segunda-feira, 26 de maio de 2008

CÚMULO JURÍDICO DE PENAS/ PENAS DE SUBSTITUIÇÃO/ PENAS CUMPRIDAS

Acórdão da Relação do Porto de 14-05-2008

I - Se, depois de transitada em julgado a sentença que condenou o agente pela prática de determinado crime na pena de 1 ano de prisão, se verifica que ao condenado fora anteriormente aplicada a pena de 6 meses de prisão, substituída por pena de 180 dias de multa, por cada um de dois outros crimes, que estão em situação de concurso com aquele, deve efectuar-se o cúmulo dessas três penas, ainda que tenham sido pagas as multas de substituição.
II - O cúmulo será feito entre as três penas de prisão. Realizada essa operação, a questão da substituição coloca-se em relação à pena única de prisão.

Proc. 0812842

Relator: ÉLIA SÃO PEDRO


Texto ( parcial ):

"…2.2 Matéria de direito
Objecto do presente recurso é a questão de saber se as penas anteriormente aplicadas ao arguido (penas de prisão substituídas por multa) podem ou não ser cumuladas com a pena de prisão em que foi condenado nestes autos, tendo em conta que, conforme alega na motivação, tais penas se encontram já regularizadas.

De facto, sustenta o arguido que o Tribunal a quo incluiu, na pena unitária, duas penas de prisão relativas a dois processos judiciais (do .º e .º Juízos Criminais do Tribunal Judicial de Santo Tirso) nos quais foi condenado em penas de multa tempestivamente regularizadas.

O MP na 1ª instância e nesta Relação sustentou a manutenção da decisão recorrida, defendendo que, na elaboração do cúmulo jurídico, deve o Juiz atender a todas as penas que efectivamente se encontram em concurso, pois todas elas são da mesma espécie. O cumprimento da pena (salienta) não obsta ao englobamento, na medida em que, nos termos do art. 78º, n.º 1, 2ª parte, do C. Penal, a pena já cumprida será descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Nos presentes autos não está em causa a verificação dos requisitos do cúmulo jurídico a que se refere o art. 77º, n.º1 do C. Penal. Está apenas em causa saber em que termos deve ser feito tal cúmulo, quando as penas parcelares englobáveis são penas de substituição (penas de multa em substituição de penas de prisão) e estas foram cumpridas (pagas). De facto, levantam-se aqui duas questões: (i) como efectuar o cúmulo jurídico de penas de prisão com penas de prisão substituídas por multa; (ii) quais os reflexos do cumprimento de uma pena de substituição englobada no cúmulo.

A resposta à primeira questão depende da interpretação do art. 77º, n.º 3 do C. Penal que manda atender, para efeitos de cúmulo, à diferente natureza das penas de multa ou de prisão: Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
A pena de multa resultante da substituição da pena de prisão não tem a mesma natureza que as demais penas de multa (multa principal, multa alternativa e multa complementar). Como refere FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pág. 125, não é correcto, todavia, colocar esta espécie de pena de multa ao lado das anteriormente mencionadas.

Daí que, na interpretação do art. 77º, 3 do C. Penal, nos pareça que as multas de substituição não devam ser cumuladas com as outras penas de multa, devendo, pelo contrário, ser englobadas no cúmulo com a medida encontrada antes de se proceder à substituição. É este o entendimento que hoje está consolidado relativamente à substituição da execução das penas parcelares e o que defende FIGUEIREDO DIAS, ob. cit. pág. 295, para os casos de concurso superveniente (como o deste processo): Nas hipóteses que ora consideramos, bem pode acontecer que uma das penas seja uma pena de substituição de uma pena de prisão. Não há na lei qualquer critério de conversão desta para efeito de determinação da pena conjunta. Também aqui, pois, como atrás, valerá para o efeito a pena de prisão que foi substituída, e também aqui, uma vez determinada a pena do concurso, o tribunal decidirá se é legalmente possível e político-criminalmente conveniente a substituição da pena conjunta de prisão por uma pena não detentiva.

No que respeita à suspensão da execução da pena, é maioritário o entendimento sustentando a faculdade de inclusão de penas suspensas, argumentando-se que a substituição deve ser entendida, sempre, como resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução - cf. Acórdãos do STJ de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04, de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05, de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05, de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05, de 06-10-2005 [sobre o qual recaiu acórdão do TC (Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006, DR II Série, de 07-02-2006), que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações], e de 09-11-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226. - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-10-2007, proferido no processo 07P2576.

Ora este entendimento, com o qual se concorda, tanto vale para a suspensão da execução da pena, como para qualquer outra pena de substituição, pois acentua a avaliação global do comportamento do arguido, que é a razão de ser do regime do concurso superveniente.

Como foi este o entendimento seguido na decisão recorrida, a mesma não merece qualquer censura.

A resposta à segunda questão tem hoje um regime diverso do anterior, pois nos termos do art. 78º, 1 do actual C. Penal as penas englobáveis no cúmulo não deixam de o ser pelo facto de já estarem cumpridas. Este regime é obviamente mais favorável ao arguido e, portanto, aplicável, face ao disposto no art. 2º, n.º4 do CP, uma vez que, de acordo com o art. 78º, n.º1 CP, anterior à reforma introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, as penas já cumpridas não eram englobadas no cúmulo e, por isso, nunca poderiam ser descontadas.

Ora, o actual artigo 78º, n.º1 do C. Penal diz textualmente: Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Deste modo, a questão que o arguido levanta no recurso, sobre o alegado pagamento das multas em que foi condenado, em substituição das penas de prisão, não obsta ao cúmulo jurídico efectuado, sendo antes uma questão de liquidação da respectiva pena global. Por isso, e apenas no caso de se mostrarem efectivamente cumpridas as penas de substituição englobas no cúmulo, deverão as mesmas ser descontadas no cumprimento da pena única aplicada ao concurso.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.

Porto, 14/05/2008
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando