segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pedido de perda ampliada de bens em requerimento autónomo

Instrução

N.º …

2.º Juízo

 

O Ministério Público vem requerer a perda ampliada de bens a favor do Estado, ao abrigo dos arts. arts. 1.º, n.º 1, alínea …, 7º, 8.º, n.º 2, e 12º da Lei n.º 5/2002 de 11.01, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 5/2002, de 6 de Fevereiro (DR 6 Fevereiro), alterada pela Lei n.º 19/2008, de 21-04, e pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30.10, efectuando-se a respectiva

LIQUIDAÇÃO

contra o arguido:

ANTÓNIO…

nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º

(…)

2.º

(…)

Etc.

15.º Para garantia do pagamento desse valor requer-se, nos termos do art. 10.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002 citada, o arresto dos bens do arguido descritos no art. 7.º desta petição, designadamente: (…)

Nestes termos, e nos demais de direito, deverá a presente liquidação ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, ser declarada perdida a favor do Estado a quantia de € … (… euros e …cêntimos).

Para tanto, requer-se ainda a Vª. Ex.ª. se digne decretar o arresto dos bens descritos no art. 8.º desta petição, seguindo-se os ulteriores trâmites dos art.os 10º e ss. da Lei n.º 5/2002 de 11.02.,

PROVA:

- a indicada na acusação;

- os documentos ora juntos;

JUNTA: (…) documentos;

O Magistrado do Ministério Público

Despachos do Ministério Público na Lei do Cibercrime

Despachos do Ministério Público na Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15.09):

- Validação de pesquisa (artigo 15º, n.º 4, al. a), da Lei);

- Validação de apreensão de dados informáticos (artigo 16º, n.º 4, da Lei);

- Injunção para apresentação ou concessão de acesso a dados informáticos (artigo 14º da Lei);

- Ordem de preservação de dados informáticos (artigo 12º da Lei); e

- Renovação de ordem de preservação de dados informáticos (artigo 12º da Lei).

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ARTIGO 389º- A CPP: sentença oral em processo sumário

Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-05-2011

Processo: 137/10.8GASBC.C1

Relator: Mouraz Lopes

Sumário:

Em caso de recurso interposto de sentença proferida oralmente nos termos do artigo 389º-A do CPP, cabe aos serviços do tribunal recorrido, antes do envio do processo ao tribunal superior, proceder à transcrição da sentença, a qual deverá igualmente ser depois confirmada pelo juiz que a elaborou.

Texto:

I. RELATÓRIO.

No processo sumário n.º 137/10.8GASBC.C1 MN... foi condenado como autor de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348º n.º 1 alínea a) do Código Penal, com referência ao artigo 152º n.º 3 do Código da Estrada na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 7,00€, a que se desconta um dia por detenção e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor de qualquer categoria por seis meses, para além da taxa de justiça e honorários ao defensor

Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para este Tribunal.

Nas suas alegações, o recorrente conclui na sua motivação nos seguintes termos:

«1- A douta sentença não procedeu ao exame crítico das provas.

2- Na verdade a douta sentença limita-se a enumerar os elementos de prova, sem proceder ao seu exame crítico.

3- O arguido não se encontrava com a sua plena capacidade de querer e entender no momento da prática dos factos.

4- Deveria por tal razão e perante as declarações do arguido, lançar mão de um exame pericial à personalidade do arguido, para aquilatar da sua capacidade e responsabilidade para a prática de actos ilícitos.

5- As declarações do arguido e que se encontram gravadas são suficientes para que o tribunal lance mão de uma perícia a personalidade do arguido e oficiosamente.

6- É assim nula a douta sentença, conforme artigos 374° e 3790 do CPP.

Na resposta ao recurso o Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser mantida na integra, sendo tal posição corroborada pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação.

*

II. FUNDAMENTAÇÂO

A questão que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação, incidem sobre a nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas.

*

Questão Prévia.

A sentença proferida nos presentes autos, tramitados em processo sumário, foi elaborada nos termos do artigo 389º A do CPP, ou seja oralmente, conforme determina a nova disposição legal, após a entrada em vigor da Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto, tendo sido correctamente ditada para acta o dispositivo.

Diz-se efectivamente na acta o seguinte:

«Seguidamente, a Mm Juiz procedeu à leitura da sentença, o que o fez em voz alta, e ditou o dispositivo da sentença nos seguintes termos: -

DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, o tribunal decide

1. Condenar o arguido MN... pela prática, em 14/12/2010, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º n. 1, ai. a), do Código Penal, com referência ao artigo l52º n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de €700,00 (setecentos euros);

2. Atenta a detenção, descontar 1 dia de multa;

3. Condenar o arguido MN... na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria por um período de 6 (seis) meses, devendo o arguido entregar a sua licença de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença na secretaria deste Tribunal, sob pena de, não o fazendo, o tribunal ordenar a apreensão da referida licença, nos termos do disposto nos artigos 69. n. 1 e 3 do Código Penal, e 500. n. 2 e 3 do Código de Processo Penal;

4. Condenar o arguido MN... nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (uma unidade de conta).

4. Condenar o arguido no pagamento dos honorários ao defensor oficioso.

Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal, nos termos do artigo 52, n. 1, alínea a), e n. 3, da Lei n. 57/98, de 18/08, e do artigo 6 n. 1, do Decreto-Lei n. 381/98, de 27/11.»

*

O novo regime de elaboração obrigatória da sentença oral, introduzido pela n.º Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto assumiu o princípio da diferenciação processual no sentido de que, também na sentença, não pode continuar a tratar-se da mesma forma o que estruturalmente não é igual.

Neste sentido há que atentar em alguns tópicos que decorrem claramente do regime normativo introduzido (e dos princípios e exemplos dogmáticos que estão na sua origem) e que devem por isso ser objecto de aplicação prática.

Assim, o primeiro tópico configura o alargamento do princípio da oralidade, como princípio estrutural do processo penal, agora extensível à fase sentencial.

O que se diz agora é que terminada a produção da prova, as alegações e a fase deliberativa, a sentença é logo proferida oralmente.

Daqui deve retirar-se a imposição inequívoca de que a sentença, no processo sumário e abreviado é uma sentença oral e não uma sentença escrita. Ou seja, o princípio da oralidade, como um dos princípios estruturantes do processo penal é agora assumido como condicionante da sentença nos processos especiais sumário e abreviado. Há nesta parte uma inversão do paradigma até agora vigente nesta fase processual.

Um segundo tópico prende-se com a estrutura da sentença.

A relevância da sentença como acto processual autónomo sujeito a um regime normativo próprio e rigorosamente estabelecido, impõe que o tribunal, na elaboração da sentença oral não possa omitir, sob pena de nulidade, a estrutura definida no n.º 1 do artigo 371º A.

O tribunal deve assim efectuar em primeiro lugar uma indicação sumária dos factos provados, garantia fundamental que permite dar a conhecer o objecto do processo. O tribunal pode, no entanto, efectuar esta indicação dos factos provados para a acusação e para a contestação por remissão. Pode assim limitar-se a referir «considero provados os factos x e y que constam na acusação» e «não considero provados os factos xx e yy que constam na acusação e na contestação».

Importa referir que a remissão deve ser efectuada com algum cuidado nomeadamente garantindo sempre que a sentença seja compreendida por parte dos destinatários da sentença (tanto os destinatários directos – o sujeitos processuais – como os cidadãos em geral) nomeadamente tudo o que foi decidido.

Em segundo lugar o tribunal tem que indicar quais as provas em que se sustentou para dar como provados os factos e efectuar um exame crítico das mesmas.

Importa, sobre este tópico efectuar uma explicitação. Do que se trata, nestas duas alíneas é de concretizar na sentença oral a proferir nos processos sumário e abreviado a imposição constitucional do princípio da fundamentação das decisões a que se refere o artigo 205º da CRP.

A sentença oral é sempre uma sentença fundamentada, na medida em que não dispensa as razões que o tribunal tem que dar sobre as suas opções decisórias fundadas nas provas. O modo de fundamentação é, no entanto, oral ou seja é efectuado pelo juiz sem necessidade de escrever ou ditar esse processo de «dar as razões» pelas quais decidiu de determinada maneira.

Num terceiro tópico importa referir que o princípio da fundamentação se aplica quando a decisão consistir numa condenação e for aplicada uma pena.

A aplicação de uma pena implica que o tribunal fundamente também oralmente a escolha e a medida da pena que aplica, tendo por critério as normas estabelecidas nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal. Trata-se, também aqui, no domínio da pena, de uma fundamentação oral em que o tribunal tem que dizer (e não ditar ou escrever) as razões que o levaram a escolher determinada pena e as razões que justificam a medida concreta a que se chegou.

Num quarto tópico importa referir que a estrutura da sentença tem que conter o «dispositivo» exactamente nos termos que constam no artigo 374º n.º 3 alíneas a) a e). do CPP.

Trata-se, neste tópico, da «questão nuclear» ou «ponto nevrálgico» do regime sentencial agora estabelecido. Contrariamente aos restantes elementos estruturais da sentença, nomeadamente o relatório e a fundamentação, o dispositivo tem sempre que ser ditado para a acta ou ser escrito imediatamente pelo juiz. Não vigora, quanto ao dispositivo o princípio da oralidade da sentença.

Num quinto tópico importa salientar a excepção consagrada no número 5 do artigo, relativa às situações em que o princípio da oralidade cede perante outras exigências e a sentença deve ser escrita.

Desde logo a concretização de uma pena de prisão ou a execução de uma medida de segurança, sobretudo quando assume um patamar que já tem ínsito uma dimensão de uma gravidade mediana, como é o caso de uma pena de prisão superior três anos, deve levar em consideração no programa de execução subsequente todo o condicionalismo que o tribunal ponderou, nomeadamente, algumas das razões que sustentam o processo justificativo que consubstancia a fundamentação e que levaram à aplicação dessa pena concreta.

Por outro lado, em qualquer situação, incluindo os casos de aplicação de penas de prisão mais curtas ou mesmo de outro tipo de penas aplicadas pelo tribunal, seja de multa, de suspensão da execução da pena de prisão, de trabalho a favor da comunidade ou outras, deve deixar-se ao tribunal de condenação – e aqui sem qualquer restrição – a possibilidade de, se assim for entendido, ser elaborada uma decisão fundamentada nos termos em que esta está, actualmente, estabelecida no artigo 374º n.º 2 do CPP.

