segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Ruído

Acórdão da Relação do Porto, de 15.01.08
Processo: 10787/2006-1
Relator: Folque Magalhães

Sumário:
I - O Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho não regula o ruído provocado pelos actos de uma pessoa ou várias, por modo mais ou menos instantâneo, mas sim actividades de cariz ruidoso.
II – Resulta do art. 20º do ditado Regulamento, que trata das actividades ruidosas, que não cabe no campo de aplicação deste diploma a matéria dos autos, pois o artigo refere-se a licenciamento de locais destinados a espectáculos, diversões e quaisquer actividades ruidosas públicas ou privadas, sendo certo que estas actividades ruidosas hão-de ter a mesma natureza quanto à sua origem das provenientes de espectáculos ou diversões.
III - Estando provado que o R. é inquilino do prédio e que cedeu o uso desse andar a dançarinas de strip-tease que actuam no estabelecimento explorado por sociedade de que o R. marido é sócio e que desde que o andar é ocupado por essas dançarinas, a A. não consegue dormir a noite toda, é de concluir que foi feita uma utilização imprudente do referido andar, nos termos do art. 1038º d) do C.Cv.
IV - Tal aspecto da questão há-de conjugar-se com o direito das pessoas à sua integridade física, a qual pode ser violada, nomeadamente, através de ruídos que impeçam as pessoas de dormir durante o período normal de repouso, estando tal direito consagrado no art. 70º nº 1 do C.Cv., segundo o qual a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade física ou moral. Por conseguinte, embora por interpostas pessoas, o inquilino praticou um facto ilícito.

Um acórdão interessante - irrecorribilidade da decisão instrutória quando confirma a acusação, mesmo na parte em que aprecia nulidades

Acórdão da Relação do Porto, de 13.02.08
Processo: 0745687;
N.º Convencional: JTRP00041045.


Sumário:
A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, mesmo no domínio do Código de Processo Penal na versão anterior à que resultou da Lei nº 48/2007, é irrecorrível também na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.



Acordam – em conferência – na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

1 – O arguido B………., inconformado com o segmento da decisão instrutória (exarada na peça certificada a fls. 163/169 do presente processo incidental) que lhe indeferiu a arguição de pretensas nulidades do inquérito – atinentes à recolha de pessoais vestígios biológicos (saliva) para exame de ADN e localização celular do telemóvel –, dele interpôs o recurso ora analisando, de cuja motivação[1] extraiu o seguinte quadro conclusivo (por transcrição):
1. Vem o presente recurso interposto da Decisão Instrutória proferida no âmbito dos presentes autos, que julgou inexistentes as nulidades invocadas pelo aqui Recorrente de que, salva melhor opinião, padece o inquérito. Quer quanto à localização celular operada por antenas de telemóveis, quer pela recolha de vestígios biológicos por zaragatoa bocal, sem despacho judicial a ordenar a recolha e sem expressa autorização do recorrente, as quais sustentam probatoriamente a acusação pública deduzida.
2. No nosso ordenamento jurídico só o consentimento livre e esclarecido do arguido pode legitimar a sua submissão a uma recolha de vestígios biológicos para análise de ADN.
3. Ora, o arguido ora recorrente, recusou-se a assinar o auto de recolha de vestígios biológicos, expressando deste modo, a sua recusa à efectivação da colheita aqui em crise.
4. Uma vez recusada, a realização de tal colheita careceu de ordem da autoridade judiciária competente, foi limitada à promoção do digno Procurador da República, titular do inquérito.
5. A realização de qualquer exame na pessoa que a ele se tenha recusado, sem anterior decisão da autoridade judiciária competente, porque violadora do disposto no n.º 1 do artigo 172 do C. P. P., integra a nulidade prevista no artigo 126, n.º 2 a), b) e c) do mesmo diploma processual, constitui tal meio de prova nulidade insanável.
6. De resto sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos n.ºs 25.°, 26.° e 32.°, n° 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.°, n° 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colheita coactiva de vestígios biológicos do recorrente para determinação do seu perfil genético, quando este último não manifestou a sua expressa autorização para a respectiva realização.
7. Da mesma forma seria igualmente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.°, n° 4, da Constituição, a norma constante do artigo 126°, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, quando interpretada em termos de considerar válida e, por conseguinte, susceptível de ulterior utilização e valoração a prova obtida através da colheita realizada sem o consentimento do recorrente.
8. Terá de ser reconhecida e declarada a ilegalidade da sobredita colheita, nos termos em que a mesma teve lugar, com todas as legais consequências, desde logo, a proibição absoluta de valoração da prova do ADN, porquanto a mesma ser nula.
9. E considerar-se que atempadamente arguida a nulidade de que enferma pois ademais, se vislumbrando in casu uma nulidade dependente de arguição, que não é sequer de conhecimento oficioso.
10. As nulidades suscitadas devem obediência ao regime constante do n.º 3 do mencionado artigo 120.º do Código do Processo Penal, que foi absolutamente respeitado em todos os seus pressupostos pelo aqui Recorrente.
11. Em sede de requerimento de Abertura de Instrução, o aqui Recorrente suscitou ainda a Nulidade da "prova celular" por violação do princípios processuais penais, nomeadamente da subsidiariedade e da necessidade concretizados no rigoroso regime estatuído nos art.º 187 e ss. do C.P.P.
12. E isto porque, compulsados os presentes autos, resulta que a única prova (não prova) existente nos autos são informações de células activadas pelos telemóveis sem qualquer outro suporte e sem que qualquer outra diligencia investigatória tenha sido levada a cabo.
13. Pelo exposto a recolha de prova celular sem qualquer controlo judicial é manifesta e claramente nula!
14. O que conduz à inevitável invocação da nulidade da alegada prova celular por ostensiva e manifesta violação da constitucionalmente consagrada reserva da vida privada conforme preceituado no n.º 8 do art.º 32.º da Lei Fundamental e n.º 3 do art.º 126.º do CPPENAL
15. Pleitando-se nesta sede, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 189.º do Código do Processo Penal, pela declaração de nulidade das localizações cujo regime há-se ser de acordo com os princípios legais estatuídos para as intercepções telefónicas como preconiza o ante projecto de revisão ao Código do Processo Penal.
16. Insurge-se o recorrente contra o despacho recorrido na parte em que sustenta que foram proferidos despachos a solicitar a localização celular, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 269.º do CPP, logo "carecendo de fundamento legal a alegada nulidade"
17. Reclama o recorrente que a prova celular, única que milita contra os arguidos seja declarada nula e não possa ser valorada em sede de audiência de discussão e julgamento como prova.
18. Pelo exposto, pretende o aqui Recorrente ver declarada a nulidade de que enfermam as localizações celulares realizadas à revelia do controlo judicial legal e imperativamente exigido, nos termos preconizados na Lei Constitucional; na Lei Processual Penal e na Jurisprudência uniforme.
Termos em que, e nos que V. Ex.as suprirão, deverão as localizações celulares realizadas no âmbito dos presentes autos e, bem assim, o exame de ADN por recolha de zaragatoa bocal, ser declaradas nulas; revogando, nesta parte, a decisão instrutória proferida, em preito à JUSTIÇA
2 – O Ministério Público – em primeira instância e nesta Relação[2] – e a assistente C………., SA, pugnaram pela manutenção do decidido, suscitando, porém, previamente, est’última entidade a inadmissibilidade do recurso, (vd. referentes peças processuais - de resposta e parecer - juntas a fls. 174/178, 179/198-199/218 e 240/241, nesta sede tidas por transcritas nos respectivos dizeres).
3 – Exercitando a prerrogativa prevenida no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente reiterou, no essencial, a sua tese argumentativa, (vide peça de fls. 249/255-256/262).
4 - Na fase processual própria deixou-se consignado o parecer do relator da verificação de fundamento de rejeição do recurso por inadmissibilidade legal, pelo que, observadas as demais formalidades legais, se procedeu à respectiva apreciação em conferência, [vide arts. 417.º, n.º 3, als. a) e c), 419.º, ns. 3 e 4, al. a), e 420.º, n.º 1, do CPP, 17.ª/penúltima versão, decorrente do DL n.º 324/2003, de 27/12, a propósito aplicável, em conformidade com o disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), em razão da acrescida solenidade da conferência em relação à decisão sumária do relator, postulada no art.º 417.º, n.º 6, als. a) e b), da actual versão – de 2007 – do citado compêndio, e potencial aumento da susceptibilidade de acerto decisório].

II – FUNDAMENTAÇÃO

QUESTÃO PRÉVIA (inadmissibilidade do recurso)

Consabidamente, o âmbito da irrecorribilidade do despacho de pronúncia de arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, determinada pelo art.º 2.º, n.º 2, al. 53, da Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro (Lei de Autorização Legislativa), e consagrada no art.º 310.º, n.º 1[3], do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, sempre gerou viva controvérsia – doutrinal e jurisprudencial –, mormente quanto à abrangência do segmento decisório atinente à arguição de nulidades processuais, cuja recorribilidade motivou, máxime, múltiplos e divergentes arestos dos tribunais superiores – quer no sentido negativo, quer no positivo –, diversão jurisprudencial que acabou por ser harmonizada pelo Acórdão n.º 6/2000, do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/01/2000, (publicado em 07/03/2000, no n.º 56 do Diário da República, I SÉRIE-A) – ainda assim sem unanimidade –, que fixou jurisprudência (embora não obrigatória, conforme então já se estabelecia no n.º 3 do art.º 445.º do CPP - segmento normativo introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25/08) no sentido da respectiva recorribilidade, e que veio a ser complementado pelo Acórdão n.º 7/2004, do Pleno das Secções Criminais do mesmo STJ, de 21/10/2004, (publicado em 02/12/2004, no n.º 282 do Diário da República, I SÉRIE-A) – também tomado por maioria –, que fixou jurisprudência no sentido da subida imediata do concernente recurso.
O entendimento que acabou por vingar quanto à referida recorribilidade nunca se eximiu, porém, de ponderosas e esclarecidas críticas, mesmo no seio do próprio Supremo Tribunal de Justiça, em essencial razão da unicidade do acto processual de pronúncia e da respectiva incindibilidade, bem como do propósito legislativo de incutimento de celeridade processual à fase instrutória – juízo que a nós, pelo menos ao relator, sempre se apresentou inultrapassável –, de que se deu nota nas várias declarações de voto de vencido dos dois enunciados acórdãos uniformizadores, particularmente no último, pela voz dos Ex.mos Conselheiros José Vaz dos Santos Carvalho, António Luís Gil Antunes Grancho, Políbio Rosa da Silva Flor, António Pereira Madeira, Armindo dos Santos Monteiro e João Manuel de Sousa Fonte.
Ciente de tal discussão jurídica, o legislador, renovando e vincando o intento de promoção da simplificação e celeridade processual, já expressamente estabelecido no art.º 2.º, n.º 2, als. 1, 2 e 53, da Lei de Autorização Legislativa n.º 43/86, de 26 de Setembro, (vide, máxime, pag. 11 da Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 109/X), veio-lhe a pôr definitivo cobro no acto de revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – vigente desde 15/09/2007, (vide respectivo art.º 7.º) –, pelo esclarecimento inserido no n.º 1 do citado art.º 310.º, de que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias e incidentais, e determina a imediata remessa dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
Tal esclarecimento configura manifestamente uma interpretação legal e autêntica do enunciado postulado normativo, havendo-se, pois, claramente, como lei interpretativa.
Como assim, dado que, em conformidade com o disposto no art.º 13.º, n.º 1, do Código Civil, a lei interpretativa se integra na lei interpretada, impor-se-á o entendimento desta – art.º 310.º, n.º 1, do CPP –, desde o início da respectiva vigência, e, portanto, retroactivamente, com o significado ora esclarecido pelo órgão legiferante[4], nenhuma razão subsistindo, consequentemente, à observância da orientação jurisprudencial enunciada no Acórdão n.º 6/2000, do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, cuja disciplina se encontra ultrapassada.
Por conseguinte, sendo agora indiscutível a total irrecorribilidade da decisão instrutória que determinar a sujeição do arguido a julgamento pelos actos comportamentais imputados na acusação do M.º P.º, demandar-se-á a rejeição do recurso em questão, por inadmissibilidade legal, [cfr. art.º 420.º, n.º 1, por referência ao 414.º, n.º 2, do C. P. Penal, versão introduzida pela Lei n.º 59/98, de 15/08, e 420.º, n.º 1, al. b), do mesmo compêndio legal, na versão decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto].

III – DISPOSITIVO

Destarte – sem outras considerações por despiciendas –, delibera-se:
1 – A rejeição do recurso – por inadmissibilidade legal.
2 – A condenação do identificado arguido/recorrente ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 3 (três) UC, nos termos do art.º 420.º, n.º 4, da versão anterior, e 3 da actual, do CPP, a que acrescerá igual montante de 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo decaimento no recurso, [cfr. ainda normativos 513.º, n.º 1, do CPP, em qualquer das enunciadas versões; 82.º e 87.º, ns. 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais].
***
(Consigna-se, nos termos do art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).
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Porto, 13 de Fevereiro de 2008.

Os Juízes-desembargadores:
Abílio Fialho Ramalho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva (a excelência dos fundamentos contidos no acórdão fez com que me tivessem sido criadas dúvidas sobre o entendimento que, não obstante, mantenho isto é, entenderá o recurso admissível e, por isso, conhecerá do seu objecto)
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento

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[1] Ínsita na peça certificada a fls. 4/39.
[2] Respectivamente por Ex.mos Procurador da República e Procurador-geral-adjunto.
[3] Art.º 310.º, n.º 1: A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
[4] Vide, a propósito, Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. I, 11.ª Edição (reimpressão), máxime a pags. 239/243 e 294/295.

Lei n.º 7/2008, D.R. n.º 33, Série I de 2008-02-15

Lei da Pesca nas Águas Interiores

Lei n.º 5/2008, D.R. n.º 30, Série I de 2008-02-12

Lei n.º 5/2008, D.R. n.º 30, Série I de 2008-02-12
Assembleia da República
Aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal