quarta-feira, 29 de outubro de 2008

BUSCA DOMICILIÁRIA/CONSENTIMENTO/MAIORIDADE/NULIDADE

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-10-2008
Processo: 6945/2008-3
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores:

Sumário:

I – Uma busca domiciliária só pode ser ordenada ou efectuada quando existirem indícios de que os objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em casa habitada ou numa sua dependência fechada.

II – Mesmo que o visado pela busca não tenha ainda a qualidade de arguido, devem ser-lhe aplicadas as normas que visam a protecção dos arguidos particularmente débeis, nomeadamente aquela que exige a assistência de defensor à prática de certos actos processuais [artigo 64º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal], uma vez que dessa busca pode resultar a sua responsabilização criminal.

III – Por isso, não é válido o consentimento para a realização de uma busca domiciliária
quando ele foi prestado por uma pessoa que era, comprovadamente, analfabeta.

IV – Mesmo que esse consentimento fosse válido, ele não podia nunca legitimar a realização de uma busca ao quarto do filho maior dessa pessoa porquanto, a partir do momento em que esse acto deixava de ter por objecto o quarto da mãe (ou mesmo os espaços comuns) e passava a ter por objecto o espaço privado do filho, o visado passava a ser este último.

V – A exigência de consentimento do visado nada tem a ver com a tutela da propriedade, do domínio ou da titularidade do domicílio, mas sim com a privacidade, direito de personalidade que apenas cabe ao próprio exercer.

VI – O consentimento é necessariamente prévio à realização do acto, não se confundindo com a ratificação de uma actuação já desenvolvida.

VII – Não poderá considerar-se válido o consentimento prestado pelo visado, quando ele for menor de 21 anos, sem que o mesmo se encontre assistido por defensor.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

HOMICÍDIO QUALIFICADO: atipicidade...

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Data do Acordão: 23-10-2008
Processo: 08P2856
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Nº do Documento: SJ200810240028565

Texto parcial:

“…FACTOS PROVADOS

1 - No dia 6/8/07, pelas 4.00 horas, no interior do centro comercial denominado "Stop", situado na Rua do Heroísmo n.º 329 a 333, nesta cidade, o arguido empunhou a navalha descrita no exame de fls. 384 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, composta por um cabo de madeira e uma lâmina do tipo corto-perfurante, de um só gume, com o comprimento de 8,5 cm, de abertura manual por báscula.

2 - O arguido abriu a navalha, articulando e fixando a lâmina no cabo de madeira, este com 10 cm de comprimento.

3 - De seguida abordou o ofendido B, que também se encontrava no interior daquele centro comercial, e no decurso de uma contenda entre ambos, desferiu-lhe sete facadas:

- Uma que penetrou nos tecidos entre a 6ª e a 7ª vértebras cervicais e atingiu a porção superior do músculo trapézio direito;

- Uma que penetrou nos tecidos ao nível da omoplata direita e atingiu a porção média do músculo do trapézio e o bordo lateral do músculo rombóide maior direito;

- Uma que penetrou nos tecidos entre a 5ª e a 6ª vértebras torácicas atingiu a inserção medial da porção inferior do músculo trapézio direito e o músculo erector da espinha;

- Uma que penetrou nos tecidos ao nível do 5° espaço intercostal e atingiu o músculo peitoral maior, o músculo intercostal, face anterior do pericárdio, face anterior do ventrículo esquerdo e face anterior do fígado;

- Uma que penetrou nos tecidos ao nível do epigastro e atingiu a porção esquerda do músculo recto do abdómen, a face anterior do lobo esquerdo do fígado e a face posterior do lobo esquerdo do fígado;

- Uma que penetrou nos tecidos entre a transição entre a região dorsal e lombar sobre o músculo grande dorsal direito;

- Uma que penetrou nos tecidos na face lateral do cotovelo direito e que atingiu tecido celular subcutâneo;

4 - Em consequência da conduta do arguido sofreu o ofendido as lesões físicas descritas no relatório de autópsia de fls. 311 a 336 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente lacerações dos músculos trapézio direito, rombóide maior direito, erector da espinha, peitoral maior, intercostal, mediastino anterior, recto maior do abdómen, do pericárdio, da face esternal do diafragma, do peritoneu, das faces anterior e posterior do lobo esquerdo do fígado, e das faces anterior e posterior do ventrículo esquerdo do coração, as quais foram a causa directa e necessária da sua morte.

6 - O arguido agiu do modo descrito, conjugando e concertando a sua conduta, com a intenção de matar o ofendido, propósito que logrou alcançar.

7 - Momentos antes, o grupo de jovens de que fazia parte o arguido envolvera­se em agressões físicas com pessoa das relações do falecido, no interior da discoteca.

8 - Na sequência das mesmas, o C foi atingido com um copo na cara, por uma amigo do falecido - D, e em virtude de tal teve necessidade de receber tratamento hospitalar.

9 - Por essa razão, por mera vingança, o arguido esfaqueou-o e assim o matou.

10 - Para mais facilmente alcançar esse desígnio o arguido utilizou aquela navalha como instrumento de agressão, bem sabendo que deste modo este estaria perante si completamente indefeso e incapaz de defender a sua integridade física e a sua própria vida.

11 - Agiu livre, consciente e deliberadamente.

12 - Sabia que a sua conduta era proibida por lei.

Mais se provou que:

13 - O arguido foi criado no seio da sua família de origem, com uma irmã gémea, vivenciando o agregado familiar uma situação financeira positiva.

O pai trabalhava na Administração dos Portos do Douro Leixões e a mãe como funcionária administrativa da Santa Casa de Misericórdia do Porto. A relação familiar é caracterizada como positiva, assumindo, o pai na educação dos descendentes a figura de autoridade e a mãe caracterizada como a mais afectuosa.

Iniciou a frequência do ensino aos 5 anos, tendo até ao 9° ano de escolaridade frequentado o Colégio Nossa Senhora da Esperança, porque pertence à Santa Casa da Misericórdia do Porto, e a mãe, na qualidade de funcionária, tinha condições especiais de acesso e pagamento.

Com o fim deste ciclo, iniciou de imediato, na Escola Profissional do Comércio Externo do Porto, o curso de desenho gráfico, que lhe deu a equivalência ao 12° de escolaridade e que concluiu cerca de mês e meio antes dos factos de que está indiciado.

O arguido beneficiou ao longo do seu percurso escolar do acompanhamento muito próximo do progenitor que se reformou na altura em que os filhos frequentavam o ensino básico.

À data dos factos, A vivia com os pais e a irmã e encontrava-se em período de férias após a conclusão do 12° ano. Ponderava nessa altura se iria dar início a actividade profissional, ou se continuaria a estudar, sendo esta última, a vontade dos progenitores.

O agregado familiar subsiste com a reforma do pai no valor de €1200 e ainda do vencimento da mãe de igual montante. Pese embora, desde que ocorreram os factos de que o arguido vem indiciado, esta encontra-se de baixa médica psiquiátrica, e, por essa razão, apenas aufere €900.

A habitação onde residem é propriedade da Santa Casa, pagando uma renda de €340.

O dia a dia do arguido é passado a jogar jogos de computador ou a ver televisão, sendo que toda a família tem procurado apoiá-lo, os avós maternos, o tio materno solteiro, um tio paterno, a ex-mulher deste tio, uma prima. Todos tentam apoiá-lo, a si, aos progenitores e irmã, deslocando-se habitualmente a casa do arguido, o que permite que este tenha companhia diária e permanente.

O arguido, encontra-se, no âmbito deste processo, com Obrigação de Permanência na Habitação sujeito a Vigilância Electrónica, há cerca de 7 meses, estando a medida de coação a decorrer de forma positiva.

14 - O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:

Que o arguido tenha abordado o ofendido pelas costas.

Que o ofendido, sentindo-se esfaqueado nas costas, virou-se para o arguido para assim o ver e se defender de novas facadas, colocando o seu braço direito à sua frente para proteger o tórax e o abdómen.


HOMICÍDIO QUALIFICADO OU HOMICÍDIO SIMPLES

A primeira instância considerou que o arguido cometeu um crime de homicídio simples, apesar de vir acusado de homicídio qualificado:
«O M.P. acusou o arguido da prática de um crime de homicídio qualificado por se ter verificado a circunstância do nº 2, al. e) do art. 132° do Código Penal, ou seja "ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil".
Do modo como se encontra estruturada a acusação, o caso em apreço seria especialmente censurável por ter sido determinado por motivo torpe ou fútil, já que as demais hipóteses não se enquadram no caso em apreço.
Nas palavras exaustivamente repetidas de Figueiredo Dias "qualquer motivo torpe ou fútil" significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (...) de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo 1, pág. 32).
Como actualmente refere o Ac. STJ de 5/12/2007, in proc. 07P3879, in www.dgsi.pt, sobre motivo fútil, "esta circunstância qualificativa destina-se a tutelar aquelas situações em que ao agente se determina por mesquinhez, frivolidade ou insignificância, ou seja, por motivo gratuito"
Sobre o motivo torpe, referia já Nelson Hungria (citado por Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado ao artigo em análise) que "é o motivo que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético-social. É o objectivo abjecto, ignóbil ou repugnante, que imprime ao crime um carácter de extrema vileza ou imoralidade. Tais são, in exemplis, o fim de lucro ou cupidez, o prazer do mal, o desenfreio da lascívia, a vaidade criminal, o despeito da imoralidade contrariada".
Cremos que no caso nenhum destas características se verifica, ou seja, nem existe uma particularidade que implique aos factos uma maior censurabilidade do que o crime de homicídio simples.
Na verdade, temos um clima de confronto dentro de uma discoteca, com grupos que se confrontam e que transitam para o exterior tal confronto.
É evidente que a reacção do arguido é totalmente desproporcional às ofensas e mesmo ao clima de confronto entre grupos de jovens.
No entanto, ser desproporcionada, excessiva não significa que a mesma seja carecida de motivo, gratuita ou repugnante.
A conduta é sempre censurável, apenas não se verificando a especial censurabilidade.
Aqui chegados e uma vez que nenhuma causa exista que exclua a ilicitude ou a culpa relativamente aos actos praticados pelo arguido, deverá este ser condenado pelo crime de homicídio simples.»


Já o M.º P.º na 1ª instância, na qualidade de recorrente, entendeu que o homicídio era qualificado:
«Em nossa opinião atendendo à factualidade dada como provada e à conduta do arguido é possível afirmar a especial censurabilidade ou perversidade da conduta do mesmo e condená-lo pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo art.º 132.° n.º 1 do CP.
Na verdade, o arguido manifestou um profundo desprezo pelo valor da vida humana, movido por motivos de vingança, afirmação no interior do seu grupo e vaidade criminal.
O facto de existir um clima de confronto dentro da discoteca, não torna compreensível o comportamento do arguido nem muito menos o justifica.
O comportamento do arguido é desproporcionado e inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime e traduz um egoísmo intolerante, prepotente e mesquinho, que vai até à insensibilidade moral.
O arguido revelou uma total ausência de sentimentos bem como uma grande insistência em tirar a vida à vítima espetando-lhe a faca por sete vezes, todas na região torácica, atingindo-a no coração e no fígado.
Estas circunstâncias estão abrangidas na fórmula exemplificativa do n.º 2 do art.º 132.º do CP, atendíveis por as circunstâncias qualificativas deste preceito serem elementos da culpa e não do tipo.»

