sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Detenção fora de flagrante Delito

Lei n.º 38/2009, de de 20 de Julho
Define os objectivos, prioridades e orientações de política
criminal para o biénio de 2009 -2011, em cumprimento
da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal)

Artigo 20.º
Detenção

1 — A detenção em flagrante delito pelos crimes de
violência doméstica, de detenção de arma proibida, de
tráfico e mediação de armas, de detenção de armas e outros
dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos
e pelos crimes, cometidos com armas, puníveis com pena
de prisão, deve manter -se até o detido ser apresentado a
audiência de julgamento sob a forma sumária ou a primeiro
interrogatório judicial para eventual aplicação de medida
de coacção ou de garantia patrimonial, sem prejuízo do
disposto no n.º 3 do artigo 143.º, no n.º 1 do artigo 261.º,
do n.º 3 do artigo 382.º e do n.º 2 do artigo 385.º do Código
de Processo Penal.
2 — Fora de flagrante delito, a detenção deve ser ordenada
pelas autoridades de polícia criminal, verificados os
requisitos previstos na lei, se houver perigo de continuação
da actividade criminosa.

Comentário:

Em face do disposto no art. 20º, n.º 2, da Lei de Política Criminal, as autoridades policiais, apenas estas, podem emitir mandados de detenção fora de flagrante delito com invocação de perigo de continuação da actividade criminosa (cf. art. 204º, al. c), do Cód. Proc. Penal).
Obviamente, o legislador não quis dar tal poder às autoridades judiciárias, atento o constrangimento a que estão sujeitas nesta matéria pelo Código de Processo Penal (cf. art. 257º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal). Porque será, quando é sabido que existem investigações que correm apenas no Ministério Público?

Penas de Prisão Suspensas - Cúmulo Jurídico

Quanto à questão da formação de uma pena única, em caso de conhecimento superveniente do concurso, que pressuponha a revogação de penas suspensas na sua execução aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado:

- Uma primeira corrente defende que não é possível a anulação desta pena com o fim de a incluir no cúmulo a efectuar, atendendo a que a pena suspensa é uma pena de substituição, autónoma face à pena de prisão substituída, uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, tendo a sua execução regulamentação autónoma – cf., na jurisprudência, Acs. do STJ de 02-06-2004, CJSTJ 2004, Tomo 2, pág. 217, de 06-10-2004, Proc. n.º 2012/04, e de 20-04-2005, Proc. n.º 4742/04, e, na doutrina, Nuno Brandão, em comentário ao acórdão do STJ de 03-07-2003, RPCC, 2005, n.º 1, págs. 117-153;

- A segunda posição, predominante, e à qual se adere, sustenta a faculdade de inclusão de penas suspensas, argumentando-se que a “substituição” deve ser entendida, sempre, como resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado se forma quanto à medida da pena e não quanto à sua execução – cf. Acs. do STJ de 03-10-2007, Proc. n.º 07P2576, 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04, de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05, de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05, de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05, de 06-10-2005 [sobre o qual recaiu acórdão do TC (Ac. n.º 3/2006, de 03-01-2006, DR II Série, de 07-02-2006), que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP interpretadas no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações], e de 09-11-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226.


Neste último sentido, consulte-se o recente Acórdão do S.T.J., de 4-12-2008, (Relator: SANTOS CARVALHO; Processo: 08P3628):

Texto Parcial:

“…PENA CONJUNTA E PENAS PARCELARES SUSPENSAS
A questão que se coloca é a de se saber se devem ser cumuladas entre si penas efectivas de prisão e penas (de prisão) suspensas na sua execução.
É claro que esta questão só se põe no caso de concurso superveniente (art.º 78.º do C. Penal), pois se as penas parcelares foram aplicadas na mesma ocasião, não faz sentido que se apliquem penas de substituição conjuntamente com outras que não o são, uma vez que o julgador deve fazer uma avaliação conjunta que não permite nem aconselha a opção simultânea por diferentes espécies de penas (1).
Mas se as penas já foram aplicadas anteriormente e em que, portanto, algumas já transitaram em julgado, umas podem ser penas de substituição e outras efectivas, pelo que há que apurar se devem ser cumuladas entre si, caso os respectivos crimes estejam numa relação de concurso nos termos do referido art.º 78.º.
A favor da tese de que se deve efectuar uma pena única, podemos adiantar alguns argumentos que nos parecem valiosos.
Um é o princípio da unidade da pena, pois a lei indica que aos crimes em concurso há-de corresponder uma pena única, que se forma avaliando em conjunto os factos e a personalidade do agente. Tal unidade da pena, inclusivamente, deve ser atingida mesmo perante penas de natureza diversa, como as de multa e de prisão, ainda que nesse caso mantenham no cúmulo a mesma natureza (cfr. art.º 77.º n.º 3, do CP). Ora, as penas de prisão efectiva e as de prisão suspensa têm a mesma natureza, pois não deixam de ser penas de prisão (2) e são somente de diferente espécie, por serem ou não detentivas.
Outro argumento em favor desta tese é o de que o juiz que aplicou a pena de substituição, eventualmente não teria tomado essa decisão caso tivesse conhecimento de que o arguido praticara um outro crime, ainda que em concurso. Como o contrário também poderia suceder, o juiz que aplicou uma pena de prisão efectiva poderia ter substituído essa pena caso soubesse que num outro processo fora formulado um juízo de prognose favorável, baseado em elementos que possivelmente não lhe foram levados ao conhecimento.
O terceiro argumento é o de que se tornaria contraditória qualquer fundamentação para justificar a aplicação em simultâneo das duas penas de espécies diferentes, uma de prisão efectiva e outra suspensa, o que aconteceria caso não houvesse cúmulo, pois o juízo de prognose favorável que é requisito da aplicação da pena suspensa parece ser de todo incompatível com o cumprimento efectivo e actual de uma pena de prisão. A aplicação simultânea constituiria, deste modo, uma situação juridicamente aberrante e que o legislador não pode ter desejado.
De resto, havendo duas penas para cumprir, uma suspensa outra efectiva, como se processaria o respectivo cumprimento? Primeiro cumprir-se-ia a pena efectiva e depois a suspensa? Ou o contrário? Ou então simultaneamente? Nenhuma resposta parece acertada, tanto mais que o prazo de suspensão da pena não produziria o seu efeito de ameaça e prevenção caso o agente estivesse, no decurso desse período, sujeito à vigilância prisional, como também, eventualmente, não poderia cumprir as condições a que estivesse sujeita a suspensão da pena, por estar fisicamente impedido de o fazer.
Contra a opinião de que podem ser cumuladas as penas efectivas e as suspensas, em boa verdade, só encontramos um argumento, que é o da intangibilidade do caso julgado, o qual confere segurança jurídica às decisões judiciais transitadas.
Na verdade, diz-se, que se uma pena ficou suspensa na sua execução e que se essa decisão transitou em julgado, a revogação da suspensão só devia poder verificar-se nos exactos termos definidos no art.º 56.º do C. Penal, nos quais não está contemplado o concurso superveniente de infracções. De resto, também se afirma que se o arguido, que é o principal destinatário da decisão condenatória, ficou ciente, com a prolação desta, dos direitos que lhe assistem e dos deveres que lhe foram impostos, não deve ficar sujeito a uma alteração imprevista, como é a da efectivação de um cúmulo jurídico de penas que viesse a eliminar o regime da suspensão.
A nossa opinião, porém, vai no sentido de que a intangibilidade do caso julgado cede perante o concurso de infracções, pois é a própria lei que o determina. Na verdade, o nosso sistema penal, ao não optar pelo simples somatório de penas em concurso e ao ficcionar uma conduta global para a punir com uma pena única, quis uma efectiva reavaliação da questão da sanção penal, de resto numa nova audiência, em que pode ser produzida prova actual sobre a situação do condenado. Assim, perante o concurso superveniente de crimes, o juiz do cúmulo não fica tolhido com os diversos casos julgados que se formaram no momento da aplicação das penas parcelares e pode escolher a pena única adequada, dentro dos limites abstractos indicados no art.º 77.º, n.º 1, do C. Penal.
O caso julgado não é, portanto, um obstáculo à modificação da medida das penas aplicadas, as quais, na formulação do cúmulo jurídico, se comprimem até formarem uma pena única, pelo que se pode dizer que no concurso superveniente de crimes fica em aberto a questão da sanção. E esta abrange, necessariamente, a medida da pena e, porque não, a sua espécie.
Na formação do cúmulo jurídico, o caso julgado só torna as decisões imutáveis quanto à culpabilidade e à qualificação jurídica, sob pena de se violarem os princípios basilares do processo penal (acusatório, contraditório, das garantias de defesa, etc.).
Por outro lado, o arguido não pode ficar surpreendido com a modificação que a pena suspensa sofre se ficar englobada numa pena única de prisão efectiva, pois, por definição, na altura em que transitou em julgado a sentença que lhe aplicou a pena suspensa já o mesmo cometera um ou mais crimes que ele sabe que irão (ou deverão) ser punidos conjuntamente com aquele, ou então, quando foi condenado em pena suspensa omitiu ao tribunal (ou este ignorou) a informação de que anteriormente já fora condenado, por sentença não transitada, em pena efectiva de prisão, por outro crime. Considerar que a pena suspensa não pode ceder perante um concurso superveniente de crimes, será beneficiar o infractor, pois que cometeu outros crimes não considerados na decisão da suspensão, o que é injusto comparativamente com o que for julgado simultaneamente por todas as infracções.
Não parece, assim, que se possa opor o caso julgado e a segurança jurídica das decisões transitadas como argumento válido contra a formulação de uma pena única, entre penas suspensas e penas efectivas.
Na realidade, a lei manda formular uma pena única entre as diversas penas parcelares respeitantes a crimes que estão em concurso, sem excluir as penas de substituição e sem mesmo excluir, como vimos, as penas de natureza diferente.
Por último, ninguém negará, estamos seguros, que perante crimes em concurso, uns punidos com pena suspensa outros com pena efectiva, a pena única possa ser a de prisão suspensa na sua execução, pois essa é uma situação possível e favorável ao arguido. O que por si só parece justificar que o caso julgado deva ceder perante a formação da pena única, quer quanto à medida, quer quanto à espécie de pena.
No sentido de que o caso julgado não impede que a pena suspensa entre no cúmulo jurídico, tem constantemente decidido o Supremo Tribunal de Justiça.
Concluindo, diríamos que, no concurso superveniente de crimes, nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensa, decidindo o tribunal do cúmulo se, reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução…”.


Como se dá conta neste acórdão, trata-se de jurisprudência largamente maioritária, senão unânime hoje, no Supremo Tribunal de Justiça.
A suspensão da execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão efectiva, pelo que não existe nenhum fundamento para excepcionar o artigo 78º do Cód. Penal em casos em que uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Alteração de Apelidos de Menor

Torna-se inútil que se consigne nos autos de inquirição dos pais do menor, elaborados em averiguação oficiosa de paternidade, que os progenitores pretendem alterar os apelidos do menor, para, por exemplo, passar a constar do seu nome os apelidos do pai, que perfilhou o menor na AOP. Isto porque o Ministério Público não tem legitimidade para requerer a alteração dos apelidos (cf. Ac. Rel. Porto, de 03.02.2005) e tal depende de requerimento dos pais a formular na Conservatória de Registo Civil, por escrito ou verbalmente, nos termos do art. 104º, n.º 2, al. a), e 3 do Cód. Registo Civil.
O requerimento pode ser efectuado por um dos pais com o acordo do outro ou por ambos (cf. n.º 3 do art. 104º do Cód. Registo Civil).
Na falta de acordo entre os pais, devem recorrer à acção tutelar comum do art. 210º da O.T.M. (cf. art. 146º, al. l), da O.T.M.) - o Ministério Público não o pode fazer, como se disse já (cf. Ac. Relação de Guimarães, de 15.12.2008), pois carece de legitimidade (cf. Parecer do Conselho Consultivo da P.G.R., publicado no B.M.J., n.º 312, pág. 127: "A escolha do nome do filho menor não integra o conteúdo do poder paternal e também não é um direito próprio do filho que aos pais compita exercer, em representação daquele" -, decidindo o juiz.
No caso de ausência de um dos pais, o outro progenitor, antes de recorrer ao disposto no art. 104º, n.º 3, do Cód. Registo Civil, deve pedir ao Ministério Público o suprimento do consentimento do progenitor ausente, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13.10 (art. 2º, n.º 1, al. a)).

Quanto um dos progenitores pretenda alterar os apelidos fora dos casos do art. 104º, n.º 2, al. a), do Cód. Registo Civil, deve utilizar o processo mencionado no art. 104º, n.º 1, do Cód. Registo Civil - hoje quem decide não é o Ministro da Justiça mas o conservador dos Registos Centrais (cf. Ac. Relação do Porto, de 25.03.1999, quando ainda decidia o Ministro da Justiça): são os casos sujeitos à regra da imutabilidade do nome (ex: a mãe quer retirar os apelidos do pai, porque este nunca se interessou pelo filho e foi até condenado por crime grave contra o mesmo, quando o pai figura no assento desde o início).



Cód. Registo Civil:

Artigo 104. Alteração do nome.

1 - O nome fixado no assento de nascimento só pode ser modificado mediante autorização do conservador dos Registos Centrais.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) A alteração fundada em estabelecimento da filiação, adopção, sua revisão ou revogação e casamento posterior ao assento;
b) A alteração resultante de rectificação de registo;
c) A alteração que consista na simples intercalação ou supressão de partículas de ligação entre os vocábulos que compõem o nome, ou no adicionamento de apelidos, se do assento constar apenas o nome próprio do registado;
d) A alteração resultante da renúncia aos apelidos adoptados por virtude do casamento e, em geral, da perda do direito ao nome por parte do registado;
e) A alteração resultante do exercício dos direitos previstos no artigo 1876.º do Código Civil;
f) A alteração que consista na mera adopção do nome inicialmente pretendido pelos interessados, quando o assento de nascimento tenha sido lavrado na pendência de consulta onomástica sobre a sua admissibilidade.

3 - O averbamento de alteração não dependente da autorização prevista no n.º 1 é efectuado a requerimento do interessado que, quando for apresentado verbalmente, deve ser reduzido a auto.

4 - No caso previsto na parte final da alínea d) do n.º 2, o averbamento é realizado oficiosamente.

5 - No caso previsto na alínea f) do n.º 2, o requerimento para a alteração de nome deve ser apresentado no prazo de seis meses contados a partir da data da notificação do despacho de admissibilidade.

6 - O averbamento de conservação de apelidos por parte do cônjuge divorciado é feito em face de autorização do ex-cônjuge, prestada em auto lavrado perante o conservador ou de documento autêntico ou particular autenticado, de termo lavrado em juízo ou mediante autorização do tribunal.

7 - O averbamento de conservação de apelidos por parte do cônjuge viúvo que contrair novas núpcias é feito em face de declaração prestada perante o conservador, em auto, no processo de casamento.

8 - As alterações de nome dos registados averbadas aos respectivos assentos de nascimento são comunicadas ao serviço de identificação nos termos estabelecidos por despacho do presidente do IRN, I. P.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL/MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO

 

Acórdão da Relação de Lisboa, de 06-10-2009

Processo: 8215/07.4TMSNT.L1-1

Relator: ANTAS DE BARROS

Sumário:

Com ressalva do abrangido pela Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 relativo à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional, os tribunais portugueses carecem de competência para decretar a adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como a anulação ou revogação da adopção, relativamente a crianças e jovens em perigo nacionais de Estados membros da União Europeia, excluindo a Dinamarca, ainda que residam ou se encontrem em Portugal.

TEXTO PARCIAL:

“…Como emerge do processo e consta da decisão recorrida, o menor A é de nacionalidade romena. Aliás, isso sempre resultaria do facto de ter nascido no estrangeiro, filho de estrangeiros, e do disposto no artº 1º da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, a contrario.
A medida aplicada na decisão recorrida é a de «confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção» prevista na alínea g) do artº 35º da lei nº 147/99, de 1 de Setembro, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Tendo em conta o disposto no artº 62º -A nº 1 da mesma lei, esta medida dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão, como consta da decisão recorrida.
Constitui, assim, uma medida que orienta definitivamente o menor A para adopção sendo, no mínimo, preparatória da mesma.
No que respeita à competência internacional, reconhecimento e execução de decisões em matéria de responsabilidade parental, vigoram no ordenamento jurídico português o Regulamento CE nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro, e a Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Protecção das Crianças, concluída em Haia em 19 de Outubro de 1996.
Trata-se de direito convencional internacional que, tendo sido aprovado e ratificado, prevalece sobre o direito interno português, como decorre do art. 8º nº 2 da Constituição. v. ac. do S.T.J. de 9.12.2004 proferido no proc.º nº 04B3939, www.dgsi.pt.
Sendo o menor A nacional de um Estado membro da U.E., é aqui aplicável o referido Regulamento CE, como se invoca na decisão recorrida.
Sucede que, nos termos do seu art. 1º, nº 3, b), tal Regulamento não é aplicável às decisões em matéria de adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adopção.
Como se assinalou atrás, pese embora não tenha sido decretada nestes autos a adopção, o certo é que, por implicação da citada norma do art. 62º-A n.º 1 da Lei n.º 147/99, a medida aplicada é, no mínimo, preparatória da constituição desse vínculo relativamente ao menor dado durar até ser decretada a adopção e não estar sujeita a revisão.
Como tal, os tribunais portugueses carecem de competência para aplicarem ao menor em questão a mencionada medida.
Aliás, também a referida Convenção de Haia, de 19.10.1996, no respectivo art. 4º, b), exclui do seu âmbito o que diga respeito à adopção, medidas preparatórias para a adopção, ou a anulação ou revogação da adopção.
Bem se entende que assim seja pois os Estados recusam consentir a constituição de um vínculo dessa natureza sobre os seus nacionais sem a sua intervenção ou conhecimento, como o reflecte, embora noutro âmbito, a Convenção de Haia de 29 de Maio de 1993 relativa à Protecção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adopção Internacional.
Assim, sendo embora a Lei n.º 147/99 aplicável a todas as crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em Portugal, nos termos do seu art. 2º, independentemente da nacionalidade, no respeitante aos nacionais dos países membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, que é o que aqui interessa, a medida da alínea g) do respectivo art. 35º não é aplicável dada a aludida prevalência do direito comunitário sobre o direito interno.
A incompetência absoluta do tribunal constitui excepção de conhecimento oficioso, como estabelece o art. 495º do C. P. Civil, pelo que nada obsta a que seja aqui considerada.
Contudo, resulta do exposto que os tribunais portugueses são competentes para aplicação ao menor A de todas as outras medidas de promoção de direitos e protecção previstas no citado art. 35º da Lei nº 147/99, medidas essas que são as inicialmente constantes dessa norma legal dado a da alínea g) ter sido acrescentada pela Lei n.º 31/03, de 2 de Agosto.
Deste modo, cumpre ponderar qual, entre tais medidas, é a adequada a alcançar o bem-estar e o desenvolvimento integral do menor.
Os factos apurados revelam afastamento do A relativamente aos seus progenitores, devido aos procedimentos violentos destes que, nessa fase, tratavam o menor sem manifestação de afectividade que a relação parental exige.
Há, porém, que ter em conta o esforço que entretanto demonstraram em adquirirem qualidades nesse âmbito, designadamente sujeitando-se a terapia familiar e demonstrando apego ao menor, que visitavam regularmente e a quem telefonavam diariamente até tais contactos lhes serem proibidos.
Contudo, o referido afastamento, verificado também no tocante à avó paterna, torna inadequada qualquer uma das medidas de Apoio junto dos Pais ou Apoio junto de outro Familiar, propostas pelos recorrentes.
Na verdade, tais medidas pressupõem que exista já abertura do menor a relacionar-se com esses seus familiares o que, como os autos mostram, não se verifica.
Da ponderação dos elementos existentes no processo resulta que a medida adequada à situação antes é a de acolhimento familiar prevista no art. 35º nº 1, e) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro.
Com efeito, a sua colocação em ambiente familiar propiciará ao menor bem-estar e afastamento dos perigos que o possam afectar, e promoverá o seu desenvolvimento integral enquanto, por via dos procedimentos estabelecidos no Decreto-lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro, possibilitará a gradual capacitação da sua família natural, designadamente através da acção da equipa técnica da instituição de enquadramento a que caiba a execução da medida, para exercer satisfatoriamente a função parental.
Nesse quadro, entre as modalidades legalmente previstas de acolhimento familiar, a indicada é, pois, a de acolhimento em lar familiar, nos termos do art. 47º ns. 1 e 2 da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro.
Tendo em conta as referidas dificuldades de relacionamento do menor com os progenitores, que inviabiliza o retorno daquele à família natural nos seis meses seguintes ao início da execução da medida, o acolhimento familiar adequado é o prolongado, nos termos do art. 48º, ns. 1 e 3, da mesma Lei n.º 147/99.
Pelo exposto, concedendo-se provimento parcial ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, aplicando-se relativamente ao menor A a medida de promoção e protecção de acolhimento familiar prolongado, em lar familiar.
O relatório social a que se refere o art. 13º do DL. 11/2008, de 17 de Janeiro, deve ser apresentado trimestralmente.

Sem custas.

Lisboa, 6 de Outubro de 2009

Antas de Barros
Folque de Magalhães
Maria Alexandrina Branquinho”

Proibição de Prova/Justa Causa/Imagens Recolhidas em Posto de Combustível

Acórdão da Relação do Porto, de 14-10-2009

Processo: 103/05.5GCETR.C1.P1

Nº Convencional: JTRP00043021

Relator: ÂNGELO MORAIS

Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA

JUSTA CAUSA

Nº do Documento: RP20091014103/05.5GCETR.C1.P1

Sumário:

I- Não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.

II- O exame em audiência das imagens captadas naquelas circunstâncias e condições não corresponde a qualquer método proibido de prova.

TEXTO PARCIAL:

“…III- Da suscitada proibição da prova e nulidade dos fotogramas por carência de autorização:
Sem qualquer fundamentação de direito, motivam sinteticamente os recorrentes a nulidade dos fotogramas da seguinte forma:
«No que se refere à Prova fotográfica exaustivamente dissertada no douto acórdão, ressumimos a nossa posição no facto de que efectivamente a mesma tem que ser considerada nula, pelo simples facto de que a Estação de Serviço não estava autorizada à captação das mesmas, mais, agindo de má fé, se acreditar-mos que tinha colocado dísticos, pois que sabia não estar legalmente autorizada para o fazer».
Porque proficientemente dilucidada tal questão na motivação decisória, é inequívoca a sua improcedência, tal como, sem o mínimo reparo acolhemos e seguidamente se transcreve:
“... De acordo com o art. 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa “são nulas todas as provas obtidas mediante … abusiva intromissão na vida privada …”. E o art. 126º do Cód. Proc. Penal, que juntamente com o art. 125º do mesmo diploma estabelece o regime de proibições de prova do processo penal, indica como um dos métodos proibidos de prova “as provas obtidas mediante intromissão na vida privada”. Quanto às provas obtidas por reproduções mecânicas, nas quais se incluem os sistemas de videovigilância, preceitua o art. 167º, n.º 1, do mesmo código que só valem como prova se não forem ilícitas nos termos da lei penal, acrescentando o n.º 2 que “não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”, que tem a epígrafe “dos meios de obtenção da prova”.
Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Cód. Proc. Penal.
Acresce que, no caso de estarmos perante uma prova proibida, tal consubstancia uma nulidade que deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, tratando-se, pois, de uma nulidade insanável localizada fora do catálogo do art. 119º daquele código.
No caso vertente e em face do exposto, as imagens recolhidas por particulares, mediante sistema de videovigilância instalado um local de acesso público, como é a zona de abastecimento de combustível de uma área de serviço, só não poderão ser valoradas como meio de prova se a sua obtenção constituir um ilícito criminal.
Note-se que os dados em questão, porque relativos à vida privada, são considerados dados sensíveis, implicando por isso o controlo prévio por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), através da competente notificação e autorização do seu tratamento (recolha) – cfr. art.s 7º, 8º, 27º e 28º da Lei n.º 67/98, de 26/10, que instituiu o regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação dos mesmos, aplicável igualmente à videovigilância (art. 4º, n.º 4, desse diploma).
Sucede que, de acordo com as informações solicitadas em audiência (cfr. fls. 479 e ss.), a instalação do sistema de videovigilância através do qual foram recolhidos os fotogramas em questão, foi notificado à CNPD em 10/01/2003, apenas tendo sido objecto de autorização em 04/10/2005, ou seja, já depois da data dos factos, que ocorreram em 01/03/2005, sendo que aquando da prática destes a existência das câmaras de vigilância estava assinalada através da aposição de dísticos informativos no local.
Todavia, de acordo com o art. 43º da citada lei, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os art.s 27º e 28º, é que constituem crime, já que uma conduta negligente traduzir-se-á apenas em contra-ordenação (prevista no art. 37º).
Ora, no caso vertente não se vislumbra de modo algum essa intencionalidade, tanto mais que a notificação do sistema de videovigilância foi efectuada pelo respectivo responsável à CNPD mais de dois anos antes da data dos factos, tendo havido um atraso por parte desta última na concessão da respectiva autorização, pelo que nunca estaríamos perante o referido crime.
Há então que averiguar se a recolha das imagens em questão preenche a previsão do art. 199º do Cód. Penal, relativo a gravações, fotografias e filmagens ilícitas, que tutela o direito à imagem, com consagração constitucional no art. 26º da Constituição e legal no art. 79º, n.º 1, do Cód. Civil. Segundo o primeiro desses preceitos, na parte que agora releva, “a todos são reconhecidos os direitos … à reserva da intimidade da vida privada …”.
Todavia, tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
Aliás, o próprio art. 79º, n.º 2, do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Aliás, consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Significa isto que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil.
Aquela justa causa apenas será afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.
Ora, a citada norma do Cód. Civil não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso.
Em conformidade com isto, tem a jurisprudência, de um modo geral, entendido não ser proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, nomeadamente em postos de abastecimento de combustíveis, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos proprietários dos veículos ou dos próprios postos de abastecimento perante furtos ou roubos, por as imagens não serem captadas em locais privados, total ou parcialmente restritos, nos quais, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, justificando-se, pois, essa excepção aos métodos proibidos de prova por razões de polícia ou de justiça.
Por outro lado, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. Com efeito, as imagens dos arguidos não foram registadas no contexto das esferas privadas e íntimas destes, mas sim enquanto normais utentes de um posto de abastecimento de combustível, numa área de acesso público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder. Acresce ainda que as imagens não foram captadas às ocultas, tanto mais que a existência das câmaras de videovigilância estava devidamente assinalada através da aposição dos competentes dísticos.
Em suma, tal como se conclui no citado acórdão da RP de 26/03/2008, as imagens captadas em circunstâncias e condições semelhantes àquelas em que foram recolhidos os fotogramas juntos aos autos e examinados em audiência, não corresponde a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal que importa punir em nome da defesa dos mais elementares interesses da vida em comunidade, e não digam respeito ao chamado núcleo duro da vida privada da pessoa visionada, condições estas que se verificam na situação vertente.
A tal conclusão não pode, como nos parece óbvio, obstar a circunstância de não estar em causa o apuramento da responsabilidade criminal relativa a qualquer crime cometido contra o próprio responsável pela recolha das imagens e para cuja protecção directa foi instalado o sistema de vigilância, in casu, a concessionária das bombas de combustível, mas sim contra terceiros, como sejam os proprietário de um veículo subtraído e de um estabelecimento assaltado pelos mesmos agentes”.
É pois manifesta a improcedência da suscitada nulidade e proibição da prova através dos aludidos fotogramas, tal como fundadamente se decidiu…”.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Estatutos (GNR e PSP)

Decreto-Lei n.º 297/2009. D.R. n.º 199, Série I de 2009-10-14
Ministério da Administração Interna
Aprova o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana


Decreto-Lei n.º 299/2009. D.R. n.º 199, Série I de 2009-10-14
Ministério da Administração Interna
Aprova o Estatuto do Pessoal Policial da Polícia de Segurança Pública

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ACTO SEXUAL DE RELEVO - PROIBIÇÃO DE PROVA (clique)

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Data do Acórdão: 28-09-2009
Processo: 239/06.5GAVNC.G1
Relator: ANSELMO LOPES
Descritores:


Sumário:

I – Não constitui prova obtida mediante a intromissão na vida privada, podendo ser utilizada no julgamento, a fotografia tirada ao arguido quando este, na esplanada dum café, induzia uma menor de sete anos a tocar-lhe no pénis.
II – O «acto sexual de relevo» é aquele que, não sendo de cópula ou de coito anal, está relacionado com o sexo e objectivamente ocasiona mais perturbação do que o «acto exibicionista», a «conversa obscena», ou o esporádico e fugidio «apalpão».
III – Integra a prática de acto sexual de relevo o comportamento do arguido que induz uma menor de sete anos a que lhe segure e fotografe o pénis e a que afaste as cuecas e saia, mostrando a vagina ao arguido, para que este a fotografe.

EXECUÇÃO POR ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES - ERRO NO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO? (CLIQUE)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-2009
Processo: 305-H/2000.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO

Sumário :

1. O incidente «pré-executivo» regulado no art. 189º da OTM não pode configurar-se – atento o âmbito limitado dos bens do devedor que nele podem ser atingidos com vista à satisfação da prestação alimentar - como um processo «especialíssimo», relativamente à execução especial por alimentos, regida pelo CPC, e que deva ter necessária prioridade sobre a via da execução autónoma, em termos de só poder lançar-se mão desta quando não for possível obter o pagamento pelo meio ali previsto.

2. Cabe, deste modo, ao credor dos alimentos optar, em alternativa, por um desses meios procedimentais , em função da avaliação que realiza, em concreto, acerca dos seu próprio interesse na reintegração efectiva do direito lesado com o incumprimento da obrigação alimentar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Forma à Partilha: meia conferência

Processo de inventário n.º

Vista:

Procede-se a inventário por óbito de António Augusto, falecido a 13 de Novembro de 2005, no estado de viúvo e também por óbito de Eulália de Jesus, falecida a 1 de Junho de 1998, no estado de casada sob o regime de comunhão geral de bens com o primeiro inventariado.

Os inventariados deixaram três filhos, infra-identificados:

- António Joaquim, divorciado, com residência na Rua …;

- José Joaquim, casado sob o regime de comunhão geral de bens com Ana Clara, com residência em …;

- Maria da Graça, casada sob o regime de comunhão de adquiridos com José Dias, com residência na Rua ….

Por seu turno, o primeiro inventariado deixou ainda uma filha, de outro casamento, já dissolvido por óbito da mulher, designadamente a filha Maria Amélia…solteira, maior, interdita por anomalia psíquica, com residência na Rua …

À interdita Maria Amélia foi nomeado curador a fls. 8 dos autos.

Por testamento público lavrado no dia um de Setembro de mil novecentos e oitenta e dois, a inventariada Eulália de Jesus dispôs da sua quota disponível a favor do inventariado António Augusto (cf. fls. 143-144).

Por escritura pública lavrada no dia 21 de Abril de 1986 (fls. 97-99), os inventariados fizeram as seguintes doações:

- Das verbas 3, 5, 10, 11, 12, 13 e 1/3 da verba 17 ao filho António Joaquim, por conta da quota disponível, tendo o mesmo aceite;

- Das verbas 1, 2, 4, 6, 7, 9, 14, 15 e 1/3 da verba 17 ao filho José Joaquim, tendo o mesmo aceite;

- Das verbas 8, 16 e 1/3 da verba 17 à filha Maria da Graça, tendo a mesma aceite.

Por testamento público lavrado no dia doze de Fevereiro de mil novecentos e noventa e nove, o inventariado António Augusto, dispôs da sua quota disponível a favor da sua filha Maria da Graça (cf. fls. 148-150).

Os bens constantes na relação de bens são todos comuns (verbas 1 a 21).

O passivo foi reconhecido e aprovado por unanimidade na conferência de interessados (cf. fls. 77 e 254).

Nesta, foi também acordada a composição dos quinhões.

Promovo que se proceda à partilha da seguinte forma:

- Somam-se os valores dos bens não doados que foram relacionados nas verbas 18 a 21 e, divide-se o total em duas partes, sendo, cada uma delas, o valor da meação de cada inventariado.

Por ordem cronológica de falecimento:

Inventariada Eulália de Jesus

- Ao valor da meação da inventariada, soma-se o valor da meia conferência dos bens doados nas verbas 1 a 17, de acordo com o estatuído no art. 2117º, nº 1, do Código Civil. A este valor, abate-se metade do passivo, aprovado por unanimidade na conferência de interessados (fls. 254), de acordo com o disposto no art. 2162º, nº 1, do Código Civil. Obtendo-se, desta forma, o valor da herança a partilhar.

- O total da herança divide-se por três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a outra o valor da quota disponível (cf. art. 2159º, nº 1, do Código Civil).

In casu temos um conflito entre as liberalidades feitas em vida pelo de cuius (doações) e a deixa testamentária que abrange a totalidade dos bens que integram a quota disponível, com vista à resolução do mesmo, importa atender às regras plasmadas no art. 2171º do Cód. Civil.

Da leitura daquele comando normativo resulta que as liberalidades feitas em vida pelo autor da herança prevalecem sobre as deixas testamentárias (vide neste sentido Ac. STJ, 4-10-1995: CJ/STJ, 1995, 3º-55).

Face ao exposto:

- Na quota disponível começa por imputar-se o valor da meia conferência dos bens doados aos filhos António Joaquim, José Joaquim e Maria da Graça, por força do artigo 2117º, nº 1, do Código Civil e, se exceder o valor dessa quota, será o excesso imputado nas legítimas subjectivas dos donatários e até esse limite, sendo reduzidas as doações apenas se o excederem.

Se, pelo contrário, não esgotar a quota disponível, o remanescente atribui-se à herança do inventariado António Augusto, para cumprimento da disposição de última vontade da inventariada (fls. 143-144).

- A quota indisponível divide-se em quatro partes iguais, cabendo cada uma delas, a título de legítima subjectiva, à herança do inventariado António Augusto, ao António Joaquim, ao José Joaquim e à Maria da Graça (cf. art. 2139º, nº 1, do Código Civil).

Inventariado António Augusto

- O montante da herança do inventariado é constituído pela sua meação, acrescida do valor da meia conferência dos bens doados nas verbas 1 a 17, de acordo com o estatuído no art. 2117º, nº 1, do Código Civil.

Eventualmente, esse montante é ainda acrescido do valor da parte que lhe couber na herança da inventariada Eulália de Jesus, nos termos supra-referidos.

Sendo abatido por metade do valor do passivo, aprovado por unanimidade na conferência de interessados (fls. 254), de acordo com o disposto no art. 2162º, nº 1, do Código Civil.

- O total da herança divide-se por três partes iguais, constituindo duas delas o valor da quota indisponível e a outra o valor da quota disponível (cf. art. 2159º, nº 2, do Código Civil).

- Na quota disponível começa por imputar-se o valor da meia conferência dos bens doados aos filhos António Joaquim, José Joaquim, Maria da Graça, por força do artigo 2117º, nº 1, do Código Civil e, se exceder o valor dessa quota, será o excesso imputado nas legítimas subjectivas dos donatários e até esse limite, sendo reduzidas as doações apenas se o excederem.

Se, pelo contrário, não esgotar a quota disponível, o remanescente atribui-se à filha Maria da Graça, para cumprimento da disposição de última vontade do inventariado (fls. 148-150

- A quota indisponível divide-se em quatro partes iguais, cabendo, respectivamente, cada uma delas, à Maria Amélia, ao António Joaquim, ao José Joaquim e à Maria da Graça (cf. art. 2139º, nº 2, do Código Civil).

- No preenchimento dos quinhões atender-se-á ao acordado na conferência de interessados.

________________________________________________________________________________________________

Processei, imprimi e assinei o texto, seguindo os versos em branco (art. 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).

Data, Local

O Procurador–Adjunto

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Prisão domiciliária

Acórdão da Relação do Porto
Data do Acordão: 23-09-2009
Processo: 42/06.2TAOVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP00042926
Relator: RICARDO COSTA E SILVA
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP2009092342/06.2TAOVR-B.P1


Sumário:

A execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional, pelo que a penosidade da sanção deve recair sobre ele em termos o mais idêntico possível aos que resultariam do cumprimento na prisão.

Texto Parcial:

“...
II.

1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no artº412º, nº1, do CPP, definem o seu objecto, a questão posta no recurso é se o tribunal, no âmbito da execução da condenação do arguido deveria ter permitido que ele se ausentasse, nos termos em que o requereu.
Decidindo.
É certo que acórdão do Tribunal da Relação do Porto que impôs ao arguido a pena que ele se encontra a cumprir cita Germano Marques da Silva, nos termos seguintes: «Deverá até (como defende o mesmo autor) ser assegurada a sua compatibilização com saídas para o trabalho ou outras actividades sociais necessárias à sua reintegração social; só assim será uma pena verdadeiramente eficaz.»
Do que se transcreveu se conclui que o referido acórdão nada decide sobre os termos em que a execução da pena deva ter lugar. Apenas, ao fundamentar a opção pela pena que aplicou admite que a mesma possa conter as virtualidades que o autor citado refere, depreendendo-se da utilização da expressão «deverá» uma mera concordância dubