quinta-feira, 28 de julho de 2011

CITIUS: notificação à parte, na pessoa do mandatário, realizada por transmissão electrónica de dados

Acórdão da Relação de Lisboa, de 22-06-2011


Processo: 79-B/1994.L1-4

Relator:
RAMALHO PINTO



Sumário:
I- A notificação à parte, na pessoa do seu mandatário, quando realizada por transmissão electrónica de dados, beneficia da mesma dilação prevista, no artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil, para a notificação postal, presumindo-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
II- Trata-se uma presunção que apenas pelo notificado pode ser ilidida, provando ele que não foi efectuada a notificação ou que ocorreu em data posterior à presumida, para tanto não servindo o critério da leitura efectiva, por tal desiderato se não encontrar elencado no texto legal.
(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:



Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


A, por apenso aos autos de acção de processo comum nº 79/1994, que correram termos no Tribunal do Trabalho ..., veio instaurar contra Companhia de Seguros B, SA, a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum, com incidente prévio de liquidação da obrigação, pedindo que a Requerida / Executada seja condenada no pagamento ao Exequente da quantia global de € 45.280,00 a título de liquidação da dita obrigação imposta pela referida decisão, transitada em julgado, acrescida de juros de mora legais a contar desde a data da citação até integral pagamento, contados à taxa legal.
A Executada deduziu oportuna oposição.
A fls. 102 e ss, foi interposto, pelo Exequente, recurso de agravo de dois despachos da Srª Juíza – sendo um deles o de 29/04/2010 (fls. 96-97), que não admitiram o depoimento, como testemunha, de C.
Por despacho de fls. 149, a Exmª Juíza, por considerar que o requerimento e alegações de tal recurso deram entrada, via Citius, no 3º dia posterior ao termo do prazo legal de 10 dias para interposição do mesmo, ordenou o cumprimento do disposto no nº 6 do artº 145º do CPC.
Por requerimento de fls. 150-E e 150-F, veio o Exequente reclamar desse despacho, alegando que o recurso foi interposto dentro do prazo de 10 dias após a notificação, já que lhe aproveita a presunção de notificação contida no nº 5 do artº 21º-A da Portaria nº 1538/2008, de 30/12.
Sobre esse requerimento recaiu o despacho de fls. 150-J, do seguinte teor:
“Reqto. Refa. 89822:
Conforme resulta da compulsação aturada do histórico do processo electrónico, o ilustre mandatário do A./Exequente foi notificado electronicamente do despacho recorrido no dia 29/04/2010, sendo que tal notificação se encontra electronicamente verificada e certificada [cfr. Refª. 370138: «Inserido em 29/04/2010 10:08:39 – Lido em 29/04/2010 10:23.12»] – Sublinhados e negritos nossos.
Temos, portanto que, “in casu”, o sistema informático se encontra “avant la letre” da lei, considerando este Tribunal que, encontrando-se válida e regularmente certificada nos autos o dia e hora [e minutos e segundos] em que foi efectuada a notificação, é, “in casu”, inaplicável a presunção invocada, relativa á expedição de notificações via postal.
Em face de todo o exposto, indefiro ao requerido.
Sem custas, desta vez.
Notifique, remetendo cópia do histórico do processo electrónico disponível no programa “Citius”, donde consta a certificação electrónica do dia e hora em que foi recepcionada electronicamente a notificação”.
Inconformado com o decidido, veio o Exequente agravar, formulando as seguintes conclusões:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações no que diz respeito a este recurso de agravo.
Entretanto procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença, da qual ambas as partes apelaram.
Foram colhidos os vistos legais.
X
Tudo visto, cumpre decidir, sendo, para já unicamente de apreciar esse agravo de fls. 171 e ss, que condiciona a admissibilidade daquele outro de fls. 102 e, em consequência, o conhecimento das apelações.
E a única questão a apreciar é a de saber se o recurso foi apresentado dentro do prazo legal de 10 dias, a que se refere o art. 80º, nº 1, do CPT, não havendo lugar à aplicação da multa prevista no art. 145º, nº 6, do CPC.
x
Para alem do circunstancialismo processual descrito no relatório do presente acórdão, releva ainda o seguinte:
- O despacho de fls. 96-97 foi notificado electronicamente ao mandatário do exequente em 29/04/2010;
- Encontra-se certificado nos autos que tal notificação foi lida em 29/04/2010, pelas 10, 23 minutos e 12 segundos;
- O recurso deu entrada no Tribunal em 13/05/2010;
- Em 19/08/2010, a secretaria notificou o exequente para, nos termos do nº 6 do art. 145º, nº 6, do CPC, proceder ao pagamento da multa no montante de € 2.856,00.
O direito:
A Sr.ª Juíza considerou haver lugar ao pagamento da multa pela interposição para além do prazo do recurso de agravo de fls. 102, sendo inaplicável a presunção estabelecida pelo nº 5 do art. 21º-A da Portaria nº 1538/2008, de 30/12.
Vejamos se é assim:
Nos termos do art. 80º, nº 1, do CPT, o prazo para a interposição do recurso de agravo é de 10 dias.
Dispõem os nºs 5 e 6 do art. 145º do CPC que:
“5. Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1.º dia útil posterior ao da prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.
6 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a multa exceder 20 UC”.
Mantendo-se o regime geral de que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais - artigo 253º, nº 1, do CPC - bem como a presunção de que a notificação postal se considera feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja – n.º 3 do art. 254º, temos que o DL nº 303/2007, de 24/8, veio dar nova redacção os nº 2, 5 e 6 de deste último artigo, consagrando que as notificações aos mandatários das partes serão feitas nos termos definidos na portaria prevista no nº 1 do artigo 138º-A. – nº 2, que a notificação por transmissão electrónica de dados se presume feita na data da expedição – nº 5, e que as presunções estabelecidas só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis – nº 6.
Com o projecto «Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça» o Governo visou, entre outros aspectos, facilitar o acesso à justiça e simplificar os processos de trabalho de todos os intervenientes no foro, através da utilização intensiva das novas tecnologias.
A partir de 5 de Janeiro de 2009, Portugal passou a contar com um fluxo processual integralmente electrónico para os processos cíveis, laborais e de família, através das aplicações informáticas do projecto “CITIUS”.
O artigo 138.º-A, n.º 1, do CPC, dispõe que a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
Em regulamentação da matéria da tramitação electrónica dos processos, veio a ser publicada a Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, entretanto objecto de sucessivas alterações, entre as quais a introduzida pela Portaria nº 1538/2008, de 30 Dezembro.
Estabelecendo o artigo 21º-A da referida Portaria nº 114/2008, na parte que nos interessa, que:
“4 – As notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados, na pessoa do seu mandatário ( ...)
5 – O sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil”.
Face ao disposto neste nº 5 e no nº 5 do art. 254º, importa apurar quando se deve considerar como efectuada a notificação, designadamente se se deve considerar como data da notificação aquela em que a respectiva inserção foi lida pelo seu destinatário, dado ser essa a data do efectivo conhecimento da mesma, sendo esta, ao fim ao cabo, a orientação seguida no despacho recorrido.
Contudo, e salvo o devido respeito, não nos parece ser esta a melhor orientação, entendendo nós, tal como se decidiu nos acórdãos desta Relação de 23/02/2010 e de 19/10/2010, que não houve uma preocupação em reduzir prazos aos advogados, ou seja, não se fez qualquer alteração para contemplar uma diferenciação entre a notificação postal e a electrónica. A notificação postal, nos termos do disposto no artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil, presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. A expedição na via electrónica beneficiará de similar dilação, correspondente à do registo na via postal.
E como, com particular acuidade, se acentua no ultimo dos referidos arestos, “Note-se que os normativos, que aqui são os aplicáveis, não fazem qualquer alusão à leitura do documento, mas apenas à sua elaboração e à sua expedição. Essa leitura (...) não tem a virtualidade de ilidir a presunção de conhecimento no terceiro dia útil seguinte; é que, como se disse, é uma presunção que apenas pelo notificado pode ser ilidida, provando ele que não foi efectuada a notificação ou que ocorreu em data posterior à presumida; e para tanto não servindo o critério da leitura efectiva, por tal desiderato se não encontrar elencado no texto legal. Mais – se o dia da leitura marcasse a data da notificação, esvaziadas de conteúdo ficariam os normativos dos artigos 254º do Código de Processo Civil e da Portaria nº 1538/2008, o que não é o caso”.
Passando ao caso dos autos, e transpondo esta orientação, temos que, ocorrendo a expedição da notificação em 29/4/2010, uma quinta –feira, a notificação considera-se efectuada em 3/05/2010 (dia 2 foi um domingo).
Assim, o prazo para interpor recurso de agravo terminava em 13/05/2010, que foi precisamente a data em que o Exequente o veio fazer.
Não tinha, assim, que ser ordenado o pagamento da multa em questão.
Havendo que determinar que a 1ª instancia se pronuncie sobre a admissibilidade do agravo de fls. 102, e profira, se for o caso, despacho de sustentação ou reparação, o que impede que, para já, este Tribunal da Relação aprecie esse recurso, bem como as apelações entretanto interpostas, e impõe que se dê baixa dos presentes autos de recurso.


x


Decisão:


Nos termos expostos, acorda-se em dar provimento ao agravo de fls. 171 e ss, revogando-se o despacho sob recurso, que deverá ser substituído por outro que dê sem efeito o pagamento da multa, procedendo-se, posteriormente, e considerando-o tempestivo, à apreciação da admissibilidade do recurso de agravo de fls. 102 e ss.
Sem custas o recurso.


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Dê a correspondente baixa dos autos.

Lisboa, 22 de Junho de 2011
Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas





Comentário ao acórdão:


Por lapso refere-se no acórdão que o Citius se aplica aos processos de família. Tal não é correcto, pois a Portaria n.º 114/2008, de 06.02, não abrange os inquéritos, os inquéritos tutelares educativos, as acções tutelares cíveis da O.T.M., os processos de promoção e de protecção das crianças e jovens em perigo, os pedidos de indemnização civil ou os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal.



Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, alterada pelas Portarias n.º 471/2010, de 8 de Julho, 195-A/2010, de 8 de Abril, 1538/2008, de 30 de Dezembro, e 457/2008, de 20 de Junho:

“Artigo 2.º Âmbito de aplicação

“O disposto na presente portaria aplica-se à tramitação electrónica:

a) Das acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos processos de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo e dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal;

b) Das acções executivas cíveis e de todos os incidentes que corram por apenso à execução, tendo em consideração que só deve haver lugar à autuação do processo executivo, com a impressão dos documentos considerados essenciais nos termos do artigo 23.º, após a recepção, pelo tribunal, de um requerimento ou informação que suscite a intervenção do juiz;

c) Dos processos da competência dos tribunais ou juízos de execução das penas.”


A prática corrente em alguns tribunais de uso do Citius para despacho de processos crime, da área de família e de menores, processos tutelares educativos e processos de promoção e de protecção não tem fundamento legal.



quarta-feira, 27 de julho de 2011

Família e Menores: instrumentos internacionais

Destaca-se a entrada em vigor de dois instrumentos de direito internacional em matéria de família em menores:

1º Entrou em vigor em 18 de Junho de 2011 o Regulamento (CE) 4/2009, relativo a obrigações alimentares. Está introduzido na base de dados de legislação da PGDL e consta do módulo de Legislação (Direito Internacional) do SIMP Temático. A Autoridade Central para este instrumento é a DGAJ.


2º Entra em vigor no próximo dia 01 de Agosto de 2011 a Convenção de Haia de 1996, relativa à protecção de menores, a qual substitui a Convenção de Haia de 1961. A Autoridade Central para este instrumento é a DGRS. O site da DGRS será previsivelmente actualizado em função destas alterações, mas não antes de Setembro/2011. Ambas as Convenções estão omissas na base de legislação da PGDL, mas constam já do módulo de Legislação do SIMP Temático Família e Menores, por link para o DRe.

A PGDL divulgará logo que disponível informação proveniente das Autoridades Centrais.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Explosivos, substâncias explosivas e produtos explosivos

Explosivo é:
qualquer substância sólida, líquida ou gasosa que, por acção de choque ou elevação da temperatura, desenvolve, num curto espaço de tempo, uma grande quantidade de gazes, com elevadas temperaturas e efeitos altamente destruidores.

Substâncias explosivas são:
aquelas que, em condições normais e sob a acção de determinados agentes, desenvolvem, subitamente, um grande volumes de gases, com efeitos mecânicos consideráveis e que são habitualmente empregadas em operações militares.

São ainda consideradas substâncias explosivas:
os cloratos e outras substâncias, normalmente empregues na indústria de explosivos e que ofereçam perigo de explosão.

Produtos explosivos são:
as substâncias explosivas, as composições pirotécnicas e os objectos carregados de composições pirotécnicas.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Inquérito Tutelar Educativo: declarações para memória futura

Acórdão da Relação de Lisboa, de 30-06-2011 Processo: 4752/10.1T3AMD-A.L1-9
Relator: CARLOS BENIDO

Sumário:

I. A admissão de declarações para memória futura, no caso previsto no n.º 2, do art. 271, do Código de Processo Penal, visa a protecção do menor vítima de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, poupando-o ao trauma de reviver vezes sem conta os acontecimentos e ao constrangimento inerente à solenidade e formalismo de uma audiência de julgamento;

II. Aquela norma, por força do art.128, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa, é subsidiariamente aplicável ao inquérito tutelar educativo, devendo a vítima de menoridade ser ouvida pelo juiz nesta fase processual.

Cartão de crédito: constitui verdadeira moeda

Acórdão da Relação de Lisboa, de 30-06-2011

Processo: 189/09.3JASTB.L1-5

Relator: FILOMENA LIMA

Sumário:

I. Aderindo todos os agentes a um propósito comum e sendo as acções de cada um idóneas e necessárias à produção do resultado pretendido por todos, nomeadamente através de actos que garantam segurança e impunidade, estamos perante uma situação de co-autoria;

II. O bem jurídico protegido pelo crime de contrafacção de moeda (art.262, do Código Penal), é a intangibilidade do sistema monetário, incluindo a segurança e credibilidade do tráfego monetário;

III. Para o efeito, o cartão de crédito constitui verdadeira moeda, tutelando aquele tipo legal a fiabilidade e confiança na circulação da moeda na versão moderna do chamado dinheiro de plástico;

IV. O bem jurídico protegido pelo crime de falsificação informática (art.3, nº1, da Lei nº109/09, de 15Set.), é a integridade dos sistemas de informação;

V. Tendo os agentes duplicado e utilizado cartões de crédito e tido acesso a dados que se encontravam em cartões de débito, produzindo com estes dados documentos não genuínos para os utilizar no levantamento de dinheiro ou pagamento de bens, praticaram, em concurso efectivo, aqueles dois crimes;

VI. A simples existência de ATM espalhados pela cidade e o facto de a primeira acção não ter sido logo detectada, não é susceptível de integrar a facilitação ou solicitação exterior à prática do crime, indiciadora de menor grau de culpa em cada nova actuação, que permita reconduzir a conduta à figura do crime continuado.

Crime de dano: propriedade comum

Acordão da Relação de Coimbra, de 29-06-2011

Processo: 267/06.0GBACB.C1

Relator:
FREDERICO CEBOLA

Sumário:

O elemento do tipo do crime de danocoisa alheia” apenas pressupõe que o agente do crime não seja o titular exclusivo do bem danificado, nele cabendo, nomeadamente, as situações de propriedade comum.

Comentário:

Para o acórdão, o elemento do tipo do crime de dano “coisa alheia” apenas pressupõe que o agente do crime não seja o titular exclusivo do bem danificado, nele cabendo, nomeadamente, as situações de propriedade comum.

Importa ter em consideração que hoje o mero possuidor ou detentor (cf. arrendatário) tem legitimidade para apresentar queixa contra o proprietário que danifique a coisa objecto do crime.

Assim, mesmo no caso de patrimónios autónomos, como é o caso do património conjugal (bens comuns do casal), pode existir crime de dano.

Os bens comuns do casal integram património autónomo, ou seja, são objecto de propriedade colectiva, em que há contitularidade de sujeitos – os dois cônjuges em bloco – num único direito, mas ainda uno, sem quotas, nos termos do art. 1724º do Cód. Civil (cf. Pereira Coelho, “Família”, 1977 – 397 ).

O património autónomo distingue-se da compropriedade, pois que aí existem vários direitos que incidem sobre toda a coisa, mas sobre parte não especificada dela, sobre uma quota ideal ( cf. Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, pág. 258 ).

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Não fundamentação do uso do artigo 16º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal: quid juris?

Tribunal da Relação de Lisboa, Secção Criminal, Acórdão de 12 Nov. 2002, Processo 6040/02

Relator: Adelino César Vasques Dinis.

Processo: 6040/02

Jurisdição: Criminal

Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII (2002), t. V., p. 123

Sumário:

Quando, em princípio, o julgamento deva ser efectuado pelo Tribunal Colectivo, a faculdade conferida ao MºPº de "escolher" o tribunal singular não é arbitrária, nem discricionária, mas um poder dever cujo exercício está sujeito a critérios de estrita legalidade e objectividade devendo explicitarem-se razões de facto e de direito que suportem o entendimento de que não deva ser aplicada pena superior a cinco anos, sob pena de não ser atendida a proposta alteração do tribunal competente para o julgamento.

Texto parcial:

“A fórmula utilizada não tem, pois, virtualidade para operar a atribuição de competência ao tribunal singular (4) e, consequentemente, limitar a pena àquele limite máximo, pois, como bem se observa no douto parecer da Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, não pode presumir-se que, ao formular a acusação, suscitando, nos termos referidos, a intervenção do tribunal singular, o Ministério Público quis usar e usou da faculdade conferida pelo nº 3 do citado artigo 16º.

A ausência de qualquer motivação, de facto e de direito, associada à omissão de referência ao preceito legal que autoriza o exercício daquela faculdade, aponta em sentido contrário.

Ora, não estando o tribunal, face aos termos da acusação, vinculado à aplicação de pena igual ou inferior a cinco anos (5) , o julgamento é, de harmonia com a regra geral, da competência do tribunal colectivo.

III

Em face do exposto, decide-se, dirimindo o conflito, atribuir competência para os termos do processo à 9ª Vara Criminal de Lisboa.”



Notas do acórdão:



Nota 4: Cf. Acórdãos desta Relação de 12 de Dezembro de 1990 e de 22 de Janeiro de 1991, Colectânea de Jurisrudência, Ano XV, Tomo V, 163, e Ano XVI, Tomo I, 178.



Nota 5: Artigo 16º, nº 4, a contrario sensu, do CPP.





Comentário:

A fundamentação do acórdão não indica o verdadeiro fundamento da não atendibilidade da realização do julgamento por tribunal de estrutura singular, mas sim e apenas a causa.

Não se tratando de um erro na forma do processo – trata-se de processo comum -, mas sim e apenas de uma questão de incompetência, decorrente da falta de fundamentação da opção do Ministério Público, que leva à desconsideração do seu propósito de accionar o tribunal singular, em vez do tribunal colectivo, a solução deve ser encontrada no artigo 32º, n.º 1, e 33º, ambos do Código de Processo Penal.

Assim, a Relação de Lisboa, ao dirimir o conflito, neste enquadramento jurídico, actuou correctamente, pois tratava-se efectivamente de um conflito de competência.



Porém,



outro entendimento se afigura possível.



Na verdade, não podendo o juiz sindicar os fundamentos invocados pelo Ministério Público para utilizar o artigo 16º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, não se vê que consequência exista para a não fundamentação do recurso ao disposto nesse dispositivo. Ou seja, permitir que o juiz conheça da irregularidade de falta da aludida fundamentação, ao abrigo do art. 123º, n.º 2, do CPP, conjugadamente com o art. 33º, n.º 1, ambos do Código Processo Penal, corresponde, no fundo, a atribuir ao juiz a possibilidade de sindicar a opção do Ministério Público, o que não se encontra previsto na lei. Assim, a simples referência ao art. 16º, n.º 3, do CPP, bem vistas as coisas, é suficiente, não acarretando a incompetência do tribunal singular. O que não significa que o Ministério Público não deva fundamentar. Apenas que não o fazendo, não existe sanção processual. É uma questão de mérito/desmérito do magistrado que acusa...



No sentido de que o juiz singular, no despacho do artigo 311º do Cód. Proc. Penal, não pode exprimir entendimento diferente e consequentemente, atribuir, ao tribunal colectivo, a competência de julgamento, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-05-2005, CJ Ano XXX, t. III, p. 125).



E no sentido de que o juiz de instrução não tem também competência para sindicar o requerimento em que o Ministério Público pede a intervenção do juiz singular, ao abrigo do art. 16º, n.º 3, do CPP, considerando tal despacho do juiz de instrução inexistente, o Ac. RP de 21-06-2006, CJ Ano XXXI, t. III, p. 127).