Como os autores notam (1), o legislador português optou por determinar que o homicídio qualificado não é mais do que uma forma agravada do homicídio simples previsto no art.º 131.º do C. Penal (“Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”).
Não há, pois, diversos tipos criminais de crimes contra a vida, mas apenas um, que é o crime base, sendo que há circunstâncias que especialmente o agravam (crime qualificado) e outras que especialmente o atenuam (crime privilegiado). Por isso, também está fora de questão que se considere o crime base o de homicídio qualificado, não sendo o homicídio simples mais do que uma forma atenuada daquele.
A qualificação do crime vem prevista no art.º 132.º e aí o legislador não quis organizá-la de uma forma taxativa, antes optou por uma fórmula aberta, embora cingida a certos parâmetros, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, por forma a casuisticamente determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.
Isso é feito pela afirmação genérica de um especial tipo de culpa, que vem assim descrito no n.º 1: “Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos”.
Mas aliou-se essa formulação genérica à “chamada técnica dos exemplos-padrão («Regelbeispieltechnik» (2)), em que a cláusula geral seria constituída por um tipo de culpa (art.º 132.º, n.º 1) combinado com uma exemplificação não definitiva e facultativa (art.º 132.º n.º 2)” (3).
Alguns desses exemplos padrão, estão formulados no n.º 2 do art.º 132.º deste modo:
«É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;
b) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;
c) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
d) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
e) Ser determinado por ódio racial, religioso ou político;
f) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;
g) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
h) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso;
i) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;...».
Que estas circunstâncias estão enunciadas a título meramente exemplificativo, é uma afirmação inequívoca, pois resulta directamente da lei, quando refere que são essas «entre outras». E, como não podia deixar de ser, é essa a Jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal (4).
Mas a técnica legislativa resultante da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 do art.º 132.º, leva a que possa ocorrer um homicídio em que se verifica alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 e, contudo, não se trata de um homicídio qualificado, pois, no caso concreto, aquela circunstância não revela “especial censurabilidade ou perversidade” (n.º 1), como pode suceder o contrário, a circunstância não estar prevista no n.º 2, mas poder ser substancialmente análoga (5), e integrar-se no tipo especial de culpa do n.º 1. (6)
Vem a doutrina entendendo, embora dividida (7), que os exemplos-padrão prendem-se essencialmente com a questão da culpa, mais do que com a ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta (por exemplo, o homicídio cometido na pessoa do pai ou do filho), não é essa circunstância, por si, que determina a qualificação do crime, antes a especial censurabilidade ou perversidade do agente, isto é, o especial tipo de culpa (8).
Importa precisar o que é a especial censurabilidade ou perversidade.
Permitimo-nos aqui citar, mais uma vez, Teresa Serra (ob. referida, págs. 63 a 65).
«Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.°, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores...Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala BINDER. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente...Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete».

Indo agora ao encontro do caso concreto, o M.º P.º na 1ª instância não dá como verificado algum dos exemplos padrão referidos no art.º 132.º, n.º 2, do CP, mas entende que ocorre o chamado “homicídio qualificado atípico”, que não se reconduz a uma circunstância tipicamente prevista como especialmente censurável, mas a um conjunto de factores negativos, cuja consideração global determina uma avaliação do acto como especialmente censurável.
O STJ tem considerado possível a existência de homicídio qualificado atípico nestes termos (ou equivalentes):
«Um caso especialmente grave pode ser admitido como incluso no critério orientador ou cláusula geral da especial censurabilidade ou perversidade quando a gravidade do facto equivalha à gravidade dos casos mencionados nos exemplos típicos, devendo o julgador orientar-se a partir dos sinais fornecidos na exemplificação da norma constante de cada alínea, ou seja, perspectivar os factos através das diversas alíneas do n.º 2 do art. 132.º e, através da ponderação do pleno das circunstâncias enformadoras do facto e da personalidade do agente, definida que seja a imagem global do facto, averiguar e avaliar se se está ou não perante um especial e acentuado desvalor de atitude, que se encontra dentro das fronteiras marcadas pela estrutura de sentido que modela o exemplo, ou se o caso se reconduz a uma situação análoga, paralela ou equivalente, se estamos perante circunstâncias de estrutura análoga, que exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente à imagem de um dos exemplos-padrão, que marquem uma diferença, distanciamento e dissociação, relativamente ao padrão normal de actuação, ao tipo matriz, no sentido de um maior ou acentuado desvalor de atitude, na forma de especial censurabilidade ou perversidade e que possa, por isso, ser valorada em termos de conformar especial juízo de censura e especial tipo de culpa, agravada.» (Ac. STJ de 02/04/2008, proc. 4730/07-3).
Mas, tem o STJ entendido que o homicídio qualificado atípico «há-de ser levado a cabo com alguma parcimónia, pois, no fim de contas, “é de facto uma ousadia criar homicídios qualificados...sobretudo na base da pirâmide normativa, onde actua o juiz, confrontado com o caso concreto e sem a legitimação (...) parlamentar em última instância, que tem o legislador penal”, não é menos verdade que “a exigência de um grau especialmente elevado de ilicitude ou de culpa, para se poder afirmar um homicídio qualificado atípico, constitui um importante critério quanto à decisão a tomar relativamente a casos cuja pena concreta se venha a situar no âmbito de justaposição das molduras penais do tipo simples e do tipo qualificado” e, que, “com tais exigências, parece posta de parte qualquer possibilidade de multiplicação de casos de homicídio qualificado atípico” (Ac. do STJ de 29/03/2007, proc. 647/07-5).
Ora, o M.º P.º na 1ª instância entende que “o arguido manifestou um profundo desprezo pelo valor da vida humana, movido por motivos de vingança, afirmação no interior do seu grupo e vaidade criminal. O facto de existir um clima de confronto dentro da discoteca, não torna compreensível o comportamento do arguido nem muito menos o justifica.”
Mas, o tipo especial de culpa, característico do homicídio qualificado, não se define pela negativa, como faz o M.º P.º ao constatar que o clima de confronto “não torna compreensível” o homicídio e “muito menos o justifica”, pois se o homicídio fosse “compreensível” seria, eventualmente, um homicídio privilegiado e se fosse justificado, possivelmente não seria punível.
É preciso recordar que o crime base neste domínio é o de homicídio simples, no qual o agente manifesta, quase sempre, o tal “profundo desprezo pela vida humana”, já que, por definição, age com dolo (na maioria das vezes directo, isto é, pretende e tem o desejo de matar) e fá-lo por um motivo qualquer, que quase nunca se pode avaliar positivamente, por exemplo, por vingança, por vaidade ou por afirmação de grupo. O homicídio qualificado há-de ter, por isso, algo que se deva acrescentar a essa culpa já intensa, que a torne especialmente censurável.
O que importa ao caso presente é que houve uma luta entre dois grupos de jovens no interior de uma discoteca, um onde se enquadrava o arguido e outro ao qual, de algum modo, estava ligada a vítima. Sabe-se que essas lutas de jovens, em determinados locais onde se bebe álcool e, às vezes, onde se consomem outras substâncias, geram situações de grande emoção e em que, portanto, os contendores não agem com frieza, calculismo e determinação, antes com gestos excessivos, descontrolados e perturbados.
Daí que não concordemos com as afirmações de que “o comportamento do arguido é desproporcionado e inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime” e de que o “arguido revelou uma total ausência de sentimentos bem como uma grande insistência em tirar a vida à vítima”. O arguido agiu no elevado “calor” de uma luta entre rivais e com dolo directo de tirar a vida à vítima, mas não está provado o tal “mais”, a tal circunstância ou circunstâncias que fariam recair sobre si um grau especial de culpa.
A matéria de facto, a este respeito, deixa margem para alguma dúvida, que deverá ser resolvida num sentido favorável ao arguido, pois se, por um lado, parece que o móbil deste foi a vingança dirigida contra um familiar de pessoa que agredira um seu amigo, apenas por ser familiar (o que poderia ser encarado como motivo “fútil”), por outro, os golpes foram desferidos “no decurso de uma contenda entre ambos” (arguido e vítima), o que inculca a ideia de que algo mais se passou que não foi possível apurar. O número de golpes desferidos terá, então, resultado de uma luta com a vítima, desigual é certo, pois o arguido estava armado e o outro não, mas não foram desferidos à traição pelas costas da vítima, como constava da acusação.
Daí que, por falta de esclarecimento cabal sobre os factos, o pedido do M.º P.º, como recorrente, de se imputar ao arguido um homicídio qualificado, deva improceder…”

