terça-feira, 14 de julho de 2009

Serviço Telefónico: prazos de prescrição (clique para ver o acórdão)

Acórdão da Relação do Porto, de 30-06-2009
Processo: 4151/08.5TBMAI-A.P1
JTRP00042783
Relator: JOSÉ CARVALHO
TELEFONE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
RP200906304151/08.5TBMAI-A.P1
LEI Nº 5/2004, LEI Nº 12/2008.

I - O prazo de prescrição de seis meses aplica-se aos serviços telefónicos prestados antes de 11 de Fevereiro de 2004 (data da entrada em vigor da Lei n.° 5/2004) e aos prestados a partir de 26/5/2008 (data da entrada em vigor da Lei nº 12/2008).
II - Para os prestados — como é o caso dos invocados nos autos — no período compreendido entre 11 de Fevereiro de 2004 e 26/5/2008 aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na alínea g) do art. 310º do CC.


Proc. nº 4151/08.5TBMAI-A.P1
Apelação
Recorrente: B………., Lda.
Recorrida: C………., S.A.
Relator: José Carvalho
Adjuntos: Desembargadores Rodrigues Pires e Canelas Brás

Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

C………., S.A. instaurou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra B………., Lda.
Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade em 2001 celebrou com a ré um contrato de prestação de serviço telefónico móvel; no âmbito desse contrato prestou à ré os mencionados serviços, tendo emitido as facturas discriminadas no artigo 11º, cujo somatório ascende a €6.641,69, as quais foram enviadas à ré nas datas da respectiva emissão e não foram pagas.
Pedia a condenação da ré no pagamento da quantia de €8.342,59 (sendo €6.641,69 de capital e €1.700,90 de juros vencidos), acrescida de juros vincendos calculados à taxa fixada para os juros comerciais sobre €6.641,69, até efectivo pagamento.
A ré contestou, arguindo as excepções da incompetência territorial – sustentando a competência do Tribunal de Alvaiázere, correspondente à sede da ré – e da prescrição – invocando o artigo 317º do CC. E impugnou que tenha celebrado qualquer contrato com a Autora.
No despacho reproduzido a fls. 24 a 40 foram ambas as excepções julgadas improcedentes e foi designada data para o julgamento.
Não se conformando com o decidido quanto à prescrição, a Ré interpôs recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:

1) Conforme consta dos autos, a Autora propôs a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra a Recorrente, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 8.342,59, acrescida dos juros vincendos, calculados à taxa legal fixada para os juros comerciais, sobre o montante de € 6.641,69, até efectivo e integral pagamento;
2) A Recorrente contestou alegando o que acima se transcreveu e que aqui se requer a sua apreciação;
3) Por Despacho de fls., o Meritíssimo Juiz “a quo” decidiu: “...Em face de tudo o exposto, decide-se julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição, invocada pela Ré...”;
4) Em causa nos presentes autos está um contrato de prestação de serviço telefónico;
5) As facturas são datadas do ano de 2005;
6) A Recorrente foi citada em Maio de 2008;
7) Por esse motivo, o crédito reclamado há muito que já prescreveu, estando em causa uma prescrição extintiva;
8) O direito da Autora de exigir o pagamento dos serviços telefónicos extinguiu-se por prescrição, uma vez que decorreram mais de 6 meses desde a prestação dos serviços em causa até à citação daquela para esta acção; 9) Sendo que, com a entrada em vigor da Lei 23/96 de 26/7, os créditos provenientes de serviços públicos essenciais, como é o serviço do telefone, passaram a prescrever no prazo de 6 meses após a sua prestação — cfr. artigo 10° n° 1;
10) Nessa disposição legal é estabelecido que “o direito de exigir o pagamento do preço prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”;
11) Os termos literais deste normativo dão claramente a entender que o crédito e a respectiva obrigação se extinguem;
12) Sendo a prescrição extintiva a regra e a presuntiva a excepção, esta só funciona nos casos expressamente previstos, o que não é o caso daquele artigo 10°;
13) Também, atenta ainda, a finalidade da lei referida, indicada no seu artigo 1° n° 1, tem-se concluído que no seu artigo 10º n° 1, se consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva, tal como já se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/07/2006 e Acórdão da Relação de Lisboa de 2 7/0 9/2007;
14) A prescrição presuntiva tem como consequência a extinção do direito e faz, por isso mesmo desaparecer todos os meios de tutela jurídica;
15) 0 direito da Autora exigir o pagamento dos serviços telefónicos prestados ao Réu, ter-se-á de facto, extinguido por prescrição, uma vez que, desde a prestação dos serviços até à citação deste decorreram muito mais de 6 meses;
16) Poderá suscitar-se a questão da Lei 5/2004 vir excluir o serviço do telefone do âmbito da aplicação da Lei n° 23/96;
17) Com a publicação da Lei 12/2008, a alínea d) do n°2 do artigo 10° da Lei n° 23/96 foi alterada, passando a referir “serviços de comunicações electrónicas”, o que implica a revogação tácita do n° 2 do artigo 127° da Lei 5/2004;
18) Voltamos a ter o serviço de telefone (fixo e móvel) incluído na Lei 23/96;
19) Como a lei nova aplica-se imediatamente às situações jurídicas que se constituíram na vigência da Lei Antiga, isto é, aos contratos celebrados na vigência da Lei Antiga;
20) Deverá ser julgada procedente a excepção da prescrição, com todas as consequências legais dai resultantes;
21) O Despacho recorrido não procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como se efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;
22) Sofrendo o Despacho recorrido de nulidade por violação do disposto nas ai. c) e d) do n.° 1 do artigo 668° do CPC;
23) Nulidade que aqui se invoca com todos os efeitos legais;
24) Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão da Alegante;
25) O Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir um Despacho “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: os elementos constantes no processo;
26) Deixando o Meritíssimo Juiz de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;
27) Deverá ser REVOGADA a decisão recorrida.
28) O Despacho recorrido viola: artigos 158°, alíneas b), c) e d) do artigo 668° e 712° do Código do Processo Civil; artigos 13°, 200, 202°, 204°, 205° da C. R.
Os factos
Com interesse para a decisão, além dos factos acima descritos, relevam os seguintes:
- A acção foi instaurada em 7.5.2008;
- A recorrente foi citada em Maio de 2008;
- As facturas invocadas pela Autora na petição inicial datam de 08/04/2005, 10/05/2005, 08/06/2005, 26/07/2005, 10/09/2005, 13/10/2005, 10/11/2005 e 06/12/2005 (datas de emissão) e têm como datas de vencimento 25/04/2005, 25/05/2005, 23/06/2005, 10/08/2005, 27/09/2005, 28/10/2005, 28/11/2005 e 27/12/2005, respectivamente;
- Aquelas facturas não foram pagas.
O direito
Questões a decidir:
1. Se a sentença recorrida enferma de nulidade ou se viola princípios constitucionais;
2. Se o crédito reclamado pela Autora se extinguiu por prescrição;

I- A questão da nulidade da decisão recorrida:
A Autora invocava a prestação à ré de serviços telefónicos, no ano de 2005 e pedia a condenação da demandada no pagamento de tais serviços. A ré sustentava que o direito da Autora estaria extinto por prescrição, “tendo em conta o disposto nos artigos 317º e seguintes do Código Civil.” No despacho recorrido considerou-se que ao caso era aplicável o regime previsto na alínea g) do artigo 310º do CC; e que, sendo tal prazo de 5 anos, contado a partir do dia imediato ao do último período (mês) do serviço prestado, o mesmo ainda não decorreu.
No despacho impugnado enunciam-se os fundamentos de facto e de direito em que se fundamenta a decisão. Carece de sentido a alegação da recorrente, segundo a qual na decisão recorrida não se indica um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão da Alegante (nº 24 das conclusões). Perante o alegado pela Autora e a invocação da prescrição, em termos factuais apenas interessava saber o ano em que foram prestados os serviços invocados pela Autora e quando ocorreu a citação da ré para a acção. O despacho alude a tais factos, fazendo expressa menção dos mesmos; e interpreta as normas jurídicas que considera no caso aplicáveis, concluindo daí pela improcedência da excepção peremptória da prescrição.
No despacho em causa especificam-se os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – sendo de salientar a profundidade com que foi tratada a matéria da prescrição dos créditos provenientes do fornecimento de serviços de telefone (no caso, móvel).
A decisão está em consonância com os fundamentos. A questão que era submetida à apreciação do tribunal – concretamente, a prescrição – foi apreciada. Assim, o despacho recorrido não enferma das nulidades previstas nas alíneas b), c) e (ou) d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Segundo a recorrente a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 13º, 20º, 202º (nº 2), 204º e 205º da Constituição da República.
O artigo 13º alude ao princípio da igualdade. Não se descortina em que possa ter sido violado tal princípio. O artigo 20º trata do acesso ao direito e aos tribunais. Ora, a ré contestou e interpôs recurso, o que prova que fez valer os seus direitos perante os tribunais. Se as suas pretensões não são atendidas tal não significa, sem mais, preterição de quaisquer direitos fundamentais.
O nº 2 do artigo 202º dispõe: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.” Ao decidir a questão da prescrição o tribunal decidiu um conflito de interesses privados, conforme era sua função e obrigação.
A decisão, consoante o acima explicitado, encontra-se fundamentada, conforme o exigido pelo nº 1 do artigo 205º. Na decisão não foi aplicada qualquer norma que infrinja o disposto na Constituição ou nos princípios constitucionais.
Em resumo: a decisão recorrida não enferma de inconstitucionalidade ou de nulidade.
II- A questão da prescrição:
A Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas), excluiu o serviço de telefone do âmbito da Lei nº 23/96, de 26/7 (a qual criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais) e revogou o Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30/12 (diploma que regulava o regime de acesso à actividade dos operadores de redes públicas de telecomunicações e dos serviços de telecomunicações de uso público).
Os artigos 10º, nº 1, da Lei nº 23/96, de 26/7 e 9º, nº 4, do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30/12, dispunham: “O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua apresentação”.
A Lei nº 5/2004 entrou em vigor, conforme o previsto no nº 1 do artigo 128º, em 11 de Fevereiro de 2004. Com essa entrada em vigor e a consequente revogação do DL nº 381-A/97 e a exclusão do serviço de telefone do âmbito da Lei nº 23/96, aplica-se, em matéria de prescrição, a alínea g) do artigo 310º do CC, que estabelece a prescrição de cinco anos (neste sentido: Calvão da Silva, Serviços Públicos Essenciais: Alterações à Lei nº 23/96 pelas leis nº 12/2008 e 24/2008, RLJ, ano 137, p. 168, 2ª coluna). Tendo os serviços em causa sido prestados em 2005 (e as facturas correspondentes todas remetidas nesse ano), aquando da citação da ré para a acção ainda não tinham decorrido os cinco anos.
Sustenta a recorrente que “com a publicação da Lei 12/2008, a alínea d) do nº 2 do artigo 10º da Lei nº 23/96 foi alterada, passando a referir “serviços de comunicações electrónicas”, o que implica a revogação tácita do nº 2 do artº 127º da Lei 5/2004.” Assim voltamos a ter o serviço de telefone (fixo e móvel) incluído na Lei 23/96.” E concluía: “Como a lei nova aplica-se imediatamente às situações jurídicas que se constituíram na vigência da Lei Antiga, isto é, aos contratos celebrados na vigência da Lei Antiga.”
A Lei nº 12/2008, de 26/02, voltou a incluir os serviços de telefone (fixos ou móveis) nos serviços abrangidos pela Lei nº 23/96 (art. 1º, nº 2, al. d), que alude a “Serviços de comunicações electrónicas”. E o nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, passou a ter a seguinte redacção: “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.”
Os serviços cujo pagamento a Autora peticiona foram alegadamente prestados em 2005, na vigência da Lei nº 5/2004, pelo que ao caso não é aplicável a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 12/2008. A inclusão do serviço de telefone por esta Lei nº 12/2008, vale para o futuro, não se aplicando aos fornecimentos efectuados na vigência da Lei nº 5/2004. Trata-se de um princípio que decorre do estabelecido no artigo 12º do CC.
O prazo de prescrição de seis meses aplica-se aos serviços telefónicos prestados antes de 11 de Fevereiro de 2004 (data da entrada em vigor da Lei nº 5/2004) e aos prestados a partir de 26/5/2008 (data da entrada em vigor da Lei nº 12/2008). Para os prestados – como é o caso dos invocados nos autos – no período compreendido entre 11 de Fevereiro de 2004 e 26/5/2008 aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na alínea g) do art. 310º do CC. Aquando da citação ainda não tinha decorrido tal prazo, pelo que a excepção da prescrição tinha que improceder – como se decidiu na bem fundamentada decisão recorrida.

Decisão
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 30.6.2009
José Bernardino de Carvalho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás