segunda-feira, 21 de março de 2011

Processo preliminar a processo sumário: suspensão provisória decidida pelo Ministério Público, com concordância do juiz de instrução/pendência nos serviços do MP/inexistência, porém, de instrução

- Sentença de 21-12-2010 Processo sumário. Suspensão provisória do processo. Serviços do Ministério Público. Registo e autuação do processo.

DECISÃO SUMÁRIA:

I – Embora o processo sumário não comporte uma fase de inquérito e não seja admissível a instrução, existe uma fase preliminar, mais ou menos prolongada, sob o domínio do Ministério Público, que se desenrola até à remessa dos autos para a fase de julgamento.
II – É durante essa fase preliminar que o Ministério Público, se o entender conveniente, interroga sumariamente o arguido e é nela que realiza as diligências de prova a que se refere o n.º 4 do artigo 382.º do Código de Processo Penal.
III – Se durante essa fase preliminar do processo sumário o Ministério Público decidir suspender provisoriamente o processo, não desempenha qualquer finalidade útil o registo, a distribuição e a autuação do processo no Tribunal de Pequena Instância Criminal quando não é o respectivo juiz o competente para apreciar a decisão de suspender o processo.
IV – Nessa fase preliminar, o processo, que é sumário desde que o Ministério Público decidiu tramitá-lo sob essa forma, deve permanecer nos serviços do Ministério Público, ser tramitado pelos respectivos funcionários e ser despachado pelo magistrado que dele é titular, ao qual competirá verificar se as condições estabelecidas ou legalmente previstas foram cumpridas, decidindo se o processo, depois de decorrido o prazo da suspensão, deve ser arquivado ou deve prosseguir.
Nota: no mesmo sentido Ac. TRL de 12-1-2011, acessível aqui e decisões sumárias do TRL, de 18-01-2011, proferida no âmbito do Proc. nº514/10.4pqlsb-A.L1, 3ª Secção, relatada por Domingos Duarte; de 20 de Janeiro de 2011, proferida no âmbito do Proc. nº698/10.1eclsb-A.L1, 5ª Secção, relatado por Margarida Blasco; de 19-01-2011, Proc. nº203/10.0sclsb-A.L1, 3ª Secção, relatada por Teresa Féria; de 25-01-2011, Proc. nº236/10.6S9LSB-A.L1, 3ª Secção, relatada por Rui Gonçalves; de 25-01-2011, Proc. nº 421/10.0PLLSB-A.L1, 9ª Secção, relatado por Margarida Vieira de Almeida; Acórdão TRL de 27-01-2011, Proc. nº1065/10.2PTLSB-A.L1, 9ª Secção, relatado por Maria do Carmo Ferreira; Ac. TRL de 27-01-2011, Proc. nº1534/10.4SILSB-A.L1, 9ª Secção, relatado por Maria do Carmo Ferreira.

Proc. 858/10.5SELSB.L1 3ª Secção
Desembargadores: Carlos Almeida - - -
Sumário elaborado por Carlos Almeida (Des.)