A decisão de fundamentar uma decisão deve ainda ser deixada ao critério do Tribunal mesmo nos casos em que tenha sido expressamente manifestada vontade de não recorrer por todos os intervenientes com legitimidade para o efeito.

A opção do tribunal, nestes casos, justifica-se por razões de natureza extraprocessual subjacentes à finalidade da fundamentação, nomeadamente em sede de legitimação da decisão, de acordo com as exigências do auditório mais amplo que ultrapassa aqueles que directamente são afectados pela decisão.

A relevância social de uma decisão ou o impacto que a mesma possa ter em qualquer dos auditórios a que se destina, pode condicionar uma opção jurisdicional que leve ao não funcionamento da compressão da fundamentação.

A decisão do tribunal de concretizar a fundamentação da sentença será, nesta perspectiva, soberana e por isso, insusceptível de ser sindicada por recurso.

Num sexto tópico, eliminando as possíveis dúvidas sobre a natureza da fundamentação oral como uma forma de fundamentação constitucionalmente legítima, à luz do artigo 215º da Constituição da República, o artigo 379º nº. 1, alínea a), do CPP é muito claro ao estabelecer que a omissão da decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389º-A e 391º F implica a nulidade da sentença.

O que se quer dizer é que o direito de dar as razões que fundaram a decisão é um direito essencial e indisponível e, por isso não pode, a nenhum título, ser dispensado.

Finalmente num sétimo e último tópico, importa sublinhar que a admissibilidade das sentenças abreviadas (ou com fundamentação oral) assenta no pressuposto da emergência da celeridade processual, sem no entanto pôr em causa os direitos de defesa. Daí que o direito ao recurso não seja posto em causa pelo modelo agora implementado (é assim, aliás, em modelos processuais penais onde vigoram soluções aproximadas ao regime agora implementado, como no novo CPP suíço no seu artigo 82º ou no § 275 do StPO, germânico).

Neste sentido é importante atentar nos números 3 e 4 do artigo 389º do CPP.

A afirmação inequívoca de que a sentença oral é sempre documentada, nos termos dos artigos 363º e 364º do CPP impõe que a sentença oral fique sempre e integralmente registada no sistema de gravação do Tribunal.

Como consequência directa deste normativo o exercício constitucional do direito de recurso está garantido. Se e quando os sujeitos processuais pretenderem recorrer da sentença, no prazo legalmente estabelecido para a interposição do recurso, poderão fazê-lo sem qualquer limitação.

O que os sujeitos processuais podem fazer, desde que presentes no momento da proferição/leitura da decisão, é prescindir do direito de recorrer e nessa medida prescindirem da entrega da cópia da sentença que ficou registada no sistema.

Relativamente à questão do exercício do direito de recorrer e sobretudo o modo como o recurso é posteriormente conhecido pelo Tribunal Superior, é evidente que aquele conhecimento do recurso terá que incidir sobre a transcrição do registo da sentença oralmente proferida a ser efectuado pelos serviços do Tribunal e depois de confirmada pelo juiz que elaborou a decisão.

Efectuada esta operação que naturalmente irá permitir, efectivamente, a garantia do direito constitucional ao recurso através o seu conhecimento pelo Tribunal Superior, a plenitude do direito de recorrer fica assim consagrada.

Ora, assim sendo e porque nos presentes autos não foi concretizada a transcrição do registo da sentença – que se encontra, disponibilizada – importa que os serviços do Tribunal recorrido efectuem essa transcrição de modo a ser assegurado o direito de recurso nos termos expostos.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em remeter os autos ao Tribunal recorrido para ser efectuada a transcrição da sentença oral efectuada pelo Tribunal de modo a ser possível conhecer do recurso.

Notifique.

Mouraz Lopes (Relator)

Félix de Almeida

Acusação particular nula e não sanação de nulidade através de acusação de acompanhamento do Ministério Público

Acórdão da Relação do Porto, de 01-06-2011

Processo: 1021/09.3GDGDM.P1

Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA

Sumário:

A acusação particular que, imputando ao arguido um crime de injúria do art.181.º, n.º 1, do Código Penal, não descreve os factos integrantes do elemento subjectivo da infracção, deve ser rejeitada, por ser manifestamente infundada, mesmo que o Ministério Público, no momento indicado no n.º 3 do art. 285.º do Código de Processo Penal, acrescente os factos em falta.

 

 

Texto Parcial:

“…11. Como já anteriormente deixámos exposto, a acusação particular apresentada não refere factos integradores do elemento subjectivo do tipo.
Ora, tal omissão acarreta, como consequência necessária, a nulidade de tal acusação, como prescreve o nº3 do artº 283 do C.P.Penal (aplicável por força do nº3 do artº 285 do mesmo diploma legal).
Assim, o que aqui resta apurar é se a nossa legislação prevê a possibilidade de suprimento de tal nulidade, através da intervenção correctiva do MºPº, por via acusatória.
E salvo o devido respeito por opinião contrária, cremos que é manifesto que tal não se mostra legalmente admissível.
O que o nº4 do artº 285 prevê e permite é que o MºPº acuse, ele próprio, autonomamente, nos termos acima prescritos. Mas em parte alguma consigna que poderá proceder a um aperfeiçoamento e sanação de uma omissão, que acarreta forçosa nulidade.
Na verdade, aditar os factos relativos ao dolo não integra nenhuma das circunstâncias previstas no mencionado número, pois que o MºPº não se limitou a acusar pelos mesmos factos (aditou-os); nem por parte deles (pois tal pressupõe uma restrição e não um aditamento, face à matéria factual já constante na acusação particular); nem por outros que não importem uma alteração substancial (pois tal implica que haja apenas uma alteração de qualificação jurídica, sem agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis).
Aliás, estranho seria que, ao arrepio de todo o nosso ordenamento jurídico, fosse permitido a um terceiro (neste caso, ao MºPº ou, no caso inverso, ao assistente, caso estivéssemos perante um crime de natureza semi-pública, por exemplo, atento o vertido no artº 284 do C.P.Penal), proceder oficiosamente à correcção de um requerimento acusatório, à revelia do seu autor. Nem em sede cível tal possibilidade se mostra consignada pois, nos estritos casos em que pode haver lugar a aperfeiçoamento, o mesmo depende de despacho elaborado pelo juiz, que convida a parte a, querendo, proceder a tal correcção (como aliás sucede também por exemplo, em sede criminal, nos casos previstos no artº 417 nºs 3 e 4 do C.P.Penal).

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12. Do que se deixa exposto há assim que retirar que a omissão que incontestavelmente se verifica na acusação particular, acarreta a sua forçosa nulidade o que, nos termos previstos no artº 122 do C.P.Penal tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou, que não se mostra de passível sanação, por a lei a não prever.
E, neste caso específico, a lei determina que a consequência jurídica de os factos constantes numa acusação serem insusceptíveis de integrarem um crime, como aqui sucede (pois ainda que se provassem todos os factos articulados na acusação, os mesmos seriam insuficientes para condenar a arguida pela prática daquele crime de injúrias, uma vez que faltaria sempre o elemento subjectivo), é a de tal acusação se ter de entender como manifestamente infundada (artº 311 nº3 al. d) do C.P.Penal).
Ora, uma acusação manifestamente infundada deve ser rejeitada, como impõe o nº2 al. a) do atrás mencionado artigo.
Uma vez que estamos face a um crime de natureza particular, falece legitimidade ao MºPº para acusar a arguida, desacompanhado do assistente.
E se assim é, cabe-nos apenas constatar que assiste razão à recorrente, quanto à questão que suscita, pelo que se conclui que se deve declarar nula a acusação particular formulada, inoperante a acusação apresentada pelo MºPº (por falta de legitimidade) e consequentemente há que considerar inválidos todos os actos posteriores à apresentação de tal requerimento acusatório, ao abrigo do disposto no artº 122 nº2 do C.P.Penal.

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13. Atento o que ora se decide, as restantes questões propostas neste recurso mostram-se prejudicadas, razão pela qual das mesmas se não conhecerá.

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iv – decisão.
Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela arguida B… e, em consequência, declara-se nula a acusação particular apresentada, bem como todos os actos posteriormente praticados, incluindo o despacho que designou dia para julgamento, a audiência realizada e a sentença condenatória proferida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo assistente, por ter dado causa à nulidade, em 4 UC.
Porto, 1 de Junho de 2011
Maria Margarida Costa Pereira Ramos de Almeida
Ana de Lurdes Garrancho da Costa Paramés”

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ligação não autorizada a infra-estruturas da rede TV Cabo: burla nas comunicações, furto ou contra-ordenação?

Acórdão da Relação de Lisboa, de 22-03-2011

Processo: 4252/07.7TDLSB.L1-5

Relator: CARLOS ESPÍRITO SANTO

Descritores:

Sumário:

I. O crime de burla nas comunicações, p.p., pelo art. 221, n.º 2, do Código Penal, não exige, apenas, que o agente queira obter um benefício ilegítimo utilizando dispositivos electrónicos ou outros, sendo também necessário que a utilização desses dispositivos tenha a virtualidade de diminuir, alterar ou impedir o normal funcionamento dos serviços de telecomunicações;

II. Para efeitos jurídico-penais, designadamente, do crime de furto, é coisa móvel alheia, aquilo que é normalmente susceptível de subtracção e apropriação por outrem, sendo que fisicamente deve revestir uma corporeidade autónoma, não só especialmente relevante como delimitável;

III. O agente que efectuar uma ligação não autorizada a infra-estruturas da rede TV Cabo, não comete o crime de burla nas comunicações, nem o crime de furto;

IV. O mesmo agente, não comete, ainda, a contra-ordenação prevista nos arts.104, n.º1, d, e 113, n.º 1, da Lei n.º 5/04, de 10Fev., que apenas prevêem a circunstância de se adquirir, deter ou utilizar equipamentos ilícitos que permitam aceder de forma não autorizada ao sinal emitido pela TV Cabo.

BOAS PRÁTICAS PARA A EXECUÇÃO DE INTERCEPÇÕES DE TELECOMUNICAÇÕES e RECOLHA DE IMAGEM DE EVENTOS CRIMINOSOS





I. “BOAS PRÁTICAS PARA A EXECUÇÃO DE INTERCEPÇÕES DE TELECOMUNICAÇÕES




Do princípio da subsidiariedade não resulta a exigência de que a intercepção telefónica seja, em absoluto, o único meio de obtenção de prova possível. O legislador não consagrou no art. 187º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal a ideia da unicidade absoluta, limitando-se a exigir a necessidade, a adequação e a proporcionalidade, ou seja:

- Tem de existir a realização de um iter penalmente relevante, isto é, só pode ser ordenada uma escuta telefónica se tiverem sido cometidos actos de execução ou actos preparatórios puníveis – não há “escutas preventivas”;

- Não se exige a existência de fortes indícios, mas sim a existência de suspeita de verificação do crime e da sua autoria (e aqui, com os contornos adiante referidos – cf. escuta a I.M.E.I.);

- Deve haver razões para crer que a intercepção deve ser indispensável para a descoberta da verdade ou haver razões para crer que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter;

- A expressão “haver razões para crer” reporta-se ao momento em que se requer o meio de obtenção de prova, pois no decurso da intercepção o controle efectua-se de outra forma, ou seja, o juiz de instrução verificará se subsiste a necessidade, adequação e proporcionalidade.





Nos termos do artigo 268º, n.ºs 1, al. f), 2, 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução praticar quaisquer outros actos que a lei expressamente reservar ao juiz de instrução (n.º 1, al. f)).

O juiz de instrução pratica os actos referidos no número 1 a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou do assistente (cf. n.º 2 do artigo 268º; e o artigo 249º do Cód. Proc. Penal, no que respeita às autoridades de polícia criminal).

O requerimento do Ministério Público ou das autoridades de polícia criminal não se encontra sujeito a quaisquer formalidades (cf. n.º 3 do artigo 268º do Cód. Proc. Penal).

O juiz de instrução decide em 24 horas, dispensando a apresentação dos autos se não for imprescindível a sua consulta (n.º 4 do art. 268º do Cód. Proc. Penal).

O artigo 27º, n.º 1, da Lei n.º 53/08, de 29.08 (Lei de Segurança Interna) determina que a execução do controlo das comunicações mediante autorização judicial é da exclusiva competência da Polícia Judiciária.

No entanto, como já referido, da conjugação dos artigos 269º, n.º 1, al. e), e 2, e 268º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Penal, resulta que, em caso de urgência, as escutas podem ser solicitadas pela autoridade de polícia criminal, muito embora o Ministério Público não fique vinculado à pertinência desse meio investigatório.

O juiz de instrução pode ser territorialmente incompetente, mas deve comunicar a autorização ao juiz de instrução competente em 72 horas, juiz do processo a quem cabe praticar os actos jurisdicionais subsequentes (cf. art. 187º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).

Nos termos do artigo 187º, n.º 6, do Cód. Proc. Penal, as escutas são autorizadas por um prazo máximo de 3 meses, prorrogáveis por períodos sujeitos ao mesmo limite temporal, por despacho fundamentado na existência dos mesmos requisitos de admissibilidade.

Neste fluxo processual cumpre salientar algumas regras:

- Só pode haver escutas telefónicas existindo inquérito (cf. ou inquérito tutelar educativo, onde se investigam crimes, muito embora cometidos por menores com 12 a 15 anos);

- As escutas podem ser requeridas após o prazo normal do inquérito;

- Nos termos do art. 187º do Cód. Proc. Penal:

“…4. A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

a) Suspeito ou arguido;

b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.”



É assim viável a intercepção telefónica a cartão de acesso a serviço telefónico móvel ou a I.M.E.I. que se comprova ser utilizado como instrumento do crime, ainda que se desconheça a identidade concreta do suspeito. O conhecimento da identidade civil não é requisito necessário (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, nota 8 da página 509 do Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Edição – autor este que sustenta, porém, uma perspectiva demasiado restritiva do conceito de suspeito, ao identificá-lo com uma e única pessoa, não admitindo a intercepção do I.M.E.I. e de todos os cartões que nele funcionem, ainda que se saiba pertencer ao juiz de instrução ou ao Ministério Público apreciar da relevância das sessões). Porém, devem ser especificados os números de telefone ou I.M.E.I.’s.

Sendo a intercepção telefónica decretada em inquérito em investigação em órgão de polícia criminal diferente da Polícia Judiciária, os ofícios assinados pelo juiz de instrução não devem ser remetidos directamente às operadoras, mas antes entregues em mão a tais órgãos de polícia criminal, via Ministério Público, pois será a Polícia judiciária a executar o controlo das comunicações, havendo necessidade de concertação com tais outros OPC´s.

Ao início da intercepção corresponde um auto de início de intercepção e ao seu termo um auto de cessação (cf. art. 99º do Cód. Proc. Penal).

No decurso da intercepção devem ser elaborados relatórios (cf. art. 188º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), onde:

- Se indiquem as passagens relevantes para a prova;

- Se descrevam de modo sucinto o conteúdo de tais passagens; e

- Se explique o alcance das mesmas para a descoberta da verdade.

Com a intercepção inicia-se um prazo de 15 dias para que o OPC leve ao conhecimento do Ministério Público os correspondentes suportes técnicos, autos e relatórios (cf. art. 188º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).

O Ministério Público leva ao conhecimento do juiz de instrução os elementos atrás referidos no prazo máximo de 48 horas. Coincidindo tal apresentação ao Ministério Público com uma sexta-feira, pode ser necessário apresentar tais elementos no sábado de manhã ao juiz de instrução de turno.

Para se inteirar do conteúdos das conversações ou comunicações, o juiz de instrução é coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal e nomeia, se necessário, intérprete.

As sessões podem ser:

- Transcritas pelo Ministério Público (art. 188º, n.º 9, do Cód. Proc. Penal);

- Transcritas pelo juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, para valerem como meio de prova em sede de fundamentação de aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência (art. 188º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal);

- Destruídas “imediatamente”(art. 188º, n.º 6, do Cód. Proc. Penal).

A este respeito cumpre referir o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2009, de 01-10-2009 (DR, 1.ª série — N.º 216 — 6 de Novembro de 2009), que fixou jurisprudência no seguinte sentido:

«Durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do n.º 7 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover.»



Porque a redacção do art. 188º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal pode ser interpretada como significando que apenas as intercepções cuja transcrição tenha sido determinada pelo juiz de instrução podem ser tidas em consideração na aplicação de medidas de coação, na prática, porque toda a prova releva para fundamentar a aplicação de medidas de coacção, pela ligação entre estas e a qualificação jurídica dos factos, convém precaver tal impossibilidade de utilização requerendo ao juiz de instrução a transcrição de todas as sessões, pois nada permite excluir que irão ser utilizadas na aplicação de medidas de coação futuras, salvo casos manifestamente estranhos.

Os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não forem transcritas para servirem como meio de prova são guardados em envelope lacrado, “à ordem do tribunal”, ou seja, como vem sendo prática, são entregues ao secretário judicial, que os guarda em cofre, sendo destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (cf. art. 188º, n.º 12, do Cód. Proc. Penal). Pergunta-se se também aqui se deve ter em consideração o regime processual do recurso de revisão, o qual só é previsto no art. 188º, n.º 13, do Cód. Proc. Penal.

A partir do encerramento do inquérito e no que respeita ao arguido e assistente, rege o art. 188º, n.º 8, do Cód. Proc. Penal (cf. ainda o art. 188º, n.º 9, al.ªs b) e c), do Cód. Proc. Penal).

É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento do crime (art. 187º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal).

O n.º 5 do art. 187º do Cód. Proc. Penal refere-se ao objecto ou elemento do crime que legitimou a intercepçãoe a gravação e não a qualquer outro. Assim, a suspeita de favorecimento pessoal ou de auxílio material não poderão justificar a escuta entre o defensor e o arguido, mas já justifica a suspeita de receptação ou de branqueamento de capitais relacionados com o crime imputado ao arguido. Ou se o defensor for comparticipante a qualquer título no crime de catálogo que o arguido está a cometer ou cometeu, podendo a prova ser valorada quanto aos dois, segundo o “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, nota 8 das páginas 489 a 490, estando contra tal afirmação, porém, Costa Andrade, em “Sobre as Proibições de Prova”, 2005, página 221.

A norma do art. 187º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal estende-se às demais pessoas legitimadas pela lei para recusar prestar depoimento ao abrigo do segredo profissional (cf. art. 135º do Cód. Proc. Penal). Mas já não se aplica às conversações do arguido com as pessoas que têm o direito de recusar a depor como testemunhas nos termos do disposto no art. 134º, porque o direito destas cede perante o interesse da investigação (cf. Costa Andrade, ob. Cit., pág. 220).

O “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, sustenta nas páginas 484 e 485, que o juiz de instrução não pode determinar uma escuta para além dos termos do requerimento apresentado pelo Ministério Público. Ou seja, não pode o juiz de instrução, em face do requerido pelo Ministério Público, determinar escutas relativamente a visado, a telefone, a outro meio de comunicação ou em extensão que não os requeridos os requeridos pelo Ministério Público (neste sentido, ver Paulo Pinto de Albuquerque e André Lamas Leite, aí citados). Trata-se de posição discutível, pois a escuta pode ter início em pedido directo de autoridade de polícia criminal, e, por outro lado, a finalidade da escutas não é, em primeira linha, a aplicação de medidas de coacção, não sendo decisivo o argumento retirado do artigo 194º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal. Além do mais, mesmo nesta sede, pergunta-se se o juiz de instrução pode ou não mandar transcrever mais do que lhe é indicado pelo Ministério Público ao abrigo do art. 188º, n.º 7, do Cód. Proc. Penal. Imagine-se que o Ministério Público não indica sessões que são fundamentais para fundamentar a aplicação da medida de coacção que promoveu ou irá promover. Decisivo nos parece ser antes o facto de o Ministério Público ser o titular do inquérito e deter o monopólio da acção penal, aspecto este decisivo para limitar o âmbito de actuação do juiz de instrução no inquérito, que não é, em primeira linha, um juiz de investigação, mas sim um juiz garante de direitos fundamentais. Mas daqui não decorre uma total limitação no que deve ou não ser transcrito para efeitos de fundamentação de medida de coacção promovida pelo Ministério Público. Por outro lado, pode o juiz de instrução entender que a escuta de outro cartão de acesso a serviço telefónico móvel, não indicado pelo Ministério Público, é determinante para aferir do pressuposto da necessidade, adequação e proporcionalidade. Neste caso, ou indefere a intercepção nos moldes requeridos ou sugere novo requerimento do Ministério Público. Esta limitação já não existe, porém, quando a iniciativa é da autoridade de polícia criminal.

Quanto aos “conhecimentos de investigação”, o legislador não quis limitar os mesmos somente àqueles alvos para os quais foram autorizadas as intercepções/gravações. Os “conhecimentos de investigação” obtidos no decurso de uma escuta a um dos alvos previstos no art. 187º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal, e autorizada judicialmente, são lícitos e podem ser valorados, quer quanto ao escutado, quer quanto ao terceiro não identificado inicialmente, se das mesmas resultar a incriminação deste como autor, co-autor, cúmplice, receptador, favorecedor pessoal, do delito de catálogo em investigação ou de outro crime de catálogo em que assuma alguma das referidas qualidades, como conhecimento fortuito.

Só pode ser aproveitado, por outro lado, para outro processo o “conhecimento fortuito” obtido através de uma escuta telefónica que se destine a fazer a prova de um crime de catálogo legal no outro processo e em relação a pessoa que possa ser incluída no catálogo legal dos alvos. E quanto a este aspecto, Costa Andrade sustenta que deve fazer-se intervir aqui exigências complementares tendentes a reproduzir aquele estado de necessidade investigatório que o legislador terá arquetipicamente representado como fundamento da legitimação (excepcional) das escutas telefónicas (cf. ob. Cit. Pág. 312).

Dos “conhecimentos fortuitos” importa diferenciar os chamados “conhecimentos de investigação”.

“Conhecimentos fortuitos” são «todos aqueles que exorbitam o núcleo de fontes de informação previstas no meio de obtenção da prova em causa, assim atingindo a esfera jurídica de terceiros, bem como aqueles que, atendendo ao seu conteúdo, não se prendem com a factualidade que motivou o recurso a tal meio» (André Lamas Leite, “As escutas telefónicas – Algumas reflexões em redor do seu regime…”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, p. 38).

“Conhecimentos de investigação” são “os factos que estejam numa relação de concurso ideal e aparente com o crime que motivou e legitimou a investigação por meio da escuta telefónica. O mesmo valendo para os delitos alternativos que com ele estejam numa relação de comprovação alternativa dos factos. Consensual parece ainda, tanto na doutrina, como na jurisprudência, que o mesmo terá de ser o entendimento quanto aos crimes que, no momento em que é decidida a escuta em relação a uma associação criminosa, aparecem como constituindo a sua finalidade ou actividade. (…) À figura e ao regime dos conhecimentos da investigação deverão ainda levar-se as diferentes formas de comparticipação (autoria e cumplicidade), bem como as diferentes formas de favorecimento pessoal, auxílio material ou receptação” (Costa Andrade, “Sobre o Regime Processual das Escutas Telefónicas”, RPCC, Ano 1º, n.º 2, 1991, p. 401) – note-se que a receptação, porém, faz hoje já parte dos crimes de catálogo.

Conforme sustentado no “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto (cf. página 492), “…o processo abarca não só o núcleo de factos sobre os quais já se reuniram indícios, mas também todos os outros que advenham à ou da investigação e que com eles estejam conexionados, numa relação de concurso ideal ou aparente, ou numa relação de comprovação alternativa de factos ou, ainda, numa relação de comparticipação ampla que engloba, não só os diversos casos de comparticipação criminal, mas também formas como o favorecimento pessoal, o auxílio material ou a receptação, pelo que tais “conhecimentos de investigação” obtidos através de escutas validamente autorizadas quanto a um dos crimes previstos no art. 187º, n.º 1, podem ser utilizados e valorados desde que estejam conexionados nos termos referidos com o crime que determinou as escutas (neste sentido, Ac. STJ de 01-06-2006 e Acs. RP de 12-12-2007, proc. 0744715, e de 16-01-2008, proc. 0743305).”

Sobre escutas presenciais rege o artigo 6º da Lei n.º 5/02, de 11.01 (cf. Rect. n.º 5/2002, de 06/02; e alterações dos seguintes diplomas: Lei n.º 19/2008, de 21/04, e DL n.º 317/2009, de 30/10):

“Artigo 6.º

Registo de voz e de imagem

1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.

2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.

3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.”















I.1.

SUMÁRIO:



Catálogo de procedimentos destinados a executar, controlar e garantir a validade da prova obtida através de escutas telefónicas



BOAS PRÁTICAS PARA A EXECUÇÃO DE
INTERCEPÇÕES DE TELECOMUNICAÇÕES

1. Promoção ao Juiz de Instrução
As promoções relativas a pedidos de intercepções telefónicas devem ser fundamentadas:

A) De direito:

- Indicar os crimes indiciados e que se enquadram no catálogo do art. 187º, n.º 1;
- Indicar que a intercepção requerida é contra uma das pessoas indicadas no art. 187º, n.º 4;

B) De facto:

- Justificar a necessidade e indispensabilidade do recurso a este meio de prova para a descoberta da verdade. Princípio geral: a escuta só é pedida se por outro meio não for possível alcançar a verdade.

A promoção deve conter sempre o pedido de fixação de um prazo máximo de duração das intercepções, dentro do limite legal de 3 meses prorrogáveis.




2. Remessa dos autos ao OPC



Obtida decisão judicial, o MP remete os autos ao OPC com determinação de que:

- Deverá ser remetido ao MP, por ofício confidencial, o auto de início de intercepção.
- De 15 em 15 dias (a contar da data do início da intercepção), os autos lhe sejam presentes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 188º Cód. Processo Penal.



3. Actos a praticar pelo OPC
No decurso da intercepção, o OPC elabora:



3.a) Auto de intercepção e de gravação;



Na data em que a intercepção se iniciar (e independentemente do envio do ofício de início pela operadora telefónica), o OPC tem e dar conhecimento ao MP e ao Juiz de Instrução de tal facto, indicando o local onde a intercepção se encontra a decorrer.

Comunicação do auto de início de intercepção: o OPC remete-o ao Ministério Público, através de ofício confidencial, que, por sua vez, o remete de imediato ao Juiz de Instrução que autorizou a intercepção a fim de tomar conhecimento.

No decurso da intercepção, o OPC realizará autos de intercepção e gravação, os quais obedecem, com as devidas adaptações, aos requisitos consignados no art. 99º do CPP - indicação da data e hora de cada comunicação interceptada, identificação do alvo, das pessoas intervenientes na conversação e da pessoa que concretamente procedeu à recolha deste elemento de prova.



3.b) Gravações (CDs ou outro suporte)

O OPC deverá proceder à gravação de todas as intercepções e apresentar o respectivo relatório.



3.b).1. Procedimentos relativos aos suportes

Deverão ser autonomizados em diferentes suportes técnicos as conversações/comunicações:

-Manifestamente estranhas ao processo, nos termos do disposto no art. 188º/6, CPP), a fim de serem destruídas após determinação do Juiz de Instrução.

-Relacionadas com o processo, incluindo:

. As que se consideram relevantes para efeitos de aplicação de medida de coacção dos crimes em investigação. Após transcrição das sessões tidas por relevantes, as mesma deverão ser autonomizadas em novo CD a ser junto aos autos para uso nas subsequentes fases processuais);

. As que se consideram relevantes como meio de prova dos crimes em investigação. Após transcrição das sessões tidas por relevantes, as mesma deverão ser autonomizadas em novo CD a ser junto aos autos para uso nas subsequentes fases processuais);


. As demais, cuja transcrição não irá ser requerida pelo MP, ficarão depositadas em envelope lacrado à guarda do Secretário Judicial.



3.c) Relatório

De 15 em 15 dias, o OPC elaborará relatório sobre o conteúdo das intercepções no qual:

• Indicará as passagens relevantes para a prova;
• Descreverá de modo sucinto o respectivo conteúdo;
• Explicará o seu alcance para a descoberta da verdade;
• Indicará as que poderão ser relevantes para efeitos de aplicação de medida de coacção;
• Indicará também as conversações/comunicações, relatórios e suportes técnicos que considere manifestamente estranhos ao processo, nos termos definidos pelo art. 188º/6 do C.P.P..
4. Verificação judiciária das intercepções


4.a) De 15 em 15 dias, a contar da data do início da intercepção, o OPC leva ao conhecimento do MP:


• Os suportes técnicos das gravações;
• Os autos de intercepção;
• Os relatórios sobre o conteúdo das intercepções.



4.b) Em 48 horas, a contar do momento em que os elementos são recebidos do OPC, após proceder à audição das intercepções e à análise dos autos e relatórios apresentados pelo OPC, o Ministério Público:



4.b).1. Consigna nos autos que tomou conhecimento dos elementos remetidos pelo OPC;



4.b).2. Leva os mesmos elementos ao conhecimento do Juiz de Instrução, com a seguinte promoção (escolher as situações que em concreto se verifiquem):



4.b.2.1) Que fique consignado nos autos que os elementos foram remetidos dentro do prazo legal de 48 horas estabelecido no art. 188º, n.º 4, do C.P.P.;

4.b.2.2) Que seja determinada a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios referentes a conversações/comunicações que considere serem manifestamente estranhas ao processo – art. 188º, n.º 6, do CPP;

4.b.2.3.a) Que seja determinada a junção aos autos dos suportes técnicos e relatórios referentes às conversações/comunicações que considere relevantes e relacionadas com o processo;



4.b.2.3.b) Que seja determinada a junção aos autos dos suportes técnicos e relatórios referentes às conversações/comunicações que considere indispensáveis para efeitos de aplicação de medida de coacção, bem como que seja determinada a sua transcrição – art. 188º, n.º 7, CPP;



4.b.2.3.c) Que seja determinada a utilização de conversações/comunicações interceptadas noutro processo (em curso ou a instaurar), nos termos do disposto no art. 187º, n.ºs 7 e 8, e 188º, n.º 6, CPP.





5. Transcrições de conversações /comunicações:



5.a) Durante o inquérito, as transcrições das conversações/comunicações podem ser determinadas pelo:



• Juiz de Instrução para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público.
• Dois momentos possíveis para o MP requerer ao Juiz de Instrução a transcrição:

1. Requerimento de transcrição é feito pelo MP logo no momento em que os suportes técnicos são apresentados para validação (15 em 15 dias), ainda que não se perspective no imediato a aplicação em concreto de uma determinada medida de coacção.

2. Requerimento é feito pelo MP em fase posterior do processo e no momento em que se pretende aplicar uma determinada medida de coacção.

Nota1: atente-se nas consequências que advirão de um interrogatório efectuado sem se ter disponíveis as transcrições com as quais se tem forçosamente de confrontar o arguido em sede de interrogatório judicial para efeitos de aplicação de medida de coacção.

• Duas situações em que a transcrição de conversações /comunicações deverá ser requerida pelo MP ao Juiz de Instrução:

1. Quando só são relevantes para efeitos de medida de coacção e não como meio de prova (e.g. demonstrar perigo de fuga - arguido menciona planos de fuga - ou de perturbação do inquérito - intimidação de testemunha);
2. As conversações/ comunicações têm dupla natureza, ou seja, são relevantes: 1) como meio de prova dos factos em investigação; e 2) como elemento indispensável à aplicação de uma medida de coacção (e.g. demonstrar a existência de indícios/ fortes indícios da prática de um crime ou a continuação da actividade criminosa - prática reiterada de venda de estupefacientes).

Nota2:

-Entende-se que as transcrições de conversações/comunicações determinadas pelo juiz de instrução para efeitos de aplicação de medida de coacção, mormente as de dupla natureza, poderão sempre ser posteriormente utilizadas na acusação pelo MP como meio de prova; e

-Da mesma forma, conversações/ comunicações cuja transcrição já tenha sido determinada pelo MP para efeitos de prova, poderão ser usadas em sede de interrogatório judicial para aplicação de medida de coacção – ver, porém, o que se disse em cima…

Rege o princípio de que a intervenção do juiz de instrução é de garantia processual e não de avaliação indiciária.

• O MP deve ir determinando a transcrição das sessões, não devendo esperar pelo despacho de encerramento do inquérito. Essa determinação deve ser dirigida ao OPC encarregue da investigação. Na verdade, importa ter o inquérito pronto no momento em que se vai formular tal despacho, até pela exiguidade dos prazos das medidas de coação.

Quanto às transcrições:

- As indicadas como meio de prova na acusação valem como tal; e

- As transcrições determinadas pelo MP, mas não usadas em acusação (e.g. seguiu-se despacho de arquivamento ou uma conversação deixou de ser relevante) ficam nos autos.



5.b) Art. 188º, n.º 8: após despacho de encerramento do inquérito, as transcrições das conversações/comunicações podem ser efectuadas pelo:

• Assistente até ao termo do prazo para requerer a abertura da instrução
• Arguido até ao termo do prazo para requerer a abertura da instrução ou apresentar contestação;

***

Disposições Gerais relativamente às transcrições:

• A transcrição deverá ser realizada no mais curto espaço de tempo possível (art. 101º/2 CPP);

• A certificação da conformidade da transcrição e a assinatura da mesma está a cargo da “entidade que presidiu ao acto” art. 101º/2, CPP). Essa entidade será a autoridade de polícia criminal que superintenda a execução do acto;

• Pode também o MP proceder (ou requerer que se proceda) à verificação da conformidade das que foram transcritas pelo arguido ou pelo assistente (art. 188º, n.º 10, C.P.P.).

• Poderão constituir-se apensos para:

- Escutas determinadas pelo J.I.C.;
- Escutas determinadas pelo MP;
-Escutas transcritas pelo assistente (para prova); e
- Escutas transcritas pelo arguido (para prova).



6. Lacragem e destruição de suportes técnicos:


• Até ao encerramento do inquérito: determina-se a lacragem dos suportes técnicos em relação aos quais não foi determinada qualquer transcrição (juiz de instrução e/ou MP determinam as que devem ser transcritas e as demais são lacradas); os suportes técnicos são depositados em cofre, à ordem do secretário judicial.
• Após o encerramento do Inquérito, os suportes técnicos têm que ser abertos e disponibilizados aos demais sujeitos processuais (art. 188º, n.º 8).

A audição e obtenção de cópias dos suportes técnicos e relatórios pelo arguido e pelo assistente deverá ser efectuada após despacho da autoridade judiciária.

• Decorrido o prazo para determinar a transcrição por parte de qualquer sujeito processual (vide art. 188º, n.º 8 e 315º, do C.P.P.), o juiz determina a lacragem dos suportes técnicos em relação aos quais não foi determinada qualquer transcrição.

• As comunicações não transcritas são destruídas após o trânsito em julgado da decisão final (ver, no entanto, o que e disse em cima).

• As comunicações transcritas, usadas como meio de prova e ainda não destruídas, serão lacradas e guardadas após o trânsito em julgado, para eventual uso em recurso extraordinário.



7. Prorrogação do prazo da intercepção:


De modo a evitar a cessação da intercepção telefónica, os autos deverão ser remetidos pelo OPC ao Ministério Público com pelo menos três dias úteis de antecedência em relação ao termo do prazo concedido com proposta de prorrogação.
O Ministério Público, após analisar os elementos colhidos até então através das escutas e a relevância daquele meio excepcional de prova, remete os autos ao J.I.C., no mais curto prazo, para apreciação da prorrogação requerida.



8. Cessação da intercepção:



Quando não haja necessidade de pedir a prorrogação do prazo para a continuidade da intercepção, o OPC apresenta os autos ao Ministério Público acompanhados de:

• Auto de cessação da intercepção, o qual deverá obedecer, com as devidas adaptações, aos requisitos consignados no art. 99º do Cód. Processo Penal;
• Os suportes técnicos e relatórios das últimas sessões, com indicação daquelas que sejam relevantes para a prova e cuja transcrição se pretenda, nos termos definidos anteriormente;
O MP leva todos estes elementos ao conhecimento do juiz de instrução, nos termos e para efeitos acima descritos – art. 188º, n.ºs 4, 6 e 7.



9. Intercepções e segredo de justiça





9.1. Opção I

- Processo público:

Até ao encerramento do inquérito:

Apesar de ser pouco normal que existindo escutas o processo não tenha sido sujeito ao segredo de justiça, haverá que considerar os casos de caducidade dos prazos do inquérito.

A atentar na redacção do art. 188º, n.º 8, as intercepções telefónicas beneficiam de um regime de segredo de justiça especial, que estabelece uma limitação do acesso dos arguidos e do assistente aos suportes técnicos e aos respectivos relatórios até ao momento do encerramento do inquérito. Obviamente, que tal norma tem a limitação imposta pelos arts. 141º, n.º 4, al. d), no caso de tais suportes serem usado como fundamento de aplicação de medida de coacção em sede de interrogatório judicial.

Duas posições possíveis::

a. Mais restritiva - implicitamente, esse regime especial estende-se ao conteúdo das conversações, abrangendo as transcrições já efectuadas e juntas aos autos pelo Ministério Público (as do juiz de instrução quando utilizadas em interrogatório têm de ser reveladas ao arguido). As mesmas, não estarão pois disponíveis a quem possa consultar um processo, mesmo público (sujeitos processuais - art. 89º - ou pessoa que nisso revelar interesse legítimo - art. 90º).

b. Mais ampla - Seguindo a letra da lei, esse regime especial será limitado aos suportes técnicos e respectivos relatórios. As intercepções já transcritas e juntas aos autos pelo MP ou pelo juiz de instrução estarão disponíveis a quem possa consultar o processo, caso o mesmo seja público, sem prejuízo de apenas poderem publicá-las nas condições previstas no art. 88º, n.º 4, C.P.P..

Após enceramento do inquérito:


Quer os sujeitos processuais (art. 89º), quer qualquer pessoa que nisso revelar interesse legítimo – podem aceder às intercepções juntas aos autos (n.º8 do art. 188º) sem prejuízo de apenas poderem publicá-las nas condições previstas no art. 88º, n.º 4, C.P.P.

- Processo em segredo de justiça:

.Durante a fase de inquérito em que vigorar segredo de justiça, não há qualquer dúvida de que apenas o MP tem acesso às intercepções juntas aos autos. Findo o mesmo, todos os sujeitos processuais podem ter acesso às mesmas, nos termos acima descritos.



9.2. Opção II

As intercepções telefónicas beneficiam de um regime especial de segredo de justiça (art. 188º/8).

- Inquérito público:

• Até ao encerramento do inquérito, o assistente e o arguido têm acesso às transcrições efectuadas;
• A partir do encerramento do inquérito passam a ter acesso aos suportes técnicos e aos relatórios elaborados.

- Inquérito sob segredo:

As transcrições, os suportes técnicos e os relatórios elaborados não estão acessíveis ao arguido, ao assistente, ao ofendido ou às partes civis.





II. RECOLHA DE IMAGEM DE EVENTOS CRIMINOSOS

Questão:

- O registo de imagem de vigilância policial, em local público, no âmbito de investigação de tráfico de estupefacientes depende de prévia autorização judicial (ver art. 6 da Lei 5/2002, de 11.01, com a Rect. n.º 5/2002, de 06/02, e as alterações dos seguintes diplomas: Lei n.º 19/2008, de 21/04, e DL n.º 317/2009, de 30/10)?



- A utilização de fotografia tirada por um cidadão que presencia um crime pode ser utilizada como meio de prova?

O artigo 26º da CRP prescreve como direito fundamental o direito à imagem. O art. 199º do Código Penal proíbe as fotografias ilícitas, tratando a imagem enquanto bem jurídico autónomo face à privacidade e à intimidade.

O art. 250º do Cód. Proc. Penal prevê a possibilidade de se utilizarem fotografias de suspeito no âmbito das medidas cautelares e de polícia, para prossecução de finalidades processuais.

O art. 167º do Cód. Proc. Penal dispõe o seguinte:

Valor probatório das reproduções mecânicas

1 — As reproduções fotográficas, cinematográficas,

fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um

modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem

como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem

ilícitas, nos termos da lei penal.

2 — Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para

os efeitos previstos no número anterior as reproduções

mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste

livro.

Ou seja, não são também ilícitas, nos termos do n.º 2 do art. 167º do Cód. Proc. Penal as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto nos arts. 171º a 190º do Cód. Proc. Penal.

A respeito do art. 167º do Cód. Proc. Penal refere Maia Gonçalves, em anotação do Cód. Proc. Penal Anotado, 12.ª Edição, Almedina,

“…quem fotografar às ocultas pessoa que se encontre em lugar privado não poderá usar a fotografia assim captada como meio de prova em processo penal.

Esta regra poderia, porém, conduzir demasiadamente longe, se não fosse entendido, como deve ser, que o próprio Direito Penal substantivo se tem que harmonizar e compatibilizar com o adjectivo. Aqui as pessoas podem mesmo ser compelidas a sujeitar-se a exames, fotografias, etc., tudo como se regula no título seguinte. Então, dever-se-á até entender que não há qualquer tipo de ilicitude penal, porque a conduta é autorizada por um dos ramos da ordem jurídica (cf. art. 31 .°, n.º 1, do CP). Assim, se as reproduções tiverem sido obtidas de harmonia com as disposições deste Código, podem ser usadas como meio de prova e não há qualquer ilicitude penal por parte de quem as obteve.”

A respeito deste art. 167º do Cód. Proc. Penal refere Paulo Pinto de Albuquerque o seguinte:

“…pela mesma razão, o direito penal também não protege a materialidade da imagem do crime, sendo, por exemplo, admissíveis as fotografias tiradas na propriedade rústica do arguido, sem a sua autorização, a umas colmeias cujo furto é imputado ao arguido (acórdão do TRC, de 27.10.1999, in CJ, XXIV, 4, 68 e, na doutrina, PAOLO TONINI, 2007:282);

C. as imagens obtidas por sistema mecânico de videovigilância colocado em postos de abastecimento de combustíveis, caixas de multibanco ou noutros lugares públicos, desde que devidamente autorizado, uma vez que ele se dirige à generalidade do público (acórdão do STJ, de 20.6.2001, in CJ, Acs. do STJ, IX, 2,221, acórdão do TRG, de 30.9 .2002, in CJ, XXVII, 4,285, acórdão do TRG, de 29.3.2004, in CJ, XXIX, 2, 292, e acórdão do TRG, de 19.5 .2003, in CJ, XXVIII, 3,299).

D. as reproduções que obedecem ao Título III do Livro III do C.P.P. e ao artigo 6.° da Lei n.° 5/2002, de 11 .1 ; mas devendo ser excluídas as reproduções respeitantes ao núcleo do direito constitucional à privacidade (ver a NOTA PRÉVIA ao artigo 189.°) e as reproduções ideográficas, audiográficas ou de outra natureza da confissão do crime pelo arguido feitas pelas autoridades públicas ou por terceiros a mando destas fora do processo (como dizem, CLAUSROXIN / HANS ACHENBACH 2006:323: "nem a gravação constitui prova documental nem pode ser aplicado analogicamente o regime desta"), sob pena de fraude à lei e ao princípio constitucional da imediação (ver a anotação ao artigo 357.°).

E. as reproduções feitas ao abrigo de causas de justificação, designadamente, para os que entendam que não deve proceder-se a uma redução teleológica do tipo do artigo 199.° do CP de modo a tutelar os direitos fundamentais da vítima (assim, preferindo a solução das causas de justificação à da redução típica, COSTA ANDRADE, anotação 45 ao artigo 199º, in FIGUEIREDO DIAS, 1999)”

(Comentário do Código Processo Penal, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora).

Segundo o Acórdão da Relação Porto de 21-12-2004 (N.º Convencional: JTRP00037538; Relator: CONCEIÇÃO GOMES; N.º do Documento: RP200412210444045), valem como provas as fotografias tiradas na rua e em outros locais públicos aos arguidos pelos agentes investigadores, em operações de vigilância.

Transcrição Parcial do acórdão:

“…Quanto à nulidade da prova fotográfica junta aos autos e dos reconhecimentos efectuados pela Polícia Judiciária

Alegam os recorrentes que apreciando erradamente a arguição de não validade da prova fotográfica junta aos autos e dando como válidos os reconhecimentos efectuados na sede da PJ apesar da arguição atempada das irregularidade, nulidade e inexistência, feriu assim o douto despacho na letra e no espírito os arts: 147º, do CPP; e art. 6º da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro.

A Constituição da República Portuguesa no art. 26º, n.º1, reconhece como direitos fundamentais do cidadão, o direito à imagem, à palavra, à reserva da vida privada e familiar, remetendo para o legislador ordinário as garantias efectivas contra utilizações abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias (n.º2, do citado art. 26º). Este preceito constitucional vincula as entidades públicas e privadas, sendo que os direitos nele consagrados só podem ser restringidos nos casos expressamente previstos na Constituição, estando sujeitos ao princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição de tais direitos fundamentais, se limite ao estritamente necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Em conformidade com estes preceitos constitucionais, a lei protege as pessoas contra qualquer ofensa ilícita à sua intimidade ou privacidade, e, daí que o legislador reafirmou a intimidade da vida privada, ao conceder no Cap. VII do CP (Dos crimes contra a reserva da vida privada), do Titulo I, (Dos crimes contra as pessoas), toda uma específica área incriminadora à protecção do bem jurídico da intimidade da vida privada.

Por seu turno, o art. 32º, n.º 8, da CRP consagra que “são nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio (…)”.

Em conformidade com este preceito constitucional, o art. 126º, n.º3, do CPP, determina que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.

Relativamente ao valor probatório das reproduções mecânicas, o legislador português, consagrou no preceito nuclear do art. 167º, n.º 1, do CPP, que “As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas produzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal”, dispondo o n.º 2, do mesmo preceito que “Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no Título III deste Livro”.

Seguindo a lição de Manuel da Costa Andrade,[in “Sobre Proibições de Meios de Prova, Coimbra, 1992, pág. 238- 239] a propósito deste normativo, «Significativa, desde logo, a prevalência expressamente reconhecida ao critério da ilicitude penal substantiva: será inadmissível e proibida a valoração de qualquer registo fonográfico ou fotográfico (fílmico, vídeo, etc.) que, pela sua produção ou utilização represente um qualquer ilícito penal material, à luz do disposto no art. 179º, do Código Penal (actualmente art. 192º, do CP)» (…)

«Os interesses encabeçados e servidos pelo processo penal - a saber, a realização da justiça, a estabilização contrafáctica das normas, a restauração da paz jurídica, por razões de economia, a eficácia da justiça penal - não bastam, por si só enquanto tais, para legitimar a danosidade social da produção ou utilização não consentidas de gravações ou fotografias. Numa formulação de mais óbvia e directa intencionalidade pragmática, o mero propósito de juntar, salvaguardar e carrear provas para o processo penal não justifica o sacrifício do direito á palavra e do direito à imagem em que invariavelmente redundam a produção ou utilização não consentida destas reproduções mecânicas. Pela positiva, só como meios necessários e idóneos à salvaguarda de prevalentes valores, transcendentes ao processo penal, poderá justificar-se a sua produção ou ulterior valoração processual contra a vontade de quem de direito. Só neste contexto e com esta específica direcção preventiva pode emergir um relevante estado de necessidade probatório»

Sobre a valoração das fotografias e filmes, como meio de prova em processo penal, escreve ainda, o mesmo autor, [ob cit, pág. 270-271] «O âmbito da ilicitude penal (…), predetermina o alcance da proibição de valoração das fotografias e filmes. (…) Deve ter-se como proibida a valoração das fotografias obtidas de modo penalmente ilícito, nomeadamente se produzidas sem consentimento e a descoberto de justificação bastante. Em termos substancialmente idênticos ao que vimos suceder com as gravações.”(…)

“O panorama do lado das fotografias ou filmes cuja obtenção não configura um ilícito penal: porque produzidos com consentimento (e como tais atípicos) ou a coberto de justificação bastante.
Como início de resposta importa adiantar uma distinção:

De um lado estarão as hipóteses em que a utilização ou valoração destas fotografias possa originar o ilícito penal á luz dos arts. 178º ou 180º, do CP. É o que sucederá (…) com as fotografias que contendam com a intimidade, cuja valoração sem consentimento, há-de, por isso, considerar-se igualmente proibida.

Solução inversa deverá já preconizar-se para as demais constelações típicas, são: aquelas que, por sobre não terem sido obtidas de forma penalmente ilícita não contendam com a intimidade. A sua valoração será, por princípio, admissível por força do disposto no n.º1, do art. 167º, do CPP».

A Lei n.º 5/2002, de 11JAN, que veio estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, consagra no seu art. 6º, n.º1, que «É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado», estabelecendo o n.º2, do mesmo preceito legal que «A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos», sendo aplicáveis, por força do n.º3, do mesmo normativo, aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no art. 188º, do Código do Processo Penal.

O que está em causa nos presentes autos são as fotografias que foram apreendidas nas buscas realizadas, bem como as produzidas pelos investigadores pelo acto de fotografar os arguidos na rua ou em locais públicos de forma a representar factos observados pelos próprios em resultado de operações de vigilância ou de seguimento.

O n.º1 do art. 6º, da Lei n.º 5/02, de 11JAN, fala em «registo de voz e de imagem», (…) daí que não cabem na previsão do citado normativo as «fotografias», já que estas apenas registam imagens e não sons.

Neste sentido, desde que as fotografias não colidam com a esfera da vida privada, como é o caso dado que foram tiradas na rua e em locais públicos de forma a reproduzir factos observados pelos próprios investigadores em resultado de operações de vigilância, não careciam de autorização judicial, na medida em que não foram obtidas de forma penalmente ilícita e não contendem com a intimidade, pelo que a sua valoração será admissível por força do disposto no n.º1, do art. 167º, do CPP…”

Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, o regime do art. 6º da Lei n.º 5/02 aplica-se ainda à recolha de imagem e de som em local público, em face da proibição típica do artigo 199.° do CP, desde que não se trate de imagem ou som relativo a acontecimento de interesse público ou a pessoa cuja notoriedade ou cargo desempenhado justifiquem o interesse de «terceiros». Nestes casos, é a própria tipicidade legal que está excluída (também assim, COSTA ANDRADE, anotação 42.a ao artigo 199.º, in FIGUEIREDO DIAS, 1999).

Ao invés, a recolha da imagem ou som de pessoa que se encontra em lugar público ou que participa em acto público, mas de forma anónima (por exemplo, um manifestante num comício ou um espectador num concerto), está subordinada à proibição típica do artigo 199.° do CP e, portanto, também ao regime descrito do artigo 6.° da Lei n.° 5/2002 (acórdãos do TEDH P.C. e J.H. v Reino Unido, de 25.9.2001, e Perryv Reino Unido, de 17.10.2003, que equiparam esta recolha à intercepção de conversa telefónica, e acórdão do TRP, de 22.3.2006, in CJ, XXXI, 2,198, contrariado pelo acórdão do TRE, de 21.11.2000, in CJ, XXV, 5, 279, pelo acórdão do TRL, de 22.1.2003, in CJ, 2003, 1, 40, e pelo acórdão do TRP, de 16 .11.2005, in CJ, XXX, 5, 219, que entendem que a recolha é neste caso livre e independente de autorização judicial, e ainda acórdão do TRC, de 23.4.2003, in CJ, XXVIII, 2, 43, que, contudo, impõe uma valoração a posteriori do juiz).

Paulo Pinto de Albuquerque conclui, por um lado, que o artigo 79.°, n.° 2, do CC é aplicável analogicamente à captação do som de uma pessoa e, por outro, que o artigo 199.° do CP revogou tacitamente o artigo 79.°, n.° 2, do Cód. Civil, na parte em que este se refere aos simples factos ocorridos em "lugares públicos" ou "que hajam decorrido publicamente" quando respeitem a pessoa presente nesses lugares de forma anónima.

Importa referir aqui citar o Ac. TRC de 23/4/2003, CJ 2002, II, 43:

Tal como a questão é posta ao tribunal, está em causa a obtenção de uma prova mediante intromissão da vida privada, com violação do direito à imagem (art. 76 CC). Porém, entende-se que não é todo e qualquer registo de voz e imagem que depende de autorização prévia do juiz, mas tão só aquele registo em que haja ofensa à integridade moral das pessoas (art. 126 n.º1 CPP) ou constitua intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (art. 126 n.º 3 CPP). O Código Civil (arts. 76 e 79) não proíbe que se colha imagem, antes proíbe a difusão do retrato sem o consentimento da pessoa retratada. As fotografias e a utilização que delas é feita encontra-se justificada por exigências de justiça, nos termos do art. 79 n.º 2 CC. No mesmo sentido Ac. TRG de 29/3/2004.

Quanto a câmaras de filmar:

- Armazém fechado, residência: é legal ter videovigilância.

- «Se um circuito de vigilância é legalmente autorizado, para fins de vigilância e segurança, e no decurso dessa operação fica acidentalmente registada a ocorrência de um crime, nada obsta à sua utilização como meio de prova validamente obtido.

Neste caso, o registo de voz e de imagem está legalmente autorizado e, cumpridas as normas previstas para o efeito, uma das consequências é a validade de tais registos, tanto mais que o local deverá estar assinalado, anunciando tal vigilância. O visado sabe, assim, que a sua imagem e voz naquele local são ou podem ser registados e sabe, também, que tal sucede por razões de segurança».

Diferente é a utilização de um circuito de vigilância para fins de investigação criminal (art. 6 da Lei 5/2002), porque neste caso o registo de voz e imagem carece de prévia autorização judicial.

[Mário Ferreira Monte, «o registo de voz e imagem…», in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira]

- Ac. Relação do Porto, de 26-03-2008, processo 0715930, citando jurisprudência do TEDH (cf. Ac. RG, de 29.03.04, Ac. RP, de 31.05.06): admissibilidade de imagens de câmaras de bombas de gasolina, mesmo sem comunicação à CNPD (cf. Ac. RP, de 16.11.05 - CJ V, p. 216); Ac. RL, de 28.11.01 e Ac. RC, de 17.04.02 (cf. fotos) – inexistência de devassa da vida privada.

- Para Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 189º do Cód. Proc. Penal, as imagens obtidas por sistema de videovigilância, porque não têm nenhum visado em especial, não estão submetidas ao regime do artigo 6.° da Lei n.° 5/2002 e podem ser juntas aos autos e valoradas, desde que o sistema de videovigilância esteja devidamente autorizado (acórdão do STJ, de 20.6 .2001, in CJ, Acs. do STJ, lX, 2, 221, e acórdão do TRG, de 29.3.2004, in CJ, XXIX, 2, 292) .

Para o Acórdão da Relação do Porto de 27-04-2005 (Proc. 0414638; Relator: ÉLIA SÃO PEDRO) são lícitas, podendo ser usadas como meio de prova, as fotografias obtidas pelos órgãos de polícia de investigação criminal, mesmo sem autorização das autoridades judiciárias, desde que as mesmas não impliquem a devassa da vida privada.

Transcrição parcial do acórdão:

“…Quanto à invocada nulidade das vigilâncias realizadas nos dias 29 e 30 de Outubro de 2001, o recorrente entende que foram violados os artigos 188º, 189º e 118º, n.º 3 do CPP. Fundamenta a sua motivação, dizendo que as vigilâncias ocorridas nos referidos dias não foram autorizadas pela entidade titular do processo, nem houve despacho a fundamentar essa autorização. Assim, tais vigilâncias são nulas e, consequentemente, os depoimentos dos agentes que as efectuaram não são meios de prova válidos, por força do disposto nos arts. 189º, 188º e 118º, 3 do CPP.

O M.P. junto do tribunal “a quo” respondeu, alegando (quanto a este ponto) que só com a Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, veio a ser exigida autorização e fundamentação da vigilância de pessoas. Antes desta lei não vigorava tal regime, nem o mesmo resultava do art. 188º do CPP, aplicável apenas às escutas telefónicas e não às vigilâncias e recolha de fotografias. Por outro lado, refere, após a entrada em vigor da referida lei (em 12/02/02) foi previamente autorizada pelo Juiz de Instrução Criminal a recolha de imagem (fls. 64 e 70).

Não há dúvida que na fundamentação da matéria de facto o julgador teve em conta as fotografias obtidas (cf. fls. 1952). E recorreu a tal meio de prova relativamente a factos ocorridos em 30 de Outubro de 2001 (no que se refere ao recorrente), altura em que não havia nos autos qualquer despacho do Juiz de Instrução a autorizar a recolha de imagens. A autorização do Juiz de Instrução obtida depois da Lei 5/2002 é irrelevante, uma vez que estamos a ponderar o valor probatório de fotografias obtidas antes dessa data (tal autorização só pode ser relevante para as fotografias obtidas depois desta lei).

Tal não significa que o recorrente tenha razão, quando alega a violação do art.188º do CPP, uma vez que o mesmo diz respeito às formalidades da gravação “a que se refere o artigo anterior”, ou seja, à “intercepção e gravação de conversações telefónicas”. A nulidade cominada no art. 189º CPP sanciona apenas a violação dos artigos 187 e 188 CPP e estes artigos nada dizem sobre a obtenção de fotografias, ou vigilância directa. Assim, à data da prática dos factos, a nulidade invocada pelo arguido não era aplicável ao caso dos autos.

Importa porém saber se as fotografias assim obtidas, isto é, sem prévia autorização, poderiam ser usadas como meio de prova, antes da citada lei 5/2002, de 11 de Janeiro, ou esse uso configura nulidade de obtenção de um meio de prova.

Vejamos a questão.

A prova através de fotografias (e de outros documentos designados na lei por “reproduções mecânicas”) vem regulada no art. 167º CPP, aí se estabelecendo que as mesmas valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas “se não forem ilícitas nos termos da lei penal”. E o n.º 2 explicita que não se consideram ilícitas, entre outras, as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto nos artigos 171º a 190º, que regulamentam os “meios de obtenção da prova”.

Assim, a ideia geral sobre a validade das fotografias como meio de prova, é a seguinte: (i) valem como meio de prova se não forem penalmente ilícitas e (ii) não são ilícitas se forem obtidas através do procedimento previsto nos artigos 171º a 190º do C.P.Penal.

No caso dos autos foi preenchido o tipo previsto no art. 199º, n.º 2 al. a) do C. Penal, (“gravações e fotografias ilícitas”) uma vez que este se verifica apenas com o acto de fotografar uma pessoa, sem o seu consentimento, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado, já que o bem jurídico aí protegido é apenas o direito à imagem.

Mais complexa é a questão de saber se as fotografias obtidas no âmbito da investigação criminal, antes da Lei 5/2002 de 11 de Janeiro, poderia considerar-se lícita. O n.º 2 do art. 167 do C. P. Penal, ao referir que a licitude das reproduções mecânicas resulta, “nomeadamente”, da obediência às regras legais de obtenção da prova, deixa antever que não são taxativamente indicadas as condições que tornam penalmente lícita a obtenção de fotografias. Uma ponderada interpretação do preceito, tendo em vista a harmonização do direito penal substantivo e adjectivo, implica que serão de atender todas as causas de exclusão da ilicitude penal, considerando como tal a obtenção das imagens “de harmonia com as disposições do CPP” (Maia Gonçalves, CPP, anotado, pág. 403).

Vejamos então se a obtenção de fotografias pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito da investigação criminal, pode ser lícita e, consequentemente, valer como meio de prova.

Se a fotografia foi obtida pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito das suas funções, através da devassa da vida privada, configura prova nula, nos termos do art. 126º, n.º 3 do C.P.Penal, a não ser que a lei especial expressamente preveja essa possibilidade. Antes da Lei 5/2005, de 11 de Janeiro, tal não estava especialmente previsto e, portanto, tal prova seria, em princípio, nula. Dizemos em princípio, pois mesmo nesta hipótese poderia ser admissível a validade da prova - cf. sobre a questão o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/97, de 19/3/97, onde se defende uma ponderação de interesses, com o fundamento de que a protecção do direito à vida privada não pode intoleravelmente limitar outros direitos.

Porém, no caso dos autos, as fotografias foram obtidas num local público e sem qualquer intenção de devassa da vida privada, pelo que não é aplicável este regime.

Se a fotografia foi obtida no âmbito do processo criminal e não implica a devassa da vida privada, a mesma será lícita, desde que obtida no âmbito da recolha de meios de prova previstos nos artigos 171º e seguintes e se observe o regime aí previsto (art. 167º do CPP) – cf. neste sentido SIMAS SANTOS E LEAL HENRIQUES, Código de Processo Penal anotado, pág. 858, anotação ao art.167º: haverá exclusão da ilicitude quando os meios mecânicos referidos no art. 167º do CPP não sejam “ (…) senão o natural resultado de actos e diligências levadas a cabo no âmbito do CPP, com vista à perseguição da verdade material, portanto verdadeiros actos de investigação criminal”.

Nos termos do art. 171º do C.P.Penal, os órgãos de polícia criminal podem proceder a exames a pessoas, lugares e coisas, inspeccionando os vestígios que o crime possa ter deixado. Cabe neste tipo de recolha de prova a observação directa, acompanhada de relatórios e fotografias de coisas e pessoas. Dado que o art. 171º do C.P.Penal não exige qualquer autorização especial, quer da pessoa visada, quer das autoridades judiciárias, qualquer órgão de polícia criminal pode obter fotografias para documentar o exame. Neste caso, a obtenção da fotografia é lícita, embora só seja possível se não implicar devassa da vida privada.

Ora, no caso dos autos, está provado que as fotografias dos arguidos foram obtidas pelos órgãos de polícia criminal (agentes da PSP) no âmbito de uma investigação criminal com a finalidade de documentar a prática do crime de tráfico de estupefacientes, num local público, não tendo implicado devassa da vida privada.

Assim, tendo em conta a lei vigente à data em que tais fotografias foram obtidas, nada obstava a que as mesmas fossem valoradas livremente pelo julgador, não configurando a valoração desse meio de prova qualquer nulidade….”

A fundamentação deste acórdão vale também no âmbito da Lei 05/2002, pois, como sustentamos aqui, esta Lei apenas se aplica à recolha simultânea de voz e de imagem.

Importa transcrever ainda o Acórdão da Relação do Porto de 03-02-2010:

(Transcrição parcial)

- “…tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente [Ac. R.Coimbra de 17.04.2002, in CJ, Tomo III, pág. 40 e Ac. R.Lx de 28.11.2001, in CJ, Tomo V, pág. 138].

Aliás, o próprio art. 79º n.º 2 do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Significa isto que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil.

Aquela justa causa apenas será afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.

Ora, a citada norma do Cód. Civil não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso [Ac. da Relação do Porto de 26.03.2008, relatado pelo Des. Joaquim Gomes, disponível em www.dgsi.pt, Ac. de 14.10.2009, também desta Relação, de que foi relator o Des. Ângelo Morais, citando decisão proferida pela 1ª instância; v. ainda o Ac. do STJ de 20.06.2001, in CJAcs. STJ, Ano IX, Tomo II, pág. 226].

Assim, tem a jurisprudência, de um modo geral, entendido não ser proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos respectivos proprietários ou dos próprios clientes perante furtos ou roubos, por as imagens não serem captadas em locais privados, total ou parcialmente restritos, nos quais, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, justificando-se, pois, essa excepção aos métodos proibidos de prova por razões de polícia ou de justiça.

Como se refere no voto de vencido lavrado pelo Des. Mário B. Morgado no Ac. R.Lx. de 03.05.2006, afigura-se-nos que a captação de imagens em causa não integra o crime p. e p. pelo art. 199º, n.º 2, a), CP: a captação de imagem dirigida a provar factos ilícitos em locais públicos ou no local de trabalho deve considerar-se desprovida de tipicidade (aquele tipo criminal deve sofrer uma redução da área de tutela de sentido vitimodogmático) ou, pelo menos, de ilicitude (com base, segundo as diferentes posições doutrinárias, em quase legítima defesa, legítima defesa, direito de necessidade, prossecução de interesses legítimos ou num critério geral de interesses) - cf. sobre esta problemática Costa Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, 834-840, e Sobre as proibições de prova em processo penal, 242-272. Também não se descortina no caso vertente qualquer violação da integridade física ou moral do arguido ou ofensa da sua dignidade/intimidade - como se sabe, nem toda a lesão de um direito de personalidade viola a dignidade humana.

Por outro lado, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. Com efeito, as imagens do arguido não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima deste, nem foram captadas às ocultas, tanto mais que a existência das câmaras de videovigilância estava devidamente assinalada através da aposição dos competentes dísticos.

Conclui-se assim que as imagens captadas em circunstâncias e condições semelhantes àquelas em que foram recolhidos os fotogramas juntos aos autos e examinados em audiência, não correspondem a qualquer método proibido de prova, tanto mais que apenas foram obtidas com o fim de identificação, confinando-se, pois, à estrita ligação à identidade do titular do direito, o que exclui qualquer exposição arbitrária da imagem e muito menos qualquer manipulação da mesma.”

O artigo 6º da Lei n.º 5/02, de 11.01 (cf. Rect. n.º 5/2002, de 06/02; e alterações dos seguintes diplomas: Lei n.º 19/2008, de 21/04, e DL n.º 317/2009, de 30/10) estatui o seguinte:

“Artigo 6.º

Registo de voz e de imagem

1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.

2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.

3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.”

Portanto, a lei refere-se apenas ao registo de voz e de imagem e não apenas ao registo de imagem ou ao registo de voz (este já se mostrava regulado no Código de Processo Penal).

O art. 6º da Lei 5/2002 exclui apenas a ilicitude resultante da violação do direito à palavra falada e do direito à imagem, mas não permite, todavia, a violação do domicílio (não é permitida a colocação de câmaras ou microfones no interior do domicílio).

Quanto à nulidade da utilização das imagens recolhidas em operações policiais, tal consistiria um nítido abuso de direito, descaracterizador de outros direitos também constitucionalmente consagrados.

Rejeita-se assim a invocada proibição ou nulidade de tal prova, uma vez que não foi, por qualquer forma, obtida em violação do preceituado no disposto no art. 126º, do Cód. de Proc. Penal. Não está em causa, nomeadamente, qualquer violação da vida privada do arguido, quando o mesmo, de forma não autorizada, por arrombamento, violando por várias formas o património de outrem, se introduz num estabelecimento público, por sinal fechado naquela altura. Como é óbvio, a protecção da vida privada deste cidadão/arguido não é tão abrangente que lhe permita, impunemente, a coberto de normas que visam a defesa desse direito fundamental, pôr em causa outros direitos fundamentais de terceiros, de forma criminosa. O art. 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, que está na génese do art. 126º, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal, tem de ser interpretado de forma que previna a violação da substância desse direito fundamental mas não ao ponto de o mesmo constituir um abuso ou a descaracterização de outros.

É o art. 199.º do Cód. Penal que tipifica o crime de gravações ou fotografias ilícitas. Ora, nos termos deste preceito deve ser punido «quem, sem consentimento, gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas (...) mesmo que licitamente produzidas». Nos termos do n.º 2 do referido artigo, no mesmo crime incorre ainda quem, «contra vontade fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos».

O art. 199.º contém duas incriminações autónomas - a saber: gravações e fotografias ilícitas - preordenadas à tutela de dois bens jurídicos distintos: o direito à palavra e o direito à imagem. Trata-se de duas incriminações homólogas, mas não inteiramente sobreponíveis. E entre as diferenças que é possível encontrar nas duas incriminações em referência, importa destacar que a gravação da palavra é ilícita logo que obtida sem consentimento, enquanto que a fotografia só será ilícita desde que produzida contra a vontade, o que traduz uma redução significativa da dimensão da tutela penal do direito à imagem relativamente à dimensão conferida à tutela penal do direito à palavra, diferenciação que deve ser compreendida face à maior externalidade da imagem que torna este direito necessariamente mais incontornavelmente exposto à ofensa.

Como se referiu, o próprio art. 79º n.º 2 do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça.

O direito à imagem é a concretização da identidade pessoal, na vertente física e da reserva da vida privada. Cada pessoa é um ser único no plano físico, psíquico moral e social. E tem direito a manter a sua identidade como forma de se diferenciar dos outros. Daí que não possam ser alterados, modificados os elementos da sua identificação, em todos os seus aspectos.

No plano da imagem, tutela-se a não divulgação da identidade física, por meios fotográficos, através da exposição, reprodução e comércio, sem consentimento da pessoa visada ( artigo 79 n.º 1 do C.Civil). O que quer dizer que é possível fotografar a pessoa, adquirir a sua imagem física, através deste meio, sem o seu consentimento. Apenas está vedada a exposição, reprodução e comercialização da imagem sem autorização.

Além disso, mesmo sem o seu consentimento, pode ser usada, exibida a imagem, quando interesses ou valores o justifiquem, como os da justiça - artigo 79 n.º 2 do C.Civil. Neste caso, a ilicitude é justificada, pelo que o seu uso torna-se legítimo. É um limite ao próprio direito de personalidade, imposto por interesses juridicamente mais relevantes, desde que não ponha em causa a ordem pública e os bons costumes, ou seja, a dignidade da pessoa humana.

Por sua vez, a reserva da vida privada, como expressão da personalidade moral, traduz-se na esfera onde o homem se pode recolher para pensar, meditar, restabelecer energias, exprimir os seus sentimentos, sem ser incomodado. É o espaço que se pode considerar privado, só dele, e que só deve ser acedido por outrem, com o seu consentimento.

Porém, este espaço, ou esfera da sua vida, também tem limites, conforme as circunstâncias do caso, como o refere o artigo 80 n.º 2 do C.Civil. O homem, como ser social, não pode viver isolado, e tem de se confrontar com outros valores conflituantes. Daí que existam limites imanentes a este direito de personalidade, como sejam os acontecimentos da vida comum a qualquer pessoa, as actividades relacionadas com a vida pública, e as restrições legais, impostas por interesses de ordem pública.

Aqui deverão ser ponderados os interesses em causa segundo um critério de privacidade, conjugado com a dignidade humana, em que ressalta o resguardo e o sigilo.

Impedir a polícia de recolher imagens nas operações de vigilância policial e devidamente justificadas por razões de prossecução de justiça, a avaliar pelo juiz segundo o princípio da livre apreciação da prova, seria um absurdo, por fazer perigar seriamente a realização prática de um verdadeiro Estado de Direito.