quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Autorização Judicial Prévia: sistema de posicionamento global ( GPS )

Acórdão da Relação de Évora, de 07-10-2008
Processo: 2005/08-1
Relator: MARTINHO CARDOSO


Sumário:
Não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito (e pelo tempo tido por necessário pelo órgão de polícia criminal encarregue do mesmo).



Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de se também deve ser autorizada a colocação de localizadores, nomeadamente com sistema GPS, nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a controlar os seus movimentos, pelo prazo de 60 dias:
O senhor Juiz "a quo" indeferiu esta pretensão por ter entendido não se vislumbrar qualquer base legal que legitime a vigilância por recurso a instrumentos de localização GPS - tão pouco vindo indicada -
O M.º P.º rebateu, afirmando que existem normas legais a prever essa utilização, que as indicou, e que são os art.º 187.º, n.º 1 al.ª b), 189.º, n.º 2 e 252.º-A, aplicáveis por analogia com a localização celular dos telemóveis, permitida pelo art.º 4.º, todos do Código de Processo Penal (diploma ao qual pertencerão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem).
Vejamos o que dizem estas disposições legais, realçando a negrito as passagens que mais directamente interessam ao assunto:
Artigo 187.º
Admissibilidade
1 — A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
(…)
Artigo 189.º
Extensão
2 — A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.
Artigo 252.º-A
Localização celular
1 — As autoridades judiciárias e as autoridades de polícia criminal podem obter dados sobre a localização celular quando eles forem necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave.
2 — Se os dados sobre a localização celular previstos no número anterior se referirem a um processo em curso, a sua obtenção deve ser comunicada ao juiz no prazo máximo de quarenta e oito horas.
3 — Se os dados sobre a localização celular previstos no n.º 1 não se referirem a nenhum processo em curso, a comunicação deve ser dirigida ao juiz da sede da entidade competente para a investigação criminal.
4 — É nula a obtenção de dados sobre a localização celular com violação do disposto nos números anteriores.
Artigo 4.º
Integração de lacunas
Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que localização por GPS não tem coisa alguma a ver com localização celular.
A localização celular funciona quando num telemóvel é activado o IMEI, ou seja, quando é feita ou recebida uma chamada ou uma mensagem; só indica a “antena” que está a transmitir para o IMEI alvo, ou seja, se é S. ou T. e não o local exacto onde está o telemóvel alvo.
A localização por GPS é activada por um aparelho sintonizado com pelo menos dois satélites, dos quais recebe a informação das coordenadas da longitude e da latitude a que o aparelho se encontra, fornecendo-lhe assim a localização do sítio exacto por reporte ao mapa das estradas dessa região, informação que é transmitida e reproduzida num receptor na posse, neste caso, da autoridade policial.
Ora o legislador, que bem recentemente, em Agosto de 2007, através da Lei n.º 48/2007, de 29-8, se preocupou a aperfeiçoar a individualização e o acautelamento do uso de diversos mecanismos electrónicos tais como o telefone e o telemóvel (art.º 187.º), o correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como os sofisticados e ainda raros aparelhos de escuta à distância de conversas a ocorrerem entre pessoas presentes num local (art.º 189.º), a localização celular e os registos da realização de conversas ou comunicações (art.º 190.º) – não podia desconhecer a existência de localizadores GPS e as virtudes da sua utilização na investigação criminal. Não obstante, nada regulamentou sobre a sua utilização, nem os proibiu.
Assim, aplica-se o art.º 125.º:«São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei».
Sendo que a utilização de localizadores GPS não consubstancia qualquer dos métodos proibidos de prova a que se refere o art.º 126.º.
Certo que no n.º 3 deste último preceito legal se estabelece que são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada. Mas o ter a autoridade policial no decurso de um inquérito criminal acesso à informação de onde está a cada momento um determinado veículo automóvel, não pode ser visto como uma intromissão na vida privada de quem vai nesse veículo, pois que o GPS é um aparelho surdo e cego no sentido de que não escuta as conversas dos ocupantes do carro, nem identifica quem lá vai e o que estão a fazer, apenas informa aonde está o veículo, circunstância que é visível a olho nu para quem olhe para o carro e lhe vê a matrícula. Daí que expressões ou divulgações como: «estava lá o carro de Fulano», «vi passar o carro de Sicrano» ou «o carro de Beltrano fica todas as noites estacionado à porta da Maria», não constituam qualquer comportamento tipificado como crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192.º do Código Penal.
Situação bem diferente seria – como está bom de ver – a de utilizar localizadores GPS em pessoas individuais ou grupos de pessoas individuais. Mas não é esse, de forma alguma, o caso dos autos.
De resto, se bem atentarmos, não é por acaso que por exemplo na investigação de crimes ocorridos em alto mar como o de tráfico de estupefacientes, as autoridades, sem necessidade de autorização judicial prévia, leiam e juntem ao processo como prova o mapa do itinerário da embarcação marcado no GPS da mesma.
De resto, digamos que a localização por GPS é o «irmão gémeo electrónico» do clássico seguimento do alvo por pessoas a bordo de um carro. E que tem vantagens e desvantagens em relação a este seguimento personalizado. A principal vantagem será o permanente acesso à localização em que se encontra o carro-alvo. A desvantagem mais evidente será a de que, apesar de em qualquer momento se saber aonde está o carro, se desconhecer por completo o que é que o seu ocupante ou os seus ocupantes estão a fazer de concreto. Nesse aspecto, o seguimento clássico, por permitir, além do mais, escrutinar quem vai no carro e o que fazem os ocupantes pelo menos quando o carro pára, para onde vão quando saem dele e com quem falam, é um método muito mais intrusivo e abrangente do que o mero conhecimento da localização do carro, pelo que o GPS servirá sobretudo como meio coadjuvante do seguimento clássico – o qual, aliás, também pode ocorrer 24 sobre 24 horas. E não é por isso que as autoridades policiais precisam de obter uma autorização judicial prévia para fazerem o seguimento de uma pessoa que vai num veículo automóvel.
Daí e em resumo que entendamos que não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito.
III
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, se decide revogar o despacho recorrido e autorizar:
A)...; e
B) A colocação de localizadores GPS nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a controlar os seus movimentos e pelo tempo tido por necessário pelo orgão de polícia criminal encarregue do inquérito.
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Évora, 7-10-2 008
Martinho Cardoso
António Latas
(elaborado e revisto pelo relator)