reaberta a audiência nos termos do art. 371.º do CPP.

TEXTO PARCIAL:

"...Pretende, em síntese, o recorrente que a realização da audiência de julgamento, sem a sua presença constitui nulidade insanável (n.°s 2 e 3 do art. 313° do CPP), pois não foi notificado, com pelo menos 30 dias de antecedência, da respectiva data fixada para julgamento, com cópia da acusação.”...
Na sua óptica, sem bem que não morasse à data dessa notificação na residência que indicara, a notificação deveria ter tido lugar na morada para onde mudara, que indicara à sua mãe e que esta teria indicado à GNR.
Mas não lhe assiste razão.
O arguido, como ele próprio reconhece, prestou termo de identidade e residência, de acordo com o prescrito no art. 196° do CPP.
Significa isso que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado [a)], da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado [b)]; de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa (onde os autos se encontrarem a correr nesse momento) [c)]; e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [d)].
Ora, como o próprio recorrente aceita, mudou da morada que indicara, nos termos do n.º 2 do art. 196.º e não comunicou essa mudança aos autos, como estava obrigado por força da al. b) do n.º 2 do art. 196.º, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara, uma vez que não comunicara outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal de V.N. Foz Côa, de acordo com a al. c) do mesmo n.º 2, o que tudo legitimava, como fora advertido, a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [n.º 2, al. d)].
Daí que se deva ter o arguido por regularmente notificado, uma vez que lhe foi enviada a devida e completa notificação para a morada que indicara e não alterara regularmente.
Não se diga, em contrário e como faz o recorrente, que a informação prestada pela mãe a GNR e feita constar de auto dispensou o recorrente de vir comunicar, na forma prevista na lei, a mudança de residência aos autos. Como a história do art. 196.º pode elucidar, os deveres impostos, nessa sede, aos arguidos de maneira a garantir a sua disponibilidade e contactibilidade, e responsabilizando-os por isso, na forma já analisada. E a valoração da informação prestada pela mãe ao OPC, que o não responsabilizava, desresponsabilizava-o face ao processo, ficando-se sem conhecer residência que o comprometesse em termos de notificações futuras.
Ora a exigência do formalismo, incumprido pelo recorrente, visa exactamente assegurar, como se disse, a eficácia do processo. E, por outro lado, foi o recorrente devidamente informado dos procedimentos a adoptar e das suas consequências.
É certo que é obrigatória a presença do arguido (n.º 1 do art. 332º do CPP) na audiência que só pode ter lugar quando o mesmo se encontre regularmente notificado para ela, mas como vimos, foi regularmente notificado e nas circunstâncias fora advertido de que seria, no incumprimento das regras, representado por defensor nos actos processuais em que pudesse ou devesse estar presente e, poderia ter lugar a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [n.º 2, al. d) do art. 196.º]...”
“...Lisboa, 18 de Dezembro de 2008
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho”.

DENÚNCIA DE CRIME/OFENSAS À HONRA/COLISÃO DE DIREITOS/RESPONSABILIDADE CIVIL /Acórdão do STJ(clique)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 08A2680
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores:
Nº do Documento: SJ20081218026801
Data do Acordão: 18-12-2008

Sumário:

1) Toda a participação criminal dirigida contra pessoa certa contém, objectivamente, ainda que a nível de suspeita sustentada por argumentos meramente indiciários, uma ofensa à honra e consideração do denunciado, por se traduzir na imputação de factos penalmente ilícitos.

2) O acesso aos tribunais para fazer valer um direito é constitucionalmente garantido, e o direito de participar criminalmente pode, em certos casos constituir um dever cujo incumprimento será, por si, a comissão de um ilícito penal. Mas a participação não pode ser feita com a consciência da falsidade da imputação ou é crime de denúncia caluniosa.

3) No crime de denúncia caluniosa os interesses protegidos pela incriminação são a administração da justiça, a não ser perturbada por impulsos inúteis e infundados e dos acusados a serem protegidos contra imputações falsas e temerárias lesivas da sua honra.
Trata-se de um crime doloso, inadmitindo, sequer, o dado eventual como elemento subjectivo.

4) Ao direito à honra do denunciado contrapõe-se o direito à denúncia como “iter” de acesso á justiça e aos tribunais.

5) Na colisão de direitos, que são desiguais, deve prevalecer o considerado superior.

6) Com princípio, o direito de denúncia prevalece notoriamente nos casos de denúncia vinculada (ou denúncia-dever funcional) e, em geral, porque como garantia de estabilidade, da segurança e da paz social no Estado de Direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos.

7) Para além da denúncia caluniosa, são restrições a linguagem ofensiva do texto (que não se limite à narração de factos mas lance epítetos ou emite juízos de valor sobre o denunciado) que, por si, pode ofender a honra, mas não esquecendo o princípio da necessidade do n.º 2 do artigo 154º do CPC, sendo que, no mais (dever geral de diligência), deve ser feita uma avaliação casuística na ponderação do tipo de crime, na complexidade, sofisticação, necessidade de perícia e putativos agentes, que pode servir de critério para avaliar da grosseira leviandade da denúncia.

8) O regular – ressalvando situações de abuso e de actividades perigosas – exercício do direito exclui a ilicitude (é causa de justificação) como pressuposto da responsabilidade civil.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

As Reformas na Justiça...

A Lei de Política Criminal não é uma lei de investigação criminal.
Mas o certo é que cada vez mais se vem defendendo na doutrina que uma lei de política criminal pouco sentido faz sem uma boa lei de investigação criminal.
Não basta estabelecer objectivos, sendo necessário dotar quem investiga dos recursos necessários, recursos esses que nem sempre passam por mais meios humanos ou materiais, para o que se afigura essencial o diagnóstico dos entraves que vão surgindo. É necessário monotorizar o sistema, sob pena de se estar sempre a exigir mais do mesmo.
Era necessária a definição de prioridades e a definição de mecanismos de articulação entre a PGR, o Parlamento e o Governo, sendo o mecanismo do relatório um dos possíveis e adequados.
Mas dotar o sistema legal de uma lei de política criminal sem ao mesmo tempo ou até previamente estabelecer um diagnóstico das possibilidades do sistema de responder ao que se lhe pede é um caminho condenado ao insucesso ou ao pouco sucesso. Basta recordar que o estabelecimento de um catálogo de crimes que são investigados nos DIAPs sede de Distrito Judicial e no DCIAP representou desde logo uma opção deliberada por privilegiar a investigação de certos crimes. E se assim foi, importava saber que resposta foi dada, como funcionaram essas estruturas, com que problemas se debatem, que reformas urge fazer. E neste plano apenas se assiste da parte do Conselho Superior do Ministério Público, atenta a sua gritante falta de meios, ao seguimento da regra da capitação, e mesmo assim aquém do desejado por falta de meios humanos.
Está por fazer um estudo profundo e uma reflexão profunda sobre as necessidades e insuficiências organizativas actuais da magistratura do Ministério Público.
Sem o apuramento da organização funcional do Ministério Público, sem a dotação de meios legais, materiais e humanos que permitam uma efectiva e tempestiva direcção da acção penal, sem meios auxiliares e periciais suficientes e competentes, o cumprimento da filosofia garantística do actual Código de Processo Penal corre o risco de soçobrar e de se subverter, tornando este mecanismo legal um instrumento discriminatório, na medida em que se constata que sem esses instrumentos, são, maioritariamente, os responsáveis pela pequena e média criminalidade que, finalmente, vêm sendo condenados.
A organização do Ministério Público deve reflectir as exigências de eficácia e responsabilidade, adequando, sem complexos conservadores, o seu modelo organizativo às necessidades reveladas com a experiência da vigência do Código de Processo Penal posterior ao de 1929.
Essa experiência, bem como a de outros países europeus, vem revelando, designadamente no que à criminalidade mais complexa se refere, a necessidade da organização de verdadeiras equipas especializadas por tipos de criminalidade, que responsabilizadamente, acompanhem o processo desde o início da investigação policial até ao julgamento, momento maior da concretização e aferição da estratégia investigativa anterior, que, por isso, há-de ser sempre, desde o início, da responsabilidade e superior direcção do Ministério Público.
Por um lado, o Poder Político propõe-se publicamente enfrentar com firmeza e determinação o crime organizado, violento, transnacional e de colarinho branco. Por outro lado, afirma-se defensor acérrimo dos direitos fundamentais do arguido.
Porém, não cura de, na prática, municiar a magistratura, que dirige a investigação, dos meios humanos, materiais e técnicos essenciais àquele combate, no rigoroso cumprimento dos direitos fundamentais do arguido e da vítima. Os investimentos que faz são tiros fora do alvo...
O Ministério Público, enquanto magistratura autónoma do poder político, titular e responsável pela investigação e pelo exercício da acção penal, sujeita a estritos critérios de legalidade e objectividade, coadjuvado por órgãos de polícia criminal dele efectivamente dependentes funcionalmente, não exercerá função, também ela, garante de um estado de direito democrático, no âmbito do processo penal ? Há críticas a fazer à actuação em concreto do Ministério Público ? Claro que há. Mas serão necessárias novas e profundas alterações legislativas ? São, sem dúvida, mas importa, com a produção legislativa que já temos, muito positiva, aliás, reflectirmos em conjunto, sem preconceitos e sem medo dos apregoados e pretensos poderes do Ministério Público, que não são mais do que um poder-dever de objectivamente cumprir a lei e a Constituição. Sem reticências e pré-juízos por parte do Ministério Público relativamente às intenções escondidas do Poder Político.
Leis temos nós. O problema é aplicá-las, dar-lhes execução, insuflar-lhes vida, implementá-las.
Uma lei de política criminal que esqueça que os magistrados se encontram amontoados em gabinetes insalubres, com cargas laborais que fariam arrepiar qualquer colega europeu, sem meios materiais de qualquer espécie, sujeitos aos caprichos da administração na quantidade e qualidade dos funcionários que os assistem, dependentes das vontades das diversas direcções policiais quanto à maior ou menor latitude e qualidade da sua colaboração, é uma lei hipócrita, cujo objectivo não é prestar um serviço público, mas servir intuitos perversos.
A eleição de prioridades no combate ao crime não se pode ficar pelo soluço legislativo. Impõe-se a especialização, a formação para a especialização, a constituição de soluções que permitam a resposta efectiva.
Ora, aquilo que se tem assistido é a um autêntico combate de franco-atiradores contra exércitos bem equipados e comandados. Basta recordar que não é sequer possível organizar um movimento de magistrados sem violação da regra básica do art. 137º, n.º 3, do Estatuto do Ministério Público, que não existe formação permanente digna desse nome nem bolsa de magistrados com número adequado de magistrados, quando, por outro lado, a magistratura se encontra em franca progressão para uma larga maioria de mulheres na profissão.
Com isto não se pretende condenar a lei de política criminal. Apenas e tão-só reflectir sobre o tema, reconhecer a sua total ineficácia, para não falar na forma como alguns se encarregaram de a pretexto de tal lei ainda burocratizar mais os tribunais...
A actuação da justiça, exercida por burocratas profissionais, não pode ganhar prevalência na articulação com os poderes democráticos e a circunstância de em alguns casos os órgãos judiciários realizarem as intenções político-criminais do sistema legal, por exemplo em sede de soluções de diversão e de sanções penais, não ilide antes reforça o postulado da sua subordinação ao programa político definido pelos órgãos de soberania politicamente conformadores e democraticamente legitimados, em particular a Assembleia da República através das suas leis.
A política criminal não se expressa, porém, apenas na definição dos crimes, penas e medidas de segurança e respectivos pressupostos, mas ganha expressão desde logo noutros segmentos, como por exemplo a concretização dos juízos sobre as exigências de prevenção geral, que podem determinar a aplicação de soluções de diversão e condicionam a individualização das penas.
Podem aqui enunciar-se diversas situações que podem justificar a intervenção neste âmbito:
- os critérios para o recurso ao instituto da suspensão provisória do inquérito ( art. 281º do Cód. Proc. Penal ) e do arquivamento em caso de dispensa de pena ( art. 280º do Cód. Proc. Penal );
- os critérios para o recurso ao disposto no art. 16º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal;
- os critérios para recurso e escolha da pena de multa no processo sumaríssimo;
- o estabelecimento de critérios ou procedimentos internos em matéria de requerimento de júri em processo penal;
- o estabelecimento de mecanismos de controle da fase de julgamento ( cfr. art. 53º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Penal );
- a questão da coordenação entre a fase de investigação e de julgamento;
- o estabelecimento de critérios que atendam à especialização e experiência na colocação de magistrados – existe aqui uma imperiosa necessidade de mecanismos de selecção e de controlo da qualidade do desempenho dos membros colocados nos órgãos competentes para os processos de maior relevância e complexidade, o que implica também o estabelecimento de sistemas de formação, especialização e selecção;
- o controle da forma como os procuradores da república cumprem o estatuído no art. 63º, n.º 1, al. a), do EMP, ou sejam, como se processa a distribuição directa de inquéritos quando o justifiquem a gravidade da infracção ou a complexidade do processo ( não se inclui o critério da especial relevância do interesse a sustentar porque se trata de critério exclusivo da fase de julgamento – mas aqui importa saber também como se processa a intervenção do procurador da república ), pois que estamos perante um dever pessoal e não perante um poder pessoal;
- é importante a existência de um dever de informação a respeito de avocação e substituições ( onde é admissível a figura da reclamação ) e distribuição de serviço entre procuradores-adjuntos, cujos despachos devem ser emitidos segundo critérios genéricos e abstractos e pré-definidos, pois que a avocação e a substituição só em casos processualmente previstos são admissíveis;
- o estabelecimento de equipas de investigação: ponto 8 da Recomendação ( 2000 ) 19 do Conselho da Europa: concentração de competências num único grupo ( equipas pluridisciplinares ) é um factor vital para a eficácia operacional do sistema;
- a escolha dos procuradores da república-coordenadores não pode ser um processo alheio ao CSMP;
- para além da inspecção devem existir mecanismos de avaliação dos poderes de direcção da hierarquia, pois é inaceitável o exercício de poderes de direcção administrativo-política sem os correlativos deveres e responsabilidades de prestação de contas.
Essa circunstância, porém, não afasta o princípio da reserva judiciária no foro penal, pelo que a participação do Ministério Público na execução da política criminal tem de se operar nos termos da lei e está vinculada, de forma expressa, ao respeito de dois princípios constitucionais:
- a autonomia do Ministério Público; e
- o exercício da acção penal orientado pela legalidade.
As directivas genéricas e as ordens e as instruções da hierarquia devem compatibilizar-se com as regras do processo penal, onde se define o âmbito da intervenção hierárquica – ex: não se prevê a ordem para não acusar, embora se permita a avocação e a substituição ( cf. art. 278º da CRP e EMP ): a substituição dispositiva proactiva existe apenas nos casos dos arts 68º, n.º 1, do EMP e 276º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal .
É aqui importante assinalar a função de coordenação, que se encontra atomisticamente estabelecida na actualidade, desde logo por falta de agregação de círculos, sob a chefia de um Procurador-Geral Adjunto.
A definição de critérios relativos aos casos em que deve haver concentração da investigação, que devem correr com natureza urgente ou em que o Ministério Público deve realizar directa e/ou pessoalmente a investigação é fundamental ( cfr. direcção do inquérito ).
Por outro lado, há instrumentos processuais que necessitam de urgente clarificação legislativa.
A formação inicial e permanente é assunto fundamental.
Nos DCIAPS e DIAPS B já existe eleição de prioridades legal, mas não se fez um estudo de produtividade.
A contingentação é tema esquecido, mas uma percentagem de serviço superior a 20 a 30 % leva ao cometimento de erros muito graves em qualquer trabalhador.
Não se diagnosticaram as causas de não funcionamento adequado de certos institutos e da justiça, com especial relevo para o Ministério Público.
O Atlas judiciário é a única via possível para que se alcance a especialização mediana, mas não a especialização necessária. Impõe-se a criação de procuradorias nacionais, regionais, como por exemplo em sede de administrativa e tributária e para investigação da criminalidade fiscal, etc.
Não se vê um esforço para criar áreas de investigação temática – ex: crimes fiscais e segurança social, corrupção, etc. Muitos processos significam desatenção e não investigação. A não contingentação é o melhor terreno para que a corrupção e o crime organizado se desenvolvam sem reacção penal. Não é uma reivindicação sindical…
A informatização está por fazer e o CSMP não se tem preocupado sequer com esse problema em relação a si.
O modelo de funcionários do Ministério Público à semelhança dos das secretarias judiciais está ultrapassado.
O funcionamento do CSMP é tudo menos recomendável : os vogais estão com sobrecarga de serviço, que os impede de trabalharem para o CSMP, não há boletim, não há informatização, não há afectação de meios, o orçamento da PGR não passa pelo CSMP – e de nada servia o contrário...-, não há modelos de gestão, salvo o da capitação.
Não se compreende é que se estabeleça uma lei de política criminal e se refira à partida, se bem interpretei o anteprojecto respectivo, que nada há a referir em sede de afectação de meios. Não há meios, não há um diagnóstico dos problemas, mas há uma lei.
Voltando ao início, repito, não se resume a política criminal e a reforma dos tribunais à tarefa de fazer a lei e afectar uns quantos edifícios, tal como não se combate o crime com a simples previsão de tipos legais de crime, como se isso bastasse para que o cidadão não violasse a lei.
Nunca houve a preocupação de criar estruturas que tivessem uma capacidade de intervenção autónoma na investigação, reproduzindo-se o modelo das secretarias judiciais.
O Ministério Público foi, assim, dotado de serviços administrativos que fazem a gestão dos inquéritos, numa lógica de continuidade com a experiência anterior, mas nunca foi dotado de meios materiais e humanos que permitissem uma investigação no terreno.
Mesmo ao nível da mera gestão dos processos, a formação que foi dada aos funcionários nunca equacionou as especificidades dos processos de inquérito.
Embora se tenha dado a esses funcionários a possibilidade legal de assumirem as funções de OPC no processo, a verdade é que nunca se lhes deu formação e um estatuto que permitisse a concretização dessas competências.
Nem os DIAPs com existência legal – e muitos só existem informalmente – nem o DCIAP foram dotados de meios que lhes permitissem ser uma estrutura efectiva de investigação criminal, assumindo-se apenas como estruturas de apoio à gestão burocrática dos processos.
Acresce que não incumbe ao Ministério Público nem aos tribunais em geral a gestão administrativa dos serviços, mas apenas a gestão funcional dos mesmos. Trata-se de um modelo organizativo do sistema de justiça português que deixa na alçada da administração da justiça a implementação das infra-estruturas, relegando a acção dos magistrados para a mera gestão processual.
Creio não haver hoje nenhum modelo de gestão de recursos humanos no âmbito da administração pública onde os critérios e as garantias administrativas ou os ensinamentos de boa gestão de quadros estejam mais arredados.
Face às novas exigências da criminalidade grave impõe-se um forte investimento na formação dos magistrados, bem planificada e direccionada.
Tudo isto permite perceber o que se pode esperar em termos de resposta a uma qualquer lei de política criminal ou reforma do judiciário.
A política criminal passa em primeiro lugar pela prevenção, pelo estabelecimento de boas práticas nos serviços públicos, que dificultem a corrupção. Depois, passa pela correcta previsão de tipos e sanções penais. Depois ainda, pela criação de estruturas que permitam defender o Estado de direito, estruturas essas que implicam uma correcta estruturação das polícias e do Ministério Público, enquanto titular da acção penal. Terminando depois na reinserção social de quem transgrediu.
Vistas as coisas assim, dir-se-á que muito fica por fazer. Em sede de prevenção, não se vê qualquer esforço de estabelecimento de boas práticas nos serviços públicos. A legislação processual penal fomenta o insucesso das investigações, como tem sucedido. As estruturas existentes são retrógradas, a coordenação não se faz como se devia fazer, os meios são escassos, tudo redundando numa justiça que persegue o delinquente pobre para deixar na impunidade o delinquente rico e poderoso, criando verdadeiros símbolos de sucesso, com aura divina, capazes de aguardar a perseguição penal em praias de Copacabana…

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Fundo de Garantia de Alimentos: pagamento reportado à data de formulação do pedido de intervenção do Fundo

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Processo: 208/06.5TBOHP

Nº Convencional:JTRC

Relator:TÁVORA VÍTOR

Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES/FUNDO DE GARANTIA

Data do Acordão:25-11-2008

Legislação Nacional:
ARTIGO 4.º DO DEC.LEI N.º 164/99, DE 13 DE MAIO; ARTIGO 2006.º DO CÓDIGO CIVIL LEI N.º 75/98 DE 19 DE NOVEMBRO; ARTIGOS ARTIGOS 2º, 63º Nº 3 E 69º Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO DA RP


Sumário:
1) A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a inten­ção programática fixada nos artigos 2º, 63º nº 3 e 69º nº 2 da Lei Fundamental quanto à efectiva protecção de crianças em situação de carência.
2) Em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência por parte de um menor, o Estado tem o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos.
3) A criação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores insere-se no escopo de concretização na prática do imperativo constitucional nesta matéria.
4) A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desen­cadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a col­matar as necessidades do menor.
5) O facto de o artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribu­nal, suporta perfeitamente que na respectiva interpre­tação nos orientemos pelo disposto no "lugar para­lelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil, no sentido de que os alimentos são devidos desde a pro­po­situra da acção ou estando já fixados pelo Tribunal, desde que o devedor se constituiu em mora.
6) Nesta conformidade o pagamento das prestações ali­mentares por parte do Fundo de Garantia muito embora só se inicie com a notificação da decisão do Tribunal, reporta-se ao momento em que foi formulado o pedido visando conseguir aquele Apoio.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Faca Borboleta/Arma Branca/Acórdão da Relação do Porto, de 03-12-2008

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo: 0845701
Nº Convencional: JTRP00041917
Relator: JORGE JACOB
Nº do Documento: RP200812030845701
Data do Acordão: 03-12-2008



Sumário:

Não é arma proibida uma «faca de borboleta» com lâmina de 9 cm.


Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto
4ª secção (2ª secção criminal)
Proc. nº 5701/08-4

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo abreviado n º ../07.1PAVLG, do .º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, foi submetido a julgamento B………., acusado pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86º, nº 1, al. d), por referência ao art. 2º, nº 1, al. aq), ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Efectuado o julgamento, veio o arguido a ser absolvido com fundamento no facto de não estarem preenchidos os elementos do tipo legal de crime por a lâmina do objecto que tinha em seu poder ter apenas 9 cm, inferior, portanto, aos 10 cm que, segundo a sentença, determinam a qualificação como arma branca no âmbito da norma considerada.
Inconformado, recorre o Ministério Público, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. A faca “borboleta” é punida pelas suas especiais características e pela insídia que estas revelam, independentemente da dimensão da respectiva superfície cortante ou perfurante.
2. O legislador quis punir como crime a detenção de facas borboleta como a que está em causa nos autos, com uma lâmina de 9 cm, pelo carácter de instrumento que encerra em si uma perigosidade intrínseca.
3. Da matéria dada como provada resultam preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de detenção de arma proibida nos moldes imputados ao arguido na acusação de fls. 14 a 16.
4. A Mmª Juíza a quo ao absolver o arguido violou o disposto nos arts. 2º, nº 1, alíneas l) e aq) e 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23.02.
Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida e a condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida.

O arguido respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância pronunciando-se pela procedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir consiste em saber se intercorre uma relação de subsidiariedade ou dependência entre as normas previstas nas alíneas l) e aq) do nº 1 do art. 2º da Lei nº 5/2006, em termos tais que a expressão «arma branca» utilizada na segunda das referidas alíneas deva ser interpretada por recurso à definição constante da primeira ou se, pelo contrário, a definição legal de «faca de borboleta» é autónoma, prescindindo da noção de «arma branca» prevista no mesmo diploma.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1) – No dia 12 de Fevereiro de 2007, pelas 00 horas e 30 minutos, o arguido B………. encontrava-se na Rua ………. .
2) – O arguido detinha consigo, no interior do bolso das calças, uma faca, tipo ‘borboleta’, com uma lâmina de 9 cm de comprimento.
3) – Tal faca foi apreendida ao arguido por agentes da Polícia de Segurança Pública que, ao lhe passarem revista por ocasião da sua detenção motivada por outros factos, lha encontraram.
4) – O arguido ao deter e possuir a referida faca fê-lo o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que lhe não era permitido possuir e detê-la.
5) – O arguido é solteiro e não tem filhos.
6) – Encontra-se desempregado desde há cerca de 3 meses, não auferindo quaisquer rendimentos.
7) – Vive com os pais, que o sustentam.
8) – Tem como habilitações literárias o 5º ano.
9) – Dos autos não consta que o arguido tenha antecedentes criminais.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados sob 1) a 4), assentou nas declarações do arguido que confirmou que nas circunstâncias de tempo e lugar aí descritas trazia consigo a faca aí descrita.
No que tange às características da faca constantes em 2), atentou-se no exame de fls. 12.
No que respeita às condições sócio-económicas do arguido, atentou o Tribunal nas suas declarações.

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A questão a decidir tem subjacente a análise conjugada das disposições legais vertidas no art. 2º, nº 2, als. l) e aq), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprovou o regime jurídico das armas e suas munições.
Nos autos confrontam-se duas interpretações, uma perfilhada pelo tribunal a quo, que entendeu que o diploma ora em apreço contém uma exigência legal no sentido de a ilicitude das chamadas armas brancas depender sempre da verificação dos requisitos vertidos na al. l) do nº 2 do art. 2º, só depois se partindo para a sua caracterização física ou funcional; e uma outra, sustentada pelo recorrente, segundo a qual a ilicitude da faca de “borboleta” resulta das suas especiais características e da insídia que estas revelam, sendo a sua detenção punível independentemente da verificação dos requisitos previstos na citada al. l), nomeadamente, no que concerne ao comprimento da lâmina.
Vejamos então:
Segundo o disposto no citado art.º 2, n.º 1, alínea l), “«Arma branca» é todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 cm ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões”.
Por seu turno, a al. aq) define como “«Faca de borboleta» a arma branca composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido longitudinalmente em duas partes também articuladas entre si, de tal forma que a abertura da lâmina pode ser obtida instantaneamente por um movimento rápido de uma só mão;”.
A interpretação perfilhada pelo tribunal a quo partiu do princípio de que entre as referidas alíneas intercede uma relação de dependência ou de subsidiariedade, em termos tais que a concretização do que seja a «faca de borboleta» legalmente prevista careça da verificação do requisito “…lâmina… de comprimento igual ou superior a 10 cm…”.
Aparentemente não era esse o intuito inicial do legislador, compreendendo-se as dúvidas suscitadas pelo diploma em análise, não tanto por força do argumento histórico-actualista, mas sobretudo por decorrência da ratio legis, orientada no sentido da proibição das armas dotadas de maior perigosidade e cuja utilização surge normalmente associada a uma utilização criminosa. Aliás, esse propósito foi claramente assumido na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 28/X, que deu origem à actual lei das armas e suas munições. Aí se refere a dado passo:
“Definem-se como armas e outros acessórios da classe A, um elenco de armas, acessórios e munições cuja proibição se mostra generalizada nos países do espaço europeu, aí se integrando ainda armas cuja detenção, face à sua proliferação no tecido social e à frequência da sua utilização ilícita e criminosa, deve ser desmotivada.
Assim, proíbem-se as armas brancas com lâmina cuja actuação depende de mecanismos, as armas de alarme que permitem uma eficaz e rápida transformação em armas de fogo e as armas modificadas ou transformadas.
(…).
Não vemos, no entanto, como partir do princípio de que a técnica legislativa adoptada no que concerne às definições legais (art. 2º da Lei nº 5/2006) não tomou em consideração todas as implicações decorrentes dos normativos adoptados.
Na verdade, o legislador definiu o que são «armas brancas» na al. l) do nº 2, assim como definiu, por exemplo, na al. o) o que são «armas de fogo» ou na al. n) o que são «armas eléctricas». Depois, usou essas mesmas definições para identificar armas do mesmo tipo mas com denominação própria. Assim, cremos não ser de pôr em dúvida que ao reportar-se, na al. ah), ao «bastão eléctrico» como a arma eléctrica com a forma de um bastão, o legislador teve presente que na al. n) havia definido «arma eléctrica» como sendo todo o sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga eléctrica momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana. Do mesmo modo, ao definir, na al. ax), o «revólver» como sendo a arma de fogo curta, equipada com tambor contendo várias câmaras, teve presente que na al. p) havia definido como «arma de fogo curta» a arma de fogo cujo cano não exceda 30 cm ou cujo comprimento total não exceda 60 cm. E assim sendo, por maioria de razão, ao definir na al. aq) a «faca de borboleta» como sendo a arma branca composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido longitudinalmente em duas partes também articuladas entre si, de tal forma que a abertura da lâmina pode ser obtida instantaneamente por um movimento rápido de uma só mão, não pode ter omitido que na al. l) havia definido como «arma branca» todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante ou perfurante de comprimento igual ou superior a 10 cm ou com parte corto-contundente, bem como destinado a lançar lâminas, flechas ou virotões, independentemente das suas dimensões.
Como é sabido, na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, devendo a interpretação ter em conta a unidade do sistema jurídico (Código Civil, art. 9º, nºs 1 e 3). Ora, são precisamente os argumentos da unidade do sistema jurídico e da adequada expressão legislativa, confirmados, aliás, pelo argumento decorrente da interpretação sistemática, que impõem a conclusão de que acima demos nota. O legislador não iria utilizar num mesmo diploma um conceito de arma branca distinto ou mais restritivo do que o que nesse mesmo diploma consagrou e definiu, pelo que só à revelia do texto legal se poderia admitir a interpretação postulada pelo recorrente.
Tanto basta para se concluir pela improcedência do recurso.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Sem tributação.

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Porto, 03/12/2008
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob
Artur Manuel da Silva Oliveira

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Confiança a pessoa ou a instituição com vista a futura adopção em revisão de medida aplicada/Acórdão da Relação de Lisboa( clique aqui)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 7053/2008-2
Relator: SOUSA PINTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06-11-2008
Votação: UNANIMIDADE

Sumário ( parcial):

III - As alterações legislativas introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 31/03 de 22 de Agosto à Lei 147/99 de 1 de Setembro, e que passaram a prever como medida de promoção e protecção de menores em situação de perigo a “confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção” (art.º 35.º, n.º al. g)), permitem que a mesma possa ser aplicada, cumpridas que sejam todas as exigências de salvaguarda do princípio do contraditório e dos interesses dos menores, por via de despacho de revisão de medida aplicada.
IV - Mas, se é certo que a lei admite essa possibilidade, não é menos verdade que não a impõe em exclusividade, podendo existir razões que desaconselhem essa opção e levem o juiz a enveredar pelo prosseguimento do processo para a fase de debate judicial.
(S.P.)

TEXTO PARCIAL:

"...b) Da admissibilidade da aplicação da medida prevista na alínea g) do art.º 35.º da LPCJP em sede de despacho de revisão de outra medida de promoção e protecção

Atento o que se deixou exposto na questão anterior há que concluir que a apreciação desta se mostra algo prejudicada, pois que não é pelo facto da Senhora Juíza ter indeferido, no caso em apreço, a aplicação aos menores da medida promovida pelo Ministério Público em sede de despacho de revisão de medida, que tal signifique ser inadmissível a aplicação da medida de confiança de menor a instituição com vista a futura adopção por via de despacho de revisão.

Na realidade, a Senhora Juíza quando levanta algumas dúvidas sobre a possibilidade de aplicação da medida por via de despacho de revisão de medida aplicada, fá-lo no contexto preciso do processo que está a apreciar, tendo designadamente presente o facto da medida anteriormente aplicada se revelar caducada e de haver ainda várias diligências a executar, tendentes a alicerçar, ou não, a sua convicção de que a medida proposta pelo Ministério Público é a que melhor serve os interesses dos menores.

Entendemos que as alterações legislativas introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 31/03 de 22 de Agosto à Lei 147/99 de 1 de Setembro, e que passaram a prever como medida de promoção e protecção de menores em situação de perigo a “confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção” (art.º 35.º, n.º al. g)), permitem que a mesma possa ser aplicada, cumpridas que sejam todas as exigências de salvaguarda do princípio do contraditório e dos interesses dos menores, por via de despacho de revisão de medida aplicada.

Diga-se aliás que o acórdão da Relação de Coimbra que é mencionado nas doutas alegações do recorrente (Ac. de 08/03/2006, proferido no processo n.º 4213/05, in www.dgsi.pt), foi relatado pelo relator deste presente recurso, pelo que não se tendo mudado de posição se reafirma a possibilidade da aplicação de tal medida (a prevista na al. g) do n.º 1, do art.º 35.º da LPCJP) em fase de revisão de uma outra anteriormente aplicada, desde que cumpridas as aludidas exigências do contraditório e de defesa dos interesses dos menores.

Mas, se é certo que a lei admite essa possibilidade, não é menos verdade que não a impõe em exclusividade.

Na realidade, poderá o juiz entender, como aqui se verificou, existirem razões que desaconselhem essa opção e enveredar pelo prosseguimento do processo para a fase de debate judicial.

Aquela possibilidade não afasta esta outra.

Consideramos assim que também esta questão terá de improceder.

IV – DECISÃO

Face a todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e em manter a decisão recorrida.


Sem custas.

Lisboa, 6/11/08

(José Maria Sousa Pinto)

(Jorge Vilaça Nunes)

(João Vaz Gomes)"

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pessoas Colectivas/Culpa

Acórdão da Relação de Guimarães, de 27-10-2008
Processo: 1339/08-1
Relator: FERNANDO MONTERROSO

Sumário:

I – Dispõe o art. 3 do Dec.-Lei 28/84 de 20-1 que:
1 - “As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.
2 – A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito”.

II – Trata-se de um afloramento do princípio válido mesmo no direito penal secundário, de que não existe responsabilidade penal sem culpa.

III – Conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, em “Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das Penas em Direito Penal Económico” in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora, 1998, vol. I, pag.381: é de rejeitar a ideia de que “no direito penal económico a condenação deve ter lugar, sempre ou as mais das vezes, independentemente de culpa, ou em função de uma simples censura objectiva do facto, ao estilo da doutrina dos jus deserts”, valendo isto também para as pessoas colectivas pois, “através dum pensamento analógico pode e deve considerar-se as pessoas colectivas (no direito penal económico e diferentemente no que deve suceder no direito penal geral) como capazes de culpa”,

IV – Aliás, já há muito ensinava o Prof. Manuel de Andrade que “se a noção de culpa é inaplicável às pessoas colectivas, quando tomada ao pé da letra, como culpa dessas próprias pessoas, visto lhes faltar a personalidade real ou natural, já se concebe que possa falar-se de culpa de uma pessoa colectiva no sentido de culpa dos seus órgãos ou agentes” - citado no mesmo volume por Lopes Rocha, pág. 441.

V – Isto é, a pessoa colectiva, sob pena de o seu comportamento poder ser censurado, é obrigada, através dos seus órgãos ou representantes, a organizar as suas actividades económicas (e outras) de modo adequado a, segundo critérios de normalidade, prevenir violações das normas legais, mas não lhe é exigível que monte uma organização que impeça ou neutralize toda e qualquer possibilidade de os seus agentes ou funcionários, actuando ao arrepio de instruções expressas, violarem normas legais, nomeadamente do direito penal económico já que nesses casos, porque nenhuma culpa lhe pode ser assacada, a sua responsabilidade é excluída, sendo este alcance da citada norma do nº 2 do art. 3 do Dec.-Lei 28/84.

VI – Ora, os factos provados que não se mostram impugnados, demonstram que a arguida sociedade teve um comportamento cautelar adequado a, segundo critérios de normalidade, prevenir a ocorrência dos factos, pois para além de, genericamente, ter instruído os gerentes das suas unidades hoteleiras para terem o máximo rigor e exigência relativamente ao funcionamento do sector de cozinha, tendo estabelecido uma cadeia hierárquica que e implementou, sendo certo que se houve falhas no controle, elas talvez pudessem ser imputadas a um dos elos dessa cadeia por não se certificar que o responsável máximo da cozinha cumpria o determinado.

VII - Traduzindo-se a culpa, sempre, num juízo de censura concreto, por alguém ter tido determinado comportamento, quando podia e devia ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pág. 316), perante aquele conjunto de factos, que o tribunal considerou provados, não se vê que outras medidas concretas podiam razoavelmente ser exigidas à sociedade arguida que não contendessem com critérios de racionalidade de gestão económica) para evitar o resultado, pois que numa empresa, o normal é as pessoas cumprirem, devendo naturalmente, ser previstos mecanismo mínimos de controle que se mostravam implementados.

VIII - Tem, assim, sociedade arguida de ser absolvida, porque a sua condenação corresponderia à aceitação da responsabilidade criminal objectiva, quando é certo que, mesmo neste campo do direito penal, “a culpa constitui um dos fundamentos irrenunciáveis da aplicação de qualquer pena” – Figueiredo Dias, obra citada, pago 378.

domingo, 30 de novembro de 2008

Artigo 495º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal ( revisto )/Acórdão da Relação de Coimbra, de 05-11-2008

Artigo 495.º

Falta de cumprimento das condições de suspensão

1 — Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja
pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres,
regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam
ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses
deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do
disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e
nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.

2 — O tribunal decide por despacho, depois de recolhida
a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o
condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o
cumprimento das condições da suspensão.

Sobre este número 2, clique no título deste post.
Consulte também: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/84fb01e2283c45c180257508004e5108?OpenDocument

3 — A condenação pela prática de qualquer crime cometido
durante o período de suspensão é imediatamente
comunicada ao tribunal competente para a execução, sendo-
-lhe remetida cópia da decisão condenatória.
4 — Para os efeitos do disposto no n.º 1, a decisão que
decretar a imposição de deveres, regras de conduta ou
outras obrigações é comunicada às autoridades e serviços
aí referidos.

IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE LEGÍTIMA/Inconstitucionalidade

Processo: 0856074
Nº Convencional: JTRP000418893
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE LEGÍTIMA
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP200811240856074
Data do Acordão: 24-11-2008
Votação: UNANIMIDADE

Sumário: O artigo 1842º nº 1, c) do Código Civil é inconstitucional na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade.

Ameaça ou mera advertência?

Acórdão da Relação do Porto, de 19-11-2008
Processo: 0846214
Relatora: Airisa Caldinho

Sumário:
No crime de ameaça a inevitabilidade do mal ameaçado tem de aparecer como dependente da vontade do agente sendo esta que distingue a ameaça do simples aviso ou advertência.

Texto Parcial:

