segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

As Reformas na Justiça...

A Lei de Política Criminal não é uma lei de investigação criminal.
Mas o certo é que cada vez mais se vem defendendo na doutrina que uma lei de política criminal pouco sentido faz sem uma boa lei de investigação criminal.
Não basta estabelecer objectivos, sendo necessário dotar quem investiga dos recursos necessários, recursos esses que nem sempre passam por mais meios humanos ou materiais, para o que se afigura essencial o diagnóstico dos entraves que vão surgindo. É necessário monotorizar o sistema, sob pena de se estar sempre a exigir mais do mesmo.
Era necessária a definição de prioridades e a definição de mecanismos de articulação entre a PGR, o Parlamento e o Governo, sendo o mecanismo do relatório um dos possíveis e adequados.
Mas dotar o sistema legal de uma lei de política criminal sem ao mesmo tempo ou até previamente estabelecer um diagnóstico das possibilidades do sistema de responder ao que se lhe pede é um caminho condenado ao insucesso ou ao pouco sucesso. Basta recordar que o estabelecimento de um catálogo de crimes que são investigados nos DIAPs sede de Distrito Judicial e no DCIAP representou desde logo uma opção deliberada por privilegiar a investigação de certos crimes. E se assim foi, importava saber que resposta foi dada, como funcionaram essas estruturas, com que problemas se debatem, que reformas urge fazer. E neste plano apenas se assiste da parte do Conselho Superior do Ministério Público, atenta a sua gritante falta de meios, ao seguimento da regra da capitação, e mesmo assim aquém do desejado por falta de meios humanos.
Está por fazer um estudo profundo e uma reflexão profunda sobre as necessidades e insuficiências organizativas actuais da magistratura do Ministério Público.
Sem o apuramento da organização funcional do Ministério Público, sem a dotação de meios legais, materiais e humanos que permitam uma efectiva e tempestiva direcção da acção penal, sem meios auxiliares e periciais suficientes e competentes, o cumprimento da filosofia garantística do actual Código de Processo Penal corre o risco de soçobrar e de se subverter, tornando este mecanismo legal um instrumento discriminatório, na medida em que se constata que sem esses instrumentos, são, maioritariamente, os responsáveis pela pequena e média criminalidade que, finalmente, vêm sendo condenados.
A organização do Ministério Público deve reflectir as exigências de eficácia e responsabilidade, adequando, sem complexos conservadores, o seu modelo organizativo às necessidades reveladas com a experiência da vigência do Código de Processo Penal posterior ao de 1929.
Essa experiência, bem como a de outros países europeus, vem revelando, designadamente no que à criminalidade mais complexa se refere, a necessidade da organização de verdadeiras equipas especializadas por tipos de criminalidade, que responsabilizadamente, acompanhem o processo desde o início da investigação policial até ao julgamento, momento maior da concretização e aferição da estratégia investigativa anterior, que, por isso, há-de ser sempre, desde o início, da responsabilidade e superior direcção do Ministério Público.
Por um lado, o Poder Político propõe-se publicamente enfrentar com firmeza e determinação o crime organizado, violento, transnacional e de colarinho branco. Por outro lado, afirma-se defensor acérrimo dos direitos fundamentais do arguido.
Porém, não cura de, na prática, municiar a magistratura, que dirige a investigação, dos meios humanos, materiais e técnicos essenciais àquele combate, no rigoroso cumprimento dos direitos fundamentais do arguido e da vítima. Os investimentos que faz são tiros fora do alvo...
O Ministério Público, enquanto magistratura autónoma do poder político, titular e responsável pela investigação e pelo exercício da acção penal, sujeita a estritos critérios de legalidade e objectividade, coadjuvado por órgãos de polícia criminal dele efectivamente dependentes funcionalmente, não exercerá função, também ela, garante de um estado de direito democrático, no âmbito do processo penal ? Há críticas a fazer à actuação em concreto do Ministério Público ? Claro que há. Mas serão necessárias novas e profundas alterações legislativas ? São, sem dúvida, mas importa, com a produção legislativa que já temos, muito positiva, aliás, reflectirmos em conjunto, sem preconceitos e sem medo dos apregoados e pretensos poderes do Ministério Público, que não são mais do que um poder-dever de objectivamente cumprir a lei e a Constituição. Sem reticências e pré-juízos por parte do Ministério Público relativamente às intenções escondidas do Poder Político.
Leis temos nós. O problema é aplicá-las, dar-lhes execução, insuflar-lhes vida, implementá-las.
Uma lei de política criminal que esqueça que os magistrados se encontram amontoados em gabinetes insalubres, com cargas laborais que fariam arrepiar qualquer colega europeu, sem meios materiais de qualquer espécie, sujeitos aos caprichos da administração na quantidade e qualidade dos funcionários que os assistem, dependentes das vontades das diversas direcções policiais quanto à maior ou menor latitude e qualidade da sua colaboração, é uma lei hipócrita, cujo objectivo não é prestar um serviço público, mas servir intuitos perversos.
A eleição de prioridades no combate ao crime não se pode ficar pelo soluço legislativo. Impõe-se a especialização, a formação para a especialização, a constituição de soluções que permitam a resposta efectiva.
