terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pessoas Colectivas/Culpa

Acórdão da Relação de Guimarães, de 27-10-2008
Processo: 1339/08-1
Relator: FERNANDO MONTERROSO

Sumário:

I – Dispõe o art. 3 do Dec.-Lei 28/84 de 20-1 que:
1 - “As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.
2 – A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito”.

II – Trata-se de um afloramento do princípio válido mesmo no direito penal secundário, de que não existe responsabilidade penal sem culpa.

III – Conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, em “Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das Penas em Direito Penal Económico” in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora, 1998, vol. I, pag.381: é de rejeitar a ideia de que “no direito penal económico a condenação deve ter lugar, sempre ou as mais das vezes, independentemente de culpa, ou em função de uma simples censura objectiva do facto, ao estilo da doutrina dos jus deserts”, valendo isto também para as pessoas colectivas pois, “através dum pensamento analógico pode e deve considerar-se as pessoas colectivas (no direito penal económico e diferentemente no que deve suceder no direito penal geral) como capazes de culpa”,

IV – Aliás, já há muito ensinava o Prof. Manuel de Andrade que “se a noção de culpa é inaplicável às pessoas colectivas, quando tomada ao pé da letra, como culpa dessas próprias pessoas, visto lhes faltar a personalidade real ou natural, já se concebe que possa falar-se de culpa de uma pessoa colectiva no sentido de culpa dos seus órgãos ou agentes” - citado no mesmo volume por Lopes Rocha, pág. 441.

V – Isto é, a pessoa colectiva, sob pena de o seu comportamento poder ser censurado, é obrigada, através dos seus órgãos ou representantes, a organizar as suas actividades económicas (e outras) de modo adequado a, segundo critérios de normalidade, prevenir violações das normas legais, mas não lhe é exigível que monte uma organização que impeça ou neutralize toda e qualquer possibilidade de os seus agentes ou funcionários, actuando ao arrepio de instruções expressas, violarem normas legais, nomeadamente do direito penal económico já que nesses casos, porque nenhuma culpa lhe pode ser assacada, a sua responsabilidade é excluída, sendo este alcance da citada norma do nº 2 do art. 3 do Dec.-Lei 28/84.

VI – Ora, os factos provados que não se mostram impugnados, demonstram que a arguida sociedade teve um comportamento cautelar adequado a, segundo critérios de normalidade, prevenir a ocorrência dos factos, pois para além de, genericamente, ter instruído os gerentes das suas unidades hoteleiras para terem o máximo rigor e exigência relativamente ao funcionamento do sector de cozinha, tendo estabelecido uma cadeia hierárquica que e implementou, sendo certo que se houve falhas no controle, elas talvez pudessem ser imputadas a um dos elos dessa cadeia por não se certificar que o responsável máximo da cozinha cumpria o determinado.

VII - Traduzindo-se a culpa, sempre, num juízo de censura concreto, por alguém ter tido determinado comportamento, quando podia e devia ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pág. 316), perante aquele conjunto de factos, que o tribunal considerou provados, não se vê que outras medidas concretas podiam razoavelmente ser exigidas à sociedade arguida que não contendessem com critérios de racionalidade de gestão económica) para evitar o resultado, pois que numa empresa, o normal é as pessoas cumprirem, devendo naturalmente, ser previstos mecanismo mínimos de controle que se mostravam implementados.

VIII - Tem, assim, sociedade arguida de ser absolvida, porque a sua condenação corresponderia à aceitação da responsabilidade criminal objectiva, quando é certo que, mesmo neste campo do direito penal, “a culpa constitui um dos fundamentos irrenunciáveis da aplicação de qualquer pena” – Figueiredo Dias, obra citada, pago 378.