sexta-feira, 6 de junho de 2008

Curador Especial/Réu menor

Acção Ordinária n.º


Ex.mo Sr. Juiz de Direito do
Tribunal Judicial de …



O Ministério Público vem aos autos à margem identificados expor e requerer o seguinte:

1. A acção Ordinária de Impugnação da paternidade Presumida em epígrafe identificada foi intentada por N, na qualidade de pai registral do menor B, nascido a …/…/…, em …, contra A, mãe do menor, o próprio menor e J, na qualidade de alegado pai biológico do menor.
2. Na petição inicial, se bem que na identificação do menor se mencione que o mesmo é demandado na pessoa de sua mãe, sua representante legal, a fls. 5 peticiona-se expressamente a citação do menor na pessoa de sua mãe “...ou, a não se entender assim, deverá ser-lhe nomeado um curador especial...”, ou seja, se bem que incorrectamente se demande o menor, representado por sua mãe, de seguida pede-se a nomeação de curador especial.
3. Nos termos do art. 1846º, n.º 1, do Cód. Civil, deveriam ser demandados na acção, em litisconsórcio necessário, a mãe do menor e este último, mas representado por curador especial, nos termos do art. 11º do Cód. Proc. Civil, conjugado com o n.º 3 do art. 1846º do Cód. Civil.
4. O terceiro réu, o J, é parte ilegítima na impugnação de paternidade, devendo ser absolvido da instância, nos termos do art. 493º, n.º 2, 494º, al. e), e 495º do Cód. Proc. Civil, posto que não aparece incluído no elenco de pessoas mencionadas no art. 1846º, n.º 1, do Cód. Civil, ainda não foi afastada a presunção de paternidade que resulta do art. 1826º do Cód. Civil, ao que acresce o disposto no art. 1835º, n.º 1, do Cód. Civil, havendo ainda a mencionar que o terceiro só pode impugnar a paternidade por via do disposto no art. 1841º do Cód. Civil, isto é, desde que o requeira ao Ministério Público, devendo este obter despacho de viabilidade em averiguação oficiosa, não fazendo pois sentido que se permita a sua demanda na qualidade de pai biológico, em acção de simples impugnação de paternidade presumida.
5. A falta de nomeação de curador especial ao menor implica que o mesmo não pôde ser citado, verificando-se assim absoluta falta de citação do mesmo, nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 194º, al. a), e 195º, al. a), do Cód. Proc. Civil.
6. Tal falta de citação gera a nulidade prevista nos arts 194º, al. a), 197º, al. a), do Cód. Proc. Civil.
7. Além do mais, tal nulidade é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 202º do Cód. Proc. Civil,
8. podendo ser arguida em qualquer estado da causa, nos termos do art. 204º, n.º 2, e 206º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
9. Uma vez nomeado curador ao menor e caso o mesmo não conteste a acção, então deverá dar-se cumprimento ao disposto no art. 15º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
10. Acontece ainda que o Ministério Público tem intervenção acessória nos autos, nos termos do art. 5º, n.º 4, al. a), e 6º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público e 334º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil,
11. pelo que a falta de notificação a que aludem os n.ºs 1 e 3 do art. 334º do Cód. Proc. Civil gera a nulidade do art. 204º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, que é de conhecimento oficioso, nulidade essa que não se pode ter por sanada, ao abrigo do art. 200º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, posto que o Ministério Público só agora foi notificado e o menor não fez valer os seus direitos através do curador especial.

Termos em que se requer o conhecimento das aludidas nulidades e oportunamente da ilegitimidade invocada, determinando-se a nomeação de curador especial ao menor e a citação omitida e demais consequências legais.

O Procurador-Adjunto

Acção de impugnação de paternidade , estabelecida por via de perfilhação , de menor adoptado plenamente

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 de Março de 2005 (*)

I - RELATÓRIO

A, em 17 de Janeiro de 2002, intentou acção declarativa de impugnação de perfilhação , com processo ordinário, contra B, C e D, pedindo que seja declarado que o menor C não é filho do Réu B.
Para fundamentar tal pedido alegou, em síntese, que o menor foi registado na Conservatória do Registo Civil de U, tendo sido estabelecida a filiação por declaração da mãe (Ré, D) e do Réu, B, que declarou ser o pai da criança, reconhecendo-o como tal por perfilhação , sendo porém certo que o menor é realmente filho do autor e não deste último Réu.
Alicerçou a sua posição referindo que a Ré tinha tido consigo relacionamento sexual constante e regular, mormente nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que antecederam o nascimento da criança, tendo ainda aquela confessado que a criança era filho do autor.
Refere, finalmente, que após se ter verificado a separação entre os Réus C e D, tendo o menor e outro irmão ficado inicialmente a viver com aquele, foram os mesmos confiados a uma instituição de solidariedade social, sendo que o autor e a sua família (esposa e filhos desse casamento) visitavam a criança em tal instituição, tendo entretanto sido impedidos de visitá-la, com fundamento no facto do autor não ser o pai da mesma.
(...)
Citados os Réus estes não contestaram, tendo sido proferido despacho saneador e determinado o prosseguimento dos autos para produção de prova, atento o disposto no artigo 485º , alínea c ), do Código de Processo Civil.
(...)
O processo prosseguiu, tendo sido juntas diversas certidões a pedido do Senhor Juiz.
Por despacho de 15 de Março de 2003 declarou-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide .
Inconformado com tal decisão veio o autor recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações donde constam as seguintes conclusões :

1 - A presente acção de investigação de paternidade deu entrada em juízo a 16.01.2002, tendo os réus sido citados para a mesma, isto é, o curador do menor e os pais do menor;
2 - Já após tais citações, iniciaram-se os procedimentos preliminares do processo de adopção, decretados após a entrada em juízo da acção de investigação;
3 - A petição de adopção é igualmente posterior à presente acção sendo contudo decretada a adopção plena do menor antes de findos os presentes autos;
4 - A douta sentença recorrida ao julgar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide , com fundamento no disposto pelo artigo 1987º do Código Civil e artigo 173º-F da Organização Tutelar de Menores, fê-lo a nosso ver e com o devido respeito, incorrectamente;
5 - De facto o artigo 1987º veda o estabelecimento da filiação natural do adoptado após ter sido decretada a adopção plena , contudo, no caso em apreço tal estabelecimento tinha sido requerido, antes de ter sido decretada a adopção plena ;
6 - No que tange ao disposto pelo artigo 173º da Organização Tutelar de Menores, este refere-se às situações de investigação de paternidade oficiosas que devem suspender-se com os procedimentos preliminares da adopção e processo de adopção, contudo, no caso em apreço tal averiguação não era oficiosa, mas sim promovida pelo pai biológico do menor adoptado, pelo que não se suspenderia à luz do teor do citado artigo;
7 - Pelo que, entendemos que a presente lide não é inútil mantendo o autor/recorrente o interesse legítimo em, vendo reconhecida a sua paternidade, poder, se preencher os respectivos pressupostos, requerer a revisão da sentença que decretou a adopção plena .

A apelada contra-alegou, sustentando a manutenção do despacho que determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide .
(...)

III.2. Da inexistência de fundamento legal para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ( recurso de apelação ).

O apelante recorreu do despacho do Senhor Juiz do Tribunal a quo , considerando que tal despacho violava o disposto no artigo 1987º do Código Civil e no artigo 173º-F , da Organização Tutelar de Menores, por entender que “no caso em apreço tal estabelecimento (o da filiação natural do adoptado) tinha sido requerido, antes de ter sido decretada a adopção plena” e por o segundo de tais preceitos legais apenas determinar a suspensão das averiguações oficiosas de maternidade e paternidade e não já aquelas, como a presente, em que a investigação é “promovida pelo pai biológico do menor adoptado”.
Com efeito, a decisão recorrida que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide , em parte da sua fundamentação refere o seguinte:

“O presente processo tem em vista não apenas o afastamento da perfilhação de B, pessoa que constava, no respectivo assento de nascimento, como pai do menor C, mas também o futuro estabelecimento da filiação biológica da paternidade por parte do A., que invoca tal qualidade.
Contudo, salvo melhor opinião, este segundo processo, de estabelecimento da filiação biológica, legalmente já não é possível.
Com efeito, como resulta dos supra citados normativos legais, com a consumação da adopção plena não é possível o estabelecimento da filiação natural nem a continuação dos processos de investigação da maternidade ou da paternidade que, com a decisão de confiança judicial, se suspendem e posteriormente, com o decretamento da adopção plena , se arquivam.
Então, se este segundo processo de investigação ou averiguação oficiosa da paternidade, com vista ao estabelecimento da filiação natural do menor, já não tem cabimento legal (já não revestem carácter de prejudicialidade face ao processo de adopção), por maioria de razão, a presente acção deixou igualmente de ter qualquer interesse, tornando-se inútil.
Destarte, não sendo possível investigar e estabelecer a filiação natural, deixou de existir qualquer interesse de ordem pública na prossecução da presente acção, pois, em virtude de ter sido decretada a adopção plena, não será mais possível proceder-se à perfilhação do menor ou intentar acção de investigação de paternidade. Ou seja, a presente acção é preliminar da acção de investigação de paternidade. Ora, a acção de investigação não sendo possível, perante o decretamento da adopção plena , também não faz qualquer sentido a continuação da presente acção de impugnação da perfilhação , pois o A. nunca poderia vir a proceder ao averbamento da sua, eventual, paternidade biológica.”

Afigura-se-nos que quer o Senhor Juiz, quer o recorrente analisaram inadequadamente a questão em apreço.
Peguemos na petição inicial desta acção, a qual o autor, ora apelante, designa por “acção declarativa de impugnação de perfilhação ”, à luz do disposto no artigo 1859º do Código Civil (que no dizer de Guilherme de Oliveira, quanto a nós bem, se deveria designar de acção de impugnação da paternidade , estabelecida por via de perfilhação ( 1 )) e atentemos que aí é pedido que se declare “...que o menor C não é filho do Réu B, devendo em consequência ser eliminado do assento de nascimento a referência a esta paternidade e avoenga paterna”.
Daqui se conclui que caso a presente acção viesse a proceder o ora apelante não lograria mais do que tal declaração afastando a paternidade do Réu B, face ao menor C, não ficando estabelecida qualquer outra paternidade, designadamente a sua (“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” - Nº 1, do artigo 667º , do Código de Processo Civil).
A lei veda-lhe aliás a possibilidade de na mesma acção impugnar a paternidade quanto a determinada pessoa e simultaneamente pedir o estabelecimento de paternidade quanto a outra, como resulta do disposto no artigo 1848º do Código Civil.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 09/07/2002, “...estabelecida a paternidade por qualquer dos modos previstos na lei, essa paternidade permanece sobre qualquer tentativa de criação de um estado incompatível, enquanto o primeiro não for impugnado com êxito, em acção própria, e o respectivo registo não for rectificado, declarado nulo ou cancelado. Trata-se de um corolário do princípio mais vasto, segundo o qual os factos obrigatoriamente sujeitos a registo, uma vez registados, gozam de uma fé e certeza, formal e pública, que os defende e protege contra prova de facto incompatível, que não seja apresentada na competente acção de estado ( artigo 4º do Código do Registo Civil)” ( 2 ).
Pela leitura das conclusões de recurso e mesmo pelas alegações, verifica-se que o ora apelante terá confundido esta acção de impugnação de paternidade , estabelecida por via de perfilhação , com a acção de investigação de paternidade, que num desenrolar normal e lógico lhe sucederia caso esta viesse a ter o vencimento pretendido, isto é, caso viesse a ser declarado que aquele que consta no registo como sendo pai do menor, não o era.
Mas se é verdade que o apelante partiu dum pressuposto errado para a sua pretensão de ver revogado o despacho recorrido, ainda assim subsiste a questão de saber se tal despacho interpretou da melhor forma os ditames legais.
A resposta a esta pergunta parece-nos ter de ser negativa.
Com efeito, não só nenhum preceito legal, designadamente os apontados artigo 1987º do Código Civil e artigo 173º-F , da Organização Tutelar de Menores, impõem a suspensão ou a impossibilidade de instauração deste processo de impugnação de paternidade, como até a decisão desta acção poderá assumir relevância até em sede de adopção.
Na realidade, a procedência da presente acção, muito embora constitua condição indispensável para a instauração duma subsequente acção de investigação ou mesmo de mera perfilhação , não se esgota, quanto aos seus fins, nesse papel de pressuposto daquelas.
Há que ter presente que o pedido formulado nesta acção de impugnação de paternidade, estabelecida por via da perfilhação , é o de que se declare “...que o menor C não é filho do B, devendo em consequência ser eliminado do assento de nascimento a referência a esta paternidade e avoenga paterna”.

Ora, o nosso legislador, no que concerne às questões inerentes ao estabelecimento da filiação dá nalgumas situações relevo a valores “sociológicos” (como é o caso da inadmissibilidade do estabelecimento da filiação natural existindo já uma adopção decretada - artigo 1987º do Código Civil), mas continua a assumir uma postura “biologista”, na maior parte das situações (vd. Guilherme de Oliveira, in : Temas de Direito da Família do Centro de Direito da Família - Coimbra Editora, vol. I, págs. 67-69).
No caso destas acções de impugnação da paternidade o legislador entendeu que as razões sociológicas que estão na base da impossibilidade do estabelecimento da filiação, existindo já uma adopção, não se justificam e, por isso, não o previu. Na realidade, aqui o que se pretende é afastar uma paternidade que se encontrava indevidamente estabelecida, sendo que caso a acção venha a ter procedência, não se afectará o normal equilíbrio da criança, pois que tal não terá implicação nos vínculos legais entretanto estabelecidos por via da adopção - averba-se apenas ao registo esse facto, isto é, cancela-se o nome que constava como perfilhante.
Como dissemos supra, a decisão desta acção poderá assumir relevância autónoma até em sede de adopção, não se esgotando como mera preliminar de eventual perfilhação ou de uma acção de investigação de paternidade. Basta termos presentes, designadamente, os efeitos da adopção, no que concerne a impedimentos matrimoniais (vd. artigo 1986º , Nº 1, do Código Civil) e às situações passíveis de levarem à revisão da sentença de adopção ( artigo 1990º do Código Civil), uns e outras em que assume relevância o saber-se que alguém não tem a paternidade estabelecida quanto ao menor.
Por tudo o que deixamos dito, há pois, que concluir, pese embora por caminho distinto do percorrido pelo recorrente, que o Senhor Juiz do Tribunal a quo não tinha fundamento legal para determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide , sendo por isso de revogar o despacho que a determinou.

IV - DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso e, nessa conformidade, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento da acção.

(...)

Coimbra, 1 de Março de 2005

Sousa Pinto (relator)
Cardoso Albuquerque
Garcia Calejo


(*) Apelação Nº 2737-04.

Sobre este acórdão existe um brilhante comentário na Revista do Ministério Público nº 105 - 1º trimestre de 2006, na página 155, do Sr. Procurador da República Rui do Carmo.

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE: RECUSA A EXAME

Acórdão da Relação de Guimarães, de 17-04-2008
Processo: 579/08-1
Relator: Gouveia Barros

Sumário:
I) A recusa da realização do exame por parte do investigando é livremente apreciada pelo tribunal e só opera a inversão do ónus probatório se for injustificada e tornar impossível a prova ao investigante.
II) Assim, não tendo tal recusa efeito cominatório quanto aos factos submetidos a demonstração, não tem o tribunal de advertir o réu sobre as consequências da falta de colaboração, por tal ser rigorosamente redundante.

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

F. C. S., solteiro, maior, residente na freguesia de Pedralva, concelho de Braga, propôs a presente acção declarativa contra M. A. V., solteiro, residente na mesma freguesia e concelho, pedindo ser reconhecido como filho do réu e ordenados os pertinentes averbamentos no seu registo de nascimento.
Alega para tal e em síntese, que nasceu em 4/1/81, fruto das relações sexuais entre o réu e sua mãe, então já viúva, iniciadas em Março de 1980 e que se prolongaram até meados de 1993, sempre tendo sido tratado pelo réu como filho e consentindo que ele autor o tratasse por pai, sendo assim conhecidos pelos moradores da freguesia de Pedralva onde ambos residem.
Contestou o réu para impugnar os factos alegados pelo autor para fundamentar a sua pretensão, concluindo a pugnar pela improcedência da acção.
Saneado o processo e elaborada base instrutória, prosseguiram os autos seus termos, vindo a ser proferida sentença a declarar a acção procedente, estabelecendo a pretendida paternidade.
Inconformado, recorre o réu pedindo a sua revogação e a consequente absolvição do pedido, dizendo em conclusão da alegação oferecida que:
a) A douta sentença recorrida faz uma errónea valoração da vaga e infundamentada prova a que houve lugar em audiência de julgamento, atribuindo uma paternidade com base em relações sexuais exclusivas, chocantemente discordantes do que se sabe e infere da conduta da mãe do A.
b) Pelo que, violou o art. 1869° do CC, aceitando como seguro e convincente para uma relação familiar desta extensão e gravidade uma prova ténue e vaga, prestada por quem nada podia saber do caso em apreciação.
c) Porque o R. não foi advertido como o deveria ser, do valor probatório da sua recusa, foi-lhe violado o direito consagrado no artigo 25º da CRP, de forma que não pode ser aceite dado o fundamento invocado para aquela.
***
Em resposta o autor defende a confirmação do decidido.
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Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
***
Factos provados:
O tribunal recorrido deu por provados os seguintes factos:
1) O Autor nasceu no dia 04 de Janeiro de 1981, na freguesia de São José de São Lázaro, em Braga.
2) É filho de T. C. da S., viúva, natural da freguesia de Pedralva, Braga e aí residente, no lugar de Picos.
3) A mãe do Autor e o Réu mantiveram relações sexuais desde Março de 1980 até meados de 1993.
4) Nos meses de Março a Julho de 1980 só com o Réu a mãe do Autor manteve relações sexuais.
5) O Autor nasceu no termo da gravidez resultante dessas relações de sexo.
***
Fundamentação:
Porque o objecto do recurso se encontra balizado pelo teor das conclusões da alegação do recorrente, cingiremos à sua análise a nossa apreciação, procurando acompanhar em brevidade a extrema contenção do recorrente na enunciação das razões da sua divergência quanto ao decidido.
Ora, porque vem dada ênfase à circunstância de o tribunal a quo, aquando da notificação para efectuar o exame hematológico requerido pelo autor, não ter advertido o réu de que a sua recusa teria valor probatório, começaremos então por aí a análise, dado poder ser entendida tal alegação como invocação de irregularidade, potencialmente geradora de nulidade secundária, ainda que arguida muito fora de tempo.
Compulsados os autos verifica-se que o réu foi notificado em 15 de Novembro de 2006 para comparecer no INML do Porto no dia 22 seguinte, a fim de se proceder às necessárias colheitas de amostras biológicas, mas faltou à diligência e não justificou a falta como lhe cumpria.
Só em 14/12/06 e na sequência de requerimento do autor, entrado em juízo no dia anterior, veio o réu declarar que “não aceita a requerida prova pericial por não a considerar facto relevante para o exame e decisão da causa.”
Ignora-se, naturalmente, o pressuposto da afirmação produzida pelo réu, até mesmo porque na contestação afirmara nunca ter mantido com a mãe do autor quaisquer relações de sexo (artigo 2º).
De todo o modo, não prevendo a lei a necessidade de advertir o réu sobre os efeitos da recusa, óbvio se torna não ter sido preterida qualquer formalidade como está pressuposto no artigo 201º, nº 1 do CPC.
Acresce que, como bem sublinha o autor na resposta à alegação do recorrente, a recusa de colaboração da parte tem um efeito taxado na lei (nº2 do artº 519º do CPC), ou seja, é deferida ao tribunal a livre valoração da recusa, não tendo por conseguinte nenhum efeito cominatório.
Ora, seria patentemente redundante advertir o réu de que a recusa de colaboração seria livremente apreciada pelo tribunal, até mesmo porque estando ele assistido por mandatário judicial – aliás experiente e distinto – será de presumir que lhe tivesse sido dado conhecimento da relevância processual da atitude que assumiu.
Repare-se que o autor invocou (artigo 24º da p.i.) a presunção estabelecida na alínea e) do nº1 do artigo 1871º do CC, a qual se considera ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.
O réu arrolara duas testemunhas que se propusera apresentar em julgamento, mas mesmo dessas acabou por prescindir (fls 94) sem que tivesse de fazê-lo.
Caso não fosse incumbência sua a apresentação de tais testemunhas em juízo, seria sustentável que ao declarar prescindir delas, o tribunal devesse igualmente adverti-lo dos efeitos processuais da não audição das testemunhas por si arroladas?
Não se desconhece que a jurisprudência, certamente apoiada no disposto no nº 2 (in fine) do citado artigo 519º, entende que a recusa faz operar a inversão do ónus da prova sobre a exclusividade das relações sexuais (Ac, STJ de 28/5/02, rel. Afonso de Melo) mas, como se colhe da contestação, tal questão não é suscitada pelo réu e, como adiante se esclarecerá, também não tem qualquer importância na economia desta acção.
Dito isto, torna-se então incompreensível a afirmação recolhida sob a alínea b) do enunciado da conclusão formulada pelo recorrente: considerar “a prova ténue e vaga prestada por quem nada podia saber do caso em apreciação” por parte de quem havia dito “não considerar a prova pericial relevante para o exame e decisão da causa”, faz legitimamente supor que a prova que tem em mente será a certeza absoluta, “a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente”, como diz Antunes Varela (Manual, pág. 435/436).
Só que “as provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em conta as regras da experiência comum”, como se refere no Ac. do STJ de 15/6/04 (rel. Ponce Leão).
Partilhamos com o réu o entendimento de que a pretensão do autor envolve o estabelecimento de uma relação familiar extensa e extremamente significativa na sua esfera pessoal e patrimonial e, por isso mesmo, se torna maior a nossa perplexidade quando considera irrelevante o exame pericial.
Estranheza que se avoluma quando constatamos que nem sequer esteve presente na audiência de julgamento onde tal relação iria estar em discussão (e na qual deveria ter prestado depoimento de parte, se tivesse sido conseguida a sua notificação) e, além disso e como já se referiu, quando o próprio réu abdicou de apresentar qualquer prova para ajudar o tribunal a decidir.
Crê-se ainda assim que só por distracção se poderá considerar ténue e vaga a prova testemunhal produzida e na qual o tribunal fundou a sua convicção.
Não podendo sindicar-se nesta instância nem o teor dos depoimentos (porque não vem sequer impugnada a decisão de facto), nem a razão de ciência das testemunhas Maria Aurora Gil e Manuel Vaz Esteves invocados na motivação da decisão de fls. 103, verifica-se que a convicção se ancorou também no depoimento prestado pela mãe do autor, ouvida como testemunha.
Ora, haverá alguém mais habilitado para esclarecer o tribunal sobre a paternidade dos filhos do que a própria mãe?
Chegámos assim à derradeira questão suscitada pelo recorrente que se prende com o facto de ter sido “atribuída uma paternidade com base em relações sexuais exclusivas chocantemente discordantes do que se sabe e infere da conduta da mãe do autor.”
O réu que num assomo de dignidade que se regista (por ser incomum em processos desta natureza) havia proclamado (artigo 3º da contestação) ser a mãe do autor “mulher séria e honesta”, caiu agora no lugar comum da insinuação malévola e inconsequente que, feito este reparo, nos abstemos de comentar.
Simplesmente, parece não ter atentado que de há muito que a prova da exclusividade das relações sexuais deixou de ser determinante para a procedência da acção de investigação.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 27/9/05 (rel. Fernandes Magalhães) “nada impede hoje que se considere que o nascimento do investigando é fruto da relação sexual mantida por sua mãe com o investigado no período legal da concepção, mesmo que se não tenha provado a exclusividade dessa relação em tal período” [ver no mesmo sentido, Acs STJ de 27/11/03 (Abílio de Vasconcelos) e de 19/4/01 (Pais de Sousa)].
O estabelecimento da filiação é um direito constitucional (artº26º) e tem subjacente um interesse de ordem pública cuja prossecução implicou a adaptação tanto do texto legal como da jurisprudência ao acolhimento dos enormes progressos da ciência no domínio da investigação da paternidade (e maternidade) biológica.
E mesmo alguns obstáculos legais que subsistiam e barravam tal investigação têm vindo a ser derrubados por via jurisprudencial, dando-se assim absoluta primazia à descoberta da verdade biológica necessária a assegurar o direito à filiação (v.g. Acs. TC nº 23/2006 e 609/2007).
Sobre a evolução legislativa e jurisprudencial não nos deteremos pois está amplamente documentada, assinalando-se em particular os excelentes contributos que nesse domínio constituem os Estudos do Sr. Conselheiro Baltazar Coelho e do Sr. Desembargador Paulo Távora Victor inseridos na Colectânea de Jurisprudência, respectivamente, tomo I/99 (Sup), pág.13 e III/03 (Sup), pág. 11).
Como se escreve no Acórdão do STJ de 12/9/06 (Alves Velho) existem três tipos de acção de investigação de paternidade: um assente nas presunções estabelecidas no artigo 1871º do CC, outro ancorado na exclusividade das relações sexuais e no Assento de 21/6/83 e outro nos exames laboratoriais, hematológicos ou do ADN.
No caso que nos ocupa a paternidade foi declarada com base na presunção estabelecida na alínea e) do nº1 do artigo 1871º do CC, introduzida pela Lei nº21/98, de 12 de Maio.
Ora, como se diz nesse acórdão de 12/9/06, “provadas que estão as relações sexuais no período legal da concepção e indemonstradas que ficaram circunstâncias susceptíveis de gerar dúvidas sobre a paternidade”, beneficia o autor da presunção estabelecida em tal alínea e ao tribunal nada mais resta do que estabelecer a paternidade em harmonia com ela.
Como refere o Conselheiro Baltazar Coelho no mencionado Estudo (pág. 18) “nesta segunda espécie de acções de investigação de paternidade (por prova indirecta), face às presunções legais em que se baseiam, opera-se, não a inversão, mas uma especial modificação do ónus da prova.
Assim, por um lado, as indicadas presunções não cedem perante simples contraprova (…) e por outro lado, também não é necessário, para destruir a força probatória das faladas presunções, fazer prova do contrário (…).
Requere-se, para afastar a presunção, apenas que se criem, no espírito dos juízes, dúvidas sérias acerca da paternidade do investigado.
Do exposto, resulta que, se a prova da paternidade biológica é decisiva nas acções em que o thema probandum seja somente essa relação natural, já o não é tanto naqueloutras de reconhecimento judicial com base em alguma das presunções enunciadas no nº1 do art. 1871º do Código Civil.
É que, nesta segunda espécie de acções, uma vez provada factualidade integradora da base de qualquer das ditas presunções, tem-se como demonstrada a paternidade investigada, a menos que sobre esta, surjam dúvidas sérias (que) hão-de emergir do conjunto da prova produzida, inclusive de natureza pericial.”
Do exposto resulta que, assentando o estabelecimento da paternidade em qualquer das presunções plasmadas no artigo 1871º, a opção do investigado de recusar o exame pericial e de prescindir de oferecer qualquer prova que suscite dúvida séria sobre a paternidade, apresenta-se, no plano técnico, como temerária, ainda que tenha a vantagem de poupar ao réu o custo do exame a que se furtou…
Em suma, improcedem todas as conclusões da alegação do recorrente.
***
Sobre má fé:
Como se viu, o tribunal recorrido deu como provado que a mãe da A. e o réu mantiveram relações sexuais entre si desde Março de 1980 até meados de 1993, ou seja, ao longo de mais de 13 anos.
O réu na contestação não suscitou a questão da exclusividade das relações sexuais (só agora em sede de recurso a colocando, ainda que de modo implícito), ancorando a sua defesa na negação pura e simples de tal relacionamento sexual.
O tribunal a quo não valorou o comportamento processual do réu, objectivamente subsumível à previsão da alínea a) do nº2 do artigo 456º do CPC, sendo que o conhecimento de tal questão é oficioso.
Porém e face à designada proibição de indefesa reiteradamente assinalada pelo Tribunal Constitucional neste domínio (Acs. 440/94, 103/95 e 357/98), cumpre facultar ao réu pronunciar-se sobre a sua eventual condenação como litigante de má fé e/ou sobre a extensão de tal condenação, atenta a respectiva moldura legal aplicável.
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Decisão:
Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a douta sentença impugnada no tocante ao mérito da causa, consignando-se o prazo de dez dias para o réu se pronunciar sobre a má fé, nos termos acima assinalados.
Custas pelo recorrente.
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Notifique e, oportunamente, concluse de novo para decisão sobre a má fé.
Guimarães, 17 de Abril de 2008