quinta-feira, 16 de junho de 2011

Acusação particular nula e não sanação de nulidade através de acusação de acompanhamento do Ministério Público

Acórdão da Relação do Porto, de 01-06-2011

Processo: 1021/09.3GDGDM.P1

Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA

Sumário:

A acusação particular que, imputando ao arguido um crime de injúria do art.181.º, n.º 1, do Código Penal, não descreve os factos integrantes do elemento subjectivo da infracção, deve ser rejeitada, por ser manifestamente infundada, mesmo que o Ministério Público, no momento indicado no n.º 3 do art. 285.º do Código de Processo Penal, acrescente os factos em falta.

 

 

Texto Parcial:

“…11. Como já anteriormente deixámos exposto, a acusação particular apresentada não refere factos integradores do elemento subjectivo do tipo.
Ora, tal omissão acarreta, como consequência necessária, a nulidade de tal acusação, como prescreve o nº3 do artº 283 do C.P.Penal (aplicável por força do nº3 do artº 285 do mesmo diploma legal).
Assim, o que aqui resta apurar é se a nossa legislação prevê a possibilidade de suprimento de tal nulidade, através da intervenção correctiva do MºPº, por via acusatória.
E salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que é manifesto que tal não se mostra legalmente admissível.
O que o nº4 do artº 285 prevê e permite é que o MºPº acuse, ele próprio, autonomamente, nos termos acima prescritos. Mas em parte alguma consigna que poderá proceder a um aperfeiçoamento e sanação de uma omissão, que acarreta forçosa nulidade.
Na verdade, aditar os factos relativos ao dolo não integra nenhuma das circunstâncias previstas no mencionado número, pois que o MºPº não se limitou a acusar pelos mesmos factos (aditou-os); nem por parte deles (pois tal pressupõe uma restrição e não um aditamento, face à matéria factual já constante na acusação particular); nem por outros que não importem uma alteração substancial (pois tal implica que haja apenas uma alteração de qualificação jurídica, sem agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis).
Aliás, estranho seria que, ao arrepio de todo o nosso ordenamento jurídico, fosse permitido a um terceiro (neste caso, ao MºPº ou, no caso inverso, ao assistente, caso estivéssemos perante um crime de natureza semi-pública, por exemplo, atento o vertido no artº 284 do C.P.Penal), proceder oficiosamente à correcção de um requerimento acusatório, à revelia do seu autor. Nem em sede cível tal possibilidade se mostra consignada pois, nos estritos casos em que pode haver lugar a aperfeiçoamento, o mesmo depende de despacho elaborado pelo juiz, que convida a parte a, querendo, proceder a tal correcção (como aliás sucede também por exemplo, em sede criminal, nos casos previstos no artº 417 nºs 3 e 4 do C.P.Penal).

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12. Do que se deixa exposto há assim que retirar que a omissão que incontestavelmente se verifica na acusação particular, acarreta a sua forçosa nulidade o que, nos termos previstos no artº 122 do C.P.Penal tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou, que não se mostra de passível sanação, por a lei a não prever.
E, neste caso específico, a lei determina que a consequência jurídica de os factos constantes numa acusação serem insusceptíveis de integrarem um crime, como aqui sucede (pois ainda que se provassem todos os factos articulados na acusação, os mesmos seriam insuficientes para condenar a arguida pela prática daquele crime de injúrias, uma vez que faltaria sempre o elemento subjectivo), é a de tal acusação se ter de entender como manifestamente infundada (artº 311 nº3 al. d) do C.P.Penal).
Ora, uma acusação manifestamente infundada deve ser rejeitada, como impõe o nº2 al. a) do atrás mencionado artigo.
Uma vez que estamos face a um crime de natureza particular, falece legitimidade ao MºPº para acusar a arguida, desacompanhado do assistente.
E se assim é, cabe-nos apenas constatar que assiste razão à recorrente, quanto à questão que suscita, pelo que se conclui que se deve declarar nula a acusação particular formulada, inoperante a acusação apresentada pelo MºPº (por falta de legitimidade) e consequentemente há que considerar inválidos todos os actos posteriores à apresentação de tal requerimento acusatório, ao abrigo do disposto no artº 122 nº2 do C.P.Penal.

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13. Atento o que ora se decide, as restantes questões propostas neste recurso mostram-se prejudicadas, razão pela qual das mesmas se não conhecerá.

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iv – decisão.
Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela arguida B… e, em consequência, declara-se nula a acusação particular apresentada, bem como todos os actos posteriormente praticados, incluindo o despacho que designou dia para julgamento, a audiência realizada e a sentença condenatória proferida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo assistente, por ter dado causa à nulidade, em 4 UC.
Porto, 1 de Junho de 2011
Maria Margarida Costa Pereira Ramos de Almeida
Ana de Lurdes Garrancho da Costa Paramés”

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