segunda-feira, 30 de julho de 2007

Artigo 28º, n.º 1, do Código Penal

O art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal refere o seguinte:
"Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora ".

Não existindo comparticipação não há que aplicar o art. 28º do Cód. Penal.

Diferente se torna se actuarem, por exemplo, dois indivíduos concertados, isto é e por exemplo, sabendo os dois da cominação de desobediência que havia sido feita a um deles, mesmo assim resolviam dar um passeio num veículo apreendido. Quanto a este caso importaria saber se o crime de desobediência é ou não um crime de mão própria, ou seja, que exige a execução corporal do próprio agente. Resposta: não é .

Não sendo, será mesmo assim de concluir que o legislador penal quis excluir a aplicação do art. 28º do Cód. Penal no que respeita ao crime de desobediência ? Penso que não. No entanto, penso ser de muito difícil prova o conhecimento da cominação por parte do outro arguido, embora não impossível. Face a tal dificuldade probatória, admito que se possa construir uma tese que sustente que, afinal, o legislador, que tão rigoroso foi na construção do tipo legal de crime de desobediência, não quisesse, afinal, admitir a comunicabilidade, sob pena de assim se pôr em causa, por uma via transversal, a intenção subjacente à imposição de uma cominação de desobediência.

Um acórdão interessante sobre a ilicitude na comparticipação ( art. 28º do Cód. Penal ) é Acórdão do STJ, de 11.03.2004, processo 4329/04 - 5ª Secção ( Relator Carmona da Mota ), onde se refere:

"...No âmbito do DL 15/93, perante o "tipo fundamental " do art. 21.º ( "Tráfico e outras actividades ilícitas "), o art. 24.º ( "Agravação ") não surgirá propriamente, como um "tipo qualificado ", pois que a modificação da moldura penal (do tipo fundamental) não se operará aí "ao nível do tipo ou dos elementos típicos ", antes se verificando "por força de circunstâncias modificativas " derivadas "de uma especial gradação dos elementos constitutivos do crime, v. g., de uma gravidade especialmente acrescida do tipo de ilícito " (Cfr. FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, § 256 e ss.).

II - O art. 24.º (cuja epígrafe é, simples e significativamente, "Agravação ") funcionará, pois, como um mero agrupamento das circunstâncias ( "pressupostos ou conjunto de pressupostos que, não dizendo directamente respeito ao tipo de ilícito [...], todavia contendem com a maior [...] gravidade do crime como um todo e relevam por isso directamente para a [...] determinação da pena "), que, ante as molduras penais dos tipos fundamentais dos arts. 21.º, 22.º e 23.º, as agravam ( "aumentando-as de um terço nos seus limites mínimo e máximo ") especialmente, sendo que as "circunstâncias de carácter específico ou especial são aquelas que valem apenas para certo ou certos tipos legais de crime " (idem).

III - Dir-se-ia, pois, que - em caso de comparticipação - todas estas circunstâncias seriam "comunicáveis ", pois que respeitantes ao "grau de ilicitude " do facto e não, simplesmente, à "culpa " e à "personalidade " do agente - cfr. EDUARDO CORREIA, Direito CriminaI, Almedina, 1965, p. 257.

IV - No entanto, a jurisprudência, na sua prática, tem distinguido - no âmbito do art. 24.º- entre as circunstâncias estritamente relativas ao facto [alíneas a), b), h) e l)] e as dependentes de uma actuação, de uma intenção, de uma qualidade ou de uma relação especial do agente [alíneas c) a g), i) e j)], comunicando aos comparticipantes apenas aquelas e já não estas, no (implícito) pressuposto de que "outra " (que não a da comunicabilidade/regra) é "a intenção da norma incriminadora " (art. 28.º, n.º 1, do CP)... ".

Se bem percebo, segundo a tese seguida em tal acórdão, no caso de crime de desobediência a solução seria a não comunicabilidade, a não aplicabilidade do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal.

