quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Aplicação oficiosa da lei penal mais favorável - art. 50º, n.º 5, do Código Penal

Um modelo de interposição de recurso para reflexão sobre a matéria.



Comum Singular n.º ...,
do ... Juízo

Ex.mo Sr. Juiz de Direito do
Tribunal Judicial de ...


O Ministério Público, não se conformando com o despacho de fls. 201 e verso do processo à margem identificado, vem, nos termos dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal, dele interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de ..., a subir imediatamente (art. 407.º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal), em separado (art. 406.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal) e com efeito meramente devolutivo (art. 408.º, a contrario, do Cód. Proc. Penal).
Para o efeito junta a sua motivação.
Mais requer a Vossa Excelência que se digne admitir o presente recurso e instruí-lo com certidão de fls. 174 a 180, com nota de trânsito em julgado, e de fls. 195 a 201 e verso dos autos à margem identificados.


***

Motivação



Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores:

O arguido Álvaro ... foi condenado em cúmulo jurídico na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
O prazo em causa de suspensão de execução da pena de prisão fixada não é hoje admissível, dada a alteração introduzida no art. 50º do Cód. Penal pela Lei n.º 59/07, de 04.09 ) – cf. art. 50º, n.º 5.
Em face disso promovemos nos autos o seguinte:
“…As questões que se colocam são as seguintes: deve ou não a lei penal mais favorável aplicar-se retroactivamente ? E, nesse caso, como ? Poder-se-á alterar a condenação, fazendo corresponder, por exemplo, à suspensão mais curta a existência de deveres que não foram fixados ?
Citamos aqui parte do Acórdão da Relação de Coimbra de 07.11.2007, processo 287/05.2JACBR.C1, in www.dgsi.pt :
“…o nº 4 do artigo 2º do mesmo livro de leis estendeu, na esteira de alguma doutrina, que há já algum tempo clamava pela inconstitucionalidade deste segmento de norma, [Cfr. Taipa de Carvalho, Américo, in “Sucessão de Leis no Tempo”, Coimbra Editora, págs. 213 a 255] o princípio basilar e axial da proibição da retroactividade mais desfavorável – cfr. artigos 18º, nº2 e nº1 e nº4, segunda parte, do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa - aos casos em que já tenha ocorrido condenação do arguido, “ainda que transitada em julgado”. O princípio da proibição da retroactividade desfavorável congraçado com o princípio da imposição da retroactividade mais favorável [Cfr. op. loc. cit. pág. 102], “assumidos pela perspectiva político-criminal do princípio da culpa, pela perspectiva jurídico-política da teoria constitucional dos direitos fundamentais no contexto do aprofundamento destes direitos, levado a cabo pelo Estado de Direito Material”, “[…] impõem que, no actual momento, tanto a proibição da retroactividade in peius como a imposição da retroactividade in melius devem considerar-se como garantias ou mesmo direitos fundamentais constitucionalmente consagrados”. “No plano jurídico-penal, tal princípio da restrição mínima dos direitos fundamentais conduz ao princípio da indispensabilidade ou da máxima limitação da pena: a pena e o seu quanto só se justificam, juridico-constitucionalmente, na medida do indispensável à salvaguarda dos «direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (Constituição da República Portuguesa, artigo 18.º-2.). Um tal princípio constitucional projectado na «aplicação da lei penal no tempo» vincula à retroactividade da lex mitior: se o legislador entende que uma pena menos grave e, portanto, menos limitadora dos direitos fundamentais, máxima da liberdade, é suficiente para realizar as funções político-criminais de prevenção geral (de integração e de intimidação) e de prevenção especial (também de integração e de intimidação do delinquente ), então esta terá de aplicar-se retroactivamente. O contrário seria aplicar uma pena que, no momento da aplicação (ou mesmo da execução), é tida como desnecessária e, portanto, seria inconstitucional”. “As alterações legislativas penais ou sucessão de leis penais em sentido amplo podem derivar da mutação da concepção do legislador sobre a ilicitude do facto ou sobre a necessidade político-criminal da pena, quer em sentido negativo (lei despenalizadora), quer em sentido afirmativo (lei penalizadora)”, sendo que no confronto que vier a ser efectuado quanto à aplicabilidade do regime mais favorável se há-de ter em consideração a totalidade ou conjunto de factores que possam influenciar positivamente a avaliação da conduta do arguido medida ou perspectivada segundo a orientação que o legislador pretendeu inculcar no regime político de aplicação e execução das sanções penais previstas no ordenamento jurídico-penal.O regime de suspensão que o legislador estatuiu no artigo 50º do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 04.09, inculca uma alteração do paradigma do instituto da suspensão da pena, no tocante ao período máximo da prisão possível para decretamento da suspensão…”.
A referida alteração de paradigma verifica-se também no que respeita aos prazos de suspensão (art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal).
Ora, as questões supra-colocadas leva a questionar se a aplicação da lei mais favorável pressupõe sempre a reabertura da audiência de julgamento nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal, a qual depende de requerimento do arguido. Ou se a aplicação da lei mais favorável pode/deve ser feita oficiosamente, designadamente naqueles casos em que é manifesto que o arguido só pode ser beneficiado pela lei nova, como será o caso da pena de prisão suspensa do arguido destes autos, uma vez que o prazo respectivo teria de ser alterado para menos. Só que a questão afigura-se-nos mais complexa, quando se pergunta se o tribunal pode ou não fazer corresponder deveres ao prazo mais curto de suspensão que resulta da lei nova, deveres esses que não constavam da sentença anterior.
Para nós tais deveres ( cf. art. 51º do Cód. Penal ) não podem ser adicionados, após redução do prazo da suspensão, por força do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal, posto que, não constando os mesmos da sentença, seria sempre um adicionar mais desfavorável ao arguido.
Por outro lado, se para alterar uma pena de prisão para uma pena de prisão suspensa deve o arguido requerer a reabertura da audiência de julgamento, nos termos do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal, entendemos que para aplicação do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal não é necessário o recurso ao disposto no art. 371º-A do Cód. Proc. Penal referido, posto que a única operação admissível é a mera redução do prazo de suspensão, não sendo admissível qualquer alteração da condenação, como por exemplo, através da adição dos aludidos deveres que não constavam da sentença/acórdão.
Há, pois, que distinguir, no âmbito da lei nova, os casos do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal dos casos em que penas de prisão efectiva podem ser modificadas para penas de prisão suspensas na sua execução. Se nestes casos tal operação só é possível a requerimento do arguido – art. 371º-A do Cód. Proc. Penal -, posto que importa reabrir a audiência de julgamento e formular nova sentença que aplique ou não a lei mais favorável, já em casos como o dos autos, do que se trata é de uma mera operação aritmética de mais para menos, ou seja, de reduzir o prazo da suspensão da execução das pena de prisão ao limite – 17 meses - do art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal, o qual resulta automaticamente fixado a partir da pena de prisão aplicada.
Assim entendemos que o prazo fixado nos autos de suspensão de execução da pena de prisão deverá ser alterado por força da aplicação da lei mais favorável – art. 2º, n.º 4, e 50º, n.º 5, do Cód. Penal -, o que se promove que seja declarado em relação ao arguido”.
A M.M. Juiz indeferiu o promovido pelo despacho ora sob recurso, sustentando que a sentença condenatória transitou em julgado e que os arguidos não requereram a aplicação da lei mais favorável ao abrigo do art. 371-A do Cód. Proc. Penal.
A nosso ver, porém, com tal despacho violou-se de uma só vez o disposto nos arts. 18º e 29º, n.º 4, 2ª parte da Constituição das República Portuguesa e ainda o art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal.
A título de curiosidade refira-se que em Espanha o Código penal consagra há mais de cem anos a retroactividade da lex mitior, mesmo que já tenha transitado em julgado a sentença condenatória ( cf. Américo A. Taipa de carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 105 ).
Conforme sustenta Taipa de Carvalho, “…é, hoje – o autor escrevia ainda antes das novas redacções do Código Penal e de Processo Penal – incorrecta a classificação da proibição da retroactividade como princípio geral da «aplicação da lei penal no tempo» e da retroactividade da lei mais favorável como excepção. Deverá antes e com legitimidade, afirmar-se que o princípio é o da aplicação da lei penal mais favorável” ( cf. ob. citada, pág. 107 ).
“…Na verdade o princípio base, que regula a sucessão de leis penais no nosso direito positivo não é o da irretroactividade. A irretroactividade é um dos corolários de um princípio superior ( favor libertatis), o qual, em homenagem à liberdade do cidadão, lhe assegura o tratamento penal mais mitigado entre o do momento da prática do delito e os tratamentos estabelecidos por lei sucessivas” ( A. Pagliaro, citado na nota 136 da pág. 107 da ob. cit. ).
“…Compreendia-se que o Código Penal de 1852 e o de 1886 classificassem como excepções as hipóteses de retroactividade da lei penal favorável; a matéria da vigência temporal da lei penal era dominada pela proibição da retroactividade da lei desfavorável, pois estava ainda bem viva a arbitrariedade legislativa na atribuição persecutória de eficácia retroactiva à lei penal. Acresce a esta razão decisiva o facto de a política criminal ainda estar, nessa altura, a dar os primeiros passos.
Hoje, já não se compreende, pelo que vimos, classificar de excepções as hipóteses de retroactividade favorável; assim o parece ter entendido o legislador penal de 1982 que, no art. 2º, não as menciona como excepções…” ( ob. citada, páginas 107 a 108 ).
Note-se que o art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal foi objecto de nova redacção com a Lei n.º 59/07, de 04.09, que veio agora estabelecer de forma inequívoca, mais a mais se conjugado com o art. 371-A do Cód. Proc. Penal, o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável.
Note-se ainda que o art. 3º, n.º 2, do R.G.C.O, na redacção do Dec. Lei n.º 244/95, de 14.09, eliminou o impedimento do caso julgado, estabelecendo que a aplicação retroactiva da lei nova contra-ordenacional mais favorável só não se fará, quando a decisão ou sentença contra-ordenacional tiver sido já executada, no momento em que entrou em vigor a lei nova – “aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada».
Se assim é em relação a decisões ou sentenças cujo objecto principal é aplicação de uma sanção pecuniária ( coima ), que não constitui um mal absoluto ( pois que, em termos práticos, ao “empobrecimento” do condenado corresponde um “enriquecimento” do Estado-Administração e, indirectamente, da comunidade social ), por maioria de razão o deverá ser em relação a sentenças finais, mesmo que transitadas em julgado, desde que a execução ou cumprimento da pena de prisão ( ou das penas acessórias ) ainda não se tenha esgotado; por maioria de razão uma vez que as sanções penais, especialmente a pena de prisão ( e excluindo a pena de multa ), são um mal absoluto, pois que elas em si não trazem qualquer vantagem a ninguém.
É este um argumento contra o tratamento do limite do caso julgado à aplicação da lei retroactiva da lei penal mais favorável como um tabu ( cf. no sentido acabado de expor, Taipa de Carvalho, ob. citada, páginas 113 a 114 e 147 a 149 ).
A problemática da sucessão de leis penais tem sido resolvida através da teoria ou critério da continuidade normativo-típica, que não importa aqui desenvolver, por desnecessário.
Verificando-se uma verdadeira sucessão de leis penais, há que determinar qual das leis em confronto é mais favorável ao arguido. Levantam-se, aqui, dois problemas:
- Ponderação unitária ou diferenciada ? A este respeito conhece-se o Assento do STJ, de 15.02.1989, publicado no DR I-A, de 17.03.1989; contra, Taipa de Carvalho, ob. citada, páginas 192 e segs..
- Ponderação abstracta ou concreta ?
Esta última questão é a que mais nos interessa.
A opção vai há muito para a ponderação concreta: é relativamente ao caso sub iudice que se deve determinar qual das leis mais favorece ( ou melhor, menos desfavorece ) o infractor. Tal decisão pressupõe que o tribunal realize todo o processo de determinação da pena concreta ( art. 71º do Cód. Penal ) face a cada uma das leis, a não ser, como é óbvio, que seja evidente, numa simples consideração abstracta, que uma das leis é claramente mais favorável que a outra.
Por exemplo, num caso em que a L.A. estabelece uma pena de 1 a 10 anos de prisão e a L.N. estabelece pena de 3 a 7 anos de prisão, há que proceder necessariamente à determinação concreta da pena, pois só assim se poderá chegar à conclusão de qual das leis é mais favorável ao arguido, compreendendo-se que o impulso lhe pertença, por força do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal. Na verdade, deve ser atribuído ao arguido o ónus de, nos casos de permanência de dúvida, apesar da ponderação desenvolvida sobre qual das leis é mais favorável, requerer a aplicação da lei mais favorável.
Mas em casos em que a L.N. seja manifestamente mais favorável, o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável é de aplicação oficiosa, não dependendo de iniciativa ou audiência do arguido.
Nestes termos, não podia a M.M. Juiz deixar de aplicar a lei penal nova, reduzindo o prazo de suspensão da execução da pena aos seus justos limites.

Concluindo:

1. Ao indeferir a promoção do Ministério Público, no sentido de se aplicar o disposto no art. 50º, n.º 5, do Cód. Penal, conjugadamente com o disposto no art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal, reduzindo-se o prazo de suspensão de execução da pena de prisão a 17 meses,

2. com base na alegação de caso julgado e de falta de requerimento do arguido ao abrigo do art. 371º-A do Cód. Proc. Penal,

3. violou o despacho recorrido o disposto nos arts 18º, 29º, n.º 4, 2ª parte, da Constituição da República, 2º, n.º 4, e 50º, n.º 5, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 04.09,

4. porquanto resulta de uma mera ponderação abstracta, sem necessidade de recurso a uma ponderação concreta, com audiência do arguido, que a aplicação retroactiva da lei penal nova é mais favorável no caso em apreço.

5. O princípio base, que regula a sucessão de leis penais no nosso direito positivo, não é o da irretroactividade. A irretroactividade é um dos corolários de um princípio superior ( favor libertatis), o qual, em homenagem à liberdade do cidadão, lhe assegura o tratamento penal mais mitigado entre o do momento da prática do delito e os tratamentos estabelecidos por lei sucessivas. Deverá antes e com legitimidade acrescida, com a nova redacção do art. 2º, n.º 4, do Cód. Penal, introduzida pela Lei n.º 59/07, de 04.09, afirmar-se que o princípio é o da aplicação da lei penal mais favorável.

6. Termos em que o despacho formulado deve ser revogado e substituído por outro que aplique a lei mais favorável.

No entanto, Vossas Excelências, como sempre, farão a tão costumada

JUSTIÇA !

O Procurador-Adjunto

Alteração ao Habilus - processo sumário

Com o intuito de evitar qualquer confusão com a espécie de processo (pn) Processo Sumário (artº 381º CPP), que corre exclusivamente nas áreas processuais de julgamento (Criminal Genérico, Criminal Juízos ou Criminal PI), procedeu-se à alteração do nome dado à espécie (mp) Processo Sumário (artº 381º CPP) para (mp) Apresentação Mº Pº (artº. 382/1º CPP).



A presente alteração é relevante face às questões que foram suscitadas no que respeita à tramitação do pedido de suspensão provisória formulado pelo Ministério Público em processo sumário, matéria esta a respeito da qual recaíram diversos acórdãos da Relação de Lisboa, como é o caso do recente acórdão dessa Relação, de 20.06.07, processo 2322/2007-3, relator Carlos de Sousa, in www.dgsi.pt.

Cartas de Condução de Angola - até que enfim ...

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa:

"...A questão a resolver no recurso é a de saber se o caso dos autos é subsumível à previsão do artº 125º do C.E. ou constitui o crime de condução de veículo sem habilitação legal, do art. 3º, nºs 1 e 2 do D.L. nº 2/98 de 03/01.5. Os factos provados são os seguintes (em transcrição):

"- No dia 18 de Janeiro de 2007, pelas 11h40m, na Avenida 1º de Maio, Fogueteiro, o arguido conduzia um automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...;- Possuía carta de condução emitida por Angola, dentro do prazo de validade;- O arguido reside habitualmente naRua ..., Laranjeiro;- O arguido agiu livre e conscientemente.Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos... ".

"... O que é certo é que a situação, entretanto, evoluiu.Na verdade, pelo Despacho n.º 12 595/2007([1]), sob a epígrafe “Reconhecimento de títulos de condução da República de Angola”, a Direcção-Geral de Viação determinou o seguinte (em transcrição integral e com realce que é nosso):
“Tendo presente que a legislação rodoviária em vigor na República de Angola reconhece a carta de condução portuguesa para conduzir naquele Estado, o que preenche o requisito constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 125º do Código da Estrada;Tendo ainda em conta os termos do n.º 3 do Memorando de Entendimento entre os Governos da República Portuguesa e da República Angolana, sobre o reconhecimento mútuo de títulos de condução, assinado em Lisboa, em 19 de Março de 2007, determino que os títulos de condução emitidos pela República de Angola, que se apresentem dentro do seu prazo de validade, habilitam à condução de veículos automóveis em território nacional, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada, pelo prazo máximo de 185 dias seguidos.O presente despacho entra em vigor imediatamente após a sua assinatura.19 de Março de 2007.— O Director-Geral, Rogério Pinheiro”.
8.1. Temos assim que, hoje em dia, existe o recíproco reconhecimento das licenças de condução emitidas em cada um dos Estados de Portugal e Angola, razão pela qual, o crime imputado se não verifica.Com efeito, o arguido detinha título de condução emitido pela República de Angola, dentro do seu prazo de validade, pelo que, sendo residente neste nosso país, há mais de 185 dias, como se provou, apenas cometeu a contra-ordenação ao artº 125º nºs 1- e), 4 e 7 do Código da Estrada.Não pode considerar-se que ele haja cometido o ilícito criminal imputado, uma vez que, nos termos dos artºs 29º, nº 4 da CRP e 2º, nº 2 do CP, devem aplicar-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável, deixando o facto de ser punível se uma nova lei “o eliminar do número das infracções”.É certo que não existe uma lei nova em sentido estrito, mas não é menos certo que quer o texto constitucional quer o ordinário usam a expressão “lei” em sentido amplo.Mas é perfeitamente inequívoco que o Estado Português se obrigou já ao reconhecimento das licenças de condução emitidas em Angola e que esse reconhecimento é recíproco. E que, de outra parte, por acto genérico, abstracto e com força legal, Portugal já expressamente se coibiu de perseguir criminalmente os detentores de tais licenças de condução, embora apenas a prazo, por via de se aguardar a formalização do “Acordo”([2]), que se seguirá necessariamente ao dito “Memorando de Entendimento entre os Governos da República Portuguesa e da República Angolana”.III - Decisão.9. Nestes termos, declara-se improcedente o recurso.10.1. Sem tributação.
Lisboa, 19 de Setembro de 2007 (António Rodrigues Simão) (Carlos Augusto Santos de Sousa) (Mário Varges Gomes) (João Cotrim Mendes)__________________________________________________________
([1]) Publicado no nº 118, do DºRª, II série, de 21-06-07. Procurando, assim e a nosso ver, colmatar lacuna imperdoável da nossa legislação, quando são tão numerosas as comunidades emigrantes dos países de língua portuguesa entre nós, com evidentes necessidades de integração.
([2]) Como recentemente já sucedeu com Cabo-Verde (v. Decreto 10/2007, de 05-06, que aprovou ACORDO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA DE CABO VERDE PARA O RECONHECIMENTO DE TÍTULOS DE CONDUÇÃO).