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Cartas Condução Estrangeiras

Decreto n.º 48/2008, de 17 de Outubro
Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a República de Angola para o Reconhecimento Mútuo de Títulos de Condução, assinado em Luanda em 22 de Fevereiro de 2008

Decreto n.º 47/2008, de 17 de Outubro
Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e o Principado de Andorra de Reconhecimento Mútuo e Homologação das Cartas de Condução, assinado em Andorra la Vella em 27 de Junho de 2007

Decreto n.º 10/2007, de 5 de Junho
Aprova o Acordo Bilateral de reconhecimento mútuo de títulos de condução entre Portugal e Cabo-Verde

Despacho n.º 13 780/2007, de 30 de Abril
Reconhece os títulos de condução emitidos pela República de Moçambique

Despacho n.º 12 595/2007, de 19 de Março
Reconhece os títulos de condução emitidos pela República de Angola

Despacho n.º 10 942/2000, de 21 de Março
Reconhece a Carteira Nacional de Habilitação emitida pela República Federativa do Brasil

Pena suspensa com regime de prova: não redução oficiosa do prazo

Acórdão da Relação de Coimbra, de 24-09-2008
Processo n.º 256/03.7GBTNV
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. RIBEIRO MARTINS
Descritores:

Sumário:

1. A possibilidade que agora é concedida pela lei de, após o trânsito em julgado de decisão condenatória e antes de ter cessado a execução da pena imposta, se poder aplicar ao condenado um regime mais favorável, e que constitui uma autêntica excepção ao princípio do caso julgado, não deve ter carácter oficioso, em caso de suspensão da execução da pena com regime de prova, desde logo porque apenas o condenado poderá saber se lhe convém ou não o novo regime ou se efectivamente este o favorece, não tendo, por isso, cabimento que o Ministério Público o substitua nesse juízo de oportunidade ou de conveniência.

2. O juízo sobre qual dos regimes é em concreto o mais favorável para o condenado não prescinde duma prévia reavaliação das condições impostas à suspensão, pelo que a sua aplicação em abstracto, como pretende o recorrente, violaria o preceito por si invocado, a saber, o art.º 2º/4 do Código Penal no qual se faz apelo a ponderação em concreto e não em abstracto. Fazê-lo sem a reavaliação dessas condicionantes seria não acatar o preceito.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

CRIME DE VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS

Acórdão da Relação de Lisboa, de 07-10-2008
Processo: 4342/2008-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO

Sumário:

1 - Sempre se tornará possível entender que se revela capaz de prestar alimentos quem não puser em perigo as suas próprias necessidades

2 -Em qualquer caso, progenitor algum pode ser desonerado do dever de contribuir para a alimentação do filho pelo simples facto de a sua fonte de rendimentos ser temporariamente reduzida, uma vez que tem que partilhar os ganhos auferidos, ainda que parcos, com a satisfação das necessidades do menor.

3 - Qualquer progenitor normalmente instruído e diligente sempre terá conhecimento de que ao não cumprir com a sua obrigação legal de prestar alimentos, quando a isso é obrigado e estando em condições de o fazer, pratica o crime sub judice

4 - Daí que não se vislumbre como foi possível concluir-se que não se demonstrou que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei por força do que acaba de se expender, está-se, pois, perante uma situação de claro erro notório na apreciação da prova, o qual é, sem dúvida, ostensivo e evidente, não passando despercebido a um homem de formação média.

Cremação de Cadáveres

Decreto-Lei n.º 411/98. D.R. n.º 300, Série I-A de 1998-12-30

http://dre.pt/pdf1sdip/1998/12/300A00/72517257.pdf

Ministério da Saúde
Estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres, bem como de alguns desses actos relativos a ossadas, cinzas, fetos mortos e peças anatómicas, e ainda da mudança de localização de um cemitério.


Decreto-Lei n.º 5/2000. D.R. n.º 24, Série I-A de 2000-01-29

http://dre.pt/pdf1sdip/2000/01/024A00/04030404.pdf

Ministério da Saúde
Altera o Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, trasladação e cremação de cadáveres, bem como de alguns desses actos relativos a ossadas, cinzas, fetos mortos e peças anatómicas, e ainda da mudança de localização de um cemitério


Decreto-Lei n.º 138/2000. D.R. n.º 160, Série I-A de 2000-07-13

http://dre.pt/pdf1sdip/2000/07/160A00/31483149.pdf

Ministério da Saúde
Altera o Decreto-Lei n.º 5/2000, de 29 de Janeiro, que dá nova redacção ao Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da remoção, transporte, inumação, exumação, transladação e cremação de cadáveres, bem como de alguns desses actos relativos a ossadas, cinzas, fetos mortos e peças anatómicas, e ainda da mudança de localização de um cemitério

Comentário:

Nos termos do art. 17º do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30.12, "Se o cadáver tiver sido objecto de autópsia médico-legal, só pode ser cremado com autorização da autoridade judiciária", ou seja, do Ministério Público, no caso de autos em fase de inquérito.

Para o efeito deve o Ministério Público solicitar ao Instituto de Medicina Legal ou Gabinete Médico-Legal e ao OPC encarregue da investigação que se pronunciem com urgência sobre se existe ou não inconveniência na cremação do cadáver.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Lapso do Legislador Penal

Dispõe o art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal:

"O período da suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão".

Dispõe o art. 55º, al. d), do Cód. Penal:

"Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
(...)
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano, nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do art. 50.º".


Tais dispositivos conflituam um com o outro, pois o segmento final da alínea d) do art. 55º do Cód. Penal inviabiliza qualquer prorrogação do prazo.

E agora ? Não há prorrogações do período de suspensão de execução das penas de prisão.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Extradição: convenção entre Portugal e a Índia

Resolução da Assembleia da República n.º 59/2008, D.R. n.º 199, Série I de 2008-10-14
Assembleia da República
Aprova o Acordo de Extradição entre a República Portuguesa e a República da Índia, assinado em Nova Deli em 11 de Janeiro de 2007

Decreto do Presidente da República n.º 125/2008, D.R. n.º 199, Série I de 2008-10-14
Presidência da República
Ratifica o Acordo de Extradição entre a República Portuguesa e a República da Índia, assinado em Nova Deli em 11 de Janeiro de 2007

Extradição: convenção entre Portugal e a Argélia

Decreto do Presidente da República n.º 124/2008, D.R. n.º 199, Série I de 2008-10-14
Presidência da República
Ratifica a Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinada em Argel em 22 de Janeiro de 2007

Resolução da Assembleia da República n.º 58/2008, D.R. n.º 199, Série I de 2008-10-14
Assembleia da República
Aprova a Convenção de Extradição entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia, assinada em Argel em 22 de Janeiro de 2007

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Cumprimento da multa como pena principal - Rito processual

Cumprimento da multa como pena principal
Esquema processual


1º O arguido é acusado pela prática de um crime que preveja a pena de multa como pena principal (artigo 283.º do Código de Processo Penal).

2º A acusação é recebida e o juiz designa a data da audiência de julgamento (artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Penal).

3º O arguido é notificado por contacto pessoal ou por via postal registada da data da audiência, excepto se tiver prestado TIR, que prevê a notificação por via postal simples (artigo 313.º, nºs 1 a 3, e 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal).

4º Se não for possível notificá-lo por esta via, é notificado por editais para se apresentar em juízo, no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz (artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

5º O arguido está presente na audiência de julgamento

a) Se o arguido estiver presente em algumas sessões da audiência de julgamento mas faltar à última, a sentença terá de lhe ser notificada por contacto pessoal (Ac. TRE de 08.01.08, CJ XXXIII, Tomo I/2008, p. 259).
b) Quando o arguido que esteve presente pelo menos na última sessão da audiência de julgamento, notificado em acta da data da leitura da sentença, falta a esta leitura, deve considerar-se notificado da sentença na pessoa do seu defensor (artigo 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, Acs. TC n.º 545/2003, de 11.11.2003 e 429/2003, DRII, 21.11.2003 e Ac STJ de 27.07.2006, p. 06P2954, Ac. TRC de 14.03.2007, p. 29/04.0GB; Ac. TRC de 14.01.2004, proc. n.º 3729/03).

6º O arguido não está presente na audiência de julgamento

a) O presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência (artigo 333.º do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade (Ac. STJ de 24.10.2007, p. 07P3486).

b) Se o arguido não comparecer a todas ou à última sessão da audiência de julgamento a sentença terá de lhe ser notificada pessoalmente – por contacto pessoal ou por via postal registada – e só transita com esta notificação (artigos 113.º, n.º 9 e 333.º, n.º 5, do Código de Processo Penal) (Ac TC n.º 274/03, D.R., II série, de 5.07.2003; Ac TRL de 18.10.2006, p. 7067/2006-3).

c) Quando a audiência tiver lugar na ausência do arguido, a sentença ser-lhe-á notificada (artigos 113.º, n.º 9, 333.º, nºs 5 e 6, e 334.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), excepto quando o arguido requerer que o julgamento se faça na sua ausência por se encontrar impossibilitado de comparecer à audiência por idade, doença grave ou residência no estrangeiro e quando o processo for reenviado de forma sumaríssima para comum (artigo 334.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal), situações em que é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor, incluindo a notificação da sentença (artigo 334.º, nºs 4 e 6, do Código de Processo Penal).

d) No caso de julgamento em processo sumário, o arguido libertado antes da audiência de julgamento, é notificado para comparecer perante o Ministério Público para ser submetido a audiência e julgamento em processo sumário, com a advertência de que esta se realizará mesmo que não compareça, sendo representado por defensor (artigo 385.º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Penal), pelo que, caso falte à leitura da sentença, considera-se notificado na sentença na pessoa do seu defensor.

Sobre esta matéria não é conhecida jurisprudência, à excepção do Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-04-2009 (http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b590b10f9f027c72802575b000499449?OpenDocument ), que não se pronunciou sobre tal questão, mas sim sobre a recorribilidade ou não do despacho judicial que entendeu em sentido diferente do supra-sustentado, e podem aduzir-se dois argumentos:

i) Princípio da celeridade processual (artigo 386.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), não resultando da nossa interpretação qualquer violação direitos, pois o arguido, já constituído como tal e ciente dos seus direitos e deveres, é previamente advertido de que lhe vai ser nomeado defensor e de que a audiência se realizará na sua ausência, sendo representado pelo mesmo;

ii) Referência legal expressa à representação por defensor em audiência de julgamento, audiência essa que inclui a própria leitura da sentença (artigos 385.º, n.º 3, al. a), e 389.º, n.º 6, do Código de Processo Penal).

e) Sobre esta matéria pode ainda ver-se o Ac. TC n.º 111/2007, DR II, de 20.03.2007), que permite a notificação por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura de sentença.

f) Não estando em causa a aplicação ou a execução da medida de prisão preventiva, o arguido julgado na ausência não pode ser detido apenas para o efeito de notificação da sentença (Ac. TRL de 17.01.2008, CJ XXXIII, tomo I/2008, p. 124 e Ac. TRL de 15.11.2007, proc. n.º 2548/07-9).

g) O tribunal deve continuar a diligenciar a busca do paradeiro do arguido para que a referida notificação seja efectuada (Ac. TRP de 01.02.06, p. 0545096).

7º O arguido é condenado em pena de multa.

a) Não obstante não ser obrigatória a consignação na sentença da conversão da multa em prisão subsidiária, nada o impede e até se considera aconselhável (Ac. TRC de 18.01.2006, p. 3858/05).

8º O arguido, devidamente notificado da sentença que o condenou em multa, paga a multa no prazo de 15 dias da notificação e a pena extingue-se pelo cumprimento (artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

a) As quantias pagas pelo condenado devem ser afectas ao valor da pena de multa e, consequentemente, deve considerar-se cumprida aquela pena, com as legais consequências em matéria de custas processuais (Ac. TRL de 27.02.2008, CJ XXXIII, tomo I/2008, p. 143).

9º O arguido, devidamente notificado da sentença que o condenou em multa, não paga a multa

a) Se o arguido requerer o pagamento da multa em prestações dentro do prazo de 15 dias e a sua situação económica o justificar, o tribunal pode permiti-lo, desde que a última prestação não vá além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da decisão (artigos 47.º, n.º 3, do Código Penal e 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

b) Se o arguido requerer a substituição da multa por dias de trabalho dentro do prazo de 15 dias e o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pode ordená-la (artigos 48.º, n.º 1, do Código Penal e 489.º, n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

i) Se o Tribunal entender substituir a multa por dias de trabalho, deve solicitar um relatório à Direcção-Geral de Reinserção Social (artigo 490.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e deve notificar pessoalmente o condenado da decisão da substituição e do n.º de horas de trabalho (artigo 490.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

ii) Caso o condenado não cumpra os dias de trabalho deve ser ouvido sobre as razões do incumprimento (artigo 495.º, n.º 3, ex vi do artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por identidade de razões).

iii) Quando o Tribunal decida revogar a suspensão, devem ser tidos em consideração os dias de trabalho já prestados.

c) Se o condenado requerer o pagamento da multa em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade depois de decorrido o prazo de 15 dias a contar da notificação para o pagamento voluntário da multa, existem duas correntes jurisprudenciais:

i) Deve tal requerimento ser indeferido por extemporaneidade (Acs. TRP de 11.07.07; 28.05.03; 22.02.06, CJ XXXI, I, p. 216; 10.09.08, p. 0843469).

ii) Não obstante o decurso do prazo, as preocupações eminentemente pessoais que atravessam o direito criminal apontam claramente no sentido de que não seja preterida a possibilidade de opção por uma pena que se revele mais ajustada, ainda que requerida depois de ultrapassado o prazo fixado para o pagamento da multa (Ac. TRP de 28.09.2005, p. 0414867).

10º Findo o prazo para pagamento da multa ou o de alguma das prestações sem que o pagamento seja efectuado, procede-se à execução patrimonial (artigo 491.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

a) Caso o arguido não tenha bens suficientes para pagar a multa, deve ser ouvido para explicar as razões do não pagamento da multa (Acs. TRC de 08.11.2006, p. 162/04; 14.03.2007, p. 29/04.0GB; Ac. TRG de 06.06.2006, p. 2397/05-1).

11º Se o condenado não provar que a razão do não pagamento lhe não é imputável, a multa não paga converte-se em prisão subsidiária (artigo 49.º, nºs 1 e 3, do Código Penal), pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (Ac. TRL de 23.11.2004, p. 7251/2004-5).

a) A audição do arguido prévia ao despacho que converte a multa em prisão subsidiária pode ser feita por escrito (Ac. TRG de 06.02.2006, p. 2397/05-1 e Ac. TRP de 09.04.08, proc. 0840367).

b) A modalidade da notificação ao arguido do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária é objecto de duas correntes jurisprudenciais:

i) Uma que entende que tal despacho deve ser notificado ao arguido por contacto pessoal ou por via postal registada, pelo que só transita com esta notificação (Ac. TRE de 22.04.08, proc 545/08-1).

A favor desta posição podem aduzir-se os seguintes argumentos:

(1) O TIR, como medida de coacção, extinguiu-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal), pelo que as consequências que dele decorrem, designadamente a de as notificações serem feitas por via postal simples para a morada indicada também se extinguiram (artigo 196.º, nºs 2 e 3, al. b), do Código de Processo Penal).

(2) Não obstante não constar do elenco de actos que não se bastam com a notificação do defensor (artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal), atendendo à gravidade deste despacho, que converte uma pena não privativa da liberdade numa privativa, há identidade de razão, designadamente, com a sentença, que tem de ser notificada ao arguido.

ii) Outra que defende que o despacho de conversão pode ser notificado ao arguido por via postal simples, com prova de depósito, na morada constante do TIR, pois que tal notificação não respeita a nenhum dos actos processuais em que a lei exige notificação pessoal – cfr. art.113º, nº.9 do C.P.P. – podendo a mesma ser efectuada na pessoa do respectivo defensor ou advogado (Ac. TRL de 20.05.2008, in http://www.pgdlisboa.pt/, referência a Proc. 2992/08).

c) Não tendo o arguido cumprido a pena de multa em que foi condenado, é a mesma convertida em pena de prisão subsidiária. Há duas teses jurisprudenciais quanto ao momento em que este despacho pode ser executado:

i) Uma que defende que é necessário aguardar o trânsito em julgado deste despacho, por se tratar de uma despacho recorrível (artigo 399.º do Código de Processo Penal).

ii) Outra que pugna pela desnecessidade de aguardar o trânsito em julgado do despacho para proceder à passagem de mandados de detenção, uma vez que a única forma de o arguido obstar ao cumprimento da prisão subsidiária é procedendo ao pagamento da multa (Ac. TRL de 25.05.2006, p. 3378/06-9).

12º Suspensão da prisão subsidiária

i) Só após ser decretada a prisão subsidiária pode o arguido pedir, a todo o tempo, que esta seja suspensa, o que só deverá ser deferido se o arguido fizer prova cabal de que a frustração do pagamento não lhe é imputável (Ac. TRC de 22.10.2003, p. 2274/03, e Ac. TRP de 09.07.2008, proc. n.º 0813395).

ii) O arguido tem de ser ouvido para que a prisão subsidiária seja suspensa (Ac. TRC de 08.11.2006, p. 162/04.8GAANS-A.C1).

Nota: Os acórdãos do STJ, TRL, TRP, TRC, TRE e TRG sem menção da respectiva publicação estão disponíveis em www.dgsi.pt.
Os acórdãos do TC sem menção da respectiva publicação estão disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/.


COMENTÁRIO:

O rito indicado é verdadeiramente mirabulante! Mas é real...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

ABERTURA DE INSTRUÇÃO

Acórdão da Relação do Porto, de 24-09-2008
Processo: 0813559
JTRP00041653
Relator: ANDRÉ DA SILVA
RP200809240813559

Sumário:
Não é de admitir a abertura de instrução, a requerimento do arguido, apenas para este discutir a qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados, uma vez que o mesmo tem ao seu dispor um meio adequado e eficaz para o conseguir: a contestação, regulada no art. 315º do C. P. Penal.