Importa ter em consideração que o conceito de comparticipação do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal deve ser interpretado no sentido de que a existência de cláusulas de exclusão da ilicitude ou da culpa ( cfr. arts. 31º a 39º do Cód. Penal ) não põem em causa a existência de comparticipação para efeitos do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal - este conceito preenche-se num momento prévio.

Ou seja, pode acontecer que, por exemplo, um dos sujeitos do crime venha a beneficiar de uma cláusula de exclusão da culpa, por ter actuado, por exemplo, em estado de necessidade desculpante ( art. 35º do Cód. Penal ), não se afastando, mesmo assim, a comunicação do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal. Todavia, a absolvição criminal por falta de prova afasta a ilicitude, pelo que a comunicação não se faz.

Questão interessante é a do indivíduo que utiliza um "bando " - ver o art. 204º, n.º 2, al. g), do Cód. Penal -, de menores de idade inferior a 16 anos, para cometer um furto de uma valiosa gargantilha. Neste caso os menores não podem ser objecto senão de inquérito tutelar educativo. Porém, o indivíduo que os utiliza vê, pelo menos ( sublinho ) por força do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal, ser-lhe imputado o crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º, n.º 2, al. g), do Cód. Penal, pois existe comparticipação e o facto praticado não deixa de configurar um crime, ainda que os menores não possam ser objecto de perseguição penal e, se forem menores de 12 anos, nem de inquérito tutelar educativo. Tal indivíduo poderá ser instigador ou autor mediato, conforme melhor se entenda - há divergências na doutrina -, mas uma coisa é certa, comunica-se-lhe a agravação do furto da alínea g) do n.º 2 do art. 204º do Cód. Penal, que diz que o furto é punível com pena de 2 a 8 anos se quem furtar coisa alheia o fizer como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando.

A questão aqui reveste-se, porém, de dificuldade, pois será objecto de provável e acesa discussão a forma de provar a reiteração, o que, em caso de menores de idade inferior a 12 anos ainda será mais difícil.

No fundo o que pretendo dizer é que com esta construção não é necessário dizer que o autor mediato se apropria de qualidades de outrem, pois a comparticipação existe, na tese que defendo, assim se respeitando o princípio da legalidade em direito penal, que aquela afirmação dificilmente faria.

Outro caso interessante era o do art. 6º da Lei n.º 22/97, de 27.06 ( regime de uso e de porte de arma ), entretanto substituído pela Lei n.º 05/06, de 23.02.

Vejamos situações que poderiam ocorrer em tal normativo.

Se B entregasse uma arma para reparação na convicção de que X é armeiro licenciado para a actividade, convicção essa que tinha de ser demonstrada, e se B tinha licença, registo e manifesto da arma, não cometia obviamente um crime.
Mas se entregasse a arma ciente de que X estava ilegal e não tinha sequer licença de uso e porte de arma, o tipo legal a imputar a B era o do art. 6º, n.º 2, da Lei n.º 22/97, de 27.06, na redacção da Lei n.º 98/01, de 25.08, e o tipo legal de crime a imputar a X é o do n.º 1 do mesmo art. 6º. Não havia lugar à inovação do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal, por o legislador estabelecer tipos específicos para cada conduta.

O n.º 2 do art. 6º citado visou precisamente resolver as dificuldades que uma situação como a referida poderia suscitar em sede do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal. Caso não existisse o n.º 2 do art. 6º citado, poder-se-ia questionar se, não obstante B possuir licença, manifesto e registo, não incorreria em comparticipação no crime do art. 6º, n.º 1, cometido por X. A resposta teria de ser positiva, pois a tanto obrigaria o art. 28º do Cód. Penal. Daí o art. 6º, n.º 2, ter estabelecido tal solução de forma expressa e mais explícita.


Deixo à consideração ainda a seguinte situação:

António furta da carteira do pai 5oo euros, o que faz de forma concertada e em comunhão de esforços com Berta. Estamos perante uma co-autoria de crime de furto p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal. Como António é filho do ofendido, cumpre aplicar a regra do art. 207º, al. a), do Cód. Penal, que estabelece que "No caso do artigo 203º (...) o procedimento criminal depende de acusação particular se: a) O agente for (...) descendente (...) da vítima (...) ". Mas Berta não é irmã de António. A questão a resolver é a seguinte: - Sendo o crime particular em relação a António, sê-lo-á também em relação a Berta ? - Pelo facto de intervir Berta, o crime passa a semi-público ? No caso em apreço a ilicitude é a mesma, porquanto a moldura penal é a mesma ?

A diferença reside na natureza do crime.
Se se entender que a ilicitude permanece inalterada, não tem aplicação o art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal.
Como resolver a questão ?
Se o crime não revestir natureza particular em relação ambos, terá de ser semi-público também em relação a ambos, em violação do art. 207º, al. a), do Cód. Penal ?
Outra solução seria ser particular em relação ao filho e semi-público em relação a Berta, pelo que se o pai não apresentasse queixa ou não formulasse acusação particular em relação ao filho, também se não poderia perseguir Berta ( arts 115º, n.º 2, e 116º, n.º 3, do Cód. Penal ).
Como resolver a questão ?
Poder-se-á entender que, afinal, a desgraduação de um crime semi-público em particular é ainda uma questão de ilicitude, pelo que o art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal tem aplicação, no sentido de que a qualidade de filho beneficia o co-autor ? Lendo o trabalho da Prof. Teresa Beleza, vejo que exclui a aplicabilidade do art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal.
Como resolver ?
Concordando que a questão da ilicitude permanece inalterada com o art. 207º do Cód. Penal, não posso acompanhar quem sustenta que o queixoso poderá escolher perseguir Berta e não o filho. Os arts. 115º, n.º 2, e 116º, n.º 3, do Cód. Penal estabelecem a regra inequívoca de que em caso de comparticipação o queixoso não pode escolher quem quer perseguir criminalmente - trata-se de uma decorrência do princípio da igualdade e não há motivo para tratar de forma desigual uma situação em tudo igual. Assim, ou o procedimento criminal prossegue em relação a ambos ou é arquivado em relação a ambos. Ora, sendo a questão da ilicitude a mesma, sustenta a doutrina que o art. 28º, n.º 1, do Cód. Penal não se aplica. Importa, pois, saber se o facto de um crime revestir natureza particular e outro natureza semi-pública cria ou não uma situação de desigualdade de tratamento. Não cria, pois que a moldura abstracta da pena é a mesma. O facto de o procedimento criminal de um crime depender de queixa e o outro depender de queixa, de constituição como assistente e de acusação particular não tem como consequência a conversão de ambos os crimes em crimes semi-públicos ou de ambos os crimes em crimes particulares.
A solução deverá ser encontrada nos seguintes moldes: o MP pode acusar um dos furtos e o pai terá de se constituir assistente e formular acusação particular pelo crime de furto cometido pelo filho, sendo certo que se não o fizer, os autos se arquivam em relação a ambos os arguidos. Ou seja, tenho para mim que a questão é meramente processual e terá de ter os remédios do direito processual penal, conjugados com o acima sustentado por referência aos arts 115, n.º 2, e 116º, n.º 3, do Cód. Penal.

O art. 116º, n.º 3, do Cód. Penal estabelece que "A desistência de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa ". Trata-se da afirmação do princípio da indivisibilidade da queixa. Tal norma deve ser objecto de interpretação extensiva, por identidade de razão, à situação em que havendo dois arguidos o assistente apenas formula acusação particular em relação a um deles, pois que está também a escolher quem pretende que seja sujeito a procedimento criminal, em violação do princípio da igualdade. A Prof. Teresa Beleza defende a exclusão da aplicabilidade do art. 28º nos casos do art. 303º do Cód. Penal de 1982 (redacção original ), parecendo-me que a situação é idêntica à supra-referida.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Habilitação ( art. 374º do Cód. Proc. Civil )

Execução Comum …

Ex.mo Sr. Juiz de Direito do
Tribunal Judicial de …

O Ministério Público, exequente nos autos à margem identificados, vem por apenso a tal execução, nos termos do art. 372º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, em que é executado

Manuel …, aí identificado,

deduzir a habilitação dos sucessores deste, designadamente,

Sandra …, solteira, menor de idade, residente em …, e
Hugo …, solteiro, menor de idade, residente em …,

nos termos e com os fundamentos seguintes:

1. Como dos referidos autos se mostra, o Ministério Público requereu nos mesmos a execução do património de Manuel …, por dívida de custas.

2. Sucede que no dia …/…/…, faleceu o executado, conforme certidão junta a fls 88 dos autos em epígrafe identificados.

3. À data do seu óbito, encontrava-se o executado divorciado, conforme também resulta daquela certidão.

4. Deixou, porém, como seus únicos e universais herdeiros, seus filhos menores Sandra …, nascida a …/…/…, em …, também filha de Isabel Maria …, residente em , e

5. Hugo …, nascido a …/…/…, em …, também filho de Helena F. …, residente em …

6. Nestes termos e nos mais de direito, devem os habilitandos ser julgados habilitados como herdeiros ( art. 2133º, n.º 1, al. a), do Cód. Civil ) e partes legítimas para com eles prosseguirem os termos da suspensa execução.

Para tanto,

R. a V. Exª que, autuado por apenso aos referidos autos, se digne mandar citar os habilitandos, na pessoa de suas mães, supra-identificadas, para, no prazo e sob a cominação legal, contestarem, querendo, seguindo-se os demais termos do artº 374º do Cód. Proc. Civil.

Valor:
Juntam-se: duas certidões de nascimento e duplicados legais.

O Procurador-Adjunto

terça-feira, 3 de julho de 2007

Liquidação de Herança em Benefício do Estado

Ex.mo Senhor
Juiz de Direito do Tribunal Judicial de…


Em petição para liquidação em benefício do Estado da herança de Júlia …, que foi residente em …, deste concelho e comarca de …,

DIZ o MINISTÉRIO PÚBLICO:

1.º

A referida Júlia … faleceu no dia …/…/…, viúva de José … (doc. n.º 1).

2.º

Quando morreu não tinha ascendentes, filhos, netos, irmãos ou outros parentes sucessíveis.

3.º

Sendo certo que faleceu sem testamento, doação por morte ou qualquer outra disposição de última vontade.

4.º

No inventário n.º …, que correu termos no … Juízo deste Tribunal, coube a Júlia …, interessada nesses autos, a quota de … euros, montante esse que se encontra depositado na Caixa Geral de Depósitos à ordem da mesma, na conta n.º …da agência de … do banco … (doc. n.º 2).

5.º

A sua herança compõe-se apenas de tal dinheiro, não lhe sendo conhecidos outros bens.


Deve, pois, a herança ser declarada vaga para o Estado e proceder-se à sua liquidação.
Para tanto, requer-se a V. Ex.ª que se digne decretar arrolamento (art.º 427.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e mandar citar editalmente quaisquer interessados incertos para deduzir a sua habilitação como sucessores, seguindo-se os ulteriores termos dos artigos 1132.º, e ss. do Código de Processo Civil.


Valor: … €.
Junta: dois documentos.
Entrega-se: duplicados e cópias legais.


O Procurador-Adjunto


Consultas sugeridas sobre esta matéria:

Parecer n.º 10/2007, D.R. n.º 130, Série II de 2007-07-09

Ministério Público - Procuradoria-Geral da República

Acção de liquidação de herança em benefício do Estado.
Isenção de custas por parte do Ministério Público


Herança jacente—Herança vaga—Acção especial de liquidação
de herança—Custas judiciais—Isenção
de custas—Ministério Público—Representação do Estado

Conclusões:

1.ª No âmbito da acção especial regulada nos artigos 1132º a 1134º
do Código de Processo Civil, o Ministério Público, litigando em nome
próprio, está isento de custas e, consequentemente, do pagamento
de taxas de justiça inicial e subsequente [artigo 2º, n.º 1, alínea a),
do Código das Custas Judiciais].
2.ª As custas judiciais desse processo, relativas à administração e
à liquidação do património hereditário, constituem um encargo da
herança, caso esta, na falta de outros sucessíveis, venha a ser declarada
vaga para o Estado (artigo 2068º do Código Civil).
3.ª Tal encargo, gozando de privilégio creditório em relação às
dívidas do falecido, será pago pelo produto da liquidação do activo
da herança, logo a seguir às despesas com o funeral e sufrágios
(artigo 2070º, n.º 2, do Código Civil).
4.ª O património do Estado não responde por esse encargo, mesmo
que o produto da liquidação do activo hereditário se mostre insuficiente
para o seu pagamento integral (artigo 2071.º do Código Civil).


Acórdão da Relação de Lisboa, de 09.07.03
( Processo 2105/2003-2; relator: Desembargador Tibério Silva ):

I- No processo de liquidação de herança vaga em benefício do Estado, há que saber se há sucessores em condições de ser habilitados. Caso contrário, será declarada vaga a herança para o Estado, seguindo-se, depois, a fase da liquidação, adjudicando-se ao Estado o que remanescer das operações, que, nesse âmbito, há que levar a efeito.
II- A procuração é um negócio unilateral, enquanto o mandato é um contrato. No mandato, o mandatário tem o dever de o exercer, enquanto, na procuração, o procurador, não tendo esse dever, tem essa possibilidade ou poder.
III- Uma procuração não tem, face às normas contidas nos arts. 2179º e segs. do C. Civil, o valor de um testamento, nem o substitui, não podendo ser invocada como título de vocação sucessória. IV - O procurador tem, em regra, interesse na procuração. Mas não é um qualquer interesse que leva a que a procuração seja considerada irrevogável. Tem de ser um interesse específico na conclusão do negócio que constitui a relação subjacente, um interesse directo, que só existe se o procurador for parte no negócio que constitui essa relação subjacente.
V –Não carreando o procurador elementos suficientes que, submetidos a prova, sejam susceptíveis de demonstrar a vinculação do dominus num concreto negócio que funcionasse em benefício daquele e impeditivo de que, contra a vontade do mesmo procurador, fosse revogada a procuração, não é possível concluir pela irrevogabilidade desta, apesar da convenção nesse sentido. Daí que nada impeça que, com a morte do dominus, a procuração, assente numa relação de confiança entre o dominus e o procurador, caduque.
VI- O art. 1132º do C.P. Civil reporta-se à habilitação de sucessores.
VII– Mesmo defendendo a não extinção da procuração, há que considerar que a posição do dominus se transmite para os sucessores que, a partir da morte, ocuparão essa posição na relação de representação. Ora, são precisamente os sucessores que se cuida de habilitar, para tanto não bastando ter um crédito sobre a herança.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 17.11.1992
( BMJ 421, p. 480 ):

Os Tribunais portugueses não têm competência internacional para o processo de arrecadação de herança de um cidadão português falecido num país estrangeiro onde residia e onde deixou os seus bens.

Parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 25.07.1985
( N.º convencional: PGRP00007581 ):

1 - Quando o Estado e instituído herdeiro por via testamentária, há lugar a organização do processo gracioso regulado pelo Decreto-Lei n.º 31156, de 3 de Março de 1941, e, uma vez decidida pelo Ministro das Finanças e do Plano a aceitação da herança, há lugar a instauração de processo de inventário obrigatório para partilha e / ou adjudicação dos bens;
2 - Quando o Estado é chamado à sucessão a título de herdeiro legítimo, desprovido da faculdade de repudiar a herança, há lugar a instauração do processo especial de liquidação de patrimónios em beneficio do Estado, regulado nos artigos 1132 e seguintes do Código de Processo Civil;
3 - Porém, se o autor da herança a que o Estado foi chamado como herdeiro legítimo tiver falecido sem haver aceitado ou repudiado outra herança a que, por seu turno, fora chamado, transmite-se para o Estado o direito de a aceitar ou repudiar (artigo 2058, n.º 1, do Código Civil);
4 - Relativamente a esta segunda herança, que adveio para o Estado por direito de transmissão, há lugar a instauração do processo gracioso e do inventário obrigatório referido na conclusão 1, por cujo termo deverá aguardar o processo especial referido na conclusão 2.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Modelo de Repatriação - Força Executiva

A força executiva conferida aos modelos de repatriação resulta hoje dos arts. 46º, als. c) e d) CPC, e arts. 46º e 47º do Dec. lei n.º 381/97, de 30.12 ( rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 7-A/98, de 31.03 ), a que correspondiam os arts. 99º, parágrafo 2º, e 103º, parágrafo 1º, ambos do Regulamento do Consulado Português, aprovado pelo DL 6462, de 7/03/1920, revogado pelo diploma antes referido.

Forma à Partilha ( doação por conta da quota disponível/ doação a cônjuge por conta da legítima )

Vista:

*
Procede-se a inventário por óbito de Manuel…, falecido em 19 de Janeiro de 1999, no estado de casado com Cidália…, em primeiras e únicas núpcias de ambos, segundo o regime da comunhão de adquiridos.
Deixou dois filhos menores, Victor… e Vanessa…, a quem foi nomeado curador, a fls. 5v e 6 dos autos.
Por escritura lavada no dia 10 de Junho de 1995 o inventariado fez doação da verba nº12 aos dois filhos, por conta da quota disponível, tendo a doação sido aceite pela inventariante Cidália… em representação dos menores.
Por escritura lavrada no dia 10 de Junho de 1995 o inventariado doou as verbas nº13 a 23 à inventariante Cidália…, por conta da legítima, tendo esta aceite.
Há bens próprios do inventariado (verbas nº 13 a 23) e bens comuns do casal (verbas 1 a 12).
Não há passivo e não houve licitações.

Promovo que se proceda à partilha da seguinte forma:

- Somam-se os valores dos bens não doados, adquiridos a título oneroso na constância do casamento do inventariado, que foram relacionados nas verbas n.º 1 a 11, e divide-se o total em duas partes iguais, sendo uma o valor da meação do inventariado e a outra a meação da inventariante, que, como tal, se lhe adjudica.

- Ao valor da meação do inventariado, soma-se o valor da meia conferência dos bens doados na verba n.º 12, conforme o disposto no art. 2117º, nº1, do Cód. Civil.
Efectivamente, o bem relacionado na verba nº12 é um bem comum do casal que o inventariado doou aos filhos Victor… e Vanessa… por conta da quota disponível, por escritura lavrada em 10/06/95.
Tal doação carecia do consentimento de ambos os cônjuges, conforme o disposto no art. 1682º-A, nº1, al. a), do Cód. Civil.
A inventariante não deu o consentimento para tal doação, pelo que, tal acto, nos termos do disposto no art. 1687º, nº1 e nº2, do Cód. Civil era anulável.
No entanto, a inventariante tomou conhecimento do acto aquando da aceitação que fez da doação em representação dos filhos menores e não exerceu, nem nessa altura, nem nos três anos subsequentes, o direito de anulação previsto no referido art. 1687º, nº1, do Cód. Civil, pelo que tal aceitação e o não exercício do direito de anulação, configuram uma confirmação tácita do acto anulável, que como tal ficou sanado, conforme o estabelecido no art. 288º do Cód. Civil.
Nestes termos, a doação referida é válida e eficaz em relação à inventariante e deve considerar-se como uma doação de bem comum feita por ambos os cônjuges, observando-se o estatuído no art. 2117º, nº1, do Cód. Civil.

- A este valor somam-se os valores dos bens doados próprios do inventariado relacionados nas verbas nº 13 a 23, constituindo o total o valor da herança a partilhar.
O inventariado doou as verbas nº 13 a 23 (totalidade dos bens próprios) à inventariante Cidália…, por conta da legítima, por escritura lavrada em 10/06/95, tendo esta aceite.
Quanto a esta doação importa ter em atenção que o doador expressamente a não dispensou da colação, seguindo-se, nesta sede, a chamada Escola de Coimbra, representada, entre outros, por Capelo de Sousa e Jorge Leite, a qual entende existir aqui um regime convencional de colação absoluta.
Efectivamente o doador manifestou a vontade, devidamente aceite pela donatária, de não a beneficiar quantitativamente, tendo-se limitado a antecipar-lhe os bens que caberiam ao seu quinhão hereditário, nesta hipótese, é o donatário obrigado a conferir tudo aquilo com que foi contemplado, procedendo-se em seguida à partilha da herança com completa igualação dos co-herdeiros.
Levanta-se a questão de saber se o cônjuge donatário, concorrendo à herança com os descendentes está ou não sujeito à colação.
Esta questão não está expressamente resolvida pelo nosso sistema jurídico, mas, conforme o entendimento da, já referida, Escola de Coimbra, expresso, designadamente, por Rabindranath Capelo de Sousa em “Lições de direito das sucessões”, Vol. II, pág. 342 e ss, cuja fundamentação aqui se dá por reproduzida, considera-se que se está perante um caso omisso, a resolver nos termos do art. 10º por analogia dos art. 2104º e ss do Cód. Civil , devendo sujeitar à colação tanto os descendentes como o cônjuge sobrevivo, quando concorram conjuntamente à herança.

- O total da herança divide-se por três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a outra o valor da quota disponível (cfr. art. 2159º, nº1, do Cód. Civil).

- Na quota disponível começa por imputar-se o valor da meia conferência do bem doado aos filhos Victor… e Vanessa…, por força do art. 2117º, nº1, do Cód. Civil e, se exceder o valor dessa quota, será o excesso imputado no quinhão legitimário dos donatários e até esse limite, sendo reduzida a doação apenas se o exceder.
Se, pelo contrário, não esgotar a quota disponível, o remanescente acresce à quota indisponível do inventariado.

- Quanto à doação feita à inventariante Cidália…, por conta da legítima, existe, conforme já referido supra, um regime convencional de colação absoluta, pelo que, segundo o entendimento da Escola de Coimbra, se procederá a uma igualação total entre a donatária e os demais herdeiros.
Assim, o valor da doação com colação absoluta, é imputado na legítima subjectiva da donatária e o excesso é imputado na quota disponível do doador, se a houver, ficando aí sujeito a igualação entre os partilhantes.
Essa igualação total, segundo a referida Escola, poderá impor a redução da doação, independentemente da sua inoficiosidade (considerando o regime estabelecido no art. 2108º, nº2, do Cód. Civil como supletivo, apenas valerá para os casos em que o doador nada declarou sobre o espírito da doação).

- A quota indisponível, eventualmente acrescida do remanescente da quota disponível, divide-se em três partes iguais, cabendo cada uma delas, à inventariante Cidália…, ao Victor… e à Vanessa… (cfr. art. 2139º,nº1, do Cód. Civil).

- No preenchimento dos quinhões atender-se-á ao acordado na conferência de interessados.

*
Processei, imprimi, revi e assinei o texto
Data/Local
O Procurador-Adjunto