sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Detenção fora de flagrante Delito

Lei n.º 38/2009, de de 20 de Julho
Define os objectivos, prioridades e orientações de política
criminal para o biénio de 2009 -2011, em cumprimento
da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal)

Artigo 20.º
Detenção

1 — A detenção em flagrante delito pelos crimes de
violência doméstica, de detenção de arma proibida, de
tráfico e mediação de armas, de detenção de armas e outros
dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos
e pelos crimes, cometidos com armas, puníveis com pena
de prisão, deve manter -se até o detido ser apresentado a
audiência de julgamento sob a forma sumária ou a primeiro
interrogatório judicial para eventual aplicação de medida
de coacção ou de garantia patrimonial, sem prejuízo do
disposto no n.º 3 do artigo 143.º, no n.º 1 do artigo 261.º,
do n.º 3 do artigo 382.º e do n.º 2 do artigo 385.º do Código
de Processo Penal.
2 — Fora de flagrante delito, a detenção deve ser ordenada
pelas autoridades de polícia criminal, verificados os
requisitos previstos na lei, se houver perigo de continuação
da actividade criminosa.

Comentário:

Em face do disposto no art. 20º, n.º 2, da Lei de Política Criminal, as autoridades policiais, apenas estas, podem emitir mandados de detenção fora de flagrante delito com invocação de perigo de continuação da actividade criminosa (cf. art. 204º, al. c), do Cód. Proc. Penal).
Obviamente, o legislador não quis dar tal poder às autoridades judiciárias, atento o constrangimento a que estão sujeitas nesta matéria pelo Código de Processo Penal (cf. art. 257º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal). Porque será, quando é sabido que existem investigações que correm apenas no Ministério Público?

Penas de Prisão Suspensas - Cúmulo Jurídico

Quanto à questão da formação de uma pena única, em caso de conhecimento superveniente do concurso, que pressuponha a revogação de penas suspensas na sua execução aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado:

- Uma primeira corrente defende que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, tendo a sua execução regulamentação autónoma – cf., na jurisprudência, Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ 2004, Tomo 2, pág. 217, de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04, e de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04, e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao acórdão do STJ de 03-07-2003, RPCC, 2005, n.º 1, págs. 117-153;

- A segunda posição, predominante, e à qual se adere, sustenta a faculdade de inclusão de penas suspensas, argumentando-se que a “substituição” deve ser entendida, sempre, como resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução – cf. Acs. do STJ de 03-10-2007, Proc. n.º 07P2576, 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04, de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05, de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05, de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05, de 06-10-2005 [sobre o qual recaiu acórdão do TC (Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006, DR II Série, de 07-02-2006), que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações], e de 09-11-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226.


Neste último sentido, consulte-se o recente Acórdão do S.T.J., de 4-12-2008, (Relator: SANTOS CARVALHO; Processo: 08P3628):

Texto Parcial:

“…PENA CONJUNTA E PENAS PARCELARES SUSPENSAS
A questão que se coloca é a de se saber se devem ser cumuladas entre si penas efectivas de prisão e penas (de prisão) suspensas na sua execução.
É claro que esta questão só se põe no caso de concurso superveniente (art.º 78.º do C. Penal), pois se as penas parcelares foram aplicadas na mesma ocasião, não faz sentido que se apliquem penas de substituição conjuntamente com outras que não o são, uma vez que o julgador deve fazer uma avaliação conjunta que não permite nem aconselha a opção simultânea por diferentes espécies de penas (1).
Mas se as penas já foram aplicadas anteriormente e em que, portanto, algumas já transitaram em julgado, umas podem ser penas de substituição e outras efectivas, pelo que há que apurar se devem ser cumuladas entre si, caso os respectivos crimes estejam numa relação de concurso nos termos do referido art.º 78.º.
A favor da tese de que se deve efectuar uma pena única, podemos adiantar alguns argumentos que nos parecem valiosos.
Um é o princípio da unidade da pena, pois a lei indica que aos crimes em concurso há-de corresponder uma pena única, que se forma avaliando em conjunto os factos e a personalidade do agente. Tal unidade da pena, inclusivamente, deve ser atingida mesmo perante penas de natureza diversa, como as de multa e de prisão, ainda que nesse caso mantenham no cúmulo a mesma natureza (cfr. art.º 77.º n.º 3, do CP). Ora, as penas de prisão efectiva e as de prisão suspensa têm a mesma natureza, pois não deixam de ser penas de prisão (2) e são somente de diferente espécie, por serem ou não detentivas.
Outro argumento em favor desta tese é o de que o juiz que aplicou a pena de substituição, eventualmente não teria tomado essa decisão caso tivesse conhecimento de que o arguido praticara um outro crime, ainda que em concurso. Como o contrário também poderia suceder, o juiz que aplicou uma pena de prisão efectiva poderia ter substituído essa pena caso soubesse que num outro processo fora formulado um juízo de prognose favorável, baseado em elementos que possivelmente não lhe foram levados ao conhecimento.
O terceiro argumento é o de que se tornaria contraditória qualquer fundamentação para justificar a aplicação em simultâneo das duas penas de espécies diferentes, uma de prisão efectiva e outra suspensa, o que aconteceria caso não houvesse cúmulo, pois o juízo de prognose favorável que é requisito da aplicação da pena suspensa parece ser de todo incompatível com o cumprimento efectivo e actual de uma pena de prisão. A aplicação simultânea constituiria, deste modo, uma situação juridicamente aberrante e que o legislador não pode ter desejado.
De resto, havendo duas penas para cumprir, uma suspensa outra efectiva, como se processaria o respectivo cumprimento? Primeiro cumprir-se-ia a pena efectiva e depois a suspensa? Ou o contrário? Ou então simultaneamente? Nenhuma resposta parece acertada, tanto mais que o prazo de suspensão da pena não produziria o seu efeito de ameaça e prevenção caso o agente estivesse, no decurso desse período, sujeito à vigilância prisional, como também, eventualmente, não poderia cumprir as condições a que estivesse sujeita a suspensão da pena, por estar fisicamente impedido de o fazer.
Contra a opinião de que podem ser cumuladas as penas efectivas e as suspensas, em boa verdade, só encontramos um argumento, que é o da intangibilidade do caso julgado, o qual confere segurança jurídica às decisões judiciais transitadas.
Na verdade, diz-se, que se uma pena ficou suspensa na sua execução e que se essa decisão transitou em julgado, a revogação da suspensão só devia poder verificar-se nos exactos termos definidos no art.º 56.º do C. Penal, nos quais não está contemplado o concurso superveniente de infracções. De resto, também se afirma que se o arguido, que é o principal destinatário da decisão condenatória, ficou ciente, com a prolação desta, dos direitos que lhe assistem e dos deveres que lhe foram impostos, não deve ficar sujeito a uma alteração imprevista, como é a da efectivação de um cúmulo jurídico de penas que viesse a eliminar o regime da suspensão.
A nossa opinião, porém, vai no sentido de que a intangibilidade do caso julgado cede perante o concurso de infracções, pois é a própria lei que o determina. Na verdade, o nosso sistema penal, ao não optar pelo simples somatório de penas em concurso e ao ficcionar uma conduta global para a punir com uma pena única, quis uma efectiva reavaliação da questão da sanção penal, de resto numa nova audiência, em que pode ser produzida prova actual sobre a situação do condenado. Assim, perante o concurso superveniente de crimes, o juiz do cúmulo não fica tolhido com os diversos casos julgados que se formaram no momento da aplicação das penas parcelares e pode escolher a pena única adequada, dentro dos limites abstractos indicados no art.º 77.º, n.º 1, do C. Penal.
O caso julgado não é, portanto, um obstáculo à modificação da medida das penas aplicadas, as quais, na formulação do cúmulo jurídico, se comprimem até formarem uma pena única, pelo que se pode dizer que no concurso superveniente de crimes fica em aberto a questão da sanção. E esta abrange, necessariamente, a medida da pena e, porque não, a sua espécie.
Na formação do cúmulo jurídico, o caso julgado só torna as decisões imutáveis quanto à culpabilidade e à qualificação jurídica, sob pena de se violarem os princípios basilares do processo penal (acusatório, contraditório, das garantias de defesa, etc.).
Por outro lado, o arguido não pode ficar surpreendido com a modificação que a pena suspensa sofre se ficar englobada numa pena única de prisão efectiva, pois, por definição, na altura em que transitou em julgado a sentença que lhe aplicou a pena suspensa já o mesmo cometera um ou mais crimes que ele sabe que irão (ou deverão) ser punidos conjuntamente com aquele, ou então, quando foi condenado em pena suspensa omitiu ao tribunal (ou este ignorou) a informação de que anteriormente já fora condenado, por sentença não transitada, em pena efectiva de prisão, por outro crime. Considerar que a pena suspensa não pode ceder perante um concurso superveniente de crimes, será beneficiar o infractor, pois que cometeu outros crimes não considerados na decisão da suspensão, o que é injusto comparativamente com o que for julgado simultaneamente por todas as infracções.
Não parece, assim, que se possa opor o caso julgado e a segurança jurídica das decisões transitadas como argumento válido contra a formulação de uma pena única, entre penas suspensas e penas efectivas.
Na realidade, a lei manda formular uma pena única entre as diversas penas parcelares respeitantes a crimes que estão em concurso, sem excluir as penas de substituição e sem mesmo excluir, como vimos, as penas de natureza diferente.
Por último, ninguém negará, estamos seguros, que perante crimes em concurso, uns punidos com pena suspensa outros com pena efectiva, a pena única possa ser a de prisão suspensa na sua execução, pois essa é uma situação possível e favorável ao arguido. O que por si só parece justificar que o caso julgado deva ceder perante a formação da pena única, quer quanto à medida, quer quanto à espécie de pena.
No sentido de que o caso julgado não impede que a pena suspensa entre no cúmulo jurídico, tem constantemente decidido o Supremo Tribunal de Justiça.
Concluindo, diríamos que, no concurso superveniente de crimes, nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensa, decidindo o tribunal do cúmulo se, reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução…”.


Como se dá conta neste acórdão, trata-se de jurisprudência largamente maioritária, senão unânime hoje, no Supremo Tribunal de Justiça.
A suspensão da execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão efectiva, pelo que não existe nenhum fundamento para excepcionar o artigo 78º do Cód. Penal em casos em que uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas.