quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Crime de desobediência - falta de comparência a processo sumário

Com a entrada em vigor no dia 15.09.07 da nova redacção do Código de Processo Penal deixa de ser possível a cominação de desobediência para comparência a processo sumário, por inexistência de disposição similar à do art. 387º, n.º 2, do CPP na redacção actualmente em vigor ( até 15.09.07 ).
Assim, nos casos de inquéritos ou condenações não transitadas em julgado pelo aludido crime, cumpre declarar extinto o procedimento criminal, nos termos do art. 2º, n.º 2, do Cód. Penal, uma vez que se operou verdadeira descriminalização de tal conduta.
O legislador veio, na verdade, considerar que outros meios processuais existem para assegurar a realização da justiça, sem que seja necessário o recurso à cominação de desobediência para comparência, bastando-se com o julgamento na ausência do arguido. Ou seja, a cominação que resulta do art. 387º, n.º 2, do CPP, na versão em vigor até 15.09.07, foi considerada desproporcionada ( cf. art. 18º da Constituição da República Portuguesa ) para o futuro, pelo que se pode considerar que o crime de desobediência, em tais circunstâncias foi eliminado do "número de infracções".


Posteriormente à inserção deste comentário neste blogue foram formulados os seguintes

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/10/2007, proferido no Proc. nº 186/05.8GAPCV.C1 :

Sumário: I- A nova lei processual penal decorrente da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, não comina a falta do arguido a julgamento sumário com a prática de qualquer crime, designadamente, o de desobediência [vide disposições normativas dos arts. 381º a 391º do Código de Processo Penal, maxime, art. 385º, nº 3, alínea a)]; II- A referenciada alteração da concepção legislativa sobre a ilicitude do facto praticado pelo arguido traduz uma clara e pura descriminalização, à luz da disposição vertida no art. 2º, nº 2, do Código Penal.

- Ac. Rel. Porto, de 2007-10-31 (Rec. nº 0713692, rel. Maria do Carmo Silva Dias, in http://www.dgsi.pt/):

" A conduta que, nos termos do nº 2 do art. 387º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 48/2007, constituía crime de desobediência foi descriminalizada com a entrada em vigor deste último diploma".


Posso acrescentar, porém, os seguintes argumentos à postagem:

O tipo legal de crime de desobediência ( art. 348º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal ), aproxima-se do conceito de “normas penais em branco”, na medida em que remete, para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito para uma outra previsão legal, não consagrada no acervo legislativo penal. Ora, o tipo legal de crime integrado pelos arts. 348º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal e 387º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal ( na redacção anterior à actual ), não mais existe na ordem jurídica. E, como refere Figueiredo Dias, em parecer publicado na CJ, 1992, Tomo 3, p. 71, quando a lei nova passa a entender lícita ( ou, pelo menos como indiferente para o direito penal ) uma conduta que, de acordo com a legislação vigente ao tempo da respectiva prática, se qualificava de ilícita e, portanto, se considerava punível, existe descriminalização, pelo facto de a lei nova o eliminar do número de infracções. Não há aqui verdadeira sucessão de leis, mas uma alteração da valoração do legislador em relação àquele facto concreto.
Esta é também a interpretação que melhor se coaduna com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – cf. Ac. STJ, de 08.07.1998, CJ, Acs. Do STJ, VI, tomo 2, 232, onde se decidiu que “As leis não penais repercutem-se na lei criminal sempre que daí possa advir para o agente um regime mais favorável”.

Entretanto foi publicado outro acórdão a sustentar a descriminalização:

Acórdão da Relação de Combra, de 21.11.2007, processo 207.06.07GCAB.C1, relator: Gabriel Catarino, disponível em www.dgsi.pt/jtrc.nsf/.

Alterações ao Código de Processo Penal - Informação elaborada pelo Centro de Formação de Funcionários de Justiça

INFORMAÇÃO

Entram em vigor no próximo dia 15 de Setembro as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, tal como as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
As alterações ao Código de Processo Penal aplicam-se imediatamente a todos os processos nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do CPP, salvo nas situações excepcionais previstas no n.º 2 do mesmo artigo.
Sem prejuízo do texto que o CFFJ está a elaborar sobre a matéria, propomo-nos, com este breve documento, alertar os Oficiais de Justiça para algumas das mais relevantes alterações.

Em destaque:

- Definições de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta e criminalidade altamente organizada - art.º 1.º.

- Os conflitos de competências passam a ser decididos pelos presidentes do STJ, das Relações e das respectivas secções criminais - art.ºs 11.º e 12.º.

- Nos crimes de homicídio o tribunal competente é o do lugar em que o agente actuou - art.º 19.º, n.º 2.

- A constituição de arguido, dada a estigmatização social e a eventual limitação de direitos que envolve, passa a estar sujeita, quando efectuada por órgão de polícia criminal, a validação por magistrado no prazo de 10 dias - art.º 58.º, n.ºs 3 a 6.

- Não há lugar à constituição de arguido quando for manifestamente infundada a notícia de crime - art.ºs 58.º, n.º 1-d) e 248.º, n.º 2.

- Antes de ser interrogado, o arguido é obrigatoriamente informado dos factos imputados e dos meios de prova cuja revelação não puser em causa a investigação, a descoberta da verdade ou direitos fundamentais de outras pessoas - art.º 61.º, n.º 1-c), 141.º, n.º 4 e 142.º, n.º 2.

- O interrogatório do arguido tem a duração máxima de quatro horas, só podendo ser retomado, por período idêntico, após um intervalo mínimo de uma hora, e no período nocturno o arguido só pode ser interrogado entre as 0 e as 7 horas se ele próprio o solicitar ou quando estejam em causa crimes de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa - art.º 103.º, n.ºs 3 e 4.

- Estatui-se a obrigatoriedade de assistência do defensor nos interrogatórios de arguido detido ou preso assim como a arguido cego em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido - art.º 64.º, n.º 1.ªs a) e c).[1][1]

- Reforça-se a natureza pública do processo penal, porquanto o segredo de justiça, na fase de inquérito, terá de ser determinado pelo juiz de instrução, validando a decisão do Ministério Público, ou deferindo o requerimento apresentado por arguido, assistente ou ofendido - art.º 86.º.

Na fase de inquérito, o arguido, o assistente e o ofendido, o lesado e o responsável civil passam a ter acesso aos autos mediante requerimento dirigido ao Ministério Público, cabendo ao juiz de instrução a última palavra em caso de indeferimento, e no caso de o processo estar em segredo de justiça, uma vez decorridos os prazos máximos de inquérito estabelecidos no art.º 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar o processo, a menos que o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, adie por um período máximo de três meses (prorrogável por uma vez) o acesso ao processo - art.º 89.º.

- Para proteger as testemunhas e, em especial, os membros de serviços e forças de segurança, permite-se que elas indiquem ao tribunal, para efeitos de notificação, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha - art.º 132.º, n.º 3.

- Permite-se que a testemunha, sempre que dever prestar depoimento, se faça acompanhar de advogado (que não seja defensor do arguido no processo), que a informa dos direitos que lhe assistem sem intervir na inquirição - art.º 132.º, n.ºs 4 e 5.

- Na quebra de segredo profissional, justificada por um interesse preponderante, explicita-se que esse interesse poderá resultar da imprescindibilidade do depoimento, da gravidade do crime ou da necessidade de protecção de bens jurídicos - art.º 135.º, n.º 3.

- Só se admite o reconhecimento por fotografia, como meio de investigação, quando for seguido de reconhecimento presencial - art.º 147.º.

- Só são permitidas perícias sobre características físicas ou psíquicas de pessoas mediante despacho de juiz, que pondera o direito à integridade e à reserva da intimidade do visado - art.º 154.º, n.º 2.

- Em consonância com a revisão constitucional de 2001, permite-se a realização de buscas domiciliárias nocturnas, nos casos de terrorismo, criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, consentimento do visado e flagrante delito por prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos - art.º 177.º.

- Esclarece-se que só os suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso, mediante consentimento efectivo ou presumido) podem ser objecto de escutas e que o auto e os suportes das escutas são apresentados pelo órgão de polícia criminal ao Ministério Público de quinze em quinze dias, para posterior controlo pelo juiz no prazo de quarenta e oito horas - art.º 187.º.

- Os actos processuais relativos a processos sumários e abreviados, a conflitos de competência, requerimentos de escusa, pedidos de recusa e à concessão da liberdade condicional podem ser praticados fora das horas de expediente, em dias não úteis e em férias judiciais e os respectivos prazos processuais correm seguidamente não se suspendendo durante as férias judiciais - art.ºs 103.º e 104.º.

- Nos casos previstos no n.º 6 do art.º 107.º, prevê-se a prorrogação, pelo juiz, até ao limite máximo de 30 dias, dos prazos para acusação, pronúncia, requerimento de abertura da instrução, contestação do pedido de indemnização civil e interposição de recursos.

- Os prazos de prisão preventiva foram reduzidos tendo em conta o carácter excepcional da medida. Chama-se a atenção para a discrepância entre a al.ª a) do n.º 1 do art.º 215.º e o n.º 1 do art.º 276.º.

- Se o arguido já tiver sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena em que tiver sido condenado - art.º 215.º, n.º 6.
Os prazos previstos para esta medida, que se pretende serem de carácter excepcional, não podem ser ultrapassados em caso de pluralidade de processos - art.º 215.º, n.º 7.
Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na habitação - art.º 215.º, n.º 8.

