sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Meios de Obtenção de Prova: alguns apontamentos.

Meios de Obtenção de Prova



Em processo penal, a “descoberta da verdade material não pode ser obtida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas” (Assim, FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Coimbra: Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p. 22).




1) Recebimento da Denúncia

1.1. Crime de Furto contra Desconhecidos

a) Recolher a versão do queixoso/denunciante e os meios de prova, sendo fundamental a inspecção lofoscópica, após preservação dos vestígios (cf. art. 249º do Cód. Proc. Penal), tendo em vista a comparação futura;

b) Informar, não existindo suspeitos, que os autos poderão vir a ser arquivados, não havendo outros elementos de prova;

c) Evitar a dupla audição do ofendido;


1.2. Telemóveis subtraídos

a) Distinção entre:

- Dados de Base (ex: identificação do titular do cartão de acesso ao serviço telefónico móvel);
- Dados de tráfego (ex: facturação detalhada); e
- Dados de Conteúdo,
na sequência da Directiva n.º 5/2000, da P.G.R., publicada no D.R. II Série, n.º 198, de 28.08.2000 (cf. págs. 14145 e ss).

O Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.12.2006, (Processo 1001/05.8PBFIG-A.C1), decidiu que a informação a respeito de que cartões de acesso ao serviço telefónico móvel funcionaram, em determinado período de tempo (passado ou futuro), por referência a certo I.M.E.I. é informação sobre dados de base, que o Ministério Público pode solicitar directamente, sem intervenção do juiz de instrução e mesmo fora dos crimes do catálogo.
Pese embora isto, importa ponderar: a possibilidade de reconhecimento pelo ofendido, o valor do prejuízo, a existência de prováveis terceiros adquirentes de boa fé (cf. art. 291º do Código Civil), a mais do que provável necessidade de dispensa de sigilo bancário (cf. art. 135º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal), a necessidade de expedição de deprecadas, tudo a recomendar que tal tipo de investigação seja circunscrita aos casos mais graves.

Por outro lado, quanto aos dados de tráfego e de conteúdo vale o disposto no art. 189º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal (cf. crimes do catálogo e limitação de sujeitos visados).

Nos crimes de roubo ou com expressiva violência, por exemplo, com possibilidade de reconhecimento do agente do crime, já se justifica a investigação referida.

1.3. O desejo de procedimento criminal nos crimes particulares e semipúblicos

Não basta a mera descrição dos factos no “auto de notícia”, sendo necessário que exista manifestação de vontade inequívoca de desejo de procedimento criminal – manifestação tácita ou expressa, mas inequívoca!

Mesmo nos casos de detenção, é de consignar que agentes e qual a respectiva identificação, desejam procedimento criminal – cf. cumpre notar, porém, que só existe um crime de resistência, ainda que sejam vários os agentes, crime este de natureza pública, ou seja, não depende de queixa.

Actualmente os furtos em veículos revestem natureza pública – cf. art. 204º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal -, desde que o valor seja superior a uma unidade de conta.

1.4. A recolha da identificação

Mesmo noutro tipo de autos, diferentes dos de constituição de arguido, deve recolher-se cuidadosamente a identificação, como por exemplo os números de telefone, números de bilhete de identidade, etc, sendo de pedir a carta de condução nos crimes de condução sob influência de álcool, pois tem acontecido que os arguidos aparecem detidos por conduzirem sob influência de álcool e só em julgamento se fica a saber que também não tem carta de condução. Além do mais, tal recolha permite depois, no futuro, contrariar mais eficazmente a declaração de contumácia.

Existe um dever fundamental de identificação, podendo incorrer em crime de desobediência quem recuse identificar-se ilegitimamente. Mas isso não significa que a polícia possa pedir a identificação indiscriminadamente e em qualquer local e a qualquer pessoa. Vale aqui o exemplo do polícia que bate à porta do pacato cidadão, à hora do “derbi”, só para pedir a identificação. Não pode!

Cumpre salientar que o art. 250º do Cód. Proc. Penal só permite o recurso à identificação coactiva assim:

“1- Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção”

Fora destes casos entende-se continuar a existir um dever fundamental de identificação, podendo a sua recusa dar lugar a crime de desobediência, feita a necessária cominação. Porém, salienta-se, uma vez mais, que há limites – não existindo suspeição objectiva ou subjectiva, não existindo importante necessidade de prevenção, a justificar o recurso a essa via, fora dos casos de acidentes de viação, podemos encontrar situações em que o pedir a identificação pode apenas visar o interesse pessoal do agente policial e não o interesse público.

1.5. Declarações para memória futura ( cf. art. 271º e 294º do Cód. Proc. Penal )

Pressupõem a constituição prévia de arguido, pelo que, sendo necessárias, não pode o O.P.C. deixar de ser zeloso no sentido de habilitar o Ministério Público a requerê-las, acelerando procedimentos, sem prejuízo dos prazos legais.

O caso dos emigrantes – estes nos casos de crimes mais graves ou de deslocação para fora do espaço da união europeia -, dos estrangeiros, das vítimas menores de crimes sexuais, das pessoas muito doentes, dos estrangeiros ilegais, vítimas de exploração sexual, etc, justifica o recurso às declarações para memória futura.

1.6. Preservação de vestígios, ou melhor, providências cautelares quanto aos meios de prova (art. 249º do Cód. Proc. Penal)

.Ter cuidado e ser inteligente nas apreensões.

. Suscitar a intervenção da Polícia Judiciária, quando for o caso.

. Lei n.º 45/04, de 19.08:

"...SECÇÃO II
Exames e perícias no âmbito da tanatologia forense

Artigo 14.º
Verificação e certificação dos óbitos

A verificação e certificação dos óbitos é da competência dos médicos, nos termos da lei.

Artigo 15.º
Óbito verificado em instituições de saúde

1 - Nas situações de morte violenta ou de suspeita de morte violenta, bem como nas mortes de causa ignorada e quando o óbito for verificado em instituições públicas de saúde ou em instituições privadas de saúde, deve o seu director ou director clínico:

a) Comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente, remetendo-lhe, devidamente preenchido, o boletim de informação clínica aprovado por portaria conjunta dos Ministros da Justiça e da Saúde, bem como qualquer outra informação relevante para a averiguação da causa e das circunstâncias da morte;

b) Assegurar a permanência do corpo em local apropriado e providenciar pela preservação dos vestígios que importe examinar.

2 - Compete ao conselho directivo do Instituto propor alterações ao modelo do boletim de informação clínica a que se refere a alínea a) do n.º 1.

3 - Nos casos em que seja ordenada a realização de autópsia médico-legal, a autoridade judiciária envia ao serviço médico-legal ou ao médico contratado que a vai realizar, juntamente com o despacho que a ordena, cópia do boletim de informação clínica.

Artigo 16.º
Óbito verificado fora de instituições de saúde

1 - Em situações de morte violenta ou de causa ignorada, e quando o óbito for verificado fora de instituições de saúde, deve a autoridade policial:

a) Inspeccionar e preservar o local;

b) Comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente, relatando-lhe os dados relevantes para averiguação da causa e das circunstâncias da morte que tiver apurado;

c) Providenciar, nos casos de crime doloso ou em que haja suspeita de tal, pela comparência do perito médico da delegação do Instituto ou do gabinete médico-legal que se encontre em serviço de escala para as perícias médico-legais urgentes, o qual procede à verificação do óbito, se nenhum outro médico tiver comparecido previamente, bem assim como ao exame do local, sem prejuízo das competências legais da autoridade policial à qual competir a investigação.

2 - Quando haja lugar ao exame do local, nos termos da alínea c) do número anterior, é elaborada informação pelo perito médico, a enviar à autoridade judiciária.

3 - No caso das restantes situações de morte violenta ou de causa ignorada e das referidas na alínea c) do n.º 1, que se verifiquem em comarcas não compreendidas na área de actuação das delegações do Instituto ou de gabinetes médico-legais em funcionamento, compete à autoridade de saúde da área onde tiver sido encontrado o corpo proceder à verificação do óbito, se nenhum outro médico tiver comparecido previamente e, se detectada a presença de vestígios que possam fazer suspeitar de crime doloso, providenciar pela comunicação imediata do facto à autoridade judiciária.

4 - O disposto no número anterior aplica-se também perante a manifesta impossibilidade de contactar o perito médico em serviço de escala.

5 - O transporte do perito médico ou da autoridade de saúde ao local é assegurado pela autoridade policial que tiver tomado conta da ocorrência.

6 - Em todas as situações em que não haja certeza do óbito, as autoridades policiais ou os bombeiros devem conduzir as pessoas com a máxima brevidade ao serviço de urgência hospitalar mais próximo.

7 - Na situação referida no n.º 1, compete às autoridades policiais promover a remoção dos cadáveres, consoante o local em que se tiver verificado o óbito, para a casa mortuária do serviço médico-legal da área ou, na sua inexistência, para a do hospital ou do cemitério mais próximos:

a) Após a verificação do óbito e a realização do exame de vestígios nos casos referidos na alínea c) do n.º 1; ou

b) Por determinação da autoridade judiciária competente.

8 - Excepcionalmente, perante a manifesta impossibilidade de contactar o perito médico em serviço de escala, a autoridade de saúde ou a autoridade judiciária competente, e existindo substanciais prejuízos decorrentes da permanência do corpo no local, pode a autoridade policial determinar e proceder à sua remoção para os locais referidos no número anterior, observando-se com as necessárias adaptações o disposto no n.º 3 do presente artigo.

9 - Para o efeito do disposto nos dois números anteriores, as autoridades policiais podem requisitar a colaboração dos bombeiros, dos serviços médico-legais, dos serviços de saúde ou de agências funerárias.

10 - Nas situações previstas nos números anteriores em que existam dados identificativos, compete, ainda, às autoridades policiais promover a comunicação do óbito às famílias.

11 - As despesas inerentes às situações previstas nos números anteriores são satisfeitas pelo Cofre Geral dos Tribunais, através da sua delegação junto do tribunal territorialmente competente, e são consideradas custas do processo.

12 - As disposições previstas nos números anteriores aplicam-se, com as devidas adaptações, em todas as situações de morte de pessoas detidas em estabelecimentos prisionais, esquadras ou postos de autoridades policiais ou outras forças de segurança.

13 - Os cadáveres que derem entrada nos serviços médico-legais devem ser sujeitos a um exame pericial do hábito externo, cujo resultado será comunicado por escrito no mais curto prazo à autoridade judiciária competente, tendo em vista o estipulado no n.º 1 do artigo 18.º

Artigo 17.º
Intervenção das autoridades judiciárias

O disposto nos artigos anteriores não dispensa a intervenção pessoal da autoridade judiciária competente que se demonstre necessária a garantir os direitos dos cidadãos e às exigências da investigação criminal.

Artigo 18.º
Autópsia médico-legal

1 - A autópsia médico-legal tem lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada, salvo se existirem informações clínicas suficientes que associadas aos demais elementos permitam concluir, com segurança, pela inexistência de suspeita de crime, admitindo-se, neste caso, a possibilidade da dispensa de autópsia.

2 - Tal dispensa nunca se poderá verificar em situações de morte violenta atribuível a acidente de trabalho ou acidente de viação dos quais tenha resultado morte imediata.

3 - A autópsia médico-legal pode, ainda, ser dispensada nos casos em que a sua realização pressupõe o contacto com factores de risco particularmente significativo susceptíveis de comprometer de forma grave as condições de salubridade ou afectar a saúde pública.

4 - Compete ao presidente do conselho directivo do Instituto autorizar a dispensa da realização de autópsia médico-legal nos casos previstos no número anterior, mediante comunicação escrita do facto, no mais curto prazo, à entidade judiciária competente.

5 - A autópsia médico-legal pode ser realizada após a constatação de sinais de certeza de morte, competindo a sua marcação, com a possível brevidade, ao serviço médico-legal ou à autoridade judiciária nas comarcas não compreendidas na área de actuação das delegações do Instituto ou de gabinetes médico-legais em funcionamento, de acordo com a capacidade do serviço.

6 - Compete à autoridade judiciária autorizar a remoção dos corpos com vista à realização da autópsia médico-legal, bem como assegurar a sua adequada preservação nos casos em que os mesmos não sejam removidos para as delegações ou gabinetes médico-legais.

7 - As remoções efectuadas nas condições previstas no número anterior não estão sujeitas a averbamento nos assentos de óbito nem a licenças ou a taxas especiais..."

.Condução dos menores (cf. em especial os menores de 12 anos) vítimas de abusos ao G.M.L. ou ao I.M.L. ou ao Hospital Pediátrico.


2. Das apreensões


.Validação: 72 horas (art. 178º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal) para apresentar ao Ministério Público ( e não para validar, segundo o Acórdão da Relação do Porto, de 07.11.2007, Processo 0745888, N.º Convencional: JTRP00040732 - Sumário: o prazo máximo de 72 horas referido no nº 5 do art. 178º do Código de Processo Penal é o prazo para a apresentação das apreensões à autoridade judiciária, e não para a sua validação);

.Apreensão de “Diário”: Ac. TC n.º 607/2003, de 05-12-2003 (Proc. N.º 594/03, 2ª Secção)

.Apreensão de correspondência: distinção entre a aberta e a fechada, circunscrevendo-se à fechada a exigência de intervenção em primeira linha do juiz de instrução, pois só aqui se põe em causa a protecção constitucional do sigilo da correspondência.

.Apreensão de correio electrónico: não se distingue no art. 189º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal entre o aberto e o fechado, valendo sempre a regra do catálogo – assim, em caso de apreensão de um computador é preciso ter muito cuidado, pois a intervenção do juiz de instrução pode impor-se, sendo de prever sempre tal necessidade a título cautelar...

.É possível a apreensão de correio electrónico em caso de injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, por tal via, o mesmo se passando quanto a apreensão de mensagens de correio electrónico em boa parte dos crimes previstos na Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/91, de 17.08) - {cf. art. 187º, n.º 1, al. a), e e), e 189º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal}.
Questão: e se as mensagens foram recebidas pela vítima, podem as mesmas, após impressão pela mesma, sem consentimento do arguido, serem juntas ao inquérito?
As mensagens e comunicações electrónicas em geral (ex: telefax) impressas em papel, ou seja, que não se encontrem guardadas em suporte digital, não estão sujeitas ao art. 189º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, não sendo necessária a intervenção prévia do juiz de instrução e não se impondo qualquer catálogo de crimes.
O regime do art. 189º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal aplica-se aos anexos das mensagens de correio electrónico, mas não se aplica quando estamos perante ficheiros autonomizados (ex: texto de correio electrónico copiado para outra zona do computador, para ser lido ou até modificado).

. Apreensão de fotografias (cf. máquina fotográfica e revelação): o acórdão da Relação de Lisboa, de 16-07-08 ( Processo n.º 6131/08 3ª S) decidiu que a revelação de fotos tem de ter o consentimento do arguido (cf. auto de consentimento) ou autorização judicial prévia do juiz de instrução ( cf. arts. 1º, 26º, n.º 1, 32º, n.º 8, da CRP e 126º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal) – trata-se de um meio invasivo da privacidade dos indivíduos.

.Mensagens (S.M.S):

O Acórdão da Relação de Lisboa de 15-07-08 (cf. ainda os Acórdãos da RL de 20.03.07, e da RC, de 29.03.03) decidiu não ser necessária a intervenção do juiz de instrução, mas parece-me caber no art. 189º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal se se entender que estão guardadas em suporte digital – neste sentido:

- Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, que defende que as mensagens arquivadas no cartão do telemóvel constituem uma forma de comunicação incluída no âmbito de protecção do artigo 189.°, pelo que a respectiva leitura deve ser autorizada pelo juiz, quer já tenham sido lidas, quer ainda não o tenham sido pelo seu destinatário (acórdão do STJ, de 20.9.2006, in CJ, Acs. do STJ, XIV, 3, 189) . Por maioria de razão, a apreensão do telemóvel com vista apenas à leitura da informação sobre os números contactados está sujeita ao artigo 189.° (em sentido idêntico, CLAUS ROXIN / HANS ACHENBACH, 2006:120, com menção da jurisprudência do Bundesverfassungsgericht, por referência ao § 100..°a da StPõ).