Ora, aquilo que se tem assistido é a um autêntico combate de franco-atiradores contra exércitos bem equipados e comandados. Basta recordar que não é sequer possível organizar um movimento de magistrados sem violação da regra básica do art. 137º, n.º 3, do Estatuto do Ministério Público, que não existe formação permanente digna desse nome nem bolsa de magistrados com número adequado de magistrados, quando, por outro lado, a magistratura se encontra em franca progressão para uma larga maioria de mulheres na profissão.
Com isto não se pretende condenar a lei de política criminal. Apenas e tão-só reflectir sobre o tema, reconhecer a sua total ineficácia, para não falar na forma como alguns se encarregaram de a pretexto de tal lei ainda burocratizar mais os tribunais...
A actuação da justiça, exercida por burocratas profissionais, não pode ganhar prevalência na articulação com os poderes democráticos e a circunstância de em alguns casos os órgãos judiciários realizarem as intenções político-criminais do sistema legal, por exemplo em sede de soluções de diversão e de sanções penais, não ilide antes reforça o postulado da sua subordinação ao programa político definido pelos órgãos de soberania politicamente conformadores e democraticamente legitimados, em particular a Assembleia da República através das suas leis.
A política criminal não se expressa, porém, apenas na definição dos crimes, penas e medidas de segurança e respectivos pressupostos, mas ganha expressão desde logo noutros segmentos, como por exemplo a concretização dos juízos sobre as exigências de prevenção geral, que podem determinar a aplicação de soluções de diversão e condicionam a individualização das penas.
Podem aqui enunciar-se diversas situações que podem justificar a intervenção neste âmbito:
- os critérios para o recurso ao instituto da suspensão provisória do inquérito ( art. 281º do Cód. Proc. Penal ) e do arquivamento em caso de dispensa de pena ( art. 280º do Cód. Proc. Penal );
- os critérios para o recurso ao disposto no art. 16º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal;
- os critérios para recurso e escolha da pena de multa no processo sumaríssimo;
- o estabelecimento de critérios ou procedimentos internos em matéria de requerimento de júri em processo penal;
- o estabelecimento de mecanismos de controle da fase de julgamento ( cfr. art. 53º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Penal );
- a questão da coordenação entre a fase de investigação e de julgamento;
- o estabelecimento de critérios que atendam à especialização e experiência na colocação de magistrados – existe aqui uma imperiosa necessidade de mecanismos de selecção e de controlo da qualidade do desempenho dos membros colocados nos órgãos competentes para os processos de maior relevância e complexidade, o que implica também o estabelecimento de sistemas de formação, especialização e selecção;
- o controle da forma como os procuradores da república cumprem o estatuído no art. 63º, n.º 1, al. a), do EMP, ou sejam, como se processa a distribuição directa de inquéritos quando o justifiquem a gravidade da infracção ou a complexidade do processo ( não se inclui o critério da especial relevância do interesse a sustentar porque se trata de critério exclusivo da fase de julgamento – mas aqui importa saber também como se processa a intervenção do procurador da república ), pois que estamos perante um dever pessoal e não perante um poder pessoal;
- é importante a existência de um dever de informação a respeito de avocação e substituições ( onde é admissível a figura da reclamação ) e distribuição de serviço entre procuradores-adjuntos, cujos despachos devem ser emitidos segundo critérios genéricos e abstractos e pré-definidos, pois que a avocação e a substituição só em casos processualmente previstos são admissíveis;
- o estabelecimento de equipas de investigação: ponto 8 da Recomendação ( 2000 ) 19 do Conselho da Europa: concentração de competências num único grupo ( equipas pluridisciplinares ) é um factor vital para a eficácia operacional do sistema;
- a escolha dos procuradores da república-coordenadores não pode ser um processo alheio ao CSMP;
- para além da inspecção devem existir mecanismos de avaliação dos poderes de direcção da hierarquia, pois é inaceitável o exercício de poderes de direcção administrativo-política sem os correlativos deveres e responsabilidades de prestação de contas.
Essa circunstância, porém, não afasta o princípio da reserva judiciária no foro penal, pelo que a participação do Ministério Público na execução da política criminal tem de se operar nos termos da lei e está vinculada, de forma expressa, ao respeito de dois princípios constitucionais:
- a autonomia do Ministério Público; e
- o exercício da acção penal orientado pela legalidade.
As directivas genéricas e as ordens e as instruções da hierarquia devem compatibilizar-se com as regras do processo penal, onde se define o âmbito da intervenção hierárquica – ex: não se prevê a ordem para não acusar, embora se permita a avocação e a substituição ( cf. art. 278º da CRP e EMP ): a substituição dispositiva proactiva existe apenas nos casos dos arts 68º, n.º 1, do EMP e 276º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal .
É aqui importante assinalar a função de coordenação, que se encontra atomisticamente estabelecida na actualidade, desde logo por falta de agregação de círculos, sob a chefia de um Procurador-Geral Adjunto.
A definição de critérios relativos aos casos em que deve haver concentração da investigação, que devem correr com natureza urgente ou em que o Ministério Público deve realizar directa e/ou pessoalmente a investigação é fundamental ( cfr. direcção do inquérito ).
Por outro lado, há instrumentos processuais que necessitam de urgente clarificação legislativa.
A formação inicial e permanente é assunto fundamental.
Nos DCIAPS e DIAPS B já existe eleição de prioridades legal, mas não se fez um estudo de produtividade.
A contingentação é tema esquecido, mas uma percentagem de serviço superior a 20 a 30 % leva ao cometimento de erros muito graves em qualquer trabalhador.
Não se diagnosticaram as causas de não funcionamento adequado de certos institutos e da justiça, com especial relevo para o Ministério Público.
O Atlas judiciário é a única via possível para que se alcance a especialização mediana, mas não a especialização necessária. Impõe-se a criação de procuradorias nacionais, regionais, como por exemplo em sede de administrativa e tributária e para investigação da criminalidade fiscal, etc.
Não se vê um esforço para criar áreas de investigação temática – ex: crimes fiscais e segurança social, corrupção, etc. Muitos processos significam desatenção e não investigação. A não contingentação é o melhor terreno para que a corrupção e o crime organizado se desenvolvam sem reacção penal. Não é uma reivindicação sindical…
A informatização está por fazer e o CSMP não se tem preocupado sequer com esse problema em relação a si.
O modelo de funcionários do Ministério Público à semelhança dos das secretarias judiciais está ultrapassado.
O funcionamento do CSMP é tudo menos recomendável : os vogais estão com sobrecarga de serviço, que os impede de trabalharem para o CSMP, não há boletim, não há informatização, não há afectação de meios, o orçamento da PGR não passa pelo CSMP – e de nada servia o contrário...-, não há modelos de gestão, salvo o da capitação.
Não se compreende é que se estabeleça uma lei de política criminal e se refira à partida, se bem interpretei o anteprojecto respectivo, que nada há a referir em sede de afectação de meios. Não há meios, não há um diagnóstico dos problemas, mas há uma lei.
Voltando ao início, repito, não se resume a política criminal e a reforma dos tribunais à tarefa de fazer a lei e afectar uns quantos edifícios, tal como não se combate o crime com a simples previsão de tipos legais de crime, como se isso bastasse para que o cidadão não violasse a lei.
Nunca houve a preocupação de criar estruturas que tivessem uma capacidade de intervenção autónoma na investigação, reproduzindo-se o modelo das secretarias judiciais.
O Ministério Público foi, assim, dotado de serviços administrativos que fazem a gestão dos inquéritos, numa lógica de continuidade com a experiência anterior, mas nunca foi dotado de meios materiais e humanos que permitissem uma investigação no terreno.
Mesmo ao nível da mera gestão dos processos, a formação que foi dada aos funcionários nunca equacionou as especificidades dos processos de inquérito.
Embora se tenha dado a esses funcionários a possibilidade legal de assumirem as funções de OPC no processo, a verdade é que nunca se lhes deu formação e um estatuto que permitisse a concretização dessas competências.
Nem os DIAPs com existência legal – e muitos só existem informalmente – nem o DCIAP foram dotados de meios que lhes permitissem ser uma estrutura efectiva de investigação criminal, assumindo-se apenas como estruturas de apoio à gestão burocrática dos processos.
Acresce que não incumbe ao Ministério Público nem aos tribunais em geral a gestão administrativa dos serviços, mas apenas a gestão funcional dos mesmos. Trata-se de um modelo organizativo do sistema de justiça português que deixa na alçada da administração da justiça a implementação das infra-estruturas, relegando a acção dos magistrados para a mera gestão processual.
Creio não haver hoje nenhum modelo de gestão de recursos humanos no âmbito da administração pública onde os critérios e as garantias administrativas ou os ensinamentos de boa gestão de quadros estejam mais arredados.
Face às novas exigências da criminalidade grave impõe-se um forte investimento na formação dos magistrados, bem planificada e direccionada.
Tudo isto permite perceber o que se pode esperar em termos de resposta a uma qualquer lei de política criminal ou reforma do judiciário.
A política criminal passa em primeiro lugar pela prevenção, pelo estabelecimento de boas práticas nos serviços públicos, que dificultem a corrupção. Depois, passa pela correcta previsão de tipos e sanções penais. Depois ainda, pela criação de estruturas que permitam defender o Estado de direito, estruturas essas que implicam uma correcta estruturação das polícias e do Ministério Público, enquanto titular da acção penal. Terminando depois na reinserção social de quem transgrediu.
Vistas as coisas assim, dir-se-á que muito fica por fazer. Em sede de prevenção, não se vê qualquer esforço de estabelecimento de boas práticas nos serviços públicos. A legislação processual penal fomenta o insucesso das investigações, como tem sucedido. As estruturas existentes são retrógradas, a coordenação não se faz como se devia fazer, os meios são escassos, tudo redundando numa justiça que persegue o delinquente pobre para deixar na impunidade o delinquente rico e poderoso, criando verdadeiros símbolos de sucesso, com aura divina, capazes de aguardar a perseguição penal em praias de Copacabana…