“...Sobre o enquadramento jurídico-penal dos factos em questão, vejamos o que foi produzido na sentença sob recurso:
- “…
Dispõe o nº 1, do artigo 153º, do Código Penal: “quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido (...)”.
O citado preceito pretende proteger o bem jurídico da liberdade de decisão e de acção, isto é, a paz jurídica individual.
A ameaça não lesando directamente a liberdade fá-lo indirectamente na medida em que perturba a tranquilidade de ânimo, provocando um estado de agitação e incerteza e tolhendo os movimentos daquele que não se crê seguro na vida ou nos bens.
O elemento objectivo do tipo consiste em ameaçar outra pessoa, ou seja, anunciar, por qualquer meio, a intenção de causar um mal futuro, dependente da vontade do autor, que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
Temos assim, desde logo, que um dos elementos essenciais da ameaça é o mal a produzir, que neste caso deve constituir crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
A inevitabilidade do mal ameaçado tem de aparecer como dependente da vontade do agente sendo esta que distingue a ameaça do simples aviso ou advertência.
Com efeito, se alguém anuncia a outrem perigos que não dependem do seu querer tal não passa de um aviso ou advertência, não sendo esta em si mesma susceptível de perturbar a liberdade de decisão e de acção com ela propondo-se, apenas, consciencializar a pessoa visada de eventuais consequências do seu estado, comportamentos ou atitudes que não dependem daquele que adverte.
Com efeito, o crime de ameaça, a par de exigir a cominação de um mal futuro, ainda que mais ou menos próximo, não se compadece, porém, com a subordinação da concretização do mal ameaçado a uma condição dependente da vontade do próprio ameaçado.
Ora, a expressão “não te metas com a minha família que eu parto-te o focinho e mato-te! Isto é um aviso, olha que eu mato-te”, configura um aviso à ofendida de uma consequência caso a mesma se meta com a família do arguido.
Assim, nos termos expostos tal expressão não configura um crime de ameaça mas um aviso com a subordinação do mal ameaçado na dependência do comportamento da ofendida.
Ora, para preenchimento do tipo objectivo de ilícito previsto no artigo 153º do Código Penal não basta o anúncio de um qualquer mal futuro para o integrar.
Com efeito, nem todos os factos socialmente danosos constituem crimes, mas tão só os que o legislador tipificou como tais, por considerá-los de tal modo graves para a vida social que justificam a sanção penal para quem os praticar.
Do mesmo modo nem todos os comportamentos lesivos dos bens que são objecto de tutela penal constituem um ilícito penal, mas só aqueles que ocorram nos termos da previsão legal.
O Direito Penal tendo por fim a protecção de bens jurídicos fundamentais rege-se por princípios entre os quais merece destaque o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade que significa que este só deve intervir quando for essencial e eficiente para protecção desses bens jurídicos, sendo, ainda, de notar que a vulgarização da intervenção penal para tutela de interesses que pese embora socialmente incorrectos não são essenciais para a vida em comunidade enfraquece a sua força preventiva de protecção de valores sociais absolutamente fundamentais.
Ora, não constituindo a expressão mais do que um aviso cuja concretização depende do comportamento da própria ofendida forçoso se torna concluir pelo não preenchimento do tipo legal do crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal.
Decorre do exposto que o arguido deve ser absolvido da prática do crime que lhe é imputado.”
Não sofre dúvida que o “conflito” aqui existente é o de saber até que ponto a frase dirigida pelo arguido C………. à assistente, no contexto em que foi proferida, constitui ameaça nos termos e para os efeitos do art. 153.º do CP.
Está provado que o arguido C………., no dia 22 de Maio de 2006, se dirigiu à assistente dizendo-lhe que não se metesse com a sua família que lhe partia o focinho e a matava, que era um aviso, que a matava.
Este comportamento teve lugar depois de uma discussão havida, no dia 19 de Maio de 2006, entre a assistente e a mulher do arguido e surgiu como atitude de desforço por parte deste devido a tal discussão; o próprio arguido diz à assistente que aquilo é um aviso.
É entendimento da doutrina e da jurisprudência que o conceito de ameaça se preenche com um mal futuro cuja ocorrência dependa ou apareça como dependente da vontade do agente aos olhos do homem comum, tendo em conta as características individuais do ameaçado.
A dependência da concretização do mal futuro da vontade do agente estabelece a diferença entre o aviso ou advertência e a ameaça.
No caso que nos ocupa, como refere a sentença recorrida, as expressões proferidas pelo arguido C………. configura um aviso à assistente de uma consequência, caso ela se meta com a família dele, não configurando um crime de ameaça, mas um aviso, com subordinação do mal ameaçado a um comportamento dela.
Na perspectiva do homem comum, do adulto normal, é assim que as expressões proferidas pelo arguido são entendidas, isto é, como não dependentes da vontade dele, mas de um comportamento da assistente, pelo que esta não pode ter como limitada a sua liberdade pessoal.
Neste sentido, veja-se a anotação ao art. 153.º em “Comentário Conimbricense do Código Penal”, da Coimbra Editora, 1999, pág.s 340 e ss, que se seguiu de perto, bem como o ac. da Relação do Porto de 19.06.2002 , proc. n.º 0110909 (www.dgsi.pt).
Quanto ao pedido cível, tendo como causa de pedir o ilícito criminal, a absolvição do arguido deste impõe a absolvição também daquele.
Nesta conformidade, acolhendo a posição defendida na sentença sob recurso com os demais argumentos que se subscrevem, entende-se que o recurso não merece provimento.
III. Pelo exposto:
1.º Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
2.º Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
Elaborado e revisto pela primeira signatária.

Porto, 19 de Novembro de 2008
Airisa Maurício Antunes Caldinho
António Luís T. Cravo Roxo”

Prisão Subsidiária/ Impossibilidade de cumprimento na habitação

Acórdão da Relação do Porto, de 26-11-2008
Processo: 0843400
N.º do Documento: RP200811260843400

Sumário:
É ilegal a decisão que determina o cumprimento da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação.

Justo Impedimento

Acórdão do S.T.J., de 27-11-2008
N.º de documento: SJ200811270023722
Processo: 08B2372O

Sumário:

O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do art. 145º do Cód. Proc. Civil.

Denúncia criminal/Honra

Acórdão do S.T.J., de 18-11-2008
N.º de documento: SJ20081118032272
Relator: João Bernardo

Sumário:

1. A linha demarcadora entre a licitude e a ilicitude duma ofensa à honra não pode passar abaixo do mínimo de dignidade do ser humano enquanto tal.

2. Acima de tal ponto, essa linha passa a ser indeterminada, havendo que atender a múltiplos factores, mormente ao conflito com outros direitos de consagração legal ao mesmo nível hierárquico.

3 . No caso de denúncias criminais, ou, em geral, de comunicações ao Ministério Público para efeitos de integração em processo penal, há que distinguir entre narração dos factos imputados ao denunciado e juízos de valor.

4 . Relativamente àquela, por regra - cujas excepções podem, no entanto, no limite, integrar até um crime de denúncia caluniosa - há que fazer prevalecer o direito de denúncia sobre o contraposto direito à honra do denunciado.

5. Relativamente aos juízos de valor, as ofensas à honra relevam contra quem as produziu, sem qualquer escudo que proteja o seu autor.

6 . O epíteto de “nazi”, a não ser em casos de discussão de ideias políticas ou semelhantes, eivada dum tolerável exagero próprio das circunstâncias, é ilicitamente ofensivo da honra.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Alteração ao Cód. Proc. Civil( clique para consultar o diploma )

Decreto-Lei n.º 226/2008, D.R. n.º 226, Série I de 2008-11-20
Ministério da Justiça
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 18/2008, de 21 de Abril, altera, no que respeita à acção executiva, o Código de Processo Civil, os Estatutos da Câmara dos Solicitadores e da Ordem dos Advogados e o registo informático das execuções

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Autorização Judicial Prévia: sistema de posicionamento global ( GPS )

Acórdão da Relação de Évora, de 07-10-2008
Processo: 2005/08-1
Relator: MARTINHO CARDOSO


Sumário:
Não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito (e pelo tempo tido por necessário pelo órgão de polícia criminal encarregue do mesmo).



Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
...
#
No tocante à 2.ª das questões postas, a de se também deve ser autorizada a colocação de localizadores, nomeadamente com sistema GPS, nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a controlar os seus movimentos, pelo prazo de 60 dias:
O senhor Juiz "a quo" indeferiu esta pretensão por ter entendido não se vislumbrar qualquer base legal que legitime a vigilância por recurso a instrumentos de localização GPS - tão pouco vindo indicada -
O M.º P.º rebateu, afirmando que existem normas legais a prever essa utilização, que as indicou, e que são os art.º 187.º, n.º 1 al.ª b), 189.º, n.º 2 e 252.º-A, aplicáveis por analogia com a localização celular dos telemóveis, permitida pelo art.º 4.º, todos do Código de Processo Penal (diploma ao qual pertencerão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem).
Vejamos o que dizem estas disposições legais, realçando a negrito as passagens que mais directamente interessam ao assunto:
Artigo 187.º
Admissibilidade
1 — A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
(…)
Artigo 189.º
Extensão
2 — A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.
Artigo 252.º-A
Localização celular
1 — As autoridades judiciárias e as autoridades de polícia criminal podem obter dados sobre a localização celular quando eles forem necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave.
2 — Se os dados sobre a localização celular previstos no número anterior se referirem a um processo em curso, a sua obtenção deve ser comunicada ao juiz no prazo máximo de quarenta e oito horas.
3 — Se os dados sobre a localização celular previstos no n.º 1 não se referirem a nenhum processo em curso, a comunicação deve ser dirigida ao juiz da sede da entidade competente para a investigação criminal.
4 — É nula a obtenção de dados sobre a localização celular com violação do disposto nos números anteriores.
Artigo 4.º
Integração de lacunas
Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que localização por GPS não tem coisa alguma a ver com localização celular.
A localização celular funciona quando num telemóvel é activado o IMEI, ou seja, quando é feita ou recebida uma chamada ou uma mensagem; só indica a “antena” que está a transmitir para o IMEI alvo, ou seja, se é S. ou T. e não o local exacto onde está o telemóvel alvo.
A localização por GPS é activada por um aparelho sintonizado com pelo menos dois satélites, dos quais recebe a informação das coordenadas da longitude e da latitude a que o aparelho se encontra, fornecendo-lhe assim a localização do sítio exacto por reporte ao mapa das estradas dessa região, informação que é transmitida e reproduzida num receptor na posse, neste caso, da autoridade policial.
Ora o legislador, que bem recentemente, em Agosto de 2007, através da Lei n.º 48/2007, de 29-8, se preocupou a aperfeiçoar a individualização e o acautelamento do uso de diversos mecanismos electrónicos tais como o telefone e o telemóvel (art.º 187.º), o correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como os sofisticados e ainda raros aparelhos de escuta à distância de conversas a ocorrerem entre pessoas presentes num local (art.º 189.º), a localização celular e os registos da realização de conversas ou comunicações (art.º 190.º) – não podia desconhecer a existência de localizadores GPS e as virtudes da sua utilização na investigação criminal. Não obstante, nada regulamentou sobre a sua utilização, nem os proibiu.
Assim, aplica-se o art.º 125.º:«São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei».
Sendo que a utilização de localizadores GPS não consubstancia qualquer dos métodos proibidos de prova a que se refere o art.º 126.º.
Certo que no n.º 3 deste último preceito legal se estabelece que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada. Mas o ter a autoridade policial no decurso de um inquérito criminal acesso à informação de onde está a cada momento um determinado veículo automóvel, não pode ser visto como uma intromissão na vida privada de quem vai nesse veículo, pois que o GPS é um aparelho surdo e cego no sentido de que não escuta as conversas dos ocupantes do carro, nem identifica quem lá vai e o que estão a fazer, apenas informa aonde está o veículo, circunstância que é visível a olho nu para quem olhe para o carro e lhe vê a matrícula. Daí que expressões ou divulgações como: «estava lá o carro de Fulano», «vi passar o carro de Sicrano» ou «o carro de Beltrano fica todas as noites estacionado à porta da Maria», não constituam qualquer comportamento tipificado como crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192.º do Código Penal.
Situação bem diferente seria – como está bom de ver – a de utilizar localizadores GPS em pessoas individuais ou grupos de pessoas individuais. Mas não é esse, de forma alguma, o caso dos autos.
De resto, se bem atentarmos, não é por acaso que por exemplo na investigação de crimes ocorridos em alto mar como o de tráfico de estupefacientes, as autoridades, sem necessidade de autorização judicial prévia, leiam e juntem ao processo como prova o mapa do itinerário da embarcação marcado no GPS da mesma.
De resto, digamos que a localização por GPS é o «irmão gémeo electrónico» do clássico seguimento do alvo por pessoas a bordo de um carro. E que tem vantagens e desvantagens em relação a este seguimento personalizado. A principal vantagem será o permanente acesso à localização em que se encontra o carro-alvo. A desvantagem mais evidente será a de que, apesar de em qualquer momento se saber aonde está o carro, se desconhecer por completo o que é que o seu ocupante ou os seus ocupantes estão a fazer de concreto. Nesse aspecto, o seguimento clássico, por permitir, além do mais, escrutinar quem vai no carro e o que fazem os ocupantes pelo menos quando o carro pára, para onde vão quando saem dele e com quem falam, é um método muito mais intrusivo e abrangente do que o mero conhecimento da localização do carro, pelo que o GPS servirá sobretudo como meio coadjuvante do seguimento clássico – o qual, aliás, também pode ocorrer 24 sobre 24 horas. E não é por isso que as autoridades policiais precisam de obter uma autorização judicial prévia para fazerem o seguimento de uma pessoa que vai num veículo automóvel.
Daí e em resumo que entendamos que não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito.
III
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, se decide revogar o despacho recorrido e autorizar:
A)...; e
B) A colocação de localizadores GPS nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a controlar os seus movimentos e pelo tempo tido por necessário pelo orgão de polícia criminal encarregue do inquérito.
#

Évora, 7-10-2 008
Martinho Cardoso
António Latas
(elaborado e revisto pelo relator)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

DECLARAÇÕES ESCUTADAS POR MEIO DE “ALTA-VOZ” /Prova Proibida

DECLARAÇÕES ESCUTADAS POR MEIO DE “ALTA-VOZ” /Prova Proibida
Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-10-2008
Processo: 103/06.8GAAGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. VASQUES OSÓRIO


Sumário:

I. - O acesso a uma conversação telefónica através do sistema técnico de audição designado por “alta voz” integra o conceito jurídico-penal de intromissão (objectiva) no conteúdo de telecomunicações (cf. Ac. do STJ de 07/02/2001, processo nº 2555/00, 3ª secção, acessível na jurisprudência do STJ, do site da Procuradoria Distrital de Lisboa).

II. - O depoimento prestado por uma testemunha, sobre factos jurídico-penalmente relevantes e obtidos através da função de “alta voz”, quando efectuado sem o conhecimento e o consentimento do emissor de voz, constitui-se como uma intromissão em telecomunicações e deve ser taxado como prova nula.


Texto ( parcial ):

Da prova proibida (conclusão 12)
7. Pretende o recorrente que é prova nula, nos termos dos arts. 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa e 125º e 126º, nº 3, do C. Processo Penal, o depoimento da testemunha …. Para tanto alega que a testemunha tomou conhecimento da ameaça imputada e praticada através de chamada telefónica, através da activação pela assistente do sistema de alta voz do seu telemóvel, activação que não foi consentida pelo recorrente, o que tipifica o crime previsto no art. 194º, nº 2, do C. Penal.Vejamos se assim é.

7.1. Competindo ao Estado assegurar o interesse constitucional da realização da Justiça, nele se incluindo, como é óbvio, a punição dos autores de crimes, a busca da verdade na realização desta tarefa não pode ser obtida a qualquer preço, havendo que ponderar sempre os direitos fundamentais e a medida da sua afectação.A este propósito, doutrinam os Profs. Jorge Miranda e Rui Medeiros, «A eficácia da Justiça é também um valor que deve ser perseguido, mas, porque numa sociedade livre os fins nunca justificam os meios, só é aceitável quando alcançada lealmente, pelo engenho e arte, nunca pela força bruta, pelo artifício ou pela mentira, que degradam quem os sofre, mas não menos quem os usa.» (ob. cit. 361).

Por isso a lei estabelece proibições de prova que constituem limites à descoberta da verdade isto é, são obstáculos ao apuramento dos factos que constituem o objecto do processo (cfr. Prof. Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 83).«A coberto dos métodos proibidos de prova proscreve a lei processual os atentados mais drásticos à dignidade humana, mais capazes de comprometer a identidade e a representação do processo penal como processo de um Estado de Direito e, por vias disso, abalar os fundamentos daquela Rechtskultur sobre que assenta a moderna consciência democrática.» (Prof. Costa Andrade, ob. cit. 209).

O art. 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa dispõe que são nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.Trata-se de uma interdição relativa, devendo considerar-se abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial, quando desnecessária ou desproporcionada, e ainda quando destruidora dos próprios direitos (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. 524). Ao nível da lei ordinária, estabelece por sua vez, o art. 126º, nº 3, do C. Processo Penal que ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Dispõe o art. 34º, nº 1, da Lei Fundamental, que o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis, proibindo o seu nº 4, a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. Naturalmente que a referência constitucional à ingerência das autoridades públicas não significa que seja legítima tal ingerência a entidades provadas (cfr. Armando Veiga e Benjamim Rodrigues, Escutas Telefónicas, 1ª Ed., 57).

Os arts. 187º a 190º do C. Processo Penal dão corpo à excepção indicada na parte final deste último preceito constitucional, regulando as escutas telefónicas nos seguintes aspectos: estabelecimento de um regime de autorização e controle por um juiz (arts. 187º, nº 1 e 188º, nº 4, do C. Processo Penal); reserva das escutas para a investigação de certos tipos de ilícito, quer em função da sua gravidade, quer em função das suas características que tornam as escutas meio de recolha de prova particularmente adequado à sua investigação (art. 187º, nº 1, do C. Processo Penal); limitação do universo de pessoas sujeitos às escutas (art. 187º, nº 4, do C. Processo Penal); e exigência da indispensabilidade da diligência para a descoberta da verdade ou para a obtenção da prova (art. 187º, nº 1, do C. Processo Penal).

Desta forma, acautelou e atenuou o legislador a danosidade social que as escutas acarretam, na medida em que, quando não consentidas, constituem sempre lesão irreparável do direito à palavra falada (cfr. Prof. Costa Andrade, ob. cit. 284).

7.2. Incluído no Capítulo VII – Dos crimes contra a reserva da vida privada, do Título I, do Livro II, do C. Penal, o crime de Violação de correspondência ou de telecomunicações, previsto no art. 194º do código citado, tem, numa primeira linha, como bem jurídico tutelado a privacidade. Mas, como adverte o Prof. Costa Andrade, não se trata da privacidade em sentido material mas da privacidade em sentido formal, pois é indiferente o conteúdo das missivas ou telecomunicações, não exigindo o preenchimento do tipo que versem coisas privadas ou brigue com segredos. Numa segunda linha e, portanto, reflexamente, a incriminação tutela ainda um bem supra-individual, a confiança da sociedade na integridade dos serviços postais e das telecomunicações (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 754).

Releva apenas para a concreta questão a decidir a violação de telecomunicações e, por isso, a conduta típica prevista no nº 2, do art. 194º, do C. Penal.

São elementos constitutivos desta modalidade de cometimento do crime:- [elemento objectivo] que o agente, sem consentimento, se intrometa no conteúdo de telecomunicações ou dele tome conhecimento; - [elemento subjectivo] o dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º, do C. Penal.

Não é isenta de dificuldades a determinação do titular do bem jurídico, sendo que esta qualidade releva para efeitos de legitimidade para consentir que um terceiro possa tomar conhecimento.

A este respeito diz-nos o Prof. Costa Andrade (Comentário, 756) que, no que às comunicações telefónicas concerne, pressupondo estas a intervenção simultânea de, pelo menos, duas pessoas, deve entender-se que todos os interlocutores são, a igual título, portadores do bem jurídico, o que determina que não assiste «a qualquer deles a legitimidade para, só por si, e sem a concordância do outro, consentir que um terceiro tenha acesso, escute, registe ou grave a comunicação.».

Mas não deixa este Mestre de notar que a solução proposta não é unânime, quer na doutrina, quer na jurisprudência, esclarecendo ser maioritária na Alemanha a tese de que o acordo de um dos interlocutores bastará para legitimar a intromissão de terceiros (Comentário, 764).

Fixando agora a conduta típica em análise, cabe dizer que só é típica a conduta que envolva o recurso a meios técnicos de captação, audição e registo.

Assim, não será típica a conduta de quem, escondido, houve uma conversação telefónica, mas já será típica a conduta de quem, com um segundo auscultador, ouve uma conversação telefónica, se tal é desconhecido pelo ofendido (cfr. Prof. Costa Andrade, Comentário, 763).

7.3. Diz o recorrente que a testemunha tomou conhecimento da ameaça que lhe é imputada, praticada através de conversação telefónica havida entre si e a assistente, por ter esta activado o sistema de alta voz do seu telemóvel, activação que não foi consentida pelo recorrente.

Ouvido o depoimento da testemunha … produzido em audiência – cassete 3, lado B – dele resulta ter a testemunha afirmado que ouviu as palavras dirigidas pelo recorrente à assistente porque esta, depois de repetidas chamadas feitas pelo recorrente que não atendeu, decidiu atender uma, e activou então a função de alta voz [viva voz, referiu inicialmente a testemunha] do aparelho, para que todos pudessem ouvir.

Afirmou também a testemunha que o recorrente, vendo rejeitadas as chamadas feitas para o telemóvel da assistente, ligava então para o próprio telemóvel da testemunha, pois sabia que a assistente estava consigo, mas também não atendia as chamadas, a pedido desta.

Posto isto.Na conversação telefónica de que cuidamos, eram simultaneamente emissores e receptores, a assistente e o recorrente.

E apenas estes o eram, na medida em que cada um detinha o meio apto a manter a conversação isto é, os respectivos telemóveis, em ligação.

A testemunha … não praticou qualquer acto de intromissão naquela conversão, utilizando ela mesma um qualquer meio técnico.

Pelo contrário, de forma absolutamente passiva, limitou-se a ouvir o que recorrente e assistente diziam.

E foi precisamente o teor desta conversa o que, através do seu depoimento e na qualidade de testemunha, declarou em audiência.

A testemunha, enquanto terceiro, não se intrometeu na conversação, antes foi intrometida pela própria assistente que era um das interlocutoras e também uma das titulares do bem jurídico tutelado pelo art. 194º, do C. Penal.

Por isso se entende não estarem verificados em relação à testemunha, os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de violação de correspondência ou de telecomunicações.

De facto, foi a assistente quem, sem o consentimento do recorrente – este o afirma, e é normal que assim tenha sido, atento até o depoimento da testemunha – manteve a conversação com o sistema de alta voz do aparelho que utilizava accionado, proporcionado a sua audição por terceiros.

A função alta voz, que hoje vulgar até nos telemóveis menos sofisticados, é um meio técnico de audição. Por esta razão, o acesso a uma conversação telefónica através dela, integra o conceito jurídico-penal de intromissão (objectiva) no conteúdo de telecomunicações (cfr. Ac. do STJ de 07/02/2001, processo nº 2555/00, 3ª secção, acessível na jurisprudência do STJ, do site da Procuradoria Distrital de Lisboa).

A lei pressupõe que o emprego destes meios técnicos parta de um terceiro que os usa para obter uma informação que, de outro modo, não obteria.

Nos autos, se ingerência existiu, ela não foi de um terceiro – da testemunha – mas do próprio, ainda que não único, titular do bem ou seja, da assistente.

A actuação da assistente, tendo em consideração as palavras que lhe foram dirigidas pelo recorrente – dando corpo a ameaças – e as repetidas tentativas de estabelecer com ela contactos telefónicos no contexto de um desentendimento grave entre o casal, sempre estaria a coberto da causa de justificação da legítima defesa ou mesmo, do direito de necessidade (cfr. Prof. Costa Andrade, Comentário, 767 e 841).

Justificada a esta luz, a conduta da assistente, não se vê que a testemunha possa ter preenchido o tipo do nº 3, do art. 194º, do C. Penal, ao produzir em audiência o depoimento que produziu.

Por outro lado, a conversação ouvida pela testemunha não respeita à vida íntima do recorrente não se colocando por isso, e agora numa outra perspectiva, a devassa da sua vida privada (art. 192º, do C. Penal).

Apesar da conduta da testemunha não se revelar ilícita, certo é que as proibições de prova não têm, necessariamente, que ter tal natureza.

Por outro lado, não é o depoimento da testemunha, em si mesmo, que se mostra afectado, mas antes a razão do conhecimento dos factos que são o seu objecto.

Dito de outra forma: a testemunha teve conhecimento dos factos que relatou em audiência porque, passivamente, os ouviu, mas tal audição apenas foi possível porque uma outra pessoa – a assistente – com o propósito de o permitir, activou, sem o consentimento do recorrente, um meio técnico de audição – alta voz do telemóvel usado na comunicação – que constitui uma intromissão em telecomunicações.


Assim, atento o disposto nos arts. 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa e o art. 126º, nº 3, do C. Processo Penal, o depoimento prestado pela referida testemunha é prova nula.Tendo o depoimento que constituiu prova nula, contribuído para a formação da convicção do tribunal recorrido, relativamente ao crime de ameaça pelo qual foi o recorrente condenado – na fundamentação de facto da sentença, este depoimento é qualificado de muito importante – a procedência de tal nulidade determina a invalidade dos actos subsequentes (art. 122º, nº 1, do C. Processo Penal).

Desta forma, sendo inválida a sentença recorrida, deve o tribunal produzir nova sentença, agora sem considerar a prova considerada nula por proibida.

A procedência da nulidade da prova proibida prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões do recurso, e que atrás se deixaram enunciadas.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar procedente a invocada nulidade da prova relativamente ao depoimento da testemunha K… e, em consequência, declaram a invalidade da sentença recorrida, e determinam a sua repetição, agora sem que seja atendida e ponderada a prova proibida.