quinta-feira, 10 de março de 2011

Recusa de Cooperação/Dados de Tráfego/Acção Civil

Acórdão do S.T.J., de 02-03-2011

Processo: 2420/07.0TBVNF.P1.S1

Nº Convencional: 7ª SECÇÃO

Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

Descritores: RECUSA DE COOPERAÇÃO

DILIGÊNCIAS DE PROVA

CÔNJUGE PRINCIPAL CULPADO

DIVÓRCIO

Sumário:

1. A protecção constitucional contra a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações inclui os dados de tráfego.

2. Não é admissível a utilização como prova, em processos de natureza cível, de tais dados.

“…4. O recorrente pretende, pois, que se decida que é ilegítima a recusa da ré de autorizar a prova requerida e que, por conseguinte, pode ter relevância probatória – seja por ter, em si mesma, valor probatório, como julgou a 1º Instância, seja invertendo o ónus da prova, nos termos do nº 2 do artigo 344º do Código Civil.
Com efeito, pressuposto de qualquer uma dessas duas consequências é a violação do dever de cooperação – ou seja, a ilegitimidade da recusa.
Ora, como tem sido afirmado por diversas vezes, a protecção, constitucional (nº 4 do artigo 34º) contra “toda a ingerência das autoridades públicas (…) nas telecomunicações (…), salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal” inclui, não só o conteúdo das comunicações, mas os próprios dados de tráfego como tal (“espécie, hora, duração, intensidade de utilização”, nas palavras de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2007, pág. 544). No mesmo sentido, acórdão nº 241/2002 do Tribunal Constitucional, www.tribunalconstitucional.pt, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda – Rui Medeiros, tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2010, pág. 744 ou Lopes Do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Coimbra, 2004, pág. 459.
Não é, pois admissível «a utilização, no âmbito de processos de natureza civil, de informações atinentes a dados de “tráfego” ou de “conteúdo”, atenta a proibição constitucional de ingerência nas telecomunicações, fora do domínio penal, a qual abrange, não apenas a escuta ou intercepção das chamadas, mas também os elementos de informação com elas conexionados, como, v.g., a factura detalhada das comunicações efectuadas” (Lopes do Rego, o.p. cit.,pág. 459).
Tanto basta para que se tenha que concluir que é legítima a recusa da ré em autorizar a junção da relação das chamadas e das mensagens escritas, requerida pelo autor, de acordo com a al.b) do nº 3 do artigo 519º do Código de Processo Civil; e, consequentemente, que tal recusa não pode, nem ser valorada, tal como decidiu a Relação, nem, muito menos, ter qualquer efeito de inversão do ónus da prova.
Não há pois que ponderar o objectivo com que o autor requereu o registo das chamadas e das mensagens, nomeadamente em confronto com o direito à intimidade da vida privada da ré; nem que retirar alguma consequência da circunstância de o autor apenas querer o registo do tráfego, e não o respectivo conteúdo. Note-se, quanto a este último ponto, que não se pode assentar em que é menos – ou mais – gravoso o mero registo do tráfego, por confronto com o conteúdo das comunicações.
5. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Março de 2011
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relator)
Orlando Afonso
Cunha Barbosa”