quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Prisão domiciliária

Acórdão da Relação do Porto
Data do Acordão: 23-09-2009
Processo: 42/06.2TAOVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP00042926
Relator: RICARDO COSTA E SILVA
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP2009092342/06.2TAOVR-B.P1


Sumário:

A execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional, pelo que a penosidade da sanção deve recair sobre ele em termos o mais idêntico possível aos que resultariam do cumprimento na prisão.

Texto Parcial:

“...
II.

1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no artº412º, nº1, do CPP, definem o seu objecto, a questão posta no recurso é se o tribunal, no âmbito da execução da condenação do arguido deveria ter permitido que ele se ausentasse, nos termos em que o requereu.
Decidindo.
É certo que acórdão do Tribunal da Relação do Porto que impôs ao arguido a pena que ele se encontra a cumprir cita Germano Marques da Silva, nos termos seguintes: «Deverá até (como defende o mesmo autor) ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social; só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.»
Do que se transcreveu se conclui que o referido acórdão nada decide sobre os termos em que a execução da pena deva ter lugar. Apenas, ao fundamentar a opção pela pena que aplicou admite que a mesma possa conter as virtualidades que o autor citado refere, depreendendo-se da utilização da expressão «deverá» uma mera concordância dubitativa ou com reservas com a posição contemplada na citação. Em suma, o acórdão limita-se a uma citação expressando uma adesão potencial ao seu teor.
Não pode, como tal, afirmar o recorrente, como afirma, que o despacho recorrido contraria o acórdão que aplicou a pena.
Acresce que a citação de Germano Marques da Silva que está em causa nestes autos é relativa a uma «conferência inserida em acção do CEJ (…) [feita] em Lisboa 2007/12/14».
Considerando que a alteração ao Código Penal que introduziu o artº 44º (Regime de permanência na habitação) data de 4 de Setembro de 2007 ([1]) e entrou em vigor em 15 de Setembro seguinte, uma conferência proferida logo em Dezembro do mesmo ano, traduzirá, possivelmente, uma ideia ainda pouco aprofundada sobre as implicações da mesma.
E o certo é que o artigo 44º do CP refere-se ao “regime de permanência na habitação” não como uma pena de natureza autónoma, mas sim como um modo de execução da pena de prisão.
Ora, o artigo 42.º, n.º2, do CP dispõe que «a execução da pena de prisão é regulada em legislação própria, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos».
Prosseguindo, dispõe o Código de Processo Penal, no artigo 487º, nº1, que a decisão que fixar o cumprimento da prisão (…) em regime de (…) permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, especifica os elementos necessários à sua execução, indicando a data do início desta.
E nada mais diz a lei de processo relativamente a esta forma de execução da pena.
Por outro lado, dispõe o artº 488.º, nº 5, do CPP que «a execução da adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância é efectuada nos termos previstos na lei.»
Em anotação a este artigo, diz Paulo Pinto Albuquerque que: «A Lei n.º 48/2007 de 29.8 prevê que o disposto no nº1 do artº2º, nos nos 2 a 5 do artº3º, nos artos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do nº 1 do artº 8º e no artº9º da Lei nº122/99, de 20.8, que regula a vigilância electrónica prevista no artº201º do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 44º e 62º do Código Penal» ([2]).
A anotação formalmente inexacta, por mero lapso, sendo substancialmente correcta ([3]), em resultado, literalmente, do disposto no artigo 9º da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
Porém, das normas agora salientadas apenas se infere que, como não podia deixar de ser, que está prevista a existência de ausências do recluso do local da reclusão – no caso a habitação – e que tais ausências podem ser regulares e previamente determinadas ou mediante autorização ad hoc ou mesmo, de posterior justificação, se inesperadas.
Nada nos dizem, estas normas, relativamente à filosofia de fixação do tempo e do destino de ausência que se permite ao condenado.
Temos para nós, porém, que a lei não prevê, nem quer, ausências com a amplidão e o destino que o recorrente pretendeu obter, com o requerimento cujo indeferimento deu lugar ao presente recurso.
O CP distingue claramente os regimes do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) e do artigo 46º (Regime de semidetenção).
Se o primeiro visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/ perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência, é ao segundo que é reservada a opção pela preservação da integração do condenado no seu meio de inserção e na profissão, reduzindo ao mínimo a solução de continuidade que a pena representa na sua vida.
Temos, assim, diferentes normas, instituindo diferentes meios para se atingirem diferentes fins.
A aplicação do regime do artigo 44º do CP, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional. No mais, a penosidade da sanção penal deve recair sobre ele, em termos o mais idênticos possível aos que resultariam de um cumprimento da pena na prisão. Não se visa descaracterizar a pena de prisão, no que ela tem de privação de liberdade, nem criar um regime de execução desproporcionadamente excepcional, face ao cumprimento efectivo da pena de prisão em estabelecimento próprio para tal fim.
E não podem os condenados abrangidos por este regime, nestes moldes, queixar-se, nomeadamente, de que ele, ao impedi-los de trabalhar, prejudica a sua subsistência. Isso é a consequência natural de uma pena de prisão e o regime de cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação apenas é aplicado aos condenados que em tal consintam, cabendo-lhes a responsabilidade da previsão da sua capacidade para se auto manterem, durante o tempo em que durar a situação em causa.
Do exposto, sem necessidade de mais longa indagação, já se vê que o recurso não pode proceder.

III.
Termos em que:

Acordamos em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 2009/09 /23
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Abílio Fialho Ramalho”