segunda-feira, 18 de julho de 2011

Não fundamentação do uso do artigo 16º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal: quid juris?

Tribunal da Relação de Lisboa, Secção Criminal, Acórdão de 12 Nov. 2002, Processo 6040/02

Relator: Adelino César Vasques Dinis.

Processo: 6040/02

Jurisdição: Criminal

Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII (2002), t. V., p. 123

Sumário:

Quando, em princípio, o julgamento deva ser efectuado pelo Tribunal Colectivo, a faculdade conferida ao MºPº de "escolher" o tribunal singular não é arbitrária, nem discricionária, mas um poder dever cujo exercício está sujeito a critérios de estrita legalidade e objectividade devendo explicitarem-se razões de facto e de direito que suportem o entendimento de que não deva ser aplicada pena superior a cinco anos, sob pena de não ser atendida a proposta alteração do tribunal competente para o julgamento.

Texto parcial:

“A fórmula utilizada não tem, pois, virtualidade para operar a atribuição de competência ao tribunal singular (4) e, consequentemente, limitar a pena àquele limite máximo, pois, como bem se observa no douto parecer da Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, não pode presumir-se que, ao formular a acusação, suscitando, nos termos referidos, a intervenção do tribunal singular, o Ministério Público quis usar e usou da faculdade conferida pelo nº 3 do citado artigo 16º.

A ausência de qualquer motivação, de facto e de direito, associada à omissão de referência ao preceito legal que autoriza o exercício daquela faculdade, aponta em sentido contrário.

Ora, não estando o tribunal, face aos termos da acusação, vinculado à aplicação de pena igual ou inferior a cinco anos (5) , o julgamento é, de harmonia com a regra geral, da competência do tribunal colectivo.

III

Em face do exposto, decide-se, dirimindo o conflito, atribuir competência para os termos do processo à 9ª Vara Criminal de Lisboa.”



Notas do acórdão:



Nota 4: Cf. Acórdãos desta Relação de 12 de Dezembro de 1990 e de 22 de Janeiro de 1991, Colectânea de Jurisrudência, Ano XV, Tomo V, 163, e Ano XVI, Tomo I, 178.



Nota 5: Artigo 16º, nº 4, a contrario sensu, do CPP.





Comentário:

A fundamentação do acórdão não indica o verdadeiro fundamento da não atendibilidade da realização do julgamento por tribunal de estrutura singular, mas sim e apenas a causa.

Não se tratando de um erro na forma do processo – trata-se de processo comum -, mas sim e apenas de uma questão de incompetência, decorrente da falta de fundamentação da opção do Ministério Público, que leva à desconsideração do seu propósito de accionar o tribunal singular, em vez do tribunal colectivo, a solução deve ser encontrada no artigo 32º, n.º 1, e 33º, ambos do Código de Processo Penal.

Assim, a Relação de Lisboa, ao dirimir o conflito, neste enquadramento jurídico, actuou correctamente, pois tratava-se efectivamente de um conflito de competência.



Porém,



outro entendimento se afigura possível.



Na verdade, não podendo o juiz sindicar os fundamentos invocados pelo Ministério Público para utilizar o artigo 16º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, não se vê que consequência exista para a não fundamentação do recurso ao disposto nesse dispositivo. Ou seja, permitir que o juiz conheça da irregularidade de falta da aludida fundamentação, ao abrigo do art. 123º, n.º 2, do CPP, conjugadamente com o art. 33º, n.º 1, ambos do Código Processo Penal, corresponde, no fundo, a atribuir ao juiz a possibilidade de sindicar a opção do Ministério Público, o que não se encontra previsto na lei. Assim, a simples referência ao art. 16º, n.º 3, do CPP, bem vistas as coisas, é suficiente, não acarretando a incompetência do tribunal singular. O que não significa que o Ministério Público não deva fundamentar. Apenas que não o fazendo, não existe sanção processual. É uma questão de mérito/desmérito do magistrado que acusa...



No sentido de que o juiz singular, no despacho do artigo 311º do Cód. Proc. Penal, não pode exprimir entendimento diferente e consequentemente, atribuir, ao tribunal colectivo, a competência de julgamento, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 12-05-2005, CJ Ano XXX, t. III, p. 125).



E no sentido de que o juiz de instrução não tem também competência para sindicar o requerimento em que o Ministério Público pede a intervenção do juiz singular, ao abrigo do art. 16º, n.º 3, do CPP, considerando tal despacho do juiz de instrução inexistente, o Ac. RP de 21-06-2006, CJ Ano XXXI, t. III, p. 127).