segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ainda o Processo Sumário…



Ainda o processo sumário...
Tentativa de interpretação de normas ininteligíveis.





 
***


O processo sumário encontra-se previsto nos artigos 381.º a 391º do Código de Processo penal.
De seguida procederemos à análise de alguns aspetos deste processo especial, muito focados no instituto da suspensão provisória do processo.

1. Tramitação do Processo sumário

Recebido o auto de notícia, o Ministério Público pode:
a) Ordenar a autuação, registo e distribuição (se for o caso) do auto de notícia como processo preliminar a sumário, com o prazo perentório de 15 dias para remessa a sumário, contados nos termos do art. 382º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal.
Quanto a este processo preliminar a sumário importa reter as seguintes notas:
- Não se trata de um inquérito, no sentido dos arts. 262.º e segs. do Cód. Proc. Penal, pois se houver abertura de inquérito fica inviabilizada a dedução de acusação em processo sumário – a acusação não seria recebida, por erro na forma de processo, que constitui nulidade insanável (cf. art.º 119.º, al. f), do Cód. Proc. Penal);
- Neste processo preliminar a sumário não há intervenção do juiz de instrução, pois este só intervém na fase de inquérito ou na instrução ou no caso particular do art. 384.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal (aqui já se abriu processo sumário, fase processual sob a alçada do juiz). Aliás, não é também admissível a intervenção de juiz de instrução no caso de não abertura de inquérito pelo Ministério Público.
- Neste processo preliminar a sumário não existe recurso a detenção de testemunhas ou de arguidos para comparência, ao abrigo do art. 116.º do Cód. Proc. Penal, pelo que a alternativa, no caso de inviabilização dos objetivos prosseguidos, terá de ser a abertura de inquérito (neste caso já se poderá promover a condenação em multa e a detenção para comparência, nos termos do art. 116.º do Cód. Proc. Penal).
- Neste processo preliminar a sumário o Ministério Público pode, no prazo perentório de 15 dias, executar um conjunto de diligências que vão desde o interrogatório sumário do art. 382.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal até às diligências de prova essenciais à descoberta da verdade do art. 382.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
- Findas essas diligências, o Ministério Público, dentro do prazo perentório de 15 dias, pode arquivar o processo, sem possibilidade de abertura de instrução, pode requer o julgamento em processo sumário ou pode requerer (e não decretar) a suspensão provisória em processo sumário.
- No caso de requerer o julgamento em processo sumário ou a suspensão provisória em processo sumário, o juiz do processo sumário recebe o processo preliminar a sumário e determina a sua autuação como processo sumário.
b) Despachar no sentido de remessa direta, sem abertura formal de processo preliminar a sumário, do auto de notícia para julgamento em processo sumário, sendo certo que, neste caso, se a detenção foi efetuada por particulares, deve formular acusação, enquanto que no caso de detenção efetuada por OPC pode substituir a acusação pela leitura do auto de notícia (cf. art. art. 389.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal; e ainda Helena Leitão, in Jornadas de Processo Penal, “Processos Especiais: os processos sumário e abreviado no Código de Processo Penal”: «…Se a detenção tiver sido efetuada por outra pessoa que não uma autoridade judiciária ou entidade policial, nos termos do art. 381º, n.º 2, al. b), não haverá auto de notícia e, então, em nosso entender, o Ministério Público deverá deduzir acusação. De facto, nessas circunstâncias, não poderá prevalecer-se nem do “auto sumário de entrega” a que alude o art. 381º, n.º 1, al. b), nem da queixa ou denúncia criminais. Assim, o primeiro não preenche os requisitos de um auto de notícia (entendendo-se tal conceito em sentido técnico, ou seja, como o auto que é levantado por uma das categorias de pessoa referidas no art. 243º quando presencia um crime de denúncia obrigatória) e as segundas não podem ser lidas em audiência para os efeitos do art. 389º, n.º 2…»).

Uma vez recebido o expediente proveniente do Ministério Público, o juiz do processo sumário determina a sua autuação como processo sumário. E, neste caso, pode este juiz desencadear a aplicação da suspensão provisória do processo sumário, nos termos do n.º 1 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal. Ou seja, o juiz do processo sumário pode perguntar ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público se concordam com proposta sua de suspensão provisória do processo e, havendo concordância, decretar depois a suspensão provisória.
Mas também o assistente e o arguido podem requerer ao juiz do processo sumário a suspensão provisória do processo. Neste caso, o juiz do processo sumário deve pronunciar-se no prazo ordenatório de 5 dias, nos termos do n.º 1 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal.
E quando a lei refere “devendo o juiz pronunciar-se”, impõe ao juiz uma avaliação da viabilidade da requerida suspensão.
Diz depois o n.º 2 do art. 384.º do Cód. Proc. Penal que, após pronúncia do juiz do processo sumário, este, quer concorde quer não, remete o processo ao juiz de instrução, para “concordância”, ou seja, para formalização do acordo alcançado, não resultando da lei que a pronúncia do juiz do processo sumário (cf. juiz da Pequena Instância Criminal) seja vinculativa ou impeditiva. Doutra maneira, converte a lei o juiz de instrução, sedeado no Tribunal de Instrução Criminal, num juiz de garantia face a outro juiz, faz a lei intervir um juiz de instrução no processo sumário! A concordância do juiz de instrução será por referência a uma decisão prévia, designadamente a do juiz do processo sumário, o que constitui uma incongruência da lei processual penal, que terá de ser objeto de uma interpretação corretiva, no sentido de que o juiz de instrução não deve ter qualquer intervenção, pois não é juiz de instrução face a outro juiz! Por aqui se vê que a lei demanda efetivamente uma interpretação corretiva, que exclua a intervenção de um segundo juiz, designadamente o de instrução, ainda por cima situado noutro tribunal, o Tribunal de Instrução Criminal.
c) Despachar no sentido de remessa do processo preliminar a sumário, requerendo a suspensão provisória neste tipo de processo, dirigido por um juiz.

O juiz do processo sumário recebe então o processo preliminar a sumário e determina a sua autuação como processo sumário. E, concordando (a lei diz que o juiz, e não o juiz de instrução, deve “pronunciar-se”) com o requerimento do Ministério Público, no prazo de 5 dias (prazo meramente ordenatório) do art. 384.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, deve enviar o processo sumário ao juiz de instrução, tal como é imposto pelo n.º 3 do mesmo dispositivo legal.
Recebendo o processo sumário, o juiz de instrução, em prazo que a lei não refere, mas que seria sempre meramente ordenatório, dá a sua concordância ao acordo apresentado, ou seja, determina a sua “homologação” através de despacho que determina o início da suspensão provisória. Ato seguido, devolve os autos ao juiz do processo sumário, o qual passa a fiscalizar o cumprimento/incumprimento da suspensão provisória decretada, não esclarecendo a lei qual juiz deve formular o despacho de arquivamento da suspensão provisória em processo sumário, para que fique com visto em correição nessa fase de processo sumário e no tribunal competente para o processo sumário.
Não havendo concordância nem do juiz do processo sumário nem do juiz de instrução, o processo sumário é devolvido ao Ministério Público, para que formule acusação ou decida em conformidade. E o Ministério Público deverá então proceder conforme indicado no art. 384.º, n.º 2, segunda parte, do Cód. Proc. Penal.
Porém, antes disto, pode acontecer que o juiz do processo sumário remeta o processo ao juiz de instrução, pronunciando-se favoravelmente à suspensão provisória, e este não concorde. Não existe qualquer conflito, pois prevalece sempre a posição do juiz de instrução. Todavia, esta incongruência, bem vistas as coisas, demanda uma interpretação corretiva da lei, como já atrás referido, no sentido de afastar sempre a intervenção do juiz de instrução – desde logo por estas duas razões: em primeiro lugar, não há fase de instrução em processo sumário; em segundo lugar, não se compreende que a lei imponha ao juiz do processo sumário que se pronuncie e que depois permita ao juiz de instrução contrariar tal pronúncia.
Recorde-se que, por força do art. 384.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, pode a iniciativa da suspensão provisória partir do juiz do processo sumário (art. 384º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal). E neste caso é ele que a decreta, não existindo envio ao juiz de instrução, o que reforça ainda mais a necessidade da aludida interpretação corretiva que afasta sempre a intervenção do juiz de instrução.
Tenha-se, porém, em consideração que a suspensão provisória em processo sumário, após formulação de acusação pelo Ministério Público, apenas pode ser requerida pelo arguido e pelo assistente ou ser decretada pelo juiz, sempre com a anuência do Ministério Público, até ao início da audiência de julgamento.
d) Importa ainda ter em consideração estes pontos:
1.º Não existe autuação de processo sumário do e pelo Ministério Público, e até com intervenção de juiz de instrução, à revelia de qualquer autuação como processo sumário no Tribunal de Pequena Instância Criminal – só há processo sumário se o juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal mandar autuar como processo sumário o expediente do Ministério Público ou o processo preliminar a sumário;
2.º O Ministério Público não pode recorrer contra si próprio e não seria concebível que pudesse formular decisões em processo sumário, tal como não é concebível que em processo sumário tanto possa determinar a suspensão provisória o Ministério Público (cf. tese do “processo sumário do Ministério Público”, sustentada no Acórdão da Relação do Porto de 28-09-2011, Processo: 60/11.9GBAND; relator: Maria Pilar Oliveira – trata-se de uma “ligação direta" ao juiz de instrução, naquilo que se configura como um processo sumário sem autuação como tal no Tribunal de Pequena Instância Criminal e assim à revelia do juiz que aí presta serviço!), o juiz de instrução (quer por via da tese atrás referida entre parêntesis quer por remessa do juiz do processo sumário) ou o juiz de julgamento, numa fase processual dirigida por este último;
3.º Não existe qualquer violação do princípio do contraditório nas soluções propostas – cf. art. 40.º, al. e), do Cód. Proc. Penal: o juiz de instrução que dê a concordância à suspensão provisória em inquérito também não fica impedido de julgar o arguido;
4.º Após o decretamento da suspensão provisória do processo, ocorrido em processo sumário, fica o mesmo processo sumário suspenso a aguardar o decurso do prazo por que foi ele suspenso provisoriamente na secção judicial onde foi o processo distribuído. E quem fiscaliza o cumprimento da suspensão provisória é o juiz do processo sumário, que terá de formular o despacho de arquivamento similar ao do art. 282.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, que transita em julgado, e depois apor, em momento oportuno, o visto em correição no processo, para que ingresse no arquivo judicial do tribunal de Pequena Instância Criminal ou similar.
5.º No caso de incumprimento da suspensão provisória do processo sumário, este é remetido a inquérito, e as prestações feitas não podem ser repetidas, designadamente: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.
O Ministério Público deduz então acusação em inquérito para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento por decisão do juiz ou da condenação, conforme imposto pelo art. 384º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal.
Veja-se ainda o disposto no art. 390.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal: “Se, depois de recebidos os autos, o Ministério Público deduzir acusação em processo comum com intervenção do tribunal singular, em processo abreviado, ou requerer a aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo sumaríssimo, a competência para o respetivo conhecimento mantém-se no tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária.”



 
 
2. Requerimento de suspensão provisória
N.U.I.P.C N.º

*

DESPACHO

SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
1) dos Factos
Resulta indiciariamente provado que, no dia …/…/…, cerca das 11h05, em …o arguido:

Tiago André …,
conduzia o veículo ligeiro de matrícula …, com uma TAS de 1,20 gr/l.
Mais se apura que actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Com interesse para os autos apurou-se ainda que o arguido mostra sério arrependimento.
O arguido está desempregado, mas mostra-se socialmente inserido.
O arguido não tem antecedentes criminais e não existe registo de que tenha beneficiado de suspensão provisória por idêntico crime.
Vinha da comemoração do seu aniversário.
2) da Integração Jurídica
Os factos descritos integram a previsão dos artigos 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, do Código Penal - crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, a que acresce a sanção acessória de inibição de conduzir entre três meses e três anos.
Trata-se de um crime que tem subjacente a proteção do bem SEGURANÇA.
Elemento do crime é a culpa, que constitui na sua génese a capacidade de um indivíduo se motivar de acordo com as normas que regem a sociedade onde se encontra inserido.
No caso concreto o arguido reconhece as implicações da sua conduta e demonstra sincero arrependimento, que se traduz em poder afirmar-se que o ato praticado não passou de um ato isolado e que o arguido foi como que “arrastado” pelas circunstâncias para a sua prática o que lhe diminuiu a capacidade de optar por uma conduta normativa.
Não resultaram consequências para terceiros da conduta do arguido.
3) da Natureza da Suspensão Provisória do Processo
O instituto da suspensão provisória do processo constitui uma formulação prática do princípio da oportunidade.
Traduz a opção do legislador por uma solução político-criminal inspirada na ideia da obtenção de uma solução consensual entre os vários sujeitos processuais.
Tem lugar quando estejam reunidas três condições cumulativas:
1º- subjetiva – ausência de grau elevado de culpa do agente, não subsistindo interesse público a reclamar a perseguição criminal;
2º- objetiva - reduzida gravidade da ilicitude ou danosidade social;
3º- índole político-criminal - dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral, se não mesmo a sua inconveniência de uma perspetiva de prevenção especial.
No caso concreto da condução sob o efeito do álcool, é dramática a ineficácia da Justiça a este nível, não obstante a severidade com que os tribunais vêm reagindo contra a situação, aplicando medidas de inibição efetivas.
O interesse público e a consequente perseguição criminal tem de assentar em princípios pedagógicos de prevenção, no sentido da educação cívica e para o direito e não de repressão.
Só com a interiorização do desvalor da ação, através do confronto com os seus valores, poderá o arguido estar desperto para a adoção de comportamentos diferentes.
Estas as razões subjacentes à justificação da proposta das injunções que se seguem.
4) dos Pressupostos da Suspensão Provisória do Processo

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 281.º do Cód. Proc. Penal importa considerar que:
a) O arguido concordou com a injunção proposta;
b) Nunca beneficiou do instituto da suspensão provisória por crime da mesma natureza, sendo primário;
c) A culpa é atenuada, pois vinha do seu aniversário, não dando lugar a acidente e até pela taxa de álcool apurada;
d) A injunção proposta e aceite pelo arguido é a resposta adequada e necessária ao conflito subjacente.
5) da Conclusão

Reunidas as suas condições de aplicabilidade, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1 e 2, al. m), do Cód. Proc. Penal, determino a remessa dos autos a juízo, sob a forma sumária, propondo-se, nos termos do disposto no art. 281.º, por remissão do art. 384.º, ambos do Código de Processo Penal, a suspensão provisória do processo sob as seguintes injunções:
1. Entrega da sua carta de condução nos autos, no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho judicial que determinar a suspensão provisória, sem averbamento da inibição no registo individual de condutor do arguido, ficando a mesma apreendida por quatro meses; e
2. Prestação de 100 horas de trabalho a favor da comunidade, em entidade e nos termos e sob a orientação da “Direcção-Geral de Reinserção Social”.
*

Processei, imprimi, revi e assinei o texto, seguindo os versos em branco ( art. 94.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal ).
                                                                                      
Local e data
Nome e cargo do magistrado

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Contumácia - Pessoa Colectiva


Acórdão da Relação do Porto de 16-11-2011
Processo 332/06.4TAMCD-A.P1
JTRP000
Relator: Álvaro Melo
4ª SECÇÃO.
Sumário:
O instituto da contumácia não é aplicável à pessoa coletiva.

Texto integral
Processo n.º 332/06.4TAMCD-A.P1
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO:
No processo n.º 332/06.4TAMCD, do Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros, no qual é arguida B…, Ldª, datado de 23/02/2011, foi proferido despacho que indeferiu a promoção do Ministério Público para que a sociedade arguida fosse notificada para se apresentar em juízo, nos termos do disposto no artigo 335º, do CPPenal.
Não conformado com tal decisão, interpôs o Ministério Público o presente recurso apresentando as seguintes conclusões, as quais como é consabido, balizam e limitam o âmbito e objecto de mesmo (Transcrição Integral):
1. Perante os factos emergentes dos autos não se podia concluir pela não aplicabilidade do instituto previsto no art. 335º do Código Penal à sociedade arguida;
2. Não o fazendo, o meritíssimo juiz violou, em nosso modesto entender, o art. 125.º, n.º l, al. b), e art. 126.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal e os arts. 335.º a 337º do Código de Processo Penal;
3. É claro que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas não reveste os mesmos contornos que a responsabilidade das pessoas singulares e por isso também o instituto da contumácia tem de ser aplicado às pessoas colectivas com as necessárias adaptações;
4. Poderá haver lugar ao arresto de todas as contas bancárias tituladas pela arguida em território nacional, para o que se oficiará ao Banco de Portugal, em conformidade, e bem assim o arresto de eventuais depósitos em Certificados de Aforro de que seja titular, oficiando-se para o efeito ao Instituto de Gestão de Crédito Público, em Lisboa — cf. art. 337.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal;
5. Também nada obsta a que a declaração de contumácia da pessoa colectiva seja averbada no registo comercial.
6. Ora, ao afastar a possibilidade de notificação por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena da arguida ser declarada contumaz, o tribunal recorrido está a afastar a aplicabilidade do disposto no art. 125.º, n.º 1, al. b), e art. 126º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, e fez perigar a pretensão punitiva do Estado;
7. É certo que, nesta fase dos autos, e face ao teor do despacho recorrido, ainda se desconhece se o legal representante da sociedade arguida vai ou não apresentar-se em juízo no prazo de 30 dias, mas, não é de afastar a possibilidade do gerente da sociedade arguida não o fazer;
8. Desta feita, se não cabe ao julgador “criar ou justificar causas de suspensão não especialmente previstas” — Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, pág. 238, também não cabe ao julgador ignorar causas de interrupção ou suspensão quando se verificam;
9. Pelo que o despacho do Mmo Juiz que declarou que o instituto da contumácia não se aplica às pessoas colectivas deverá ser revogado, substituindo-se por outro que ordene a notificação da pessoa colectiva, na pessoa do seu legal representante, para se apresentar em juízo no prazo de 30 dias.
*
Não houve resposta.
Admitido o recurso e já neste Tribunal da Relação o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu Douto parecer no qual considera o recurso não merece provimento.
*
Colhidos os vistos, e realizada conferência, cumpre decidir:
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
É o seguinte o teor integral do despacho recorrido:
«A Sr.ª Procuradora-Adjunta veio promover que a sociedade arguida seja notificada para se apresentar em juízo nos termos do disposto no artigo 335.° do CPP.
Tal promoção pressupõe naturalmente que as pessoas colectivas podem ser declaradas contumazes.
Na nossa modesta opinião, entendemos que tal possibilidade não se extrai da lei tal como ela está talhada actualmente.
Por um lado, a figura está configurada para pessoas singulares (cf. artigo 337.º do CPP) a que a natureza da pessoa colectiva não se ajusta: note-se que no n.º 5 do referido dispositivo legal se refere que a declaração de contumácia deve ser comunicada a parente ou pessoa da sua confiança, momento em que são emitidos mandados de detenção.
A tudo acresce que no registo de contumácia, o formulário actualmente em vigor dispõe de campos com dados nominativos que apenas se dirigem a pessoas singulares (cf. Jorge Reis Bravo, in Incidências processuais da punibilidade de entes colectivos, Revista do Ministério Público, 105, 2006, págs. 76 e ss.).
Assim sendo, e sem prejuízo de entendermos que tal regime legal coloca questões delicadas, mormente no que tange com a prescrição do procedimento criminal, a verdade é que actualmente a letra e o espírito da lei não apontam na direcção da possibilidade de declarar contumazes pessoas colectivas.
Em face do exposto, indefiro a promoção do Ministério Público.
Notifique.».
*
A questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se o instituto da contumácia é aplicável às pessoas colectivas, designadamente, as sociedades comerciais.
A propósito da questão escreveu o Sr. PGA no seu Douto Parecer de fls. 41 e 42:
«Escreveu Paulo Pinto de Albuquerque no seu “Comentário ao Código de Processo Penal” (2ª edição – 2008), em anotação ao artigo 335º do código referido (comentário n.º 8):
“A pessoa colectiva arguida não pode ser declarada contumaz, mesmo que não tenha tido sucesso a tentativa de notificação da acusação e do despacho de saneamento dos autos, sendo a natureza pessoalíssima desse regime rebelde à sua aplicação analógica a pessoas colectivas (também assim, Reis Bravo, 2006:77, que tempera esta conclusão com uma “adesão” contra natura do ente colectivo à contumácia dos co-arguidos pessoas físicas, designadamente para efeitos da suspensão e interrupção do prazo de prescrição do procedimento, em violação do princípio da legalidade)».
Refere também o Sr. PGA no seu Douto Parecer referido, transcrevendo Jorge Reis Bravo, in Revista do Ministério Público, n.º 105, pág. 76 e segs.:
“… o referido instituto é matricialmente concebido e regulado tendo em atenção a natureza individual dos seus destinatários. Na verdade julga-se que será dificilmente defensável que o instituto se possa aplicar a pessoas ou entes colectivos. Com efeito, a inexistência de previsão dessa possibilidade em sede de direito positivo, sugere que tal hipótese nunca terá estado na mente do legislador. Por outro lado, toda a regulamentação do instituto é direccionada para indivíduos (pessoas humanas), sendo mais uma manifestação do carácter antropocêntrico do nosso direito processual penal. A previsão em diversas normas da possibilidade de «detenção» ou «apresentação voluntária» do arguido como meio de operar a caducidade da declaração de contumácia, «a comunicação a parente ou a pessoa da confiança do arguido» (artº 337º, n.º 5) expressam eloquentemente que tal regime se encontra apenas pensado para indivíduos. Ou, dito de outra forma, ainda que se admitisse a possibilidade de declaração de contumácia de entes colectivos, pode legitimamente inferir-se que seria inviável a verificação dos pressupostos da sua caducidade. Também no que respeita à natureza dos efeitos da contumácia, os seus contornos são claramente pensados para pessoas singulares, ao pensar o legislador, como formas de desmotivar tal situação, a «passagem imediata de mandado de detenção», «a anulabilidade de negócios jurídicos» e a proibição de obter determinados documentos junto de repartições públicas (artº 337º, do CPPen.). Acresce que o artº 19º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro (Registo Criminal e de Contumazes), ao prever o conteúdo dos ficheiros de contumazes, aponta para a inclusão de elementos de identificação civil apenas aplicáveis aos indivíduos.
Na verdade, compreender-se-ia mal, pela própria natureza das coisas, que uma sociedade, associação, fundação, outra pessoa colectiva equiparada com ou sem personalidade jurídica, pudesse ser sujeita a um mecanismo formatado para pessoas físicas, uma vez que o seu substrato ficcional permitiria sempre uma qualquer forma de representação e defesa processual”.»
Também no estudo “A responsabilidade penal das pessoas colectivas ou entidades equiparadas na recente alteração ao Código Penal ditada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro: Algumas Notas” de Mário Pedro Meireles, publicado na Revista Julgar, n.º 5, pág. 136 se escreve:
«Dada a redacção do actual artigo 335º do Código de Processo Penal entendemos que tal declaração supõe diligências no sentido de conseguir a notificação do arguido para julgamento que, tal como se mostra redigida tal norma, no nosso modesto ver, não se mostra aplicável, mesmo com adaptações, às pessoas colectivas ou entidades equiparadas. Aliás, no sentido que propugnamos, se mostram ainda redigidas as normas que completam o instituto da contumácia, tal como o mesmo decorre do disposto nos artigos 336º e 337º do Código de Processo Penal, atendendo, nomeadamente, aos efeitos previstos para a declaração de contumácia, não susceptíveis de aplicação às entidades colectivas, mesmo com adaptações».
Não encontramos melhor argumentação no sentido da tese defendida no recurso, pelo que sufragando a expendida nas transcrições supra, resta confirmar a decisão recorrida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.
*
III – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido.

Não é devida tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator, com verso das folhas em branco – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 2011-11-16
António Álvaro Leite de Melo – Relator
José António Mouraz Lopes – Adjunto

Comentário:

Nenhum dos argumentos utilizados pelo Ministério Público no recurso se mostra adequadamente analisado pelo acórdão recorrido. É, aliás, irrespondível que:

- A responsabilidade criminal das pessoas colectivas não reveste os mesmos contornos que a responsabilidade das pessoas singulares e por isso também o instituto da contumácia tem de ser aplicado às pessoas colectivas com as necessárias adaptações;

- Tal como nas execuções, poderá haver lugar ao arresto de todas as contas bancárias tituladas pela arguida em território nacional, para o que se oficiará ao Banco de Portugal, em conformidade, e bem assim o arresto de eventuais depósitos em Certificados de Aforro de que seja titular, oficiando-se para o efeito ao Instituto de Gestão de Crédito Público, em Lisboa — cf. art. 337.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal;

- Também nada obsta a que a declaração de contumácia da pessoa colectiva seja averbada no registo comercial, ainda que os formulários devam ser adaptados.

Por outro lado, a declaração de contumácia da pessoa colectiva permite ainda outro efeito que o acórdão não refere: a suspensão da prescrição do procedimento criminal (cf. art. 120º, n.º 1, al. c), do Código Penal). Ora, não se compreende que o legislador não tenha querido esta suspensão também em relação a pessoas colectivas.
Este acórdão agarra-se, no meu entender, a elementos literais, deixando de fora uma interpretação sistemática que permitiria a aplicação do instituto da contumácia, com total respeito pela proibição da analogia em desfavor do arguido.
Para terminar, em conformidade com o referido em comentário a este "post", cumpre salientar o teor do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 288/2009, de 8 de Outubro (segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro, que regulamenta e desenvolve o regime jurídico da identificação criminal e de contumazes, e primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 62/99, de 2 de Março, que regula os ficheiros informáticos em matéria de identificação criminal e de contumazes):



"Artigo 19.º [...]


1 - O registo de contumazes é constituído pela identificação do titular e por extractos de decisões proferidas pelos tribunais, de declaração, alteração ou cessação de contumácia que a ele respeitem.

2 - A identificação do titular abrange:

a) Tratando-se de pessoa singular, nome, sexo, filiação, naturalidade, data de nascimento, nacionalidade, residência e número de identificação civil ou, na sua falta, do passaporte ou de outro documento de identificação idóneo;

b) Tratando-se de pessoa colectiva ou entidade equiparada, denominação, sede e número de identificação de pessoa colectiva.

3 - ..."

Portanto, estamos perante uma decisão errada.