- o ACRL de 16-07-2008 Processo nº 6131/08 3ª S:

I - É de manter o despacho do JIC que indefere a junção aos autos de fotografias reveladas, sem o consentimento do arguido, a partir de um cartão digital contido em máquina fotográfica ao mesmo apreendida, sem que o MºPº ou o OPC tenham solicitado ao JIC prévia autorização para revelar ou juntar as mencionadas fotografias. II - No caso '...regem os arts. 1º, 26º, nº 1 e 32º, nº 8, todos da CRP e o artº 126º, nº 3 do Código de Processo Penal, fluindo dos mesmos proibições de prova com utilização de meios invasivos da privacidade dos indivíduos, as quais têm clara aplicação ao caso dos autos, que se reporta ao conteúdo do cartão de memória digital de uma máquina fotográfica; ou se fosse esse o caso, o conteúdo de um rolo de uma máquina fotográfica'.

Mas se estiverem em papel já não se aplica. Então se a vítima transcrever e imprimir? E sendo a vítima a fornecer as mensagens não existe necessidade de intervenção do juiz de instrução? A este respeito consulte-se a fundamentação do Ac. RL, de 15-07-08:

“…E a mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho, é de presumir que uma vez recebida foi lida pelo seu destinatário.
Deste modo, na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Tratando-se de meros documentos escritos, estas mensagens não gozam de aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 29-03-2006, relatado pelo Exm.º Desembargador Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt).
Daí que, em nossa opinião, ao contrário do que se sustenta na motivação do recurso ora em apreciação, às mensagens escritas - SMS - que o arguido remeteu ao queixoso via telemóvel, cujo conteúdo foi copiado pela PJ e junto aos autos, constituem um meio de prova lícito e não configuram, de forma alguma, um caso de intromissão na vida privada do mesmo.
Subsequentemente, olvida o recorrente as limitações imanentes aos direitos fundamentais, maxime a de que ninguém tem o direito de enviar mensagens de SMS - injuriosas e ameaçadoras - através do seu telemóvel.
Como acertadamente salienta a Digna Magistrada do M° P° em 1ª Instância, a mais elementar experiência de vida em sociedade possibilita saber que, sempre que é enviada uma mensagem escrita, via telemóvel, a mesma fica gravada no equipamento do receptor.
Assim, quem remete uma mensagem escrita de um telemóvel para outro mais do que consentir na gravação do texto que elaborou, quer efectuar uma gravação, quer que aquilo que escreve fique gravado, por forma a ser visualizado mais tarde.
Pelo contrário, quem se depara com o seu telemóvel transformado em registo de injúrias e ameaças é que presumivelmente não consente o comportamento da pessoa que, de forma abusiva, faz e grava as mensagens.
O comportamento do arguido é em tudo equivalente a mandar uma carta com o conteúdo das mensagens que remeteu para o telemóvel do assistente.
De facto, a comunicação electrónica de um texto não pode deixar de ser equiparada a uma simples comunicação postal.
E, relativamente a essa carta, torna-se forçoso salientar que ninguém, de forma séria, ousará sustentar que a mesma nunca se revelará susceptível de utilização como prova de um eventual ilícito.
Daí que não se logre vislumbrar qualquer fundamento para a alegação de que a prova ora em causa foi obtida com violação da reserva da vida privada do arguido e sem o seu consentimento.

Nestes termos, mais nada nos resta senão deixar consignado que não se mostra ter sido violado o consagrado no Artº 126° do C.P.Penal.
Por outro lado, inexistem dúvidas de que a gravação das mensagens escritas ocorreu com o consentimento e, mais do que isso, por iniciativa e expressa vontade do arguido que desencadeou todo o mecanismo de gravação das mesmas.
Aliás, torna-se inequívoco que foi ele que quis deixar textos ameaçadores e injuriosos no telemóvel do assistente, ou seja, tal como podia ter escrito uma carta, optou pelo envio de diversos SMS.
Por conseguinte, ao contrário do sugerido, afigura-se-nos não competir, neste caso, tão somente ao Juiz de Instrução Criminal divulgar, para efeitos processuais penais, o conteúdo das mensagens recepcionadas no telemóvel do queixoso.
Além disso, verifica-se ser também inequívoco que a Polícia Judiciária não teve qualquer intervenção na gravação e obtenção dessas mensagens.
Porém, nesta ordem de ideias, do que não se pode duvidar é que compete ao assistente, na qualidade de ofendido e legítimo titular do equipamento onde as mensagens estavam armazenadas, denunciar os factos a quem de direito, divulgando e juntando à denúncia os meios de prova de que disponha.
É que, de facto, estabelece o Artº 49°, n.° 1 do C.P.Penal que, quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outra pessoa, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao M° P°, para que este promova o processo...”

.Listagens da via verde: Ac. TC n.º 213/08, DR n.º 86, Série II, de 05.05.08 – basta a determinação do Ministério Público

Para Paulo Pinto de Albuquerque, a disposição do art. 189º do Cód. Proc. Penal não é aplicável a transmissões automáticas de informação, sem interlocutores humanos, como por exemplo, o registo do pagamento automático de portagens por veículos que circulem em auto-estradas com via verde ou outros mecanismos de pagamento automático de portagem, encontrando-se a apreensão destes registos submetida ao regime geral do artigo 178.° (mas em face da AutobahnenmautG de 2002 a solução é diversa, CLAUS ROXIN /HANS ACHENBACH, 2006: 210 e 211, e MEYER-GõSSNER, 2007: anotação 4.a ao § 100..°g) .

.Apreensão de imóveis/Arresto: duas teses contraditórias para a apreensão de imóveis e necessidade de constituição prévia de arguido no arresto (cf. art. 10º da Lei n.º 5/2002, de 11.01)

Algumas notas:

Sobre a questão de se saber se é ou não registável a apreensão em processo penal de imóvel conheço três pareceres do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, com posições antagónicas.

Assim,

- no Proc.º n.º R. Co.6/97 - DSJ-CT, publicado no BRN n.º 3/98, pg. 16, o Conselho Técnico deu parecer em sentido positivo ( trata-se de um caso de apreensão de quotas de sociedade comercial );

- no Proc.º n.º 54/2000-DSJ-CT, publicado no BRN n.º 8/2000, pg. 27, o Conselho Técnico deu parecer em sentido negativo ( trata-se de um caso de apreensão de prédio ); e

- no Proc. n.º R.P. 114/2002 GSJ-CT, publicado no BRN n.º 11/2002, p. 40, o Conselho Técnico deu parecer em sentido negativo ( trata-se de um caso de apreensão de prédio ).

A ideia que presidiu ao último dos pareceres é a de que '...Só se devem tornar públicos factos que importam para a protecção dos beneficiários principais dos registos: os terceiros. Se o acto é válido e eficaz independentemente do registo, então esta formalidade é irrelevante, por insusceptível de quaisquer efeitos... '.

Neste último parecer diz-se ainda que '...O legislador (art. 2º, n.º 1, al. n), 2ª parte, do Cód. Registo Predial) ao elaborar uma lista taxativa dos factos sujeitos a registo, não quis certamente deixar «uma porta aberta» a factos de um tipo ou com um conteúdo que não correspondem aos tipos e conteúdos desenhados na lei. Será então lícito aproveitarmo-nos do sentido amplo e pouco preciso do citado preceito para, de maneira ardilosa ( ! - exclamação minha ), forçar a tipicidade ? Parece-nos bem que não. Não nos parece legítimo equiparar a apreensão, como instituto de direito e processo penal, com o consagrado naquele preceito, pois se baseiam em situações e normas distintas e são distintos os respectivos regimes jurídicos... '.

Tal parecer refere ainda como argumento que a apreensão em processo penal, ao contrário das providências cautelares em processo civil, '...não supõe a justificação do receio de perda da garantia patrimonial ( cfr. art. 406º do CPC ). É antes uma medida cautelar, destinada a facilitar a instrução do processo, a garantir a efectivação da perda, ou ambas as coisas, e a sua eficácia ocorre independemente e sem necessidade do registo... '. '...Protege, pois, a realização do direito criminal, mas não pode ser utilizada para garantir a efectivação de efeitos patrimoniais, de outro modo cair-se-ia em confusão com providências cautelares de natureza civil... '.

Neste parecer refere-se ainda que o tipo legal de descaminho é suficiente para tutela do interesse inerente à apreensão, para além de outros argumentos.

Obviamente, não concordo com tal parecer e penso que qualquer jurista que trabalhe com o direito penal e processual penal discordará dos argumentos nesse parecer indicados.

O verdadeiro problema reside antes na questão de se saber se um imóvel pode ser apreendido, uma vez que o art. 178º do Cód. Proc. Penal apenas refere os objectos ( não utiliza a palavra 'coisas ' ).

O art. 109º do Cód. Penal também utiliza a palavra 'objectos ' e não 'coisas '.

Só no art. 111º, n.ºs 2 a 4, do Cód. Proc. Penal se utiliza a palavra 'coisas '.

Penso que a solução registral depende da resolução prévia da questão processual penal.

O arresto previsto no art. 10º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/02, de 11.01, não se confunde com o arresto preventivo, muito embora nos termos do art. 10º, n.º 4, de tal lei, 'Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal '.

Nos termos do art. 36º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, o qual tem a epígrafe 'Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto ':
'Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna '.

Temos, portanto, um critério interpretativo do legislador em tal norma, que nos deve guiar também na interpretação de outras normas similares, como é o caso do art. 178º do Cód. Proc. Penal e 109º do Cód. Penal.

Sendo possível assim a apreensão de imóvel, que é tratado como 'objecto ', então é possível o registo.

Fica, no entanto, a seguinte questão:
- para crimes graves a Lei 5/02, de 11.01, prevê no art. 10º:

'1. Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do art. 7º, é decretado o arresto de bens do arguido.

2. A todo o tempo, o Ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa... '

E, se assim é, como compatibilizar a possibilidade de apreensão e a de arresto ?

A apreensão é sempre prévia à condenação e pode ser suscitada junto do juiz de instrução a sua validade.

O arresto em processo penal pressupõe a intervenção do juiz e pode ser prévio à condenação ou subsequente à mesma.

São, pois, duas coisas distintas. Como compreender a sua coexistência ?

Poder-se-ia sustentar uma relação de especialidade: para os objectos em geral, vale a apreensão; para os casos de vantagem da actividade criminosa e no que respeita aos crimes do art. 1º da Lei n.º 5/02, vale o arresto.

Tal solução seria, porém, incongruente, porquanto nos casos mais graves ter-se-ia um meio mais moroso e menos eficaz, a admitir-se a possibilidade do registo da apreensão.

Penso que o legislador ao introduzir o arresto na Lei 5/02 pura e simplesmente não ponderou a questão. Assim coexistem dois institutos processuais, que permitem alcançar o mesmo fim.

Se um arguido burla e alcança transferir para si a propriedade de imóvel, cujo direito regista, a ser possível a apreensão do imóvel - lucro do crime ou produto do crime -, tal apreensão não visa a declaração de perdimento a favor do Estado, mas apenas e tão-só a reposição da situação que existiria se não fosse o crime praticado.

Quer isto dizer que a restituição se opera nos termos do art. 186º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o qual dispõe que 'Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado '.

Aliás, a restituição só se pode operar com a sentença, porquanto o juiz, na sentença condenatória da burla, deve cancelar a inscrição da propriedade a favor do arguido, com o que e só então a apreensão deixará de ser necessária, caducando.

O registo evitou assim a perda do bem, que poderia acontecer em caso de transmissão a terceiro de boa-fé ( situação que cai fora do art. 110º, n.º 2, do Cód. penal ).

E não se diga, para afastar a possibilidade de registo, sustentando a sua inutilidade, que o artigo 111º, n.º 2, do Cód. Penal permite a declaração de perda a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé, de coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
É que tal norma implica sempre a indemnização dos tais terceiros de boa-fé e por isso prejuízo para os mesmos, que, por exemplo, se podem ver desapropriados da casa de habitação.

Ao permitir-se a apreensão de imóvel adquirido através de burla e seu registo, com possibilidade de o juiz penal cancelar o registo a favor do burlão, na sentença condenatória, após contraditório, evita-se que terceiros de boa fé sejam utilizados pelo burlão para converter 'o imóvel ' em euros.

A questão, porém, não é simples.


3. G.P.S.



Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, este artigo não é aplicável à colocação de um receptor de GPS no veículo do suspeito ou do arguido, desde logo porque não há uma comunicação, isto é, a transmissão do sinal para o GPS não constituí uma comunicação (no Direito Alemão, admitindo entre os "meios técnicos especiais destinados a fins de observação" previstos no § 100..°f 12 da StPQ MEYER-GõSSNER, 2007: anotação 2.a ao § 100.°f, e, no direito Italiano, admitindo o registo da transmissão de GPS como prova documental, PAOLO TONINI, 2007: 276 e 279) . Segundo o mesmo autor, no Direito Português, a colocação de um receptor de GPS no veículo do suspeito ou do arguido não é admissível como meio atípico de obtenção de prova, uma vez que semelhante meio de obtenção de prova deve ser previsto por uma lei expressa, dado o seu elevado grau de intrusão na privacidade do suspeito (artigo 26.', n.° 1 e 2 da CRP, e acórdão do Bundesverfassungsgericht Alemão de 12.4.2005, e acórdão do TEDH Vetter v França, de 31 .5 .2005; ver a anotação ao artigo 125.°).

Ac. Rel. Évora, de 07.10.2008 – decidiu não carecer de autorização prévia do juiz de instrução:

Texto Parcial do acórdão:

“…No tocante à 2.ª das questões postas, a de se também deve ser autorizada a colocação de localizadores, nomeadamente com sistema GPS, nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a controlar os seus movimentos, pelo prazo de 60 dias:
O senhor Juiz "a quo" indeferiu esta pretensão por ter entendido não se vislumbrar qualquer base legal que legitime a vigilância por recurso a instrumentos de localização GPS - tão pouco vindo indicada -
O M.º P.º rebateu, afirmando que existem normas legais a prever essa utilização, que as indicou, e que são os art.º 187.º, n.º 1 al.ª b), 189.º, n.º 2 e 252.º-A, aplicáveis por analogia com a localização celular dos telemóveis, permitida pelo art.º 4.º, todos do Código de Processo Penal (diploma ao qual pertencerão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem).
Vejamos o que dizem estas disposições legais, realçando a negrito as passagens que mais directamente interessam ao assunto:
Artigo 187.º
Admissibilidade
1 — A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
(…)
Artigo 189.º
Extensão
2 — A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.
Artigo 252.º-A
Localização celular
1 — As autoridades judiciárias e as autoridades de polícia criminal podem obter dados sobre a localização celular quando eles forem necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave.
2 — Se os dados sobre a localização celular previstos no número anterior se referirem a um processo em curso, a sua obtenção deve ser comunicada ao juiz no prazo máximo de quarenta e oito horas.
3 — Se os dados sobre a localização celular previstos no n.º 1 não se referirem a nenhum processo em curso, a comunicação deve ser dirigida ao juiz da sede da entidade competente para a investigação criminal.
4 — É nula a obtenção de dados sobre a localização celular com violação do disposto nos números anteriores.
Artigo 4.º
Integração de lacunas
Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que localização por GPS não tem coisa alguma a ver com localização celular.
A localização celular funciona quando num telemóvel é activado o IMEI, ou seja, quando é feita ou recebida uma chamada ou uma mensagem; só indica a “antena” que está a transmitir para o IMEI alvo, ou seja, se é S. ou T. e não o local exacto onde está o telemóvel alvo.
A localização por GPS é activada por um aparelho sintonizado com pelo menos dois satélites, dos quais recebe a informação das coordenadas da longitude e da latitude a que o aparelho se encontra, fornecendo-lhe assim a localização do sítio exacto por reporte ao mapa das estradas dessa região, informação que é transmitida e reproduzida num receptor na posse, neste caso, da autoridade policial.
Ora o legislador, que bem recentemente, em Agosto de 2007, através da Lei n.º 48/2007, de 29-8, se preocupou a aperfeiçoar a individualização e o acautelamento do uso de diversos mecanismos electrónicos tais como o telefone e o telemóvel (art.º 187.º), o correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como os sofisticados e ainda raros aparelhos de escuta à distância de conversas a ocorrerem entre pessoas presentes num local (art.º 189.º), a localização celular e os registos da realização de conversas ou comunicações (art.º 190.º) – não podia desconhecer a existência de localizadores GPS e as virtudes da sua utilização na investigação criminal. Não obstante, nada regulamentou sobre a sua utilização, nem os proibiu.
Assim, aplica-se o art.º 125.º:«São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei».
Sendo que a utilização de localizadores GPS não consubstancia qualquer dos métodos proibidos de prova a que se refere o art.º 126.º.
Certo que no n.º 3 deste último preceito legal se estabelece que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada. Mas o ter a autoridade policial no decurso de um inquérito criminal acesso à informação de onde está a cada momento um determinado veículo automóvel, não pode ser visto como uma intromissão na vida privada de quem vai nesse veículo, pois que o GPS é um aparelho surdo e cego no sentido de que não escuta as conversas dos ocupantes do carro, nem identifica quem lá vai e o que estão a fazer, apenas informa aonde está o veículo, circunstância que é visível a olho nu para quem olhe para o carro e lhe vê a matrícula. Daí que expressões ou divulgações como: «estava lá o carro de Fulano», «vi passar o carro de Sicrano» ou «o carro de Beltrano fica todas as noites estacionado à porta da Maria», não constituam qualquer comportamento tipificado como crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192.º do Código Penal.
Situação bem diferente seria – como está bom de ver – a de utilizar localizadores GPS em pessoas individuais ou grupos de pessoas individuais. Mas não é esse, de forma alguma, o caso dos autos.
De resto, se bem atentarmos, não é por acaso que por exemplo na investigação de crimes ocorridos em alto mar como o de tráfico de estupefacientes, as autoridades, sem necessidade de autorização judicial prévia, leiam e juntem ao processo como prova o mapa do itinerário da embarcação marcado no GPS da mesma.
De resto, digamos que a localização por GPS é o «irmão gémeo electrónico» do clássico seguimento do alvo por pessoas a bordo de um carro. E que tem vantagens e desvantagens em relação a este seguimento personalizado. A principal vantagem será o permanente acesso à localização em que se encontra o carro-alvo. A desvantagem mais evidente será a de que, apesar de em qualquer momento se saber aonde está o carro, se desconhecer por completo o que é que o seu ocupante ou os seus ocupantes estão a fazer de concreto. Nesse aspecto, o seguimento clássico, por permitir, além do mais, escrutinar quem vai no carro e o que fazem os ocupantes pelo menos quando o carro pára, para onde vão quando saem dele e com quem falam, é um método muito mais intrusivo e abrangente do que o mero conhecimento da localização do carro, pelo que o GPS servirá sobretudo como meio coadjuvante do seguimento clássico – o qual, aliás, também pode ocorrer 24 sobre 24 horas. E não é por isso que as autoridades policiais precisam de obter uma autorização judicial prévia para fazerem o seguimento de uma pessoa que vai num veículo automóvel.
Daí e em resumo que entendamos que não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito.
III
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, se decide revogar o despacho recorrido e autorizar:
A)...; e
B) A colocação de localizadores GPS nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a controlar os seus movimentos e pelo tempo tido por necessário pelo orgão de polícia criminal encarregue do inquérito.
#

Évora, 7-10-2 008
Martinho Cardoso
António Latas
(elaborado e revisto pelo relator)


4. Das Buscas

• Em Habitação (ordenada ou autorizada pelo Juiz sob pena de nulidade – arts. 177, n.º 1, e 269 nº 1-c) CPP)

• Em Escritório de Advogado (ordenada e presidida pessoal e obrigatoriamente pelo Juiz sob pena de nulidade; com aviso prévio ao Presidente do CDOA, para que o mesmo ou um seu delegado possa estar presente – arts. 177º, n.º 5, e 268, n.º 1-c) CPP)

• Em Consultório Médico (ordenada e presidida pessoal e obrigatoriamente pelo Juiz sob pena de nulidade; com aviso prévio ao Presidente da OM, para que o mesmo ou um seu delegado possa estar presente – arts. 177º, n.º 5, e 268º, n.º 1-c) CPP)

• Em Estabelecimento Oficial de Saúde (aviso prévio feito ao Presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substitua – art. 177º, nº 6, CPP; discute-se se o Juiz deve presidir ou não a este tipo de busca)

• Em Estabelecimento Bancário (ordenada e presidida pessoalmente pelo Juiz – arts. 181 e 268 nº 1-c) CPP).


. Processo de contra-ordenação e buscas a armazéns – intervenção do Ministério Público?
-A favor desta intervenção refere-se a remissão para o Código de Processo Penal (art. 41º do R.G.C.O) e o facto de a intervenção do MP ser imposta pelo facto de, a não ser assim e a apreender-se objecto relacionado com a prática de crime, se criar uma forma transversal de prescindir da intervenção do magistrado do Ministério Público na busca
-Contra, o facto de a competência de decisória ser da autoridade administrativa (cf. art. 41º, n.º 2, do R.G.C.O.).

. Inexistência de buscas domiciliárias no processo de contra-ordenação (cf. art. 42º, n.º2, do R.G.C.O.), salvo com o consentimento do visado.

. Competência da Polícia Judiciária (ver)

. Visado:

• Quem presta o consentimento aludido no art. 174 nº 4-b) CPP? O disponente do bem ou o visado pela diligência?

• Diz-se no Ac TC nº 507/94 que «o consentimento para a busca teria que ser dada pelo visado e não apenas pela pessoa que tiver disponibilidade do lugar de habitação, em que a busca seja efectuada; e que o consentimento de uma só pessoa não basta para legitimar as buscas nas casas habitadas por vários».
• Ac. TRP de 29/1/2003: para assegurar a regularidade da diligência, basta o consentimento da pessoa por ela afectada e que também tenha a livre disponibilidade quanto ao local onde a diligência é efectuada. É o que parece poder retirar-se da referência, sublinhada, ao consentimento dos visados (obviamente, aqui, visado com a busca é o arguido: como se diz no Ac. do STJ, de 5/6/91, CJ, XVI, 3º, 27, “... não é correcto haver como “visado” quem não é parte no processo, nem neste se encontra por qualquer forma envolvido.”) e também com a circunstância da busca poder restringir-se só a uma parte ou dependência fechada de casa habitada, indiferente, por isso, a tudo o mais que nas restantes dependências existir. Aos demais que habitem na casa é juridicamente indiferente essa devassa dessas coisas que lhes não dizem respeito, pelo que se não vê que o respectivo consentimento deva ser exigido ou, se concedido, possa relevar para a validação da busca.
• Neste último sentido, ver Ac. do STJ, de 8/2/95, CJ STJ, III, 1º, 194: O que não significa, que a entrada na habitação possa ser feita se houver oposição de algum dos demais titulares, pois que, a despeito de lhes ser indiferente a realização da busca propriamente dita, a invasão do seu domicílio pelos agentes de autoridade não deixa de ser uma intromissão na reserva da intimidade da sua vida familiar, constitucionalmente protegida.
Só que, hão-de, para tanto, esse(s) outro(s) titular(es) manifestar a sua oposição; na certeza, porém, de que na ausência de uma tal manifestação de vontade e consentindo o visado, também titular do domicílio, se não vê razão para ter como irregular a entrada na habitação e afectada a validade da busca aí efectuada (busca que, repete-se, apenas ao que prestou o consentimento respeita).

.Visado estrangeiro, analfabeto ou menor ou incapaz: defensor e intérprete – o caso do Ac. Rel. de Coimbra, de 21.01.09: necessidade de nomeação de defensor e de intérprete a “visado” menor de 21 anos e que não domina a língua portuguesa.

.Ac.Rel. Lisboa, de 22-10-2008 (Processo: 6945/2008; disponível em www.datajuris.pt):
- decidiu que ainda que o visado pela busca não tenha a qualidade de arguido, devem ser-lhe aplicadas as normas que visam a protecção dos arguidos particularmente débeis, nomeadamente aquela que exige a assistência de defensor à prática de certos actos processuais, uma vez que dessa busca pode resultar a sua responsabilização criminal; e
- que não se pode considerar válido o consentimento prestado por menor de 21 anos, sem que o mesmo se encontre assistido por defensor.

.Consentimento do visado: inexistência de limitação temporal das 7 às 21 horas (art. 177º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal)

O consentimento do visado, devidamente documentado – art. 174 nº 5-b), e 177º, n.º 2, al. b), do CPP- permite a realização da busca domiciliária de noite, sem prévia autorização judicial: discute-se, neste caso, se tem de ser observado o disposto no art. 174 nº 6 CPP, sob pena de nulidade (ver art. 177 nº 4 CPP) – entendo que não, pois a remissão do art. 174º, n.º 5, é para a alínea a).

. Validação expressa e tácita:
Nota:

No caso de busca domiciliária efectuada nos termos do art. 174 nº 5-a) e b) CPP, é correspondentemente aplicável o disposto no art. 174 n.º 5 Cód. Proc. Penal em relação a ambas as alíneas a) e b) do n.º 5 do art. 174 ou só em relação à alínea a)?

A remissão limita-se às situações abrangidas pela alínea a) do n.° 5 do artigo 174°, única à qual se refere expressamente o texto do n.° 5 do mesmo art. 174 CPP. Por isso entendeu-se que no caso da alínea b) do nº 5 do art. 174 não tinha que haver a dita validação pelo juiz, por dois motivos:

Em 1º lugar, porque nas situações de busca domiciliária abrangidas pela alínea b) do n.° 5 do artigo 174° não há qualquer violação do domicílio do visado uma vez que as autoridades policiais não actuam contra a sua (do visado) vontade (artigo 34°, n.° 2 CRP).

Em 2º lugar, porque, pela forma como são definidos os seus pressupostos, a necessidade de controlo judicial é incomparavelmente mais intensa nos casos abrangidos pela alínea a).

Ver já neste sentido, o Ac. TRL de 13/7/2005.


- Ac TC nº 67/97, BMJ 464/75:

• «Destinando-se o espaço domiciliário, constitucionalmente protegido, a resguardar a liberdade e a segurança pessoal e a proteger a vida privada, é duvidoso que uma dependência não habitacional – garagem fechada, embora colectiva, do condomínio – fisicamente descontínua em relação à zona de habitação, integrada em área que outros usufruem igualmente, constitua espaço dependente do domicílio do arguido» (neste caso essa dúvida foi ultrapassada porque o visado tinha dado o consentimento para a busca).

. Se for flagrante delito, os OPC podem fazer a detenção do agente (art. 255 CPP) e poderão, sem consentimento, nem autorização judicial, entrar em casa (busca domiciliária) para proceder à detenção (verificando-se a situação prevista nos arts. 174, nº 2, nº 5-a) e c), 177 nº 3 e art. 1º, al. j) (cf. criminalidade violenta), do CPP) no caso do crime previsto no art. 152 Cód. Penal, ou seja, de violência doméstica (mas segundo a informação nº 73/2000 da PGR – conclusão 3.4. - «as autoridades policiais só poderão entrar sem consentimento ou autorização judicial, na ponderação de um perigo real ou iminente e no respeito pelos princípios da proporcionalidade e da adequação do comportamento à situação tal como a mesma se representa») – está sujeito a validação judicial sob pena de nulidade.

. Arrombamento: essa possibilidade deve constar do mandado de busca? Há quem entenda que lhe está subjacente essa possibilidade e há quem entenda que não, pelo que deve solicitar-se essa menção expressa ao juiz de instrução.

5. Reconhecimentos

.Por descrição (cf. é preliminar e não existe contacto visual) , presenciais e com resguardo ( cf. art. 147º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal)
.Teleconferência: o reconhecimento presencial pode ser efectuado por teleconferência, designadamente estando o ofendido no estrangeiro.
.Imediatamente seguido: quando o arguido for encontrado…
.Auto: deve conter tudo o que se passou.
.Sorteio
.Objectos

6. Constituição de arguido/Confissão de co-arguido:

. Distinguir entre a constituição como arguida de pessoa colectiva e de pessoa singular: a pessoa colectiva deve ser constituída arguida na pessoa do legal representante. Se este não for encontrado, nomeia-se-lhe um representante para o processo e defensor? É discutível, pois com a constituição de arguida interrompe-se o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do art. 121º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal e o certo é que ao suspeito ausente não se nomeia representante. Se se entender que tal nomeação não é possível, então pode existir contumácia (cf. art. 335º a 337º do Cód. Proc. Penal).

.Acórdão da Relação do Porto, de 10-09-2008

Texto parcial:

“...no âmbito de um processo penal de estrutura acusatória como o nosso, conformado segundo os princípios constitucionais da legalidade, das garantias de defesa, do contraditório, e disciplinado de acordo com tais princípios não é possível falar de conversas informais no âmbito do processo penal: em processo penal não há conversas informais entre órgãos de polícia criminal e o arguido (Damião da Cunha, in O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento, RPCC, Ano 7, Fasc. 3º pág. 432).
As declarações prestadas por um arguido para um órgão de polícia criminal no âmbito de um inquérito ou são reduzidas a escrito e podem ser consideradas em sede probatória em determinadas situações, ou não o são e neste caso não existem, isto é, são absolutamente irrelevantes como meio de prova e são, portanto, insusceptíveis de serem consideradas, seja qual for a situação que configuremos.
Os órgãos de polícia que tenham recebido declarações cuja leitura não seja permitida em audiência não podem ser inquiridas sobre o conteúdo das mesmas. A proibição constante dos art. 356º, nº 7, e 357º, nº 2, do C.P.P. veda o aproveitamento, como meio de prova, de declarações prestadas por órgãos de polícia criminal sobre o que ouviu aos vários intervenientes processuais no decurso do inquérito.
Como refere a douta decisão recorrida o caso não será de inadmissibilidade de depoimento, pois «as testemunhas nem sempre estão, nem têm que estar, cientes dos limites dos seus depoimentos, do que podem ou não podem dizer no seu depoimento; não têm que estar informadas sobre as provas admissíveis em audiência de julgamento e vão depondo com base no seu conhecimento pessoal» (pág. 98). Do que se trata, em rigor, é da impossibilidade de tais testemunhas serem perguntadas sobre o conteúdo das declarações prestadas pelo arguido e de estas declarações, quando forem referidas, serem valoradas e fundamentarem a decisão sobre a matéria de facto...”

Ac TC nº 213/94: Declarou inconstitucional a interpretação do art. 129 CPP, feita pelo STJ, quando admitiu que pudesse servir como meio de prova, o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoa determinada, quando a inquirição desta pessoa não foi possível, por impossibilidade de ser encontrada, mesmo que esta pessoa seja um co-arguido e o depoente seja um agente da PJ que com ela contactou quando, na situação de detido, aguardava o primeiro interrogatório.

Tem-se defendido que não existem «conversas informais» entre OPC e arguido, porque:

• Ou as declarações prestadas pelo arguido foram reduzidas a escrito e os OPC não podem depor sobre elas (porque de leitura proibida – art. 356 nº 7 CPP),
• Ou não tendo sido reduzidas a escrito, não podem ser apreciadas pelo tribunal, nem mesmo através da referência à sua existência, por estarem à margem do processo (Damião Cunha; Ac. STJ 22/4/2004, CJ STJ 2004, II, 165). Nesta matéria há alguma divergência na jurisprudência, quando o arguido está presente e usa do direito ao silêncio.
• Ver voto de vencido de Ferreira Dinis (no Ac. TRC de 18/6/2003, CJ 2003, III, 51, entendeu-se valorar depoimento duas testemunhas, agentes da GNR, na parte em que transmitiram ao tribunal aquilo que ouviram dizer ao arguido no hospital, onde ele havia sido conduzido, após acidente de viação, objecto do processo, em caso em que o arguido exerceu o direito ao silêncio em julgamento), baseando-se, essencialmente, na lealdade processual que impõe que o arguido saiba que está a ser investigado e porque está a ser investigado – arts. 57 a 61, 129 e 356 nº 7 CPP – com os reflexos contidos nos arts. 358 e 359 CPP).

.Indicação do local onde se encontra o cadáver por um dos co-arguidos, perante o silêncio dos outros: é como se tivéssemos tropeçado nele!

7. Detenção fora de flagrante delito

. Indiferença face ao perigo de continuação da actividade criminosa

. Proteger a vítima tornou-se ainda mais premente

. Perigo real e efectivo de fuga

. Critério uniforme: não há critérios diferentes, pois o juiz de instrução intervém sempre.

8. Recolha de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético

Nos termos do art. 154º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, quanto se tratar de perícia sobre características físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho previsto no número 1 é da competência do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado.

Nos termos do art. 156º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal, as perícias referidas no n.º 2 do art. 154º do mesmo diploma, são realizadas por médico ou outra pessoa legalmente autorizada e não podem criar perigo para a saúde do visado.

E nos termos do n.º 6 do art. 156º do Cód. Proc. Penal, quando se tratar de análises de sangue ou de outras células corporais, os exames efectuados e as amostras recolhidas só podem ser utilizados no processo em curso ou em outro já instaurado, devendo ser destruídos, mediante despacho do juiz, logo que não sejam necessários.

O conceito de perigo para a saúde implica um juízo especial: abrir os maxilares à força implica ou não perigo de lesão? Se implica, não pode ser executado o exame assim. Mas anestesiar já não implica perigo para a saúde, ainda que possa ter um risco, o qual é desprezável por força da muito baixa probabilidade de ocorrência de acidente.

Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 154º do Cód. Proc. Penal, o visado não pode consentir na realização de actos médicos que possam criar perigo para a sua saúde, tais como acolheita de urina através de cateter, acolheita de líquidos do cérebro ou da medula espinal eapneumencefalografia, pois estes actos não podem sequer
constituir objecto da perícia, à luz do artigo 156.°, n.° 5 (MEYER-GõSSNER, 2007: anotação 21 e 22.a ao § 81 ..°a).

Segundo este autor, a lei nacional não prevê, como a lei germânica, o direito da recusa da perícia ou do exame pelas pessoas que têm direito a recusar depor nos termos do artigo 134.°, que corresponde ao § 52.° da StPQ mas deve reconhecer-se aquele direito como expressão do princípio da dignidade da pessoa humana implícito no Estado de Direito e do direito constitucional à protecção da família (ver a anotação ao artigo 134.°).

Para Paulo Pinto de Albuquerque, o Cód. Proc. Penal ( cf. art. 154º ) é omisso sobre o procedimento a adoptar no caso de o visado recusar obedecer à ordem da autoridade judiciária e, designadamente, não permite que o visado possa ser compelido, como se prevê no artigo 172º, n.° 1 (já notou esta incongruência, SÓNIA FIDALGO, 2006: 138), nem permite o internamento coercivo do visado em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento de saúde, com vista à realização da perícia, como prevê expressamente o §81.° da StPõAlemãpelo período máximo de seis semanas. A norma do artigo 172.°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal é excepcional, porque contrária aos direitos constitucionais de protecção da integridade física e da privacidade, pelo que não é aplicável analogicamente (como já salientou o acórdão da Corte Costituzionale Italiana na sua sentença n. 238, de 9.7.1996, que declarou a ilegitimidade constitucional do artigo 224.°, n.° 2, do CPP Italiano, "na parte em que consente que o juiz, no âmbito das operações periciais, disponha de medidas que incidam sobre a liberdade pessoal do suspeito, do arguido ou de terceiros, fora daqueles especificamente previstos nos «casos» e nos «modos» da lei"). O artigo 6.° da Lei n.° 45 /2004, de 19 .9, não supre a lacuna no tocante à perícia. Portanto, a recusa de obediência só pode dar lugar à incriminação do artigo 348.°, n.° 1, al. b), do CP, caso ela tenha sido cominada com a ordem dada.
Este é, aliás, o regime que também vigora, nos termos do artigo 53.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22.1, para a recusa em ser submetido a perícia ordenada pela autoridade judiciária em relação a quem oculte ou transporte no seu corpo estupefacientes.


Nesta matéria importa citar o:

Acórdão da Relação do Porto, de 10-12-2008
Processo:0844093
Nº Convencional: JTRP00041933
Relator: MARIA ELISA MARQUES
N.º do Documento: RP200812100844093
Indicações Eventuais: LIVRO 344 - FLS 190.

Sumário:

Não é inconstitucional a norma do art. 172º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é legítimo o uso da força física para obter, através de zaragatoa bucal vestígios biológicos de um arguido para fins de comparação com os encontrados nas cuecas da ofendida, se está em causa a investigação de um crime de violação, não havendo outras provas para além das declarações daquela, que sofre de considerável atraso mental.

Anotação ao acórdão sumariado:

Código de Processo Penal:

Artigo 172. Sujeição a exame.

1 - Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente.

A Norma constante do artigo 172.º, n.º 1, do Código de Processo Penal foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2007, de 2 de Março, por violação do disposto nos artigos 25.º, 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita e, consequencialmente, a norma constante do artigo 126.º, n.ºs 1, 2, alíneas a) e c), e 3, do Código de Processo Penal, julgada inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, quando interpretada em termos de considerar válida e, por conseguinte, susceptível de ulterior utilização e valoração a prova obtida através da colheita realizada nos moldes descritos.

A Norma constante do artigo 172.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 228/2007, de 28 de Março, por violação do disposto nos artigos 25.º, 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita.

A questão subjacente a toda esta problemática reside em saber se o princípio da adequação prática permite uma solução que remeta para a discricionariedade do juiz de instrução a definição das situações em que pode ser usada violência para recolha de prova. Ou seja, não se exige uma definição legal das concretas situações em que é possível o recurso à violência e confia-se apenas no juiz de instrução? Neste caso quais são os meios menos lesivos: a recolha de um cabelo abandonado, a recolha de um cabelo por corte contra vontade, a recolha de saliva através de zaragatoa bucal, a recolha de sangue contra vontade, com imobilização forçada?

Seja qual for a resposta do Tribunal Constitucional ou do legislador o certo é que se um Estado de Direito Democrático não pode subsistir sem justiça também é certo que a justiça deve ser uma justiça que não viole o núcleo duro da dignidade humana.

E importará não esquecer também que o princípio in dubio pro reo nunca permitirá a inversão do ónus da prova.

A meu ver, importa definir com rigor:

-Quais os crimes que justificam uma solução que permita o recurso à obtenção de prova contra a vontade, do corpo do arguido, mesmo que com o consentimento do juiz de instrução, pois não faz sentido proibir escutas telefónicas fora do catálogo definido na lei e permitir-se a obtenção de uma amostra de sangue contra a vontade do arguido em qualquer caso, desde que autorizado pelo juiz de instrução;

-Dentro do catálogo a definir, importa saber quais os meios menos lesivos a utilizar, o que deve ser definido por lei;

-Por outro lado, importa definir em abstracto quais os pressupostos concretos de recurso a tal forma de obtenção de prova, devendo, em concreto, fazer-se intervir o juiz de instrução;

-Finalmente, os actos a praticar devem ser rodeados de especiais cautelas, devendo estar presente um Defensor, o Ministério Público, o Juiz de Instrução e um Representante da Ordem dos Médicos;

E tudo isto é que permitirá uma discussão séria e adequada a respeito da conformidade constitucional da interpretação seguida em concreto...


. A questão do estado de necessidade e da legítima defesa: permitido, mas sem possibilidade de valoração no processo? Se a ilicitude é afastada pelas normas penais da legítima defesa e estado de necessidade, pode a prova ser valorada.

9. Recolha de voz e de imagem; recolha só de voz; recolha só de imagem:

a) Voz: 189º, n.º1, do Cód. Proc. Penal

a.1).Alta voz:

Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, a disposição não é aplicável a conversações que não são privadas, como por exemplo, as tidas em voz alta em público ou com utilização de ondas de rádio livremente captáveis (PAOLO TONINI, 2007: 279) . A disposição também não abrange a audição de uma conversação privada por um sujeito que não é terceiro a, pelo menos, um dos interlocutores da conversação, como por exemplo a escuta de uma conversação entre duas pessoas em que uma delas voluntariamente fornece a um OPC um segundo auscultador, não se encontrando esta audição submetida ao segredo de telecomunicações (CLAUS ROXIN / HANS ACHENBACH, 2006: 117, com menção da jurisprudência do Bundesgerichtshof neste sentido, e PAOLO TONINI, 2007: 275, com menção da sentença das secções unidas da Corte di Cassazione, de 24.9 .2003, também neste sentido).

Mas o acórdão da Relação de Coimbra, de 28-10-2008 entende que a prova assim obtida, sem consentimento do arguido ou intervenção do juiz de instrução é nula ( cf. arts 32º, n.º 8, da C.R.P. e 126º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).

Note-se que a gravação de conversas sem o consentimento da outra pessoa, titular do direito à transitoriedade da palavra falada (cf. art. 26º, n.º 1, da CRP) – ou seja, direito a que a palavra seja, por princípio, apenas ouvida no momento e no contexto em que é proferida -, é uma prova nula. Na verdade, o art. 199º, n.º 1, al.ªs a) e b), do Cód. Penal considera crime tal conduta, para além de que se viola o art. 6º da Lei n.º 5/02, de 11.01, conjugado com o art. 167º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, impondo o primeiro um catálogo de crimes e a intervenção do juiz de instrução, e estabelecendo o segundo que as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.

a.2) Conversação entre presentes:

Para Paulo Pinto de Albuquerque, a lei de 1998 submeteu as conversações entre presentes ao regime dos artigos 187.° e 188.°, não distinguindo entre as conversações privadas ditas entre presentes no domicilio ou fora dele e, portanto, incluindo quer as conversações tidas em casa habitada quer as tidas na via pública ou em qualquer outro edifício ou local de acesso público ou restrito. O núcleo do direito constitucional à privacidade (artigos 26.° e 35 .° da CRP) impõe restrições a estas interferências . Assim, a intercepção das comunicações entre presentes no domicilio é inconstitucional se for mantida com pessoas da especial confiança do suspeito, como a sua mulher e os seus filhos, pais ou irmãos, e incluir "expressões pertencentes ao núcleo do modo de vida privado" do suspeito.

Nota

• O art. 6 da Lei 5/2002 exclui apenas a ilicitude resultante da violação do direito à palavra falada e do direito à imagem.

• Não permite a violação do domicílio (não é permitida a colocação de câmaras ou microfones no interior do domicílio)


b) Voz e imagem: art. 6º da Lei n.º 5/02, de 11.01 (cf. Ac. RP, de 21.12.2004 e de 16.11.2005)




c) Imagem apenas:

Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, o regime do art. 6º da Lei n.º 5/02 aplica-se ainda à recolha de imagem e de som em local público, em face da proibição típica do artigo 199.° do CP, desde que não se trate de imagem ou som relativo a acontecimento de interesse público ou a pessoa cuja notoriedade ou cargo desempenhado justifiquem o interesse de «terceiros. Nestes casos, é a própria tipicidade legal que está excluída (também assim, COSTA ANDRADE, anotação 42.a ao artigo 199.º, in FIGUEIREDO DIAS, 1999).
Ao invés, a recolha da imagem ou som de pessoa que se encontra em lugar público ou que participa em acto público, mas de forma anónima (por exemplo, um manifestante num comício ou um espectador num concerto), está subordinada à proibição típica do artigo 199.° do CP e, portanto, também ao regime descrito do artigo 6.° da Lei n.° 5/2002 (acórdãos do TEDH P.C. e J.H. v Reino Unido, de 25.9 .2001, e Perryv Reino Unido, de 17.10.2003, que equiparam esta recolha à intercepção de conversa telefónica, e acórdão do TRP, de 22.3.2006, in CJ, XXXI, 2,198, contrariado pelo acórdão do TRE, de 21.11.2000, in CJ, XXV, 5, 279, pelo acórdão do TRL, de 22.1 .2003, in CJ, 2003, 1, 40, e pelo acórdão do TRP, de 16 .11.2005, in CJ, XXX, 5, 219, que entendem que a recolha é neste caso livre e independente de autorização judicial, e ainda acórdão do TRC, de 23.4 .2003, in CJ, XXVIII, 2, 43, que, contudo, impõe uma valoração a posteriori do juiz).
Pode, pois, concluir-se, por um lado, que o artigo 79.°, n.° 2, do CC é aplicável analogicamente à captação do som de uma pessoa e, por outro, que o artigo 199.° do CP revogou tacitamente o artigo 79.°, n.° 2, do CC, na parte em que este se refere aos simples factos ocorridos em "lugares públicos" ou "que hajam decorrido publicamente" quando respeitem a pessoa presente nesses lugares de forma anónima.


O registo de imagem de vigilância policial, em local público, no âmbito de investigação de tráfico de estupefacientes depende de prévia autorização judicial (ver art. 6 da Lei 5/2002)?

• Ac. TRC de 23/4/2002, CJ 2002, II, 43: Tal como a questão é posta ao tribunal, está em causa a obtenção de uma prova mediante intromissão da vida privada, com violação do direito à imagem (art. 76 CC). Porém, entende-se que não é todo e qualquer registo de voz e imagem que depende de autorização prévia do juiz mas tão só aquele registo em que haja ofensa à integridade moral das pessoas (art. 126 nº1 CPP) ou constitua intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (art. 126 nº 3 CPP). O CC (arts. 76 e 79) não proíbe que se colha imagem mas antes proíbe a difusão do retrato sem consentimento da pessoa retratada. As fotografias e a utilização que delas é feita encontra-se justificada por exigências de justiça, nos termos do art. 79 nº 2 CC. No mesmo sentido Ac. TRG de 29/3/2004.

• Em sentido contrário, Ac. TRL 13/10/2004: Precisava de autorização judicial prévia, para registar as imagens da vigilância. Por isso considerou que tais fotografias não podiam valer como prova.


CNPD/Câmaras de filmar:

- Armazém fechado, residência: é legal ter vídeovigilância.

- «Se um circuito de vigilância é legalmente autorizado, para fins de vigilância e segurança, e no decurso dessa operação fica acidentalmente registada a ocorrência de um crime, nada obsta à sua utilização como meio de prova validamente obtido.
Neste caso, o registo de voz e de imagem está legalmente autorizado e, cumpridas as normas previstas para o efeito, uma das consequências é a validade de tais registos, tanto mais que o local deverá estar assinalado, anunciando tal vigilância. O visado sabe, assim, que a sua imagem e voz naquele local são ou podem ser registados e sabe, também, que tal sucede por razões de segurança».
Diferente é a utilização de um circuito de vigilância para fins de investigação criminal (art. 6 da Lei 5/2002), porque neste caso o registo de voz e imagem carece de prévia autorização judicial.
[Mário Ferreira Monte, «o registo de voz e imagem…», in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira]

- Ac. Relação do Porto, de 26-03-2008, processo 0715930, citando jurisprudência do TEDH (cf. Ac. RG, de 29.03.04, Ac. RP, de 31.05.06): admissibilidade de imagens de câmaras de bombas de gasolina, mesmo sem comunicação à CNPD (cf. Ac. RP, de 16.11.05 - CJ V, p. 216); Ac. RL, de 28.11.01 e Ac. RC, de 17.04.02 (cf. fotos) – inexistência de devassa da vida privada.
Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, as imagens obtidas por sistema de videovigilância, porque não têm nenhum visado em especial, não estão submetidas ao regime do artigo 6.° da Lei n.° 5/2002 e podem ser juntas aos autos e valoradas, desde que o sistema de videovigilância esteja devidamente autorizado (acórdão do STJ, de 20.6 .2001, in CJ, Acs. do STJ, lX, 2, 221, e acórdão do TRG, de 29.3.2004, in CJ, XXIX, 2, 292) .


10. Uma encomenda postal fechada é equiparada legalmente a correspondência e é diferente de bagagem pessoal transportada nos aeroportos (esta sim, pode ser sujeita a RX) – [assim, Ac RL 23/6/2004, CJ 2004, III, 149]

11. A utilização de cães para detecção de produtos estupefacientes – desde que não exista qualquer apreensão legalmente proibida que a anteceda – não constitui qualquer meio proibido de obtenção de prova, uma vez que os referidos animais não descrevem o conteúdo de uma encomenda a ninguém, apenas se circunscrevendo a «assinalar» a existência ou não de produtos estupefacientes (assim, o mesmo Ac RL 23/6/2004, CJ 2004, III, 149)