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I – RELATÓRIO
1 – No dia 11 de Novembro de 2010, o magistrado do Ministério Público colocado junto dos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa proferiu o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve:
«Resulta suficientemente indiciado que, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo constantes do Auto de Notícia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nesta comarca de Lisboa, J… T.., conduzia o veículo automóvel de matrícula 00-00-XX, no dia 11.11.2010, cerca das 8h00, na Rua Alexandre Sá Pinto, em Belém, sem estar habilitado para o efeito com qualquer título legal.
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem conhecendo as características do veículo que conduzia e da via por onde circulava.
Sabia, também, que conduzia sem estar para tanto habilitado, uma vez que não possuía carta de condução, e que, consequentemente, a sua conduta não era permitida por lei.
Pelo exposto, encontra-se o arguido indiciado da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
Tal(is) crime(s) é(são) punido(s) com pena de prisão não superior a cinco anos.
O arguido não tem antecedentes criminais.
Não existe notícia de ao arguido ter sido anteriormente aplicado o instituto da suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza.
A ocorrência surge como episódica na vida do arguido, bastante jovem e socialmente inserido. Não há lugar a medida de segurança de internamento no caso.
Verifica-se no caso concreto a ausência de um grau de culpa elevado do arguido, sendo de prever que o cumprimento das injunções/regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.
O arguido concorda com a suspensão provisória do processo nos termos que antecedem.
Assim, o Ministério Público entende ser de aplicar ao presente caso o instituto da suspensão provisória do processo, previsto no artigo 281.º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
– Fixar-se em quatro meses o período de suspensão provisória do processo nos termos do art. 282.º do C.P.P. (contados da notificação do arguido).
– …
– Cumprir a injunção de trabalho socialmente útil, que se fixa em 40 horas, em entidade, nos termos e sob a orientação definidos pela Direcção-Geral de Reinserção Social.
Remeta aos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, requerendo-se se R., D. e A. como Processo Sumário.
Após, mais se R. a remessa de imediato ao Mm° Juiz de Instrução Criminal, com vista à prolação de despacho nos termos do disposto no artigo 384.º do Código de Processo Penal.
Sendo proferido despacho judicial de concordância, promove-se a notificação ao arguido do presente despacho e do despacho judicial, com expressa menção de que deve cumprir a(s) regra(s) de conduta(s) e injunção(ões) impostas, no prazo fixado para esse efeito, sob pena de, não o fazendo, ou cometendo crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado, ser revogada a suspensão.
Mais se promove que, tendo sido aplicada a injunção de prestação de trabalho socialmente útil, se comunique à D.G.R.S. o despacho judicial e conduta e injunção fixados, bem como o prazo da suspensão.
Não sendo proferido despacho judicial de concordância, e na eventualidade de ser possível cumprir o limite temporal a que alude o n.º 2, do artigo 384.º do C.P.P., requer-se, desde já, o julgamento do arguido em Processo Sumário, substituindo-se a apresentação da acusação pela leitura do Auto de Notícia nos termos do art. 389.º, n.º 2 do C.P.P.».
A Sr.ª juíza de instrução veio a manifestar concordância com a suspensão provisória do processo determinada pelo Ministério Público.
Nesse mesmo dia a Sr.ª juíza colocada na 3.ª secção do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa proferiu o despacho que, na parte para este efeito relevante, se transcreve:
«O Ministério Público veio requerer que o presente expediente seja registado, distribuído e autuado como processo especial sumário e que, após, se remetam os autos ao Juiz de Instrução Criminal com vista à prolação de despacho nos termos do disposto no art. 384.º do Código de Processo Penal.
Cumpre apreciar.
Dispõe actualmente o art. 384.º do Código de Processo Penal, segundo a redacção introduzida pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, que:
1 – É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.º 281.º e 282.º, até ao início da audiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cinco dias.
2 – Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida a concordância do juiz de instrução, o Ministério Público notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 15 dias posteriores à detenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo o arguido de que aquele se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor.
3 – Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento ou da condenação.
Flui desta norma claramente que o legislador quis, em primeiro lugar, atribuir competência ao Juiz de Instrução para emitir a concordância relativamente à suspensão provisória do processo mesmo em processos em que estão reunidos os pressupostos para eventual realização de julgamento em processo sumário.
Em segundo lugar, caso tal concordância não seja obtida, então o Ministério Público procede às notificações necessárias tendo em vista a apresentação a julgamento em processo sumário em 15 dias após a detenção, mais sendo o arguido advertido pelo Ministério Público de que caso não compareça a audiência se realiza de todo o modo.
Em terceiro lugar, caso seja obtida concordância, mas se venha mais tarde a verificar incumprimento das injunções impostas ou condenação por crime da mesma natureza cometido no período da suspensão, o Ministério Público pode ainda acusar em processo abreviado, no prazo de 90 dias.
Perguntamos, então, qual o papel deste tribunal de julgamento na tramitação de expedientes em que estão reunidos os pressupostos para o julgamento sumário e nos quais o Ministério Público entendeu propor a suspensão provisória do processo?
São duas as situações em que tem intervenção:
a) Receber os autos para julgamento sumário, caso o Juiz de Instrução não manifeste concordância à suspensão provisória do processo (desde que verificados os demais pressupostos previstos na lei) – n.º 2 do art. 384.º;
b) Receber os autos sob a forma de processo abreviado, caso se venha a verificar incumprimento das injunções ou condenação por crime no período da suspensão (desde que verificados os demais pressupostos previstos na lei) – n.º 3 do art. 384º.
Apenas nessas ocasiões a lei prevê a intervenção do tribunal de julgamento.
Da economia da norma resulta expressamente que toda a tramitação até ao momento em que os autos venham para julgamento sumário, nos termos do n.º 2, ou para julgamento abreviado, de acordo com o n.º 3, a direcção do expediente cabe única e exclusivamente ao Ministério Público, a quem compete verificar se existiu concordância do JIC, se o arguido cumpriu as injunções e se, consequentemente, os autos devem ser arquivados, ou se as incumpriu, devendo acusar em processo abreviado, ou ainda se o JIC não manifestou a concordância à suspensão, caso em que terá que convocar arguido e testemunhas para julgamento sumário, a realizar no prazo de 15 dias após a detenção.
Aliás, neste mesmo sentido, ainda na vigência da anterior redacção da norma, mais dúbia, pois que se limitava a declarar correspondentemente aplicável em processo sumário as normas dos artigos 280.º a 282.º do Código de Processo Penal, se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim, no sumário disponível em http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/iur print ficha.php?nid=4753&codarea=57, diz-se o seguinte:
'Quando o Ministério Público, verificados os pressupostos para o processo sumário se limita a fixar os factos e o respectivo enquadramento jurídico-penal, para assim delimitar o objecto do processo, e, de seguida, tendo havido prévia aceitação do arguido das injunções propostas, requer e remete os autos ao juiz (de julgamento) para que este expresse a sua concordância à suspensão provisória, decidida esta, o processo deve permanecer nos serviços do MP durante o período de duração daquela suspensão e aí serão arquivados, caso as injunções e regras de conduta tenham sido cumpridas. É o n.º 3 do artigo 282.º do CPP que o diz expressa e claramente.' (Acórdão proferido no Processo 67/09.6PTPDL-A.L1 9.ª Secção).
Idêntica posição foi assumida no Acórdão proferido em 26-11-2009, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: «Nunca um processo deverá ser distribuído, para julgamento, ainda que sob a forma sumária, pese embora a redacção dada ao art. 384.º do CPP, quando o Ministério Público, ante uma detenção em flagrante delito, e na fase processual prevista no art. 382.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPP, proponha a suspensão provisória do processo, e enquanto esta perdurar».
No respectivo texto diz-se, a dado passo, que enquanto o Ministério Público não traçar, previamente, o destino dos autos, com vista a um julgamento que terá de realizar-se, não se poderá falar da existência de processo sumário. O processo só entra na fase jurisdicional quando sucede uma das situações previstas nos números 2 e 3 da norma e acima já referidas.
Caso assim não fosse, teríamos um processo a correr termos neste tribunal, mas no qual as decisões jurisdicionais não competiam ao juiz titular do mesmo e em que o Ministério Público praticava todos os actos como se tivesse tal titularidade, o que, para além de ilógico, é legalmente inadmissível.
Nestes termos, decido não determinar o registo, distribuição e autuação como processo sumário, mais determinando a devolução do expediente aos Serviços do Ministério Público.
Dê baixa na distribuição».


2 – No dia 26 de Novembro de 2010, o Ministério Público interpôs recurso desse despacho.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:


1. «O Ministério Público encaminhou o presente expediente para suspensão provisória de processo em sede de processo sumário.
2. Obtida a concordância do arguido, promoveu-se ao Mm° Juiz de turno titular dos Juízos de Pequena Instância Criminal que registasse, distribuísse e autuasse o presente expediente como autos de processo sumário.
3. A Mma. Juiz indeferiu o requerido e ordenou a devolução do expediente aos serviços do Ministério Público.
4. Ora, por tal despacho o expediente em apreço mantém-se sem foro nem registo judicial, sendo certo que não se trata seguramente de um processo de 'inquérito' e que, desta forma, fica o mesmo impedido de se transformar numa verdadeira suspensão provisória de processo em sede de processo sumário, impedindo-se assim o registo no tribunal de que é titular, de um processo da espécie prevista pela lei como da competência desse mesmo tribunal.
5. O artigo 384.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que é correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.º a 282.º, pelo que a suspensão provisória de processo proposta pelo Ministério Público em sede de processo sumário deverá ser, de facto, recebida em tribunal, registada, autuada e tramitada como processo sumário, não podendo manter-se nos serviços do Ministério Público tal expediente, sem forma processual definida, como mero procedimento inominado, sem dignidade formal reconhecida.
6. O despacho recorrido viola, assim, o disposto nos artigos 133.º, alínea a), da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ), 9.º, n.º 1, 10.º, n.º 1 e 384.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, devendo, consequentemente, ser revogado e substituído por outro que determine que o expediente em apreço seja autuado, registado e distribuído como processo sumário e tramitado, subsequentemente, nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa».

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 18.

Nessa mesma oportunidade, a Sr.ª juíza sustentou o decidido acrescentando o seguinte:

II. Da sustentação ou reparação do despacho

Nos termos do disposto no art. 414.º, n.º 4 do CPP, não sendo o recurso interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, pode o tribunal, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão.
Mantenho na íntegra o despacho recorrido, até porque os fundamentos do despacho recorrido não são afastados pelo teor do recurso apresentado, designadamente quanto ao papel conferido pelo legislador no art. 384.º do Código de Processo Penal a este tribunal de julgamento (cf. 384.º, n.ºs 2 e 3). Caso se desse provimento ao recurso, teríamos um processo a correr termos neste tribunal, mas no qual as decisões jurisdicionais não competiam ao juiz titular do mesmo e em que o Ministério Público praticava todos os actos como se tivesse tal titularidade, o que para além de ilógico, é legalmente inadmissível.
Aliás, em coerência com o preceituado na norma sob análise, também o art. 382.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, permite que o Ministério Público, mais uma vez nas vestes de “dominus” processual, ponderando a possibilidade de estarem reunidos os legais pressupostos para apreciação de determinados factos em sede de processo especial sumário, realize diligências probatórias, num prazo máximo de 15 dias após a detenção, que entenda por necessárias à descoberta da verdade, após o que decidirá apresentar ou não os autos para julgamento em processo sumário.
Há, portanto, com a nova lei, um lapso temporal em que o Ministério Público determina e ordena as diligências probatórias que entenda por necessárias, diligências essas cuja realização ocorre, indubitavelmente, antes do processo assumir carácter judicial. E, não havendo, neste caso, qualquer obstáculo a que os autos permaneçam sediados junto dos Serviços do Ministério Público (seja qual for o “nomen iuris” que assumam nessa fase processual), não ficando comprometidos os ulteriores termos processuais, na medida em que é total e inequívoca a competência da autoridade judiciária, Ministério Público, para determinar as diligências de prova que entenda por convenientes, também não existe qualquer obstáculo (ao invés a Lei ordena nesse sentido) a que, nas diversas circunstâncias previstas no art. 384.º, os autos permaneçam junto dessa autoridade para que exerça as legais competências que lhe são directamente atribuídas.
É este o nosso entendimento».


4 – Neste tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls. 25 a 31, que se transcreve:

I

No recurso interposto pelo Ministério Público do despacho certificado a fls. 5 a 7 são as seguintes as questões a dirimir:

- verificados os pressupostos do julgamento em processo sumário, se o Ministério Público se decidir pela suspensão provisória do processo, nos termos do artº 281º, ex vi do artº 384º, ambos do CPP, o expediente deve – desde logo e antes da remessa ao Juiz de Instrução Criminal para efeitos de obtenção da necessária concordância – ser registado, distribuído e autuado como processo sumário, ou não deve tal registo, distribuição e autuação ter lugar, impondo-se, antes, a tramitação de tal expediente nos serviços e pelos funcionários afectos ao Ministério Público, como expediente inominado?

- na primeira hipótese (a de dever ter lugar o respectivo registo como “processo sumário”), deverá tal processo ser tramitado, subsequentemente, nos Juízos de Pequena Instância Criminal, ou, antes, ser tramitado nos serviços e pelos funcionários afectos ao Ministério Público?

Vejamos.

II

Os presentes autos tiveram início com o auto de notícia por detenção do arguido J.. T… por conduzir na via pública sem para tanto estar habilitado, uma vez que não possuía carta de condução, encontrando-se, assim, incurso na prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelos nºs 1 e 2 do artº 3º do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro.
O Ministério Público encaminhou esse expediente para suspensão provisória do processo em sede de processo sumário, tendo, obtida a concordância do arguido, promovido à Mmª Juiz de turno titular dos Juízos de Pequena Instância Criminal que esse expediente fosse registado, autuado e distribuído como processo sumário.
A Mmª Juiz indeferiu o requerido, tendo ordenado a sua devolução aos serviços do Ministério Público, no entendimento de que o papel do tribunal de julgamento na tramitação de expedientes – com os contornos acima definidos – em que estão reunidos os pressupostos para julgamento sumário, só se reconduz a duas situações: a primeira, em caso de não concordância do Juiz de Instrução relativamente à suspensão provisória do processo, desde que verificados os demais pressupostos previstos na lei, ao receber os autos para julgamento sumário (artº 384º, nº 2 do CPP); a segunda, em caso de incumprimento das injunções ou condenação por crime cometido no período da suspensão, ao receber os autos sob a forma de processo abreviado, desde que verificados, também, os demais pressupostos legais (artº 284º, nº 3 do CPP).
Os autos foram posteriormente remetidos ao Mmº Juiz de Instrução Criminal que proferiu despacho de concordância com a medida de suspensão provisória do processo.
Foi, então, que o MPº interpôs recurso com o objecto acima delimitado.

III

Emitindo parecer, diremos, desde já, que aderimos à posição sustentada pelo Ministério Público em 1.ª Instância, ainda que entendamos que, enquanto se mantiver a suspensão provisória do processo – de natureza sumária –, este deve ser tramitado nos serviços do Ministério Público.
Como passaremos a demonstrar.

Quanto à primeira questão
Conforme acima referido, o despacho recorrido não questiona – e nem podia questionar – dever seguir-se a forma de processo sumário, caso a suspensão provisória não tivesse lugar, limitando-se a recusar tal registo por inexistir acto jurisdicional, da competência do juiz do julgamento, que a este cumpra realizar, nesta fase.
Deixa, no entanto, sem resposta a seguinte e nuclear questão: qual a classificação e registo que deverá caber ao expediente tramitado pelo Ministério Público, e em que já foi aposto o despacho de concordância do JIC, na certeza de que não está prevista, na nossa lei processual penal, a tramitação de “expedientes inominados”?
É que, perante a notícia de um crime (artº 241º do CPP) o Ministério Público ou determina a abertura de inquérito (artº 262º, nº 2) – quando se imponha a realização de diligências visando investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e as responsabilidades deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (nº 1 do mesmo artigo) – ou, nos demais casos, diligenciará no sentido da tramitação sob uma das formas de processo especial contempladas na lei (artº 381º e ss).
Ora, no caso que ora nos ocupa, é neste último domínio que nos situamos, por não haver lugar a abertura de inquérito[1].


Aqui situados, importa, desde logo, referir não constituir a inexistência de acto jurisdicional, da competência do juiz do julgamento e que a este incumba nesta fase realizar, o critério determinante para se concluir pela necessidade – melhor, pela imprescindibilidade – de tal classificação e registo, nos termos e com os fundamentos que aduziremos de seguida.

Em primeiro lugar, porque o nosso sistema processual penal não contempla o processamento de “expedientes avulsos” ou inominados, antes resultando da arquitectura sistémica a existência de uma forma de processo comum e três formas de processo especiais (sumário, abreviado e sumaríssimo), todas elas comportando (ou podendo comportar) distintas fases processuais.
De resto, ainda que não aceitando o registo promovido pelo Ministério Público, é a própria decisão recorrida que alude a dispositivos legais próprios do processo especial sumário, expressamente aceitando que tais dispositivos, exclusivamente respeitantes e aplicáveis a essa forma de processo, sejam convocáveis no caso que ora nos ocupa.

Em segundo lugar, porque a circunstância de, em processo sumário, existir uma “fase preliminar ou vestibular” a que se segue a “fase do julgamento” não pode inviabilizar que se proceda, desde logo, ao registo e autuação, como processo sumário, do expediente mediante promoção, ou requerimento, do MPº.[2]


A não ser assim, dir-se-ia que – como bem refere a Exmª Magistrada do MPº na 1ª instância – o procedimento em apreço perde a categoria de processo, sendo um mero procedimento, sem foro, sem registo e autuação judicial, semelhante a um processo administrativo a cargo do Ministério Público.

E não se diga – como o faz a Exmª Magistrada Judicial no despacho de sustentação, a fls. 19 – que: Há, portanto com a nova lei, um lapso temporal em que o Ministério Público determina e ordena as diligências probatórias que entenda por necessárias, diligências essas cuja realização ocorre, indubitavelmente, antes do processo assumir carácter judicial.

É que, além do mais e já acima referido, o processo sumário não comporta – nem mesmo antes – qualquer fase de inquérito[3]. E, cabendo actualmente ao MPº a notificação do arguido e das testemunhas para comparência e apresentação a julgamento em processo sumário, em caso de não concordância do JIC com a suspensão provisória do processo, revestindo tais actos inegável natureza processual, não podem deixar de considerar-se compreendidos num âmbito estritamente processual – in casu, do processo sumário –, conforme decorre da disciplina contida no artº 384º, nº 2 do CPP.


E nem se invoque que o incumprimento, por parte do arguido, das injunções e regras de conduta durante a fase da suspensão provisória – artº 282º, nº 4 do CPP[4] – determina o prosseguimento dos autos, já não sob a forma de processo sumário, mas sob a forma de processo abreviado – artº 384º, nº 3 do CPP[5] – o que tornaria o primeiro registo e autuação inútil. É que se trata de eventualidade que, nesta e noutras circunstâncias, sempre poderá ocorrer – artº 390º do CPP [6].


De modo que uma primeira conclusão importa extrair: não deverá ser considerada decisiva para a classificação e registo de determinado expediente como “processo sumário” a consideração das fases processuais que previsível e subsequentemente se seguirão. O que, para tal efeito, releva é a verificação dos pressupostos que consintam e imponham a tramitação de tal expediente como “processo sumário”, ou seja, subordinado às regras processuais contempladas nos artigos 381.º a 391.º do CPP. E dúvidas não restam que em circunstância alguma se alcança qualquer referência a “algo” que não assuma uma forma processual.


Ora, é sabido que a razão da existência das formas de processo especial sumário, abreviado e sumaríssimo reside na sua particular simplicidade formal e substancial, com elas se visando alcançar maior celeridade na realização da justiça, nos casos que tenham por objecto pequena e média criminalidade – mormente na submissão dos arguidos a julgamento –, o primeiro tem como pressupostos o flagrante delito e a existência de indícios da prática de crime punível com pena de prisão até 5 anos.


Conforme os autos suficientemente ilustram, ambos os pressupostos se verificam na presente situação.

