quarta-feira, 12 de março de 2008

Interesse em agir do Ministério Público

Acórdão da Relação de Évora, de 08.01.08
Processo 2270/07-1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS

Sumário:

I. - Quer se entenda que o interesse em agir se configura de modo particular quanto ao MP, traduzindo-se no seu interesse na defesa da correcta aplicação da lei, quer se considere que aquele pressuposto processual não lhe é aplicável, na medida em que se confunda com um interesse particular, próprio, do recorrente, sempre se conclui não faltar aquele mesmo pressuposto processual em situações, como a presente, em que o assistente não recorreu do despacho judicial que rejeitou acusação particular.

II. – A honra e consideração, protegidas pelo tipo penal de injúrias, baseiam-se no quadro constitucional de valores, maxime na consagração constitucional do “direito ao bom nome e reputação” (art. 26º da CRP), cujo conteúdo é constituído essencialmente pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.

III. - Dizer de alguém que – para mais - se dedica à actividade imobiliária como sócia e gerente de uma sociedade comercial, que deve dinheiro em todo o lado e que deve dinheiro a toda a gente no Edifício… (ou numa rua, num bairro, numa certa zona urbana ou numa vila ou cidade) tem o significado social que lhe assinala o MP recorrente, ou seja, significa basicamente que a pessoa em questão é “má de contas”, isto é, não honra, não cumpre os compromissos assumidos, pelo que não pode deixar de entender-se que aquelas palavras são lesivas da sua honra ou consideração.

IV. - Ao proferir o despacho a que se reporta o art. 311º do CPP o juiz apenas deve conhecer da qualificação jurídica dos factos quando essa qualificação releve para decisão de questão de que lhe cumpra conhecer face ao disposto no art. 311º do CPP, v.g. a competência do tribunal ou a verificação de qualquer nulidade, causa de extinção do procedimento criminal ou falta dos respectivos pressupostos.

Transcrição parcial:
“…2.Decidindo.2.1.- Questão prévia – da invocada falta de interesse em agir do MP recorrente.O CPP de 1987 exige, para além da legitimidade, o interesse em agir de quem recorre, como pressuposto de admissibilidade do recurso. O interesse em agir consiste num interesse concreto na revogação da decisão recorrida, pelo efeito que se pretende obter em benefício do recorrente ou, em formulação diversa, na necessidade do recurso para defender ou afirmar um seu direito.Daí que a generalidade dos autores exclua o MP ao definir este pressuposto processual por referência a um interesse ou direito do recorrente, como é o caso de Germano M. Silva [1] e Gonçalves da Costa [2] ou afirme mesmo a sua inaplicabilidade ao MP [3] . Isto é, na medida em que o interesse em agir pressupõe um interesse concreto e próprio do recorrente, como parece ser pacificamente entendido, [4] pode afirmar-se com Germano M. Silva que, “Sendo o MP um órgão da administração da justiça, o interesse em agir da sua parte existe sempre que o recurso vise obter a correcta aplicação da lei, independentemente das consequências prejudiciais ou favoráveis para o arguido que da correcta aplicação da lei possam resultar” [5] .Se é assim relativamente ao recurso no interesse do arguido sê-lo-á igualmente – até por maioria de razão – quanto aos crimes cujo procedimento dependa de acusação particular, pois também quanto a estes a intervenção do MP deverá reger-se por critérios de legalidade e objectividade, sendo a sua actuação limitada pela vontade do assistente apenas nos casos e nos termos estabelecidos pela lei de processo, maxime quanto à legitimidade para acusar (cfr art. 285º nº3 do CPP).Isto é, quer se entenda que o interesse em agir se configura de modo particular quanto ao MP, traduzindo-se no seu interesse na defesa da correcta aplicação da lei, atenta “ … a incondicional intenção de verdade e de justiça que preside à intervenção do MP no processo penal (…), que torna claro que a sua atitude não é a de interessado na acusação, antes obedece a critérios de estrita legalidade e objectividade”, [6] quer se considere que aquele pressuposto processual não lhe é aplicável, na medida em que se confunda com um interesse particular, próprio, do recorrente, sempre se conclui não faltar aquele mesmo pressuposto processual em situações como a presente. É em sede de legitimidade – e não de interesse em agir – que o MP poderá vir a ver limitada a faculdade de recorrer nos casos de acusação particular em que, como no caso sub judice, o Assistente não recorra da decisão judicial que rejeite a acusação particular, (subordinar à vontade do assistente a legitimidade do MP para recorrer, tal como sucede relativamente à legitimidade para acusar), alterando a solução acolhida, de iure condito, no art. 50º nº2 do CPP, que reconhece expressamente autonomia ao MP para recorrer no procedimento por crime dependente de acusação particular. [7] Não há, pois, que rejeitar o presente recurso por falta de interesse em agir do MP, contrariamente ao parecer do Senhor Magistrado do MP nesta Relação…”