quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Fundo de Garantia - alimentos superiores aos fixados antes da dedução do incidente de incumprimento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-09-2008
Processo: 08A2953
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Nº do Documento: SJ20080930029531

Texto Parcial:

“…A nova prestação não tem necessariamente de coincidir – e, “in casu”, até nem coincide – com o que estava a cargo do primeiro obrigado.
A fixação daquele “quantum” será precedida de diligências instrutórias em termos de apurar a factualidade a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 75/98.
É que, no incidente de incumprimento, há que apurar, além do mais, os rendimentos actuais do alimentando e do seu agregado de facto.
Só após tudo visto e ponderado – designadamente a impossibilidade de cobrança nos termos do artigo 189.º da OTM –é que o Estado passa a garantir o pagamento, só então ficando subrogado nos direitos dos menores para, eventual e ulteriormente, obter o respectivo reembolso.
Assim, também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Julho de 2008 – 08 A1- ponderou:
“A obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo.
A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.
Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.”
Na mesma linha dessa orientação, este Supremo Tribunal, a 27 de Setembro de 2007 (CJ/STJ XV, 3.º, 63.º) julgou que:
“Não garantindo o Fundo o pagamento da prestação de alimentos não cumprida pelo responsável legal, assegurando antes uma prestação própria e diferente daquela, fixada oportunamente pelo tribunal, a sua obrigação nasce com essa decisão e a sua exigibilidade ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal ao Instituto, em conformidade com o estatuído no n.º 5, do artigo 4.º, do Decreto-lei n.º 164/99.”
A obrigação do Fundo não existe enquanto não for apurado o incumprimento do primeiro devedor só é criada com a decisão desse incidente e com a fixação, nova, do conteúdo e âmbito da prestação.
Ademais, e enfatize-se, a intervenção daquela entidade está dependente de pressupostos cumulativos acima elencados tendo a natureza de prestação social não podendo recorrer-se à analogia com o artigo 2006.º do Código Civil, por não se tratar de caso omisso, o que legitima arredar o disposto no artigo 10.º do Código Civil.
Finalmente, e “not least”, o Fundo não tem intervenção na lide incidental de incumprimento, não lhe sendo assegurado qualquer contraditório, não podendo ser condenado no pagamento de prestações antes vencidas, sob pena de grosseira violação dos princípios firmados nos artigos 3.º, e 3.º A do Código de Processo Civil, 2.º e 20.º da Constituição da República (cf., para o princípio do contraditório no processo civil, e “inter alia”, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 249/97, 259/2000 e 209/2004.)

4 - Conclusões
Pode assim concluir-se que:

a) O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (constituído pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo Decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio) garante o pagamento das prestações alimentícias devidas a menores, não pagas pelas pessoas judicialmente obrigadas à sua prestação sempre que os alimentandos, ou as pessoas que os tenham à sua guarda não disponham de rendimento liquido superior ao salário mínimo nacional.

b) A criação do Fundo, acolhendo o princípio dos artigos 67.º e 69.º da Constituição da República, reflecte as orientações dos vários instrumentos de direito internacional, “inter alia” a Declaração Universal dos Direitos do Homem”, de 1948 (artigo 25.º), a “Declaração dos Direitos da Criança”, de 1959, a “Convenção sobre os Direitos da Criança” de 1989 e as Recomendações do Conselho da Europa de 1982 e 1989.

c) A prestação a suportar pelo Fundo pode, ou não, coincidir com a inicialmente fixada no processo de alimentos, surgindo em procedimento incidental de incumprimento, devidamente instruído destinado a apurar os pressupostos e eventual novo “quantum”.

d) A subrogação do Fundo, no exercício dos direitos dos menores contra o incumpridor, limita-se às prestações vencidas após a declaração judicial de incumprimento e nova fixação, não abrangendo as anteriormente vencidas.

e) A obrigação do Fundo só nasce com o julgamento do incidente de incumprimento só sendo exigível no mês seguinte à notificação da decisão judicial ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que, logo, a comunica ao respectivo Centro Regional.

f) O artigo 2006.º do Código Civil não tem aplicação analógica já que o que o Fundo presta é-o em cumprimento de obrigação própria e no pagamento de uma prestação social.
Nos termos expostos, acordam dar provimento ao agravo revogando o Acórdão recorrido, declarando constituir-se a obrigação do FGADM no mês seguinte ao da notificação da decisão que julgou o incidente de incumprimento.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Setembro de 2008

Sebastião Póvoas (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho”