quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Cartas de Condução de Angola - até que enfim ...

Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Lisboa:

"...A questão a resolver no recurso é a de saber se o caso dos autos é subsumível à previsão do artº 125º do C.E. ou constitui o crime de condução de veículo sem habilitação legal, do art. 3º, nºs 1 e 2 do D.L. nº 2/98 de 03/01.5. Os factos provados são os seguintes (em transcrição):

"- No dia 18 de Janeiro de 2007, pelas 11h40m, na Avenida 1º de Maio, Fogueteiro, o arguido conduzia um automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...;- Possuía carta de condução emitida por Angola, dentro do prazo de validade;- O arguido reside habitualmente naRua ..., Laranjeiro;- O arguido agiu livre e conscientemente.Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos... ".

"... O que é certo é que a situação, entretanto, evoluiu.Na verdade, pelo Despacho n.º 12 595/2007([1]), sob a epígrafe “Reconhecimento de títulos de condução da República de Angola”, a Direcção-Geral de Viação determinou o seguinte (em transcrição integral e com realce que é nosso):
“Tendo presente que a legislação rodoviária em vigor na República de Angola reconhece a carta de condução portuguesa para conduzir naquele Estado, o que preenche o requisito constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 125º do Código da Estrada;Tendo ainda em conta os termos do n.º 3 do Memorando de Entendimento entre os Governos da República Portuguesa e da República Angolana, sobre o reconhecimento mútuo de títulos de condução, assinado em Lisboa, em 19 de Março de 2007, determino que os títulos de condução emitidos pela República de Angola, que se apresentem dentro do seu prazo de validade, habilitam à condução de veículos automóveis em território nacional, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 125.º do Código da Estrada, pelo prazo máximo de 185 dias seguidos.O presente despacho entra em vigor imediatamente após a sua assinatura.19 de Março de 2007.— O Director-Geral, Rogério Pinheiro”.
8.1. Temos assim que, hoje em dia, existe o recíproco reconhecimento das licenças de condução emitidas em cada um dos Estados de Portugal e Angola, razão pela qual, o crime imputado se não verifica.Com efeito, o arguido detinha título de condução emitido pela República de Angola, dentro do seu prazo de validade, pelo que, sendo residente neste nosso país, há mais de 185 dias, como se provou, apenas cometeu a contra-ordenação ao artº 125º nºs 1- e), 4 e 7 do Código da Estrada.Não pode considerar-se que ele haja cometido o ilícito criminal imputado, uma vez que, nos termos dos artºs 29º, nº 4 da CRP e 2º, nº 2 do CP, devem aplicar-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável, deixando o facto de ser punível se uma nova lei “o eliminar do número das infracções”.É certo que não existe uma lei nova em sentido estrito, mas não é menos certo que quer o texto constitucional quer o ordinário usam a expressão “lei” em sentido amplo.Mas é perfeitamente inequívoco que o Estado Português se obrigou já ao reconhecimento das licenças de condução emitidas em Angola e que esse reconhecimento é recíproco. E que, de outra parte, por acto genérico, abstracto e com força legal, Portugal já expressamente se coibiu de perseguir criminalmente os detentores de tais licenças de condução, embora apenas a prazo, por via de se aguardar a formalização do “Acordo”([2]), que se seguirá necessariamente ao dito “Memorando de Entendimento entre os Governos da República Portuguesa e da República Angolana”.III - Decisão.9. Nestes termos, declara-se improcedente o recurso.10.1. Sem tributação.
Lisboa, 19 de Setembro de 2007 (António Rodrigues Simão) (Carlos Augusto Santos de Sousa) (Mário Varges Gomes) (João Cotrim Mendes)__________________________________________________________
([1]) Publicado no nº 118, do DºRª, II série, de 21-06-07. Procurando, assim e a nosso ver, colmatar lacuna imperdoável da nossa legislação, quando são tão numerosas as comunidades emigrantes dos países de língua portuguesa entre nós, com evidentes necessidades de integração.
([2]) Como recentemente já sucedeu com Cabo-Verde (v. Decreto 10/2007, de 05-06, que aprovou ACORDO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA DE CABO VERDE PARA O RECONHECIMENTO DE TÍTULOS DE CONDUÇÃO).