segunda-feira, 2 de junho de 2008

Conversão da multa em prisão subsidiária – notificação ao defensor

Acórdão da Relação de Lisboa, de 20.05.08

in www.pgdlisboa.pt/pgdl/

I. O arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado, em pena de multa, a qual não foi paga voluntariamente, nem sendo possível a sua cobrança coerciva, tendo sido efectuada a sua conversão em pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços e ordenado o cumprimento de tal prisão, tendo-se procedido à notificação do arguido por via postal simples, com prova de depósito, na morada constante do termo de identidade e residência prestado nos autos.
II. Colocando-se, em recurso interposto, a questão da validade de tal notificação – entendendo o Ministério Público que deveria ter ocorrido notificação pessoal do arguido, excluindo-se aquela via –, entende-se que a mesma não respeita a nenhum dos actos processuais em que a lei exige notificação pessoal – cfr. art.113º., nº.9 do C.P.P. – podendo a mesma ser efectuada na pessoa do respectivo defensor ou advogado.
III. Com efeito, inexistindo obrigação legal de o tribunal proceder à notificação pessoal do arguido, a notificação efectuada ao defensor daquele garante os direitos do arguido, que se limitam à interposição de recurso, caso discorde de tal decisão, sendo certo que o arguido poderá, em qualquer momento (ou seja, mesmo depois de transitado em julgado o despacho notificado), proceder ao pagamento da multa em dívida, assim evitando o cumprimento da prisão subsidiária.
IV. Não há diminuição relevante das garantias de defesa do arguido – que, como se disse, pode recorrer, através do seu defensor, da decisão que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária, não sendo, apesar disso, definitiva aquela conversão, porquanto continua o arguido a poder pagar a multa, evitando cumprir a prisão – e obsta-se à paralisia do processo quando, como é o caso, se desconhece o paradeiro do arguido.
V. A tal entendimento não obsta o teor do ACTC nº.422/05, de 17.06.05 que se reporta à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a qual pressupõe a audição prévia do arguido, para a qual é necessária a notificação pessoal deste, sem esquecer a relevante diferença resultante do facto de, transitado em julgado o despacho que determinou a revogação da suspensão da pena, ser irreversível a execução da correspondente pena de prisão.

Proc. 2992/08 5ª Secção
Desembargadores: José Adriano - Vieira Lamim

Sumário elaborado por Lucília Gago


Em sentido diferente:

Acórdão da Relação de Évora de 22.04.08
Processo:545/08-1

Sumário:
1 - As obrigações emergentes do termo de identidade e residência, nomeadamente a prevista na alin. c) do n.º3 do art.196.º do CPP, cessam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 214.º n.º1, alin. e) do CPP). A partir deste trânsito deixou o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.º 1, alínea b), do CPP).

2 - Uma vez que, no presente caso, estavam juridicamente extintas essa medida de coacção e esta última obrigação, perante a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração, torna-se intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade daquele.

3 - Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão que decretou a conversão da pena de multa em pena de prisão.

4 - Em nosso entender, não basta, no caso, a notificação do despacho ao defensor oficioso nomeado, pois trata-se de decisão que afecta a liberdade do arguido em grau intenso, não havendo razões para não a sujeitar à disciplina do art. 111.º n.º9, “2.ª parte”, do CPP. A pena de prisão resultante da conversão de uma pena de multa não deixa de ser uma pena de privativa da liberdade que apenas possui como nota distintiva a possibilidade do condenado poder evitar a respectiva execução, procedendo ao pagamento integral ou parcial do valor da multa (cf. art. 49.º n.º 2 do C. Penal), não retirando àquele a possibilidade de impugnação perante o tribunal superior dos fundamentos que estiveram na base da conversão.

5 - Por isso que, não se tendo logrado a notificação pessoal do condenado do despacho que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária, foram prematuras as diligências realizadas ao abrigo do disposto nos art. 476.º e 335.º do CPP, com vista à prolação da declaração de contumácia.

6 - Só a partir do trânsito em julgado do despacho que decretou a conversão da pena de multa em pena de prisão, é que o condenado pode ser colocado em cumprimento de pena, ou constatar-se que se eximiu ao cumprimento, abrindo-se então, neste último caso, a possibilidade da sua declaração como contumaz.

e

Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Lisboa,

de 30.06.08

I- Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o Termo de Identidade e Residência prestado nos autos - o TIR - porque é uma verdadeira medida de coação, extinguiu-se, nos termos do da alínea e) do n. 1 do artº 214º do CPP. Deste modo, transitada em julgada a sentença condenatória, já não é legalemte admissível ulterior notificação do arguido, por via postal simples, para a morada constante do TIR.

II- A tento o disposto nos art.s 32°, n. 5 da CRP e 61° do C.P.P. 'De acordo com este último dispositivo, o arguido goza em qualquer fase do processo do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que se tomem decisões que pessoalmente o afecte.'

III- Perfilhamos do entendimento que na aplicação da prisão subsidiária, é de suma importância, que se garanta o princípio do contraditório, porque para além de ser o mais conforme aos normativos referidos, sempre permitirá ao arguido, na iminência de ser preso, pagar a multa ainda que tardiamente, ver a pena ser suspensa, ou indicar bens para serem nomeados à penhora.

IV- Também o artº 113º do C.P.P. reflecte esta orientação, quando consagra que algumas notificações, devem ser feitas nas pessoas dos jeitos processuais.

V- Já o Ac. T. Constitucional nº 422/05, de 2005-08-17 decidiu que em caso de conversão da multa não paga em prisão subsidiária, a respectiva decisão '…representa uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação e porque pode ter como efeito directo a privação de liberdade do condenado, surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento que impõe a notificação pessoal ou por carta registada com aviso de recepção…'

VI- Termos em que procedendo o recurso do Ministério Público, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que, dando sem efeito os mandados de captura emitidos para cumprimento de pena, ordene a notificação pessoal do arguido da decisão que converteu em prisão subsidiária a multa não paga.

Proc. 5075/08 9ª Secção

- Desembargador: Margarida Veloso

Sumário elaborado por João Parracho