Quanto à segunda questão

Clarificada, deste modo, a necessidade de classificação e registo do expediente como “processo sumário”, importa definir se o mesmo deverá ser tramitado, subsequentemente, nos Juízos de Pequena Instância Criminal, ou, antes, ser tramitado nos serviços e pelos funcionários afectos ao Ministério Público.


É neste ponto que divergimos do entendimento expresso pela Exmº. Magistrada recorrente.

A este propósito, voltamos a socorrermo-nos do aresto já citado: verificando-se os pressupostos para que o processo siga a forma especial de processo sumário, nos termos do art.º 381º do CPP, pedindo o Mº Público a suspensão provisória do processo e, só no caso de não haver concordância com este instituto, a realização do julgamento, como aconteceu no caso dos autos, concordando o Juiz com a suspensão, então o processo deverá permanecer no M. Público como processo sumário pois foi ele quem determinou a suspensão provisória do processo, (…).


O facto de o juiz ter de dar a sua concordância, dessa forma controlando a sua legalidade, não faz com que o processo deixe de ser da titularidade do M. Público a quem compete, como já dissemos, a fiscalização do cumprimento ou não das injunções ou regras de conduta impostas ao arguido durante o período da suspensão provisória do processo e decidir, ou o arquivamento do processo no final do período da suspensão, ou o seu prosseguimento.


Como titular da acção penal, o Ministério Público é – enquanto se mantiver a suspensão provisória – o “dominus” do processo, determinando as diligências tendentes ao bom andamento processual, dando ordens e emanando directivas aos funcionários sob sua jurisdição, mal se compreendendo que, permanecendo os autos na secretaria judicial, tal desiderato se pudesse alcançar.

De resto, ainda que em domínios jurisdicionais distintos, encontramos alguma similitude entre a que nesta sede ocorre e a que se regista no processamento das providências cíveis de averiguação oficiosa de maternidade ou de paternidade, já que, sendo aquelas da competência dos tribunais de família e menores (cfr. art. 146.º, al. j) da OTM e art. 155.º, n.º 1 al. l) da Lei n.º 52/08, de 28.08), a respectiva instrução incumbe ao Ministério Público (cfr. art. 202.º da OTM), sem que de tal incumbência decorra a insusceptibilidade de classificação e registo como processo judicial dessa natureza, logo que há conhecimento da necessidade de proceder a tal averiguação oficiosa.

Nestes termos, e em conclusão, emitimos parecer no sentido da procedência parcial do recurso (procedência quanto à pretensão expressa de classificação, registo e autuação, como “processo sumário”, do expediente integrante dos presentes autos, devendo, no entanto, ser tramitado nos serviços e pelos funcionários afectos ao Ministério Público, até ulterior decisão relativa ao eventual arquivamento dos autos ou à submissão do arguido a julgamento), a decidir em “Conferência” (cfr. arts. 419.º, n.º 3 al. b) do C.P.P.).

II – FUNDAMENTAÇÃO

5 – Uma vez que o recurso interposto pelo Ministério Público é manifestamente improcedente, o tribunal limitar-se-á, nos termos dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 420.º do Código de Processo Penal, a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

6 – Muito embora se nos afigure que as questões colocadas no presente recurso são de resposta simples e linear, parece-nos adequado, para que o nosso ponto de vista possa ser mais facilmente compreendido, começar por relembrar algumas das soluções que se tinham por consensuais na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e da respectiva legislação complementar.
No domínio desse Código, no qual se encontravam previstas diversas formas de processo comum[7], embora se discutisse, sobretudo depois da publicação do Decreto-Lei n.º 35.007, de 13 de Outubro de 1945, a natureza processual ou pré-processual das fases anteriores à dedução da acusação[8], era pacificamente aceite que a fixação da forma de processo[9] adoptada[10] era feita pela acusação do Ministério Público e, em seguida, pelo despacho de pronúncia do juiz[11].
Pretendendo resolver a primeira dessas questões, o Código de Processo Penal de 1987, afastando-se neste campo do tão influente “Progetto Preliminare del Codice di Procedura Penale” italiano de 1978, optou por tornar claro que o processo penal se iniciava com a aquisição da “notitia criminis” pelo Ministério Público[12] – artigo 241.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.


A partir desse momento já nos encontramos no âmbito do processo penal, mesmo que a forma processual que venha a ser adoptada não seja a comum ou que ela ainda não se encontre definida.

Se vier a ser adoptada a forma comum e se o processo prosseguir até ao julgamento em 1.ª instância, suceder-se-ão as fases do inquérito[13], da instrução, se requerida, e do julgamento.


O processo, na fase de inquérito, é distribuído, registado e autuado[14] nos serviços do Ministério Público e, se não vier a prosseguir por ter sido proferido despacho de arquivamento[15], nem houver necessidade de praticar qualquer acto jurisdicional no seu decurso, não é objecto de qualquer outro registo, distribuição e autuação[16].


Algo de muito semelhante se passa no caso de o Ministério Público ter decidido tramitar o processo sob a forma sumária. Embora esta forma especial não comporte uma fase de inquérito e não seja admissível a instrução (artigo 286.º, n.º 3), existe uma fase preliminar, mais ou menos prolongada, sob o domínio do Ministério Público, que se desenrola até à remessa dos autos para a fase de julgamento.


É durante essa fase preliminar que o Ministério Público, se o entender conveniente, interroga sumariamente o arguido (n.º 2 do artigo 382.º) e é nela que realiza as diligências de prova a que se refere o n.º 4 desse mesmo preceito.

Tendo sido durante essa mesma fase preliminar do processo sumário que o Ministério Público decidiu suspender provisoriamente o processo e competindo ao juiz de instrução pronunciar-se sobre essa decisão, manifestando ou não a sua concordância, não vemos que possa desempenhar qualquer finalidade o registo, a distribuição e a autuação pretendidas no Tribunal de Pequena Instância Criminal.


Salvo o devido respeito, não se descortina sequer qualquer justificação para a prática desses actos numa fase em que esse tribunal não vai ter qualquer intervenção nos autos.


Nessa fase preliminar, o processo, que é sumário desde que o Ministério Público decidiu tramitá-lo sob essa forma[17], deve permanecer nos serviços do Ministério Público, ser tramitado pelos respectivos funcionários e ser despachado pelo magistrado que dele é titular, ao qual competirá verificar se as condições estabelecidas ou legalmente previstas foram cumpridas, decidindo se o processo, depois de decorrido o prazo da suspensão, deve ser arquivado ou deve prosseguir (n.ºs 3 e 4 do artigo 282.º do Código de Processo Penal).

Por tudo isto, que nos parece evidente, o recurso interposto pelo Ministério Público não podia deixar de ser rejeitado.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, atento o disposto no artigo 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, decido rejeitar, por ser manifestamente improcedente, o recurso interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2010
Carlos Rodrigues de Almeida

COMENTÁRIO:

A presente Decisão implica:

- A inexistência de registo como inquérito;

- A possibilidade de intervenção de juiz de instrução em processo preliminar a processo sumário, intervenção essa, porém, restrita à concordância ou não com a suspensão provisória, a ser decretada pelo Ministério Público;

- A inexistência de fase de instrução neste processo preliminar a processo sumário;

- No dizer do sumário desta decisão "«Se durante essa fase preliminar do processo sumário o Ministério Público decidir suspender provisoriamente o processo, não desempenha qualquer finalidade útil o registo, a distribuição e a autuação do processo no Tribunal de Pequena Instância Criminal quando não é o respectivo juiz o competente para apreciar a decisão de suspender o processo».

Sucede, porém, que, salvo melhor opinião, o decidido não tem correspondência na letra da lei, aliás, na desastrosa letra da lei, exemplo de uma total inabilidade do legislador, e daí os problemas que estão a surgir sobre a tramitação da suspensão provisória. Vejamos:

Artigo 384.º
[...]
1 — É correspondentemente aplicável em processo
sumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, até
ao início da audiência, por iniciativa do tribunal ou a
requerimento do Ministério Público, do arguido ou do
assistente, devendo o juiz pronunciar -se no prazo de
cinco dias.
2 — Se, para efeitos do disposto no número anterior,
não for obtida a concordância do juiz de instrução, o Ministério
Público notifica o arguido e as testemunhas para
comparecerem numa data compreendida nos 15 dias
posteriores à detenção para apresentação a julgamento
em processo sumário, advertindo o arguido de que
aquele se realizará, mesmo que não compareça, sendo
representado por defensor.
3 — Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o
Ministério Público deduz acusação para julgamento
em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da
verificação do incumprimento ou da condenação.

A Relação de Lisboa, sem prejuízo de melhor entendimento, não atendeu ao seguinte:

- O n.º 1 permite que o juiz do processo sumário, mesmo depois de ter sido deduzida acusação, tenha a iniciativa da suspensão provisória do processo sumário, não fazendo sentido que este juiz, que também é juiz das garantias, fique sujeito à concordância do juiz de instrução e daí o n.º 1 não falar em juiz de instrução e apenas em juiz - logo, o juiz do n.º 1 é o juiz do processo sumário;

- O n.º 1 permite a formulação de requerimento dirigido ao juiz do processo sumário, até depois de ter sido formulada acusação – aliás, é este o juiz do processo sumário e não o juiz de instrução -; neste caso, o juiz do processo pronuncia-se no prazo de cinco dias, e, concordando, remete os autos ao juiz de instrução; assim, a concordância do juiz de instrução será por referência a uma decisão prévia, designadamente a do juiz do processo sumário, o que constitui uma incongruência da lei processual penal, que terá de ser objecto de uma interpretação correctiva, no sentido de que o juiz de instrução não deve ter qualquer intervenção, pois não é juiz de garantia face a outro juiz!

- O n.º 1 fala em requerimento do Ministério Público e não em decisão do Ministério Público, até porque depois de formular acusação o Ministério Público não a pode dar sem efeito, apenas pode concordar ou não com a suspensão provisória, mas a ser decretada pelo juiz do processo sumário, se tiver a iniciativa de aplicar a suspensão provisória, à semelhança do que acontece na fase de instrução (cf. art. 307º, n.º 2, do CPP); e neste caso, conforme sustentámos, não há lugar a qualquer concordância de um segundo juiz (o de instrução)!

- O n.º 1 fala em iniciativa do Tribunal, ou seja, do juiz do processo sumário, iniciativa essa que, existindo acusação, tem de traduzir-se numa decisão judicial de suspensão provisória do processo sumário, obtida a concordância quer do arguido quer do assistente quer do Ministério Público - e de mais ninguém;

- O n.º 2 pressupõe sempre a remessa do processo sumário ao juiz de instrução pelo juiz do processo sumário - remessa essa que não parece ser de admitir, pois o juiz do processo sumário não deixa de exercer uma função de juiz de garantias – remessa essa pelo juiz, portanto, e não pelo Ministério Público, do próprio processo sumário. Assim optámos por excluir a intervenção do juiz de instrução, por ser incongruente e por recurso a uma interpretação correctiva deste número dois;

- Não havendo concordância com a proposta do Ministério Público, o juiz de julgamento devolve os autos ao Ministério Público, para que este possa formular acusação sob a forma sumária, se ainda a não formulou; em alternativa, pode o Ministério Público registar como inquérito, caso julgue inviável já a tramitação como processo sumário.

O problema reside nisto:

- Não havendo inquérito, a lei processual penal permite ao Ministério Público a execução de um conjunto de diligências, que vão desde o interrogatório sumário do art. 382º, n.º 2, até às diligências de prova essenciais à descoberta da verdade do art. 382º, n.º 3, ambos do CPP. Tais diligências compreendem, no fundo, tudo o que se possa realizar num inquérito normal, dentro do prazo de 15 dias. Mas a lei não permite o registo como inquérito, sob pena de ficar inviabilizada dedução de acusação em processo sumário (a acusação não seria recebida, por erro na forma de processo, que constitui nulidade insanável – cf. art. 119º, al. f), do CPP). Assim, não se admite a intervenção do juiz de instrução, pois este só intervém na fase de inquérito, de instrução ou no caso particular do art. 384º, n.º 2, do CPP, e daí não ser admissível que se requeira a abertura de instrução na sequência de despacho do Ministério Público que não só não abra inquérito como também que arquive o expediente recebido, por exemplo, por não existir queixa. A decisão supra refere isto de forma expressa: não se admite a fase de instrução senão por referência a um inquérito.

- Tal significa que não existe recurso a detenção de testemunha ou de arguido para comparência sob detenção, ao abrigo do art. 116º do CPP, pelo que a alternativa só será o registo como inquérito, por ter ficado inviabilizado o recurso ao processo sumário;

- Mas as faltas podem ser sancionadas, desde que exista registo como inquérito ou remessa a sumário, mediante promoção nesse sentido. Havendo arquivamento, não existirá a possibilidade de condenação em multa (cf. art. 116º do CPP).

- PORTANTO, a suspensão provisória não pode ser decretada senão num inquérito ou no âmbito de um processo sumário e o processo preliminar de que falamos não é uma coisa nem outra. E não se vê que se possa tramitar algo como “processo sumário” à revelia do dominus dessa forma de processo – o juiz do processo sumário.

- Em suma, está instalada a confusão, porque o legislador, uma vez mais, não quis ouvir ninguém.

O melhor é deixar as suspensões provisórias para os inquéritos, os verdadeiros, enquanto a lei não for clarificada. É de evitar a interposição de recursos e é até incongruente andar a perder tempo com isto, face à finalidade do instituto que se quer aplicar - simplificação, aceleração e consenso.

No fundo, a suspensão provisória do processo constitui uma alternativa processual no tratamento da pequena e média criminalidade e com estas dúvidas a respeito da sua tramitação, o resultado será o oposto.

Estamos, pois, perante uma norma ininteligível, só se obtendo efeito prático com recurso a uma interpretação correctiva, que exclua qualquer intervenção do juiz de instrução em processo sumário, até porque em processo sumário não há instrução!

E não se argumente com a violação do princípio do acusatório - cf. art. 40º, al. e), do CPP: o juiz de instrução que dê a sua concordância à aplicação no inquérito da suspensão provisória do processo também não fica impedido de julgar o arguido.