quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Suspensão provisória em processo sumário





Acórdão da Relação do Porto, de 28-09-2011
Processo: 60/11.9GBAND
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA









Sumário (constante de www.dgsi.pt):




“No processo sumário prevê-se que a suspensão possa ocorrer até ao início da audiência, o que pressupõe que o possa ser quando o Ministério Público requereu o julgamento e o processo já foi remetido ao tribunal de julgamento.




Mas ainda assim continuam a ser aplicáveis os artigos 281º e 282º, do C. Proc. Penal, o que significa que o processo, depois de obtida a concordância do juiz de instrução, voltará a estar sob a alçada do Ministério Público que também nesse caso deve ter o registo correspondente nos respectivos serviços.




Nesta situação o processo serão bjecto de registo e autuação no tribunal de julgamento pela circunstância de ter sido requerido o julgamento.




Mas quando tal não ocorre e oMinistério Público determina a suspensão provisória, ao invés de requerer o julgamento e em processo sumário, não há motivo para o processo transitar para o tribunal de julgamento para um simples acto administrativo de autuação e registo como processo sumário.”









Comentário:









Lendo o acórdão da Relação do Porto, retiro alguns trechos do mesmo:









“No processo sumário e no âmbito da previsão do artigo 384º, nº 1 do Código de Processo Penal, o Ministério Público, antes de requerer o julgamento em processo sumário e em alternativa a esse requerimento, pode determinar a suspensão provisória do processo em processo sumário. Mas se são aplicáveis os artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal, o processo continua sob a direcção do Ministério Público tal como continuaria se a suspensão fosse determinada no decurso do inquérito.”




Continua o acórdão, dizendo que “…resulta, a nosso ver, do texto legal é que o Ministério Público tem competência para ordenar aos seus serviços a autuação e registo do processo como sumário tal como a têm em relação a todos os processos que por lei forem da sua competência, como também é o caso do inquérito em que, de igual modo e pontualmente, nos casos expressamente previstos na lei, ocorre a intervenção do juiz do instrução. Neste aspecto não diverge a intervenção judicial na suspensão provisória em processo sumário.”




“Então que sentido faria o registo e autuação do processo na forma sumária no Tribunal de julgamento, se nem sequer é o juiz de julgamento o competente para praticaro acto judicial de que depende a suspensão (concordância), mas o Juiz de Instrução?”




“É certo que no processo sumário se prevê que asuspensão possa ocorrer até ao início da audiência, o que pressupõe que o possa ser quando o Ministério Público requereu o julgamento e o processo já foi remetido ao tribunal de julgamento. Mas ainda assim continuam a ser aplicáveis os artigos 281º e 282º, o que significa que o processo, depois de obtida aconcordância do juiz de instrução, voltará a estar sob a alçada do Ministério Público que também nesse caso deve ter o registo correspondente nos respectivos serviços.




Claro que nesta situação o processo será objecto de registo e autuação no tribunal de julgamento pela circunstância de ter sido requerido o julgamento.”




“Mas quando tal não ocorre e o Ministério Público determina a suspensão provisória, ao invés de requerer o julgamento e em processo sumário, não há motivo para o processo transitar para o tribunal de julgamento para um simples acto administrativo de autuação e registo como processo sumário que o Ministério Público tem competência para ordenar nos seus serviços como decorrência da sua competência para tramitar o processo até ao futuro processamento em processosumário/julgamento, caso não haja concordância com a suspensão do juiz de instrução, arquivamento ou dedução de acusação em outra forma processual.”




“…o que resulta, a nosso ver, do texto legal é que o Ministério Público tem competência para ordenar aos seus serviços a autuação e registo do processo como sumário…”




--------




Existe alguma contradição no acórdão. Na verdade, tanto admite que formulando o Ministério Público acusação em sumário, a mesma dê lugar à abertura de processo sumário, a tramitar num juízo, sob a alçada de um juiz, como de seguida refere que, se nessa fase de processo sumário, for requerida a suspensão provisória do processo sumário, o mesmo vai ao juiz de instrução e, sendo aceite a suspensão provisória, o mesmo processo sumário voltará ao Ministério Público, onde será registado e distribuído como processo sumário do Ministério Público.




Só isto permite perceber como a lei foi mal feita e como os senhores juízes desembargadores ficaram confundidos. Porém, se isto até era compreensível, já não é perdoável que se crie a figura do processo sumário do Ministério Público!




O que existe no Ministério Público é um processo preliminar a sumário, mas que nunca irá ao juiz de instrução, por tal não estar previsto, não havendo sequer controlo do juiz de instrução em relação às decisões do Ministério Público nestes processos preliminares a sumário.




Convém não esquecer a redacção do artigo 384º do Código de Processo Penal:














Artigo 384º
Arquivamento ou suspensão do processo




1. É correspondentemente aplicável em processosumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, até ao início daaudiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público,do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cincodias.
2. Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida aconcordância do juiz de instrução, o Ministério Público notifica o arguido e astestemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 15 dias posteriores àdetenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo oarguido de que aquele se realizará, mesmo que não compareça, sendo representadopor defensor.
3. Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Públicodeduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias acontar da verificação do incumprimento ou da condenação.









Portanto, os preceitos dosartigos 280º, 281º e 282º são aplicáveis, mas com as necessárias adaptações.




Por outro lado, se há processo sumário com acusação do Ministério Público e for requerida a suspensão provisória, o processo sumário vai ao juiz de instrução, nos termos do n.º 2, para que dê a sua concordância, concordância esta que significa aqui (embora a redacção seja criticável) decisão do Juiz de Instrução, pois decisão do Ministério Público não poderá ser, uma vez que até já havia formulado acusação. Daí que o processo sumário, suspenso por decisão do juiz de instrução, terá de aguardar o decurso da suspensão como processo sumário e não como “processo sumário do Ministério Público” (!).




Sobre isto, consulte-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-02-2011 (Processo 446/10.6GCTND-A.C1; relator: Brízida Martins).




O decidido no acórdão sob anotação não tem correspondência na letra da lei, aliás, na desastrosa letra da lei, exemplo de uma total inabilidade do legislador, e daí os problemas que estão a surgir sobre a tramitação da suspensão provisória. Vejamos:









-O n.º 1 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal permite que o juiz do processo sumário, mesmo depois de ter sido deduzida acusação, tenha a iniciativa da suspensão provisória do processo sumário, não fazendo sentido que este juiz, que também é juiz das garantias, fique sujeito à concordância do juiz de instrução e daí o n.º 1 não falar em juiz de instrução e apenas em juiz - logo, o juiz do n.º 1 é o juiz do processo sumário;









-O n.º 1 permite a formulação de requerimento dirigido ao juiz do processo sumário, até depois de ter sido formulada acusação – aliás, é este o juiz do processo sumário e não o juiz de instrução -; neste caso, o juiz do processo pronuncia-se no prazo de cinco dias, e, concordando, remete os autos ao juiz de instrução; assim, a concordância do juiz de instrução será por referência a uma decisão prévia, designadamente a do juiz do processo sumário, o que constitui uma incongruência da lei processual penal, que terá de ser objecto de uma interpretação correctiva, no sentido de que o juiz de instrução não deve ter qualquer intervenção, pois não é juiz de garantia face a outro juiz! Ou então, que a decisão de suspender será de juiz de instrução em processo sumário (preferimos a primeira solução).









-O n.º 1 fala em requerimento do Ministério Público e não em decisão doMinistério Público, até porque depois de formular acusação o Ministério Públiconão a pode dar sem efeito, apenas pode concordar ou não com a suspensão provisória, mas a ser decretada pelo juiz do processo sumário, se tiver a iniciativa de aplicar a suspensão provisória, à semelhança do que acontece na fase de instrução (cf. art. 307.º, n.º 2, do CPP), ou a ser decretada pelo juizde instrução se a suspensão for requerida pelo arguido ou pelo assistente.









-O n.º 1 fala em iniciativa do Tribunal, ou seja, do juiz do processo sumário, iniciativa essa que, existindo acusação, tem de traduzir-se numa decisão judicial de suspensão provisória do processo sumário, obtida a concordância quer do arguido quer do assistente quer do Ministério Público - e de maisninguém;









-O n.º 2 pressupõe sempre a remessa do processo sumário ao juiz de instrução pelo juiz do processo sumário - remessa essa que não parece ser de admitir,pois o juiz do processo sumário não deixa de exercer uma função de juiz de garantias – remessa essa pelo juiz, portanto, e não pelo Ministério Público, do próprio processo sumário. Assim optámos por excluir a intervenção do juiz deinstrução, por ser incongruente e por recurso a uma interpretação correctiva deste número dois;









-Não havendo concordância com a proposta do Ministério Público, o juiz de julgamento devolve os autos ao Ministério Público, para que este possa formular acusação sob a forma sumária, se ainda a não formulou; em alternativa, pode o Ministério Público registar como inquérito, caso julgue inviável já atramitação como processo sumário.














O problema reside nisto:









- Não havendo inquérito, a lei processual penal permite ao Ministério Público a execução de um conjunto de diligências, que vão desde o interrogatório sumário do art. 382.º, n.º 2, até às diligências de prova essenciais à descoberta da verdade do art. 382.º, n.º 3, ambos do CPP. Tais diligências compreendem, no fundo, tudo o que se possa realizar num inquérito normal, dentro do prazo de 15 dias. Mas a lei não permite o registo como inquérito, sob pena de ficar inviabilizada dedução de acusação em processo sumário (a acusação não seria recebida, por erro na forma de processo, que constitui nulidade insanável – cf. art. 119.º, al. f), do CPP). Assim, não se admite a intervenção do juizde instrução, pois este só intervém na fase de inquérito, de instrução ou no caso particular do art. 384º, n.º 2, doCPP, e daí não ser admissível que se requeira a abertura de instrução nasequência de despacho do Ministério Público que não só não abra inquérito comotambém que arquive o expediente recebido, por exemplo, por não existir queixa.A decisão supra refere isto de forma expressa: não se admite a fase de instrução senão por referência a um inquérito.









- Tal significa que nãoexiste recurso a detenção de testemunha ou de arguido para comparência sob detenção, ao abrigo do art. 116.º do CPP, em processo preliminar a sumário, pelo que a alternativa só será o registo como inquérito, por ter ficado inviabilizado o recurso ao processo sumário;









- Mas as faltas podem ser sancionadas, desde que exista registo como inquérito ou remessa a sumário, mediante promoção nesse sentido. Havendo arquivamento, não existirá a possibilidade de condenação em multa (cf. art. 116.º do CPP).









- PORTANTO, a suspensão provisória não pode ser decretada senão num inquérito ou no âmbito de um processo sumário e o processo preliminar de que falamos não é uma coisa nem outra. E não se vê que se possa tramitar algo como “processo sumário” à revelia do dominus dessa forma deprocesso – o juiz do processo sumário.









- Em suma, está instalada a confusão, porque o legislador, uma vez mais, não quis ouvir ninguém.









Omelhor é deixar as suspensões provisórias para os inquéritos, os verdadeiros, enquanto a lei não for clarificada. É de evitar a interposição de recursos e é até incongruente andar a perder tempo com isto, face à finalidade do institutoque se quer aplicar - simplificação, aceleração e consenso.









Nofundo, a suspensão provisória do processo constitui uma alternativa processualno tratamento da pequena e média criminalidade e com estas dúvidas a respeitoda sua tramitação, o resultado será o oposto.









Estamos, pois, perante uma norma ininteligível, só se obtendo efeito prático com recurso a uma interpretação correctiva, que exclua qualquer intervenção do juiz de instrução em processo sumário, até porque em processo sumário não há instrução!









Enão se argumente com a violação do princípio do acusatório - cf. art. 40.º, al.e), do CPP: o juiz de instrução que dê a sua concordância à aplicação noinquérito da suspensão provisória do processo também não fica impedido de julgar o arguido