TEXTO PARCIAL:

“…Diz o art.º 286º do CPP: “1 – A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.2 – A instrução tem carácter facultativo. 3 – Não há lugar a instrução nas formas de processo especiais”.

Como ficou referido inicialmente o M.ºP.º acusou o arguido por um crime de roubo. O recorrente requereu à abertura da instrução porque entende que os factos descritos na acusação consubstanciam a prática de um crime de ofensa à integridade física e o Tribunal indeferiu com o fundamento de que a pretensão não está abrangida nesta fase processual considerando o requerimento legalmente inadmissível e rejeitou a instrução.

Como é sabido a instrução visa uma comprovação judicial de uma decisão (acusação ou arquivamento). O arguido com o requerimento para a abertura de instrução pretende apenas discutir a qualificação jurídica dos factos, factos que aceita.

Aceita-se que o arguido possa requerer a abertura da instrução com o objectivo de ver alterada a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação mas tal não justifica a admissibilidade da instrução no caso em apreço pois apenas é admissível a abertura de instrução para debate exclusivo de questões de direito quando o arguido pretenda obter uma decisão de não pronúncia.

Assim acontece por exemplo quando o arguido põe em causa a legitimidade processual do M.ºP.º para abrir inquérito ou proferir acusação ou quando entenda que a acusação está ferida de nulidade ou é manifestamente infundada mas não quando apenas pretende que os factos de que foi acusado sejam subsumidos a um tipo de ilícito criminal diferente.

E como refere o Exm.º Magistrado do M.ºP.º fls. 23 destes autos “a decisão que pronuncia o arguido não visa fixar a qualificação jurídica dos factos, mas sim definir o objecto do julgamento – a diferente qualificação jurídica dos factos que eventualmente viesse a ser perfilhada na decisão instrutória a proferi no presente processo seria transitória, na medida em que o juiz competente para o julgamento não estaria vinculado a tal qualificação – com efeito, uma nova alteração do enquadramento normativo da factualidade provada tem apenas como consequência permitir ao arguido requerer mais tempo para preparar a sua defesa, conforme resulta da conjugação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358º do Código de Processo Penal; A discussão do enquadramento normativo dos factos de que o arguido é acusado, em sede de instrução, significaria um debate antecipado daquilo que é o cerne do conhecimento do mérito da causa e que é a função do julgador; A pretensão do arguido pode ser alcançada durante a fase de julgamento e este dispõe de um meio adequado e eficaz para a conseguir – a contestação, regulada no artigo 315º do Código de Processo Penal”.

Resumindo e concluindo: a abertura de instrução para discutir exclusivamente questões de direito apenas é admissível quando o arguido pretenda uma decisão de não pronúncia; ora, no caso concreto o arguido não questiona os factos descritos na acusação, até os aceita, pretendendo apenas uma subsunção jurídico-penal diferente. Tal e como se diz no despacho recorrido é inadmissível ao abrigo do disposto no art.º 287º, n.º 3 do CPP.

III
Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso mantendo o despacho recorrido.
Condena-se o recorrente em 4 UC de taxa de justiça.
Porto, 24 de Setembro de 2008

Luís Dias André da Silva
Francisco Marcolino de Jesus”

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Despacho de proposta de suspensão provisória de processo sumário

N.U.I.P.C N.º

*
DESPACHO

SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO

1) dos Factos

Resulta indiciariamente provado que, no dia …/…/…, cerca das 11h05, em …o arguido:

Tiago André …,

conduzia o veículo ligeiro de matrícula …, com uma TAS de 1,20 gr/l.
Mais se apura que actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Com interesse para os autos apurou-se ainda que o arguido mostra sério arrependimento.
O arguido está desempregado, mas mostra-se socialmente inserido.
0 arguido não tem antecedentes criminais.
Vinha da comemoração do seu aniversário.

2) da Integração Jurídica

Os factos descritos integram a previsão dos artigos 69º, n.º 1, al. a), e 292º, n.º 1, do Código Penal - crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, a que acresce a sanção acessória de inibição de conduzir entre três meses e três anos.
Trata-se de um crime que tem subjacente a protecção do bem SEGURANÇA.
Elemento do crime é a culpa, que constitui na sua génese a capacidade de um indivíduo se motivar de acordo com as normas que regem a sociedade onde se encontra inserido.
No caso concreto o arguido reconhece as implicações da sua conduta e demonstra sincero arrependimento, que se traduz em poder afirmar-se que o acto praticado não passou de um acto isolado e que o arguido foi como que “arrastado” pelas circunstâncias para a sua prática o que lhe diminuiu a capacidade de optar por uma conduta normativa.
Não resultaram consequências para terceiros da conduta do arguido.

3) da Natureza da Suspensão Provisória do Processo

O instituto da suspensão provisória do processo constitui uma formulação prática do princípio da oportunidade.
Traduz a opção do legislador por uma solução político-criminal inspirada na ideia da obtenção de uma solução consensual entre os vários sujeitos processuais.
Tem lugar quando estejam reunidas três condições cumulativas:
- subjectiva – ausência de grau elevado de culpa do agente, não subsistindo interesse público a reclamar a perseguição criminal;
- objectiva - reduzida gravidade da ilicitude ou danosidade social;
- índole político-criminal - dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral, se não mesmo a sua inconveniência de uma perspectiva de prevenção especial.
No caso concreto da condução sob o efeito do álcool, é dramática a ineficácia da Justiça a este nível, não obstante a severidade com que os tribunais vêm reagindo contra a situação, aplicando medidas de inibição efectivas.
O interesse público e a consequente perseguição criminal tem de assentar em princípios pedagógicos de prevenção, no sentido da educação cívica e para o direito e não de repressão.
Só com a interiorização do desvalor da acção, através do confronto com os seus valores, poderá o arguido estar desperto para a adopção de comportamentos diferentes.
Estas as razões subjacentes à justificação da aplicação do programa “Responsabilidade e Segurança” – uma punição alternativa do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, da responsabilidade da Prevenção Rodoviária Portuguesa, com o apoio dos Serviços de Saúde e superintendido pela Direcção-Geral de Reinserção Social.

4) dos Pressupostos da Suspensão Provisória do Processo

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 281º do Cód. Proc. Penal importa considerar que:
a) o arguido concordou com a injunção proposta;
b) nunca beneficiou do instituto da suspensão provisória por crime da mesma natureza, sendo primário;
c) a culpa é atenuada, pois vinha do seu aniversário, não dando lugar a acidente e até pela taxa de álcool apurada;
d) a injunção proposta e aceite pelo arguido é a resposta adequada e necessária ao conflito subjacente.

5) da Conclusão

Reunidas as suas condições de aplicabilidade, nos termos do disposto no artigo 281º, n.º 1 e 2, al. m), do Cód. Proc. Penal determino a remessa dos autos o juízo, sob a forma sumária, propondo-se, nos termos do disposto no art. 281º, por remissão do art. 384º, ambos do Código de Processo Penal, a suspensão provisória do processo pelo período necessário, mas não superior a seis meses, impondo-se ao arguido a condição de cumprir o programa “Responsabilidade e Segurança”, designadamente as acções que o integram:

1) Frequência de uma curso sobre condução segura, com a duração aproximada de 12 ( doze ) horas, suportando os respectivos custos ( cerca de 200 € ), em data e local a indicar ao arguido pela Direcção-Geral de Reinserção Social;
2) Frequência de um curso sobre comportamento criminal e estratégias de prevenção de reincidência, com a duração aproximada de 12 ( doze ) horas, dinamizado pela D.G.R.S., em data e local a indicar ao arguido por aquele instituto;
3) Realização de entrevistas com Técnico de Reinserção Social, com a periodicidade por este definida;
4) Realização de consulta de avaliação alcoológica por médico e em serviço que serão indicados ao arguido pelo IRS e submissão a tratamento se este for considerado necessário em resultado da referida avaliação; e
5) A D.G.R.S. apoiará e vigiará o cumprimento, por parte do arguido do programa “Responsabilidade e Segurança” e acções que integram o mesmo.
_______________________________________________________________________
Processei, imprimi, revi e assinei o texto, seguindo os versos em branco ( art. 94º, nº 2, do Cód. Proc. Penal ).
…/…/…
O Procurador-Adjunto

Outros tempos hão-de vir...

"...Quem canta sempre se levanta.

Calados é que podemos cair..."

(Fausto )


Não faltem ao congresso do SMMP.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Fundo de Garantia - alimentos superiores aos fixados antes da dedução do incidente de incumprimento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-09-2008
Processo: 08A2953
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Nº do Documento: SJ20080930029531

Texto Parcial:

“…A nova prestação não tem necessariamente de coincidir – e, “in casu”, até nem coincide – com o que estava a cargo do primeiro obrigado.
A fixação daquele “quantum” será precedida de diligências instrutórias em termos de apurar a factualidade a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 75/98.
É que, no incidente de incumprimento, há que apurar, além do mais, os rendimentos actuais do alimentando e do seu agregado de facto.
Só após tudo visto e ponderado – designadamente a impossibilidade de cobrança nos termos do artigo 189.º da OTM –é que o Estado passa a garantir o pagamento, só então ficando subrogado nos direitos dos menores para, eventual e ulteriormente, obter o respectivo reembolso.
Assim, também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Julho de 2008 – 08 A1- ponderou:
“A obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo.
A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.
Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.”
Na mesma linha dessa orientação, este Supremo Tribunal, a 27 de Setembro de 2007 (CJ/STJ XV, 3.º, 63.º) julgou que:
“Não garantindo o Fundo o pagamento da prestação de alimentos não cumprida pelo responsável legal, assegurando antes uma prestação própria e diferente daquela, fixada oportunamente pelo tribunal, a sua obrigação nasce com essa decisão e a sua exigibilidade ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal ao Instituto, em conformidade com o estatuído no n.º 5, do artigo 4.º, do Decreto-lei n.º 164/99.”
A obrigação do Fundo não existe enquanto não for apurado o incumprimento do primeiro devedor só é criada com a decisão desse incidente e com a fixação, nova, do conteúdo e âmbito da prestação.
Ademais, e enfatize-se, a intervenção daquela entidade está dependente de pressupostos cumulativos acima elencados tendo a natureza de prestação social não podendo recorrer-se à analogia com o artigo 2006.º do Código Civil, por não se tratar de caso omisso, o que legitima arredar o disposto no artigo 10.º do Código Civil.
Finalmente, e “not least”, o Fundo não tem intervenção na lide incidental de incumprimento, não lhe sendo assegurado qualquer contraditório, não podendo ser condenado no pagamento de prestações antes vencidas, sob pena de grosseira violação dos princípios firmados nos artigos 3.º, e 3.º A do Código de Processo Civil, 2.º e 20.º da Constituição da República (cf., para o princípio do contraditório no processo civil, e “inter alia”, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 249/97, 259/2000 e 209/2004.)

4 - Conclusões
Pode assim concluir-se que:

a) O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (constituído pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo Decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio) garante o pagamento das prestações alimentícias devidas a menores, não pagas pelas pessoas judicialmente obrigadas à sua prestação sempre que os alimentandos, ou as pessoas que os tenham à sua guarda não disponham de rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional.

b) A criação do Fundo, acolhendo o princípio dos artigos 67.º e 69.º da Constituição da República, reflecte as orientações dos vários instrumentos de direito internacional, “inter alia” a Declaração Universal dos Direitos do Homem”, de 1948 (artigo 25.º), a “Declaração dos Direitos da Criança”, de 1959, a “Convenção sobre os Direitos da Criança” de 1989 e as Recomendações do Conselho da Europa de 1982 e 1989.

c) A prestação a suportar pelo Fundo pode, ou não, coincidir com a inicialmente fixada no processo de alimentos, surgindo em procedimento incidental de incumprimento, devidamente instruído destinado a apurar os pressupostos e eventual novo “quantum”.

d) A subrogação do Fundo, no exercício dos direitos dos menores contra o incumpridor, limita-se às prestações vencidas após a declaração judicial de incumprimento e nova fixação, não abrangendo as anteriormente vencidas.

e) A obrigação do Fundo só nasce com o julgamento do incidente de incumprimento só sendo exigível no mês seguinte à notificação da decisão judicial ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que, logo, a comunica ao respectivo Centro Regional.

f) O artigo 2006.º do Código Civil não tem aplicação analógica já que o que o Fundo presta é-o em cumprimento de obrigação própria e no pagamento de uma prestação social.
Nos termos expostos, acordam dar provimento ao agravo revogando o Acórdão recorrido, declarando constituir-se a obrigação do FGADM no mês seguinte ao da notificação da decisão que julgou o incidente de incumprimento.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Setembro de 2008

Sebastião Póvoas (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho”