segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Art. 145º, n.º 5, do C.P.Civil/Processo de contra-ordenação ( clique aqui para consultar o texto integral do acórdão )

Acórdão da Relação de Coimbra, de 03-12-2008
Processo: 533/08.0TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
Legislação Nacional: ARTIGOS 145º, NºS 5 E 6 DO CPC, 59.º, N.º 3, DO RGCOC

Sumário:
Na fase administrativa do processo de contra-ordenação não é aplicável o disposto no art.145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil.

Texto Parcial:

"...No caso dos autos , face às conclusões da motivação da recorrente arguida as questões a decidir são as seguintes :

- se o recurso foi apresentado dentro do prazo de 20 dias a que alude o art.60.º do RGCOC, uma vez que aquele foi remetido pelo correio sob registo; e

- se, a não entender assim, devia o Tribunal ter procedido à aplicação do disposto no art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do C.P.C., por remissão dos arts. 107.º, n.º 5 do C.P.P. e 41.º do R.G.C.O.C..

Passemos ao conhecimento da primeira questão.

O art.59.º, n.º 3 do RGCOC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-9, estatui que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa é feito por escrito e apresentado a esta no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.

Sobre a contagem do prazo do recurso de impugnação judicial , o art.60.º, do mesmo regime legal, também na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-9, estabelece o seguinte:

« 1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.

2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil normal.».

O Assento do STJ n.º 1/2001, de 8 de Março de 2001, fixou jurisprudência no sentido de que « Como em processo penal , também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2000.»[4].

A recorrente vem dizer na motivação do seu recurso que não obstante a data de 20-2-2008 constante do carimbo aposto no rosto do seu requerimento de impugnação, o mesmo foi enviado para a autoridade administrativa no dia anterior, isto é, no dia 19-2-2008, por via postal registada, estando por isso em tempo.

O despacho recorrido, mencionando que a arguida foi notificada da decisão da autoridade administrativa no dia 21 de Janeiro de 2008 e que apenas apresentou o recurso de impugnação no dia 20-02-2008, conforme se constata pelo carimbo aposto no rosto do seu requerimento de impugnação, concluiu que o recurso é extemporâneo.

Vejamos.

É pacífico que a arguida C..., teve conhecimento da decisão da autoridade administrativa no dia 21 de Janeiro de 2008.

Considerando que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa se suspende aos sábados, domingos e feriados, o prazo para interpor recurso de impugnação judicial da decisão administrativa terminou no dia 18 de Fevereiro de 2008.

Assim, quer o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa tenha sido apresentado pela arguida no dia 20-2-2008 – como consta do carimbo aposto no rosto do recurso de impugnação judicial -, quer o o mesmo tenha sido enviado para a autoridade administrativa no dia anterior, isto é, no dia 19-2-2008, por via postal registada – o que não resulta comprovado nos autos -, tendo o prazo de interposição do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa terminado no dia 18 de Fevereiro de 2008, sempre este recurso foi interposto fora do prazo de 20 dias a que alude o art.60.º do RGCOC.

O recurso de impugnação judicial, caso tenha sido apresentado no dia 20-2-2008, foi apresentado no segundo dia após o termo do prazo. Caso tenha sido enviado por via postal, no dia 19-2-2008, considera-se apresentado nessa data, ou seja, no primeiro dia após o termo do prazo.

Apenas terá interesse saber – após recolha de informação, desde logo junto da autoridade administrativa – se a arguida enviou por via postal o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, se vier a decidir-se que ao prazo para a interposição do recurso é aplicável ao disposto no art. 145.º, n.º 5 do C.P.C.. Essa é a questão que vamos conhecer em seguida.

Decidido que o recurso de impugnação judicial foi interposto após o termo do prazo a que aludem os artigos 59.º e 60.º do RGCOC, importa agora decidir se o Tribunal a quo deveria ter procedido à aplicação do disposto no art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do C.P.C., por remissão dos arts. 107.º, n.º 5 do C.P.P. e 41.º do R.G.C.O.C..

O art.41.º, n.º1 do R.G.C.O.C. estatui que « Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.».

O art.107.º, n.º5 do C.P.P., na redacção anterior à Revisão do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estatuia que , independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em procedimento civil, com as necessárias adaptações.

Com a Revisão do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.º 48/2007, em vigor desde 15 de Setembro de 2007, essa matéria relativa à prática de acto fora de prazo passou a ser regulada pelo art.107.º- A, que continua a mandar aplicar ao processo penal o disposto nos n.ºs 5 a 7 do art.145.º do C.P.C..

O art.145.º do Código de Processo Civil, para que se remete do C.P.P., permite a realização de acto processual até ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, desde que o interessado proceda ao pagamento de uma multa, independentemente de despacho ( n.º5 ) ou após a notificação pela secretaria nos termos do seu n.º 6.

Vejamos.

O Assento do STJ n.º 2/94, datado de 10 de Março de 1994[5] , fixou jurisprudência no sentido de que « Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do art.59.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo DL n.º 356/89, de 17 de Outubro.».

Considerou para o efeito, designadamente, que o prazo judicial pressupõe que a acção já está em juízo. Ora, o recurso de impugnação não é apresentado em juízo, mas perante a autoridade administrativa ( art.59.º, n.º 3 do RGCOC) , na qual permanece o processo até ser enviado ao Ministério Público ( art. 62.º, n.º 1 do RGCOC), podendo entretanto a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima ( art.62.º, n.º2 do RGCOC).

Tal significa que até ao envio dos autos ao Ministério Público, tudo se mantém no âmbito administrativo, não representando a interposição de recurso a imediata entrada na fase judicial do recurso. Em consequência, o STJ entendeu não ser aplicável à fase administrativa do processo de contra-ordenação o disposto no n.º 3 do art.144.º do Código de Processo Civil relativo aos casos suspensão do prazo judicial.

Já após ter sido proferido o Assento do STJ n.º 2/94, foi alargado o prazo mencionado no n.º 3 do art.59.º do RGCOC e dada uma nova redacção ao art.60.º do mesmo regime , pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro - que se mantém em vigor -, esclarecendo as regras sobre o modo como deve contar-se o prazo para impugnação da decisão administrativa.

As alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, ao RGCOC, não tiveram a intenção de alterar a natureza do prazo mencionado no n.º 3 do art.59.º do RGCOC, pelo que se mantém válida a jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais fixada no acórdão do STJ n.º 2/94 sobre a natureza do prazo a que alude o n.º 3 do art.59.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro.

O art.60.º, n.º 1 do RGCOC, ao mandar suspender o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa aos sábados, domingos e feriados, tomou uma posição diferente da enunciada, pela mesma altura, no DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que optou pela introdução no art.144.º do Código de Processo Civil da regra da continuidade dos prazos, com suspensão durante as férias judiciais.

O art.60.º, n.º 2 do RGCOC tomou ainda posição sobre a situação em que o termo do prazo cai em dia durante o qual não é possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, estabelecendo que o mesmo termo se transfere para o primeiro dia útil seguinte.

Os artigos 59.º e 60.º do RGCOC, na redacção que resultou do DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, regularam a forma, prazo e contagem do prazo da impugnação judicial das decisões administrativas, de modo especial, numa altura em que não existe uma fase judicial, pelo que não são aplicáveis na fase administrativa, por via da remissão do art.41.º, n.º1 do RGCOC, os artigos 144.º e 145.º do Código de Processo Civil.

O acórdão do STJ n.º 1/2001[6], proferido em 8 de Março de 2001, ao decidir que « Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima – artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Penal e 150.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e Assento n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro de 2000.», tratou de questão diferente da que está em apreciação, não regulada nos artigos 59.º e 60.º do RGCOC, que se colocava com a remessa por via postal de peças processuais, traduzida em saber se a data do registo valeria ou não como data da prática do acto correspondente.

No sentido pugnado na presente decisão, de que não são aplicáveis na fase administrativa, por via da remissão do art.41.º, n.º1 do RGCOC, os artigos 144.º e 145.º do Código de Processo Civil, vem-se pronunciando a generalidade da jurisprudência, designadamente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Junho de 2006 ( proc. n.º 1635/06) ; do Porto, de 9 de Janeiro de 2008 ( processos n.ºs 0715838 e 0716685 ); de Évora, de 13 de Junho de 2006 ( proc. n.º 802/06-1)[7] ; e de Lisboa, de 8 de Dezembro de 2005 [8]; e na doutrina, os Conselheiros António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral [9], e Dr. Sérgio Passos [10].

Esta posição em nada viola o princípio da igualdade a que alude o art.13.º da Constituição da República Portuguesa, que postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais, uma vez que a não aplicabilidade do art.145.º, n.º 5 do C.P.C. à fase administrativa do processo de contra-ordenação colhe o seu fundamento na natureza não judicial do prazo a que aludem os artigos n.º 3 do art.59.º, n.º 3 e 60.º do RGCOC.

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 293/06, decidiu já que «.. a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto no art.145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação da contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva.» [11].

Em sentido próximo havia decidido o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 293/06.[12]

Em suma, sendo extemporâneo o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e não havendo razões para aplicação, na fase administrativa do processo de contra-ordenação, do disposto no art.145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, como defende a recorrente, bem andou o Tribunal recorrido em não lançar mão deste preceito legal.

Impõe-se, deste modo julgar improcedente o recurso.


Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida C... e manter o douto despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.


*

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).



*

Coimbra,






[1] Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2] Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] DR , I Série-A, de 20 de Abril de 2001.
[5] DR., I Série-A, de 7-5-1994.
[6] DR, I Série-A, de 20 de Abril de 2001.
[7] Todos em www.dgsi.pt.
[8] C.J., ano 2005, 5.º, pág. 129.
[9] Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª Edição, pág. 169.
[10] Contra-Ordenações, Almedina, 2.ª edição, pág. 412.
[11] www.tribunalconstitucional.pt
[12] www.tribunalconstitucional.pt