quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Recurso em processo sumário/Notificação da sentença ao defensor, sendo o arguido julgado na ausência (clique para consultar o acórdão na D.G.S.I.)

Acórdão da Relação de Coimbra, de 22-04-2009
Processo: 17/08.7GCACB
JTRC
Relator: Ribeiro Martins

Sumário:

I. Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo, por força do disposto no artigo 391º do Cód. Proc. Penal.
II. Nos termos do art. 467º, n.º 1, do Código de Processo Penal, as decisões condenatórias só têm força executiva depois de transitadas em julgado.
III. Assim, não é admissível recurso, em separado, do despacho que considera como não notificado da sentença o arguido que, não comparecendo à audiência de julgamento, é notificado na pessoa do defensor, ainda que com a advertência, que resulta do artigo 385º, n.º 3, al.ª a), do Cód. Proc. Penal, de que a audiência se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor.

(Comentário ao acórdão inserido a seguir ao texto integral)


Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra –

I – Relatório –

1- O Ministério Público recorre, em separado, de despacho proferido nos supra-referidos autos pelo qual se teve o arguido A... como ainda não notificado da sentença que o condenou pela prática do crime de condução sem habilitação legal. A situação gerada à volta da prática do crime foi a seguinte –
a) O A... foi detido em flagrante delito no dia 16/1/2008, pelas 17H45 minutos, no acto de condução sem habilitação legal.
b) Foi constituído como arguido pelo órgão de polícia criminal que o surpreendeu em flagrante e que o libertou com sujeição a termo de identidade e residência. Também foi de imediato notificado para comparecer no dia 17 de Janeiro de 2008, pelas 10 horas, no tribunal da comarca a fim de ser julgado em processo sumário,
c) Com a expressa advertência de que a audiência de discussão e julgamento se realizaria mesmo que não comparecesse, sendo então representado pelo defensor, tudo conforme o artigo 385°/3 alínea a) do Código de Processo Penal.
d) O Ministério Público deduziu acusação e requereu o julgamento em processo sumário.
e) Não tendo o arguido comparecido no tribunal no dia e hora referidos, foi-lhe nomeado defensora na audiência de discussão e julgamento e nela proferida sentença que o condenou pela prática do crime.
f) A sentença foi depositada no dia 1 de Fevereiro de 2008.
g) Posteriormente o Ministério Público promoveu que arguido se tivesse por notificado da sentença, se remetessem boletins ao registo criminal e se procedesse à liquidação das responsabilidades do arguido, nos termos das disposições legais conjugadas dos artigos 383°/1, 385°/3 alínea a) e 389°/6, todos Código de Processo Penal.
h) O juiz indeferiu esta promoção do Ministério Público tendo a sentença por ainda não notificada ao arguido e, consequentemente, por ainda não transitada a decisão condenatória.
No que interessa ao caso, é do seguinte teor o despacho recorrido:

« (…) O arguido foi julgado em processo especial sumário, tendo sido representado na respectiva audiência de discussão e julgamento pela sua Defensora, conforme disposto no artigo 385°/3 alínea a) do Código de Processo Penal, pois o mesmo faltou sendo que tinha prestado termo de identidade e residência a fls. 5 e encontrava-se regularmente notificado para nela comparecer, conforme teor de fls. 6 (cf. acta de fls. 13-20).
No entanto, não se pode considerar o arguido notificado da sentença condenatória na pessoa da sua defensora, pois as disposições legais supra citadas não permitem concluir pela efectivação de tal notificação, impondo-se tal como sucede no processo comum em que a audiência de julgamento é realizada na ausência do arguido que a sentença condenatória lhe seja pessoalmente notificada, conforme resulta das disposições conjugadas previstas nos artigos 113º/9 e 333°/5 ex vi artigo 386°/1, todos do CPP. Pelo exposto, indefere-se o doutamente promovido a fls. 27 (…)».