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Fundo de Garantia de Alimentos: pagamento reportado à data de formulação do pedido de intervenção do Fundo

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Processo: 208/06.5TBOHP

Nº Convencional:JTRC

Relator:TÁVORA VÍTOR

Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES/FUNDO DE GARANTIA

Data do Acordão:25-11-2008

Legislação Nacional:
ARTIGO 4.º DO DEC.LEI N.º 164/99, DE 13 DE MAIO; ARTIGO 2006.º DO CÓDIGO CIVIL LEI N.º 75/98 DE 19 DE NOVEMBRO; ARTIGOS ARTIGOS 2º, 63º Nº 3 E 69º Nº 2 DA CONSTITUIÇÃO DA RP


Sumário:
1) A Lei nº 75/98 de 19 de Novembro que criou Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores e o DL nº 164/99 de 13 de Maio que a regulamenta surgem-nos como a primeira tentativa de concretizar na prática a inten­ção programática fixada nos artigos 2º, 63º nº 3 e 69º nº 2 da Lei Fundamental quanto à efectiva protecção de crianças em situação de carência.
2) Em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência por parte de um menor, o Estado tem o dever de criar os pressupostos materiais indispensáveis ao exercício do direito a alimentos.
3) A criação do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores insere-se no escopo de concretização na prática do imperativo constitucional nesta matéria.
4) A intervenção daquela entidade só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita sentir em juízo através do requerimento que vai desen­cadear o processo em ordem à fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo que se pretende adequada a col­matar as necessidades do menor.
5) O facto de o artigo 4º do DL nº 164/99 de 13 de Maio estatuir de "o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribu­nal, suporta perfeitamente que na respectiva interpre­tação nos orientemos pelo disposto no "lugar para­lelo" a que se reporta o artigo 2006º do Código Civil, no sentido de que os alimentos são devidos desde a pro­po­situra da acção ou estando já fixados pelo Tribunal, desde que o devedor se constituiu em mora.
6) Nesta conformidade o pagamento das prestações ali­mentares por parte do Fundo de Garantia muito embora só se inicie com a notificação da decisão do Tribunal, reporta-se ao momento em que foi formulado o pedido visando conseguir aquele Apoio.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra