quinta-feira, 16 de junho de 2011

ARTIGO 389º- A CPP: sentença oral em processo sumário

Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-05-2011

Processo: 137/10.8GASBC.C1

Relator: Mouraz Lopes

Sumário:

Em caso de recurso interposto de sentença proferida oralmente nos termos do artigo 389º-A do CPP, cabe aos serviços do tribunal recorrido, antes do envio do processo ao tribunal superior, proceder à transcrição da sentença, a qual deverá igualmente ser depois confirmada pelo juiz que a elaborou.

Texto:

I. RELATÓRIO.

No processo sumário n.º 137/10.8GASBC.C1 MN... foi condenado como autor de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348º n.º 1 alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 152º n.º 3 do Código da Estrada na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 7,00€, a que se desconta um dia por detenção e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor de qualquer categoria por seis meses, para além da taxa de justiça e honorários ao defensor

Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para este Tribunal.

Nas suas alegações, o recorrente conclui na sua motivação nos seguintes termos:

«1- A douta sentença não procedeu ao exame crítico das provas.

2- Na verdade a douta sentença limita-se a enumerar os elementos de prova, sem proceder ao seu exame crítico.

3- O arguido não se encontrava com a sua plena capacidade de querer e entender no momento da prática dos factos.

4- Deveria por tal razão e perante as declarações do arguido, lançar mão de um exame pericial à personalidade do arguido, para aquilatar da sua capacidade e responsabilidade para a prática de actos ilícitos.

5- As declarações do arguido e que se encontram gravadas são suficientes para que o tribunal lance mão de uma perícia a personalidade do arguido e oficiosamente.

6- É assim nula a douta sentença, conforme artigos 374° e 3790 do CPP.

Na resposta ao recurso o Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser mantida na integra, sendo tal posição corroborada pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação.

*

II. FUNDAMENTAÇÂO

A questão que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação, incidem sobre a nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas.

*

Questão Prévia.

A sentença proferida nos presentes autos, tramitados em processo sumário, foi elaborada nos termos do artigo 389º A do CPP, ou seja oralmente, conforme determina a nova disposição legal, após a entrada em vigor da Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto, tendo sido correctamente ditada para acta o dispositivo.

Diz-se efectivamente na acta o seguinte:

«Seguidamente, a Mm Juiz procedeu à leitura da sentença, o que o fez em voz alta, e ditou o dispositivo da sentença nos seguintes termos: -

DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, o tribunal decide

1. Condenar o arguido MN... pela prática, em 14/12/2010, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º n. 1, ai. a), do Código Penal, com referência ao artigo l52º n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de €700,00 (setecentos euros);

2. Atenta a detenção, descontar 1 dia de multa;

3. Condenar o arguido MN... na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria por um período de 6 (seis) meses, devendo o arguido entregar a sua licença de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença na secretaria deste Tribunal, sob pena de, não o fazendo, o tribunal ordenar a apreensão da referida licença, nos termos do disposto nos artigos 69. n. 1 e 3 do Código Penal, e 500. n. 2 e 3 do Código de Processo Penal;

4. Condenar o arguido MN... nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (uma unidade de conta).

4. Condenar o arguido no pagamento dos honorários ao defensor oficioso.

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal, nos termos do artigo 52, n. 1, alínea a), e n. 3, da Lei n. 57/98, de 18/08, e do artigo 6 n. 1, do Decreto-Lei n. 381/98, de 27/11.»

*

O novo regime de elaboração obrigatória da sentença oral, introduzido pela n.º Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto assumiu o princípio da diferenciação processual no sentido de que, também na sentença, não pode continuar a tratar-se da mesma forma o que estruturalmente não é igual.

Neste sentido há que atentar em alguns tópicos que decorrem claramente do regime normativo introduzido (e dos princípios e exemplos dogmáticos que estão na sua origem) e que devem por isso ser objecto de aplicação prática.

Assim, o primeiro tópico configura o alargamento do princípio da oralidade, como princípio estrutural do processo penal, agora extensível à fase sentencial.

O que se diz agora é que terminada a produção da prova, as alegações e a fase deliberativa, a sentença é logo proferida oralmente.

Daqui deve retirar-se a imposição inequívoca de que a sentença, no processo sumário e abreviado é uma sentença oral e não uma sentença escrita. Ou seja, o princípio da oralidade, como um dos princípios estruturantes do processo penal é agora assumido como condicionante da sentença nos processos especiais sumário e abreviado. Há nesta parte uma inversão do paradigma até agora vigente nesta fase processual.

Um segundo tópico prende-se com a estrutura da sentença.

A relevância da sentença como acto processual autónomo sujeito a um regime normativo próprio e rigorosamente estabelecido, impõe que o tribunal, na elaboração da sentença oral não possa omitir, sob pena de nulidade, a estrutura definida no n.º 1 do artigo 371º A.

O tribunal deve assim efectuar em primeiro lugar uma indicação sumária dos factos provados, garantia fundamental que permite dar a conhecer o objecto do processo. O tribunal pode, no entanto, efectuar esta indicação dos factos provados para a acusação e para a contestação por remissão. Pode assim limitar-se a referir «considero provados os factos x e y que constam na acusação» e «não considero provados os factos xx e yy que constam na acusação e na contestação».

Importa referir que a remissão deve ser efectuada com algum cuidado nomeadamente garantindo sempre que a sentença seja compreendida por parte dos destinatários da sentença (tanto os destinatários directos – o sujeitos processuais – como os cidadãos em geral) nomeadamente tudo o que foi decidido.

Em segundo lugar o tribunal tem que indicar quais as provas em que se sustentou para dar como provados os factos e efectuar um exame crítico das mesmas.

Importa, sobre este tópico efectuar uma explicitação. Do que se trata, nestas duas alíneas é de concretizar na sentença oral a proferir nos processos sumário e abreviado a imposição constitucional do princípio da fundamentação das decisões a que se refere o artigo 205º da CRP.

A sentença oral é sempre uma sentença fundamentada, na medida em que não dispensa as razões que o tribunal tem que dar sobre as suas opções decisórias fundadas nas provas. O modo de fundamentação é, no entanto, oral ou seja é efectuado pelo juiz sem necessidade de escrever ou ditar esse processo de «dar as razões» pelas quais decidiu de determinada maneira.

Num terceiro tópico importa referir que o princípio da fundamentação se aplica quando a decisão consistir numa condenação e for aplicada uma pena.

A aplicação de uma pena implica que o tribunal fundamente também oralmente a escolha e a medida da pena que aplica, tendo por critério as normas estabelecidas nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal. Trata-se, também aqui, no domínio da pena, de uma fundamentação oral em que o tribunal tem que dizer (e não ditar ou escrever) as razões que o levaram a escolher determinada pena e as razões que justificam a medida concreta a que se chegou.

Num quarto tópico importa referir que a estrutura da sentença tem que conter o «dispositivo» exactamente nos termos que constam no artigo 374º n.º 3 alíneas a) a e). do CPP.

Trata-se, neste tópico, da «questão nuclear» ou «ponto nevrálgico» do regime sentencial agora estabelecido. Contrariamente aos restantes elementos estruturais da sentença, nomeadamente o relatório e a fundamentação, o dispositivo tem sempre que ser ditado para a acta ou ser escrito imediatamente pelo juiz. Não vigora, quanto ao dispositivo o princípio da oralidade da sentença.

Num quinto tópico importa salientar a excepção consagrada no número 5 do artigo, relativa às situações em que o princípio da oralidade cede perante outras exigências e a sentença deve ser escrita.

Desde logo a concretização de uma pena de prisão ou a execução de uma medida de segurança, sobretudo quando assume um patamar que já tem ínsito uma dimensão de uma gravidade mediana, como é o caso de uma pena de prisão superior três anos, deve levar em consideração no programa de execução subsequente todo o condicionalismo que o tribunal ponderou, nomeadamente, algumas das razões que sustentam o processo justificativo que consubstancia a fundamentação e que levaram à aplicação dessa pena concreta.

Por outro lado, em qualquer situação, incluindo os casos de aplicação de penas de prisão mais curtas ou mesmo de outro tipo de penas aplicadas pelo tribunal, seja de multa, de suspensão da execução da pena de prisão, de trabalho a favor da comunidade ou outras, deve deixar-se ao tribunal de condenação – e aqui sem qualquer restrição – a possibilidade de, se assim for entendido, ser elaborada uma decisão fundamentada nos termos em que esta está, actualmente, estabelecida no artigo 374º n.º 2 do CPP.

A decisão de fundamentar uma decisão deve ainda ser deixada ao critério do Tribunal mesmo nos casos em que tenha sido expressamente manifestada vontade de não recorrer por todos os intervenientes com legitimidade para o efeito.

A opção do tribunal, nestes casos, justifica-se por razões de natureza extraprocessual subjacentes à finalidade da fundamentação, nomeadamente em sede de legitimação da decisão, de acordo com as exigências do auditório mais amplo que ultrapassa aqueles que directamente são afectados pela decisão.

A relevância social de uma decisão ou o impacto que a mesma possa ter em qualquer dos auditórios a que se destina, pode condicionar uma opção jurisdicional que leve ao não funcionamento da compressão da fundamentação.

A decisão do tribunal de concretizar a fundamentação da sentença será, nesta perspectiva, soberana e por isso, insusceptível de ser sindicada por recurso.

Num sexto tópico, eliminando as possíveis dúvidas sobre a natureza da fundamentação oral como uma forma de fundamentação constitucionalmente legítima, à luz do artigo 215º da Constituição da República, o artigo 379º nº. 1, alínea a), do CPP é muito claro ao estabelecer que a omissão da decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º-A e 391º F implica a nulidade da sentença.

O que se quer dizer é que o direito de dar as razões que fundaram a decisão é um direito essencial e indisponível e, por isso não pode, a nenhum título, ser dispensado.

Finalmente num sétimo e último tópico, importa sublinhar que a admissibilidade das sentenças abreviadas (ou com fundamentação oral) assenta no pressuposto da emergência da celeridade processual, sem no entanto pôr em causa os direitos de defesa. Daí que o direito ao recurso não seja posto em causa pelo modelo agora implementado (é assim, aliás, em modelos processuais penais onde vigoram soluções aproximadas ao regime agora implementado, como no novo CPP suíço no seu artigo 82º ou no § 275 do StPO, germânico).

Neste sentido é importante atentar nos números 3 e 4 do artigo 389º do CPP.

A afirmação inequívoca de que a sentença oral é sempre documentada, nos termos dos artigos 363º e 364º do CPP impõe que a sentença oral fique sempre e integralmente registada no sistema de gravação do Tribunal.

Como consequência directa deste normativo o exercício constitucional do direito de recurso está garantido. Se e quando os sujeitos processuais pretenderem recorrer da sentença, no prazo legalmente estabelecido para a interposição do recurso, poderão fazê-lo sem qualquer limitação.

O que os sujeitos processuais podem fazer, desde que presentes no momento da proferição/leitura da decisão, é prescindir do direito de recorrer e nessa medida prescindirem da entrega da cópia da sentença que ficou registada no sistema.

Relativamente à questão do exercício do direito de recorrer e sobretudo o modo como o recurso é posteriormente conhecido pelo Tribunal Superior, é evidente que aquele conhecimento do recurso terá que incidir sobre a transcrição do registo da sentença oralmente proferida a ser efectuado pelos serviços do Tribunal e depois de confirmada pelo juiz que elaborou a decisão.

Efectuada esta operação que naturalmente irá permitir, efectivamente, a garantia do direito constitucional ao recurso através o seu conhecimento pelo Tribunal Superior, a plenitude do direito de recorrer fica assim consagrada.

Ora, assim sendo e porque nos presentes autos não foi concretizada a transcrição do registo da sentença – que se encontra, disponibilizada – importa que os serviços do Tribunal recorrido efectuem essa transcrição de modo a ser assegurado o direito de recurso nos termos expostos.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em remeter os autos ao Tribunal recorrido para ser efectuada a transcrição da sentença oral efectuada pelo Tribunal de modo a ser possível conhecer do recurso.

Notifique.

Mouraz Lopes (Relator)

Félix de Almeida

Acusação particular nula e não sanação de nulidade através de acusação de acompanhamento do Ministério Público

Acórdão da Relação do Porto, de 01-06-2011

Processo: 1021/09.3GDGDM.P1

Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA

Sumário:

A acusação particular que, imputando ao arguido um crime de injúria do art.181.º, n.º 1, do Código Penal, não descreve os factos integrantes do elemento subjectivo da infracção, deve ser rejeitada, por ser manifestamente infundada, mesmo que o Ministério Público, no momento indicado no n.º 3 do art. 285.º do Código de Processo Penal, acrescente os factos em falta.

 

 

Texto Parcial:

“…11. Como já anteriormente deixámos exposto, a acusação particular apresentada não refere factos integradores do elemento subjectivo do tipo.
Ora, tal omissão acarreta, como consequência necessária, a nulidade de tal acusação, como prescreve o nº3 do artº 283 do C.P.Penal (aplicável por força do nº3 do artº 285 do mesmo diploma legal).
Assim, o que aqui resta apurar é se a nossa legislação prevê a possibilidade de suprimento de tal nulidade, através da intervenção correctiva do MºPº, por via acusatória.
E salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que é manifesto que tal não se mostra legalmente admissível.
O que o nº4 do artº 285 prevê e permite é que o MºPº acuse, ele próprio, autonomamente, nos termos acima prescritos. Mas em parte alguma consigna que poderá proceder a um aperfeiçoamento e sanação de uma omissão, que acarreta forçosa nulidade.
Na verdade, aditar os factos relativos ao dolo não integra nenhuma das circunstâncias previstas no mencionado número, pois que o MºPº não se limitou a acusar pelos mesmos factos (aditou-os); nem por parte deles (pois tal pressupõe uma restrição e não um aditamento, face à matéria factual já constante na acusação particular); nem por outros que não importem uma alteração substancial (pois tal implica que haja apenas uma alteração de qualificação jurídica, sem agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis).
Aliás, estranho seria que, ao arrepio de todo o nosso ordenamento jurídico, fosse permitido a um terceiro (neste caso, ao MºPº ou, no caso inverso, ao assistente, caso estivéssemos perante um crime de natureza semi-pública, por exemplo, atento o vertido no artº 284 do C.P.Penal), proceder oficiosamente à correcção de um requerimento acusatório, à revelia do seu autor. Nem em sede cível tal possibilidade se mostra consignada pois, nos estritos casos em que pode haver lugar a aperfeiçoamento, o mesmo depende de despacho elaborado pelo juiz, que convida a parte a, querendo, proceder a tal correcção (como aliás sucede também por exemplo, em sede criminal, nos casos previstos no artº 417 nºs 3 e 4 do C.P.Penal).

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12. Do que se deixa exposto há assim que retirar que a omissão que incontestavelmente se verifica na acusação particular, acarreta a sua forçosa nulidade o que, nos termos previstos no artº 122 do C.P.Penal tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou, que não se mostra de passível sanação, por a lei a não prever.
E, neste caso específico, a lei determina que a consequência jurídica de os factos constantes numa acusação serem insusceptíveis de integrarem um crime, como aqui sucede (pois ainda que se provassem todos os factos articulados na acusação, os mesmos seriam insuficientes para condenar a arguida pela prática daquele crime de injúrias, uma vez que faltaria sempre o elemento subjectivo), é a de tal acusação se ter de entender como manifestamente infundada (artº 311 nº3 al. d) do C.P.Penal).
Ora, uma acusação manifestamente infundada deve ser rejeitada, como impõe o nº2 al. a) do atrás mencionado artigo.
Uma vez que estamos face a um crime de natureza particular, falece legitimidade ao MºPº para acusar a arguida, desacompanhado do assistente.
E se assim é, cabe-nos apenas constatar que assiste razão à recorrente, quanto à questão que suscita, pelo que se conclui que se deve declarar nula a acusação particular formulada, inoperante a acusação apresentada pelo MºPº (por falta de legitimidade) e consequentemente há que considerar inválidos todos os actos posteriores à apresentação de tal requerimento acusatório, ao abrigo do disposto no artº 122 nº2 do C.P.Penal.

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13. Atento o que ora se decide, as restantes questões propostas neste recurso mostram-se prejudicadas, razão pela qual das mesmas se não conhecerá.

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iv – decisão.
Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela arguida B… e, em consequência, declara-se nula a acusação particular apresentada, bem como todos os actos posteriormente praticados, incluindo o despacho que designou dia para julgamento, a audiência realizada e a sentença condenatória proferida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo assistente, por ter dado causa à nulidade, em 4 UC.
Porto, 1 de Junho de 2011
Maria Margarida Costa Pereira Ramos de Almeida
Ana de Lurdes Garrancho da Costa Paramés”