2- O recorrente conclui do seguinte modo –

1) Vem o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho de fls. 29 que não considerou que o arguido A... já havia sido notificado da sentença proferida nos termos das disposições legais conjugadas dos artigos 383°/1, 385°/3 alínea a) e 389°/ 6, todos Código de Processo Penal e que, em consequência, a mesma não havia ainda transitado em julgado;
2) O arguido faltoso foi julgado em processo sumário com a expressa advertência de que a audiência de discussão e julgamento se realizaria mesmo que não comparecesse, sendo representado por defensor, tudo nos termos do disposto no artigo 385°/ 3 alínea a) do Código de Processo Penal;
3) Do cotejo das disposições legais conjugadas dos 372°/5, 373°/ 3, 381°/1, 385°/ 3 alínea a), 389°/ 6 e 411/1alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, resulta que o arguido faltoso deve considerar-se presente porque notificado para estar presente e deve considerar-se da sentença proferida na altura da sua leitura perante a sua defensora oficiosa e o prazo de recurso conta-se a partir do seu depósito na secretaria;
4) Todas as diligências posteriormente efectuadas com vista à sua notificação ao arguido, via postal ou pessoal, não têm a virtualidade de fazer alargar o prazo de recurso, o qual se conta sempre desde a data do depósito da sentença já que o mesmo para esses efeitos se considera notificado na pessoa da sua defensora;
5) Tendo a sentença sido lida na presença da defensora do arguido no dia 17 de Janeiro de 2008 e sido depositada no dia 1 de Fevereiro de 2008, a mesma transitou em julgado no dia 25 de Fevereiro de 2008;
6) O despacho judicial viola os artigos 372/5, 373°/3, 381°/1, 385°/3 alínea a), 389°/ 6 e 411°/1 alíneas b) e c) todos do Código de Processo Penal;
7) Pelo que deve, na procedência do recurso, ser o despacho substituído por outro em que se considere transitada a sentença e no mais se defira o promovido pelo Ministério Público

3- Não houve resposta.

Nesta instância de recurso o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emite douto parecer onde coloca como questão prévia a inadmissibilidade legal do recurso face à estatuição do art.º 391º do Código de Processo Penal.
Quanto à questão de fundo inclina-se pela necessidade de notificação da sentença ao arguido.

4- Colheram-se os vistos legais. Cumpre agora apreciar e decidir!

II – Apreciação –

Parece-nos assistir razão ao Ex.mo Procurador-Geral Adjunto ao colocar como questão prévia a inadmissibilidade legal do recurso.
Efectivamente o art.º 391º do Código de Processo Penal estatui que «Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo».
Os termos do preceito são peremptórios e claros no sentido de que no processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo.
Ora o despacho em crise não pôs termo ao processo pelo que, a nosso ver, é irrecorrível por força da transcrita disposição legal.
Nos termos do art.º 467º/1 do Código de Processo Penal, as decisões condenatórias só têm força executiva depois de transitadas em julgado.
Entendendo o tribunal recorrido que a sentença ainda não transitou em julgado porque ainda não foi notificada ao arguido, só antevemos como possibilidade de ultrapassar a dissidência o Ministério Público condescender com a notificação tida em falta e caso o arguido venha então a interpor recurso da sentença o MP levantar na resposta ao mesmo a questão da extemporaneidade do recurso, defendendo nas suas alegações a tese que agora expõe.
Face aos termos do art.º 391º entendemos que só por esta via poderá este tribunal conhecer da suscitada questão.
III – Decisão –
Termos em que se rejeita por inadmissibilidade legal o interposto recurso [cfr. art.ºs 391º. 399º, 414º/2 e 3 e 420º/2 do Código de Processo Penal].
Sem custas.
Coimbra,


Comentário ao acórdão:

O acórdão parte de uma leitura literal do artigo 391º do Cód. Proc. Penal, a qual, elevada ao seu expoente máximo, levaria à irrecorribilidade de qualquer decisão do juiz em processo sumário que não se traduzisse em sentença ou despacho que pusesse termo ao processo. Assim, ainda que perante uma flagrante violação de direitos, a decisão do juiz seria irrecorrível.

Tal interpretação é manifestamente indesejável, e não foi querida pelo legislador, o que justifica uma interpretação do artigo 391º do Cód. Proc. Penal noutros moldes.

No caso em apreciação, sendo manifesto que é a própria lei a dizer que o arguido é representado por defensor na audiência de julgamento, no que se inclui a audiência de leitura de sentença, não podia o juiz do processo sumário impor uma notificação que era, no mínimo, um acto inútil.

Aliás, já no artigo 334º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal se estatui que o arguido é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor (cujos deveres funcionais e deontológicos lhe impõem a oportuna comunicação ao arguido do resultado do julgamento, designadamente para aferição da viabilidade ou pertinência de um eventual recurso), sendo de salientar que a utilização da expressão “para todos os efeitos possíveis”, nada acrescenta de novo, pelo menos no que respeita à notificação da sentença, pois a leitura da mesma, que vale como notificação, é ainda realizada em audiência de julgamento, pois até é possível a interposição de recurso em acta.

Em suma, a tese do Ministério Público, vertida no recurso, seria procedente, por duas razões:

i) Princípio da celeridade processual (artigo 386.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), não resultando da nossa interpretação qualquer violação direitos, pois o arguido, já constituído como tal e ciente dos seus direitos e deveres, é previamente advertido de que lhe vai ser nomeado defensor e de que a audiência se realizará na sua ausência, sendo representado pelo mesmo - o hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença por parte do arguido, só poderá, pois, atribuir-se a negligência própria, a qual não merece tutela jurídica, pois não se podem considerar violadas as suas garantias de defesa: sibi imputet;

ii) Referência legal expressa à representação por defensor em audiência de julgamento, audiência essa que inclui a própria leitura da sentença (artigos 385.º, n.º 3, al. a), e 389.º, n.º 6, do Código de Processo Penal). Além do mais, estando o arguido já sujeito a Termo de Identidade e de Residência - de onde resulta a advertência do artigo 196º, n.º 3, al. d), do
Cód. Proc. Penal-,o disposto no art. 385º, n.º 3, al. a), do Cód. Proc. Penal, não pode significar senão que o arguido é representado na audiência para todos os efeitos pelo defensor, ou seja, estamos perante situação análoga à do art. 334º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, situação esta à qual não se aplica o art. 334º, n.º 6, do mesmo código;

iii) O disposto no art. 115º, n.º 9, do Cód. Proc. Penal traduz uma regra que sofre desvios, designadamente nos casos do art. 332º, n.º 5, e 334º, n.ºs 1, 2 e 4, ambos do Cód. Proc. Penal, não se vendo porque razão o tratamento no âmbito do processo sumário não deva ser igual às situações previstas no art. 334º, n.º 1 e 4 (às quais não se aplica o disposto no art. 334º, n.º 6), do Cód. Proc. Penal, onde se estatui o seguinte:

«1 - Se ao caso couber processo sumaríssimo mas o procedimento tiver sido reenviado para a forma comum e se o arguido não puder ser notificado do despacho que designa dia para a audiência ou faltar a esta injustificamente, o tribunal pode determinar que a audiência tenha lugar na ausência do arguido.
2 - Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.»

Não admitir o recurso representa um risco de prescrição da condenação, pois permite-se que o prazo corra até que se notifique o arguido. Só isto justifica que o recurso seja admitido, pois, na prática, o risco inerente à decisão judicial é de tal ordem, que é de prever como forte possibilidade, o termo do processo pela prescrição da condenação.

Aliás, está pressuposta no recurso a força executiva da sentença, alega-se o seu trânsito em julgado, pelo que a Relação não podia dar como assente a falta de força executiva da sentença, ou seja, aquilo que se pretende ver discutido (se a sentença tem ou não força executiva), para rejeitar depois a possibilidade de recurso.

Assim, não concordamos com o douto acórdão da Relação de Coimbra.