quinta-feira, 22 de outubro de 2009

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL/MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO

 

Acórdão da Relação de Lisboa, de 06-10-2009

Processo: 8215/07.4TMSNT.L1-1

Relator: ANTAS DE BARROS

Sumário:

Com ressalva do abrangido pela Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 relativo à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, os tribunais portugueses carecem de competência para decretar a adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como a anulação ou revogação da adopção, relativamente a crianças e jovens em perigo nacionais de Estados membros da União Europeia, excluindo a Dinamarca, ainda que residam ou se encontrem em Portugal.

TEXTO PARCIAL:

“…Como emerge do processo e consta da decisão recorrida, o menor A é de nacionalidade romena. Aliás, isso sempre resultaria do facto de ter nascido no estrangeiro, filho de estrangeiros, e do disposto no artº 1º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, a contrario.
A medida aplicada na decisão recorrida é a de «confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção» prevista na alínea g) do artº 35º da lei nº 147/99, de 1 de Setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Tendo em conta o disposto no artº 62º -A nº 1 da mesma lei, esta medida dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão, como consta da decisão recorrida.
Constitui, assim, uma medida que orienta definitivamente o menor A para adopção sendo, no mínimo, preparatória da mesma.
No que respeita à competência internacional, reconhecimento e execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, vigoram no ordenamento jurídico português o Regulamento CE nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro, e a Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Protecção das Crianças, concluída em Haia em 19 de Outubro de 1996.
Trata-se de direito convencional internacional que, tendo sido aprovado e ratificado, prevalece sobre o direito interno português, como decorre do art. 8º nº 2 da Constituição. v. ac. do S.T.J. de 9.12.2004 proferido no proc.º nº 04B3939, www.dgsi.pt.
Sendo o menor A nacional de um Estado membro da U.E., é aqui aplicável o referido Regulamento CE, como se invoca na decisão recorrida.
Sucede que, nos termos do seu art. 1º, nº 3, b), tal Regulamento não é aplicável às decisões em matéria de adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adopção.
Como se assinalou atrás, pese embora não tenha sido decretada nestes autos a adopção, o certo é que, por implicação da citada norma do art. 62º-A n.º 1 da Lei n.º 147/99, a medida aplicada é, no mínimo, preparatória da constituição desse vínculo relativamente ao menor dado durar até ser decretada a adopção e não estar sujeita a revisão.
Como tal, os tribunais portugueses carecem de competência para aplicarem ao menor em questão a mencionada medida.
Aliás, também a referida Convenção de Haia, de 19.10.1996, no respectivo art. 4º, b), exclui do seu âmbito o que diga respeito à adopção, medidas preparatórias para a adopção, ou a anulação ou revogação da adopção.
Bem se entende que assim seja pois os Estados recusam consentir a constituição de um vínculo dessa natureza sobre os seus nacionais sem a sua intervenção ou conhecimento, como o reflecte, embora noutro âmbito, a Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional.
Assim, sendo embora a Lei n.º 147/99 aplicável a todas as crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em Portugal, nos termos do seu art. 2º, independentemente da nacionalidade, no respeitante aos nacionais dos países membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, que é o que aqui interessa, a medida da alínea g) do respectivo art. 35º não é aplicável dada a aludida prevalência do direito comunitário sobre o direito interno.
A incompetência absoluta do tribunal constitui excepção de conhecimento oficioso, como estabelece o art. 495º do C. P. Civil, pelo que nada obsta a que seja aqui considerada.
Contudo, resulta do exposto que os tribunais portugueses são competentes para aplicação ao menor A de todas as outras medidas de promoção de direitos e protecção previstas no citado art. 35º da Lei nº 147/99, medidas essas que são as inicialmente constantes dessa norma legal dado a da alínea g) ter sido acrescentada pela Lei n.º 31/03, de 2 de Agosto.
Deste modo, cumpre ponderar qual, entre tais medidas, é a adequada a alcançar o bem-estar e o desenvolvimento integral do menor.
Os factos apurados revelam afastamento do A relativamente aos seus progenitores, devido aos procedimentos violentos destes que, nessa fase, tratavam o menor sem manifestação de afectividade que a relação parental exige.
Há, porém, que ter em conta o esforço que entretanto demonstraram em adquirirem qualidades nesse âmbito, designadamente sujeitando-se a terapia familiar e demonstrando apego ao menor, que visitavam regularmente e a quem telefonavam diariamente até tais contactos lhes serem proibidos.
Contudo, o referido afastamento, verificado também no tocante à avó paterna, torna inadequada qualquer uma das medidas de Apoio junto dos Pais ou Apoio junto de outro Familiar, propostas pelos recorrentes.
Na verdade, tais medidas pressupõem que exista já abertura do menor a relacionar-se com esses seus familiares o que, como os autos mostram, não se verifica.
Da ponderação dos elementos existentes no processo resulta que a medida adequada à situação antes é a de acolhimento familiar prevista no art. 35º nº 1, e) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro.
Com efeito, a sua colocação em ambiente familiar propiciará ao menor bem-estar e afastamento dos perigos que o possam afectar, e promoverá o seu desenvolvimento integral enquanto, por via dos procedimentos estabelecidos no Decreto-lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro, possibilitará a gradual capacitação da sua família natural, designadamente através da acção da equipa técnica da instituição de enquadramento a que caiba a execução da medida, para exercer satisfatoriamente a função parental.
Nesse quadro, entre as modalidades legalmente previstas de acolhimento familiar, a indicada é, pois, a de acolhimento em lar familiar, nos termos do art. 47º ns. 1 e 2 da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
Tendo em conta as referidas dificuldades de relacionamento do menor com os progenitores, que inviabiliza o retorno daquele à família natural nos seis meses seguintes ao início da execução da medida, o acolhimento familiar adequado é o prolongado, nos termos do art. 48º, ns. 1 e 3, da mesma Lei n.º 147/99.
Pelo exposto, concedendo-se provimento parcial ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, aplicando-se relativamente ao menor A a medida de promoção e protecção de acolhimento familiar prolongado, em lar familiar.
O relatório social a que se refere o art. 13º do DL. 11/2008, de 17 de Janeiro, deve ser apresentado trimestralmente.

Sem custas.

Lisboa, 6 de Outubro de 2009

Antas de Barros
Folque de Magalhães
Maria Alexandrina Branquinho”

Proibição de Prova/Justa Causa/Imagens Recolhidas em Posto de Combustível

Acórdão da Relação do Porto, de 14-10-2009

Processo: 103/05.5GCETR.C1.P1

Nº Convencional: JTRP00043021

Relator: ÂNGELO MORAIS

Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA

JUSTA CAUSA

Nº do Documento: RP20091014103/05.5GCETR.C1.P1

Sumário:

I- Não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.

II- O exame em audiência das imagens captadas naquelas circunstâncias e condições não corresponde a qualquer método proibido de prova.

TEXTO PARCIAL:

“…III- Da suscitada proibição da prova e nulidade dos fotogramas por carência de autorização:
Sem qualquer fundamentação de direito, motivam sinteticamente os recorrentes a nulidade dos fotogramas da seguinte forma:
«No que se refere à Prova fotográfica exaustivamente dissertada no douto acórdão, ressumimos a nossa posição no facto de que efectivamente a mesma tem que ser considerada nula, pelo simples facto de que a Estação de Serviço não estava autorizada à captação das mesmas, mais, agindo de má fé, se acreditar-mos que tinha colocado dísticos, pois que sabia não estar legalmente autorizada para o fazer».
Porque proficientemente dilucidada tal questão na motivação decisória, é inequívoca a sua improcedência, tal como, sem o mínimo reparo acolhemos e seguidamente se transcreve:
“... De acordo com o art. 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa “são nulas todas as provas obtidas mediante … abusiva intromissão na vida privada …”. E o art. 126º do Cód. Proc. Penal, que juntamente com o art. 125º do mesmo diploma estabelece o regime de proibições de prova do processo penal, indica como um dos métodos proibidos de prova “as provas obtidas mediante intromissão na vida privada”. Quanto às provas obtidas por reproduções mecânicas, nas quais se incluem os sistemas de videovigilância, preceitua o art. 167º, n.º 1, do mesmo código que só valem como prova se não forem ilícitas nos termos da lei penal, acrescentando o n.º 2 que “não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”, que tem a epígrafe “dos meios de obtenção da prova”.
Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Cód. Proc. Penal.
Acresce que, no caso de estarmos perante uma prova proibida, tal consubstancia uma nulidade que deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, tratando-se, pois, de uma nulidade insanável localizada fora do catálogo do art. 119º daquele código.
No caso vertente e em face do exposto, as imagens recolhidas por particulares, mediante sistema de videovigilância instalado um local de acesso público, como é a zona de abastecimento de combustível de uma área de serviço, só não poderão ser valoradas como meio de prova se a sua obtenção constituir um ilícito criminal.
Note-se que os dados em questão, porque relativos à vida privada, são considerados dados sensíveis, implicando por isso o controlo prévio por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), através da competente notificação e autorização do seu tratamento (recolha) – cfr. art.s 7º, 8º, 27º e 28º da Lei n.º 67/98, de 26/10, que instituiu o regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação dos mesmos, aplicável igualmente à videovigilância (art. 4º, n.º 4, desse diploma).
Sucede que, de acordo com as informações solicitadas em audiência (cfr. fls. 479 e ss.), a instalação do sistema de videovigilância através do qual foram recolhidos os fotogramas em questão, foi notificado à CNPD em 10/01/2003, apenas tendo sido objecto de autorização em 04/10/2005, ou seja, já depois da data dos factos, que ocorreram em 01/03/2005, sendo que aquando da prática destes a existência das câmaras de vigilância estava assinalada através da aposição de dísticos informativos no local.
Todavia, de acordo com o art. 43º da citada lei, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os art.s 27º e 28º, é que constituem crime, já que uma conduta negligente traduzir-se-á apenas em contra-ordenação (prevista no art. 37º).
Ora, no caso vertente não se vislumbra de modo algum essa intencionalidade, tanto mais que a notificação do sistema de videovigilância foi efectuada pelo respectivo responsável à CNPD mais de dois anos antes da data dos factos, tendo havido um atraso por parte desta última na concessão da respectiva autorização, pelo que nunca estaríamos perante o referido crime.
Há então que averiguar se a recolha das imagens em questão preenche a previsão do art. 199º do Cód. Penal, relativo a gravações, fotografias e filmagens ilícitas, que tutela o direito à imagem, com consagração constitucional no art. 26º da Constituição e legal no art. 79º, n.º 1, do Cód. Civil. Segundo o primeiro desses preceitos, na parte que agora releva, “a todos são reconhecidos os direitos … à reserva da intimidade da vida privada …”.
Todavia, tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
Aliás, o próprio art. 79º, n.º 2, do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Aliás, consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Significa isto que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil.
Aquela justa causa apenas será afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.
Ora, a citada norma do Cód. Civil não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso.
Em conformidade com isto, tem a jurisprudência, de um modo geral, entendido não ser proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, nomeadamente em postos de abastecimento de combustíveis, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos proprietários dos veículos ou dos próprios postos de abastecimento perante furtos ou roubos, por as imagens não serem captadas em locais privados, total ou parcialmente restritos, nos quais, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, justificando-se, pois, essa excepção aos métodos proibidos de prova por razões de polícia ou de justiça.
Por outro lado, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. Com efeito, as imagens dos arguidos não foram registadas no contexto das esferas privadas e íntimas destes, mas sim enquanto normais utentes de um posto de abastecimento de combustível, numa área de acesso público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder. Acresce ainda que as imagens não foram captadas às ocultas, tanto mais que a existência das câmaras de videovigilância estava devidamente assinalada através da aposição dos competentes dísticos.
Em suma, tal como se conclui no citado acórdão da RP de 26/03/2008, as imagens captadas em circunstâncias e condições semelhantes àquelas em que foram recolhidos os fotogramas juntos aos autos e examinados em audiência, não corresponde a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal que importa punir em nome da defesa dos mais elementares interesses da vida em comunidade, e não digam respeito ao chamado núcleo duro da vida privada da pessoa visionada, condições estas que se verificam na situação vertente.
A tal conclusão não pode, como nos parece óbvio, obstar a circunstância de não estar em causa o apuramento da responsabilidade criminal relativa a qualquer crime cometido contra o próprio responsável pela recolha das imagens e para cuja protecção directa foi instalado o sistema de vigilância, in casu, a concessionária das bombas de combustível, mas sim contra terceiros, como sejam os proprietário de um veículo subtraído e de um estabelecimento assaltado pelos mesmos agentes”.
É pois manifesta a improcedência da suscitada nulidade e proibição da prova através dos aludidos fotogramas, tal como fundadamente se decidiu…”.