- A prisão preventiva passa a ser aplicável a crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a cinco anos (este limite era de 3 anos) e, ainda, em situações de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada a que correspondam penas de prisão de máximo superior a 3 anos - art.º 202.º, n.º 1-a).

- A notícia do crime cujo procedimento dependa de queixa ou de acusação particular só dá lugar a inquérito se a queixa for apresentada no prazo legalmente previsto - art.º 242.º, n.º 3.

- O ofendido é informado da notícia do crime (sempre que houver razões para crer que ele não a conhece - art.º 247.º, n.º 1), da libertação do arguido (quando for considerado que a libertação lhe pode criar perigo - art.ºs 217.º, n.º 3 e 480.º, n.º 3), da fuga do preso (se for considerado que dela pode resultar perigo para ele - art.º 482.º, n.º 2).

- A detenção fora de flagrante delito só pode ser efectuada quando houver fundadas razões para crer que o visado se não apresentaria voluntariamente perante a autoridade - art.º 257.º, n.º 1.

- Prescreve-se o regime de declarações para memória futura no inquérito, no caso de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e tráfico de pessoas - art.º 271.º.

- O Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado podem assistir aos actos de instrução por qualquer deles requeridos e suscitar pedidos - art.º 289.º, n.º 3.

- A audiência passa a ser sempre documentada não se admitindo que os sujeitos prescindam de tal documentação - art.º 363.º.

- Quando, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, tiver entrado em vigor uma lei penal de conteúdo mais favorável, permite-se ao condenado requerer a reabertura da audiência para lhe ser aplicado o novo regime - art.º 371.º-A.

- Para reforçar a celeridade processual, alarga-se o processo sumário aos casos de detenção em flagrante delito por crime punível com prisão não superior a cinco anos não só por autoridade judiciária ou entidade policial, como também por outra pessoa conquanto o detido seja entregue a uma das entidades atrás referidas no prazo máximo de duas horas - art.º 381.º -, prevendo-se que a audiência se realize no prazo de 48 horas, sem prejuízo de poder ser adiada até ao 5.º dia posterior à detenção quando aquelas 48 horas compreenderem dias não úteis, ou até ao limite de 30 dias se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa ou se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade (art.º 387.º).
Outra novidade ao nível do processo sumário traduz-se no reenvio com base em qualquer dos pressupostos do art.º 390.º já não apenas para a forma comum, mas para qualquer outra forma de processo.

- Os processos especiais não comportam instrução (art.º 286.º, n.º 3), registando-se a eliminação do debate instrutório no processo abreviado (art.º 391.º-C).

- Concretiza-se o conceito de provas simples e evidentes, em que se pode aplicar o processo abreviado, esclarecendo-se que elas existem em casos de flagrante delito, provas documentais ou testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos - art.º 391.º-A.

- O n.º 2 do art.º 97.º clarifica o conceito de acórdão como decisão proveniente de tribunal colectivo, seja ela interlocutória ou final.

- Os prazos para interposição de recursos ordinários foram alargados de 15 para 20 dias (art.ºs 404.º, n.º 2, 411.º, n.º 1) da mesma forma que o foram os prazos para as respostas (art.º 413.º, n.º 1).

Os recursos que tenham por objecto a reapreciação da prova gravada são interpostos no prazo de 30 dias, e o prazo para a resposta é idêntico (art.ºs 411.º, n.º 4 e 413.º, n.º 3).

- O requerimento de interposição de recurso ou a motivação passam a ser oficiosamente notificados aos restantes sujeitos processuais afectados - art.º 411.º, n.º 6 - e só depois de junta a resposta ou expirado o prazo respectivo é o processo concluso para despacho - art.º 414.º, n.º 1.

- O requerimento de interposição de recurso, que afecte o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados àquele quando esta lhe for notificada, nos termos do n. º 5 do artigo 333.° - art.º 411.º, n.º 7.

- É susceptível de recurso o despacho que negar ou revogar a liberdade condicional - art.ºs 485.º, 6 e 486.º, n.º 4.

- Os órgãos de polícia criminal e as autoridades judiciárias recebem denúncias e queixas pela prática de crimes contra residentes em Portugal que tenham sido cometidos no território de outro Estado membro da União Europeia, devendo o Ministério Público transmiti-las, no mais curto prazo, à autoridade competente do Estado membro em cujo território foi praticado o crime - art.º 154.º-A aditado à Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal).

- Verificam-se algumas desconformidades entre as alterações e as correspondentes redacções republicadas, que certamente serão em devido tempo objecto de rectificação (exemplos - art.ºs 103.º e 144.º).


Perante estas alterações, sugere-se que, de uma forma consertada com o respectivo Senhor Magistrado, se dê particular atenção aos processos em que se revelar urgente a sua intervenção, com vista à aplicação imediata das novas regras processuais.

CFFJ, 11/09/2007

[1][1] De notar que este direito já era reconhecido ao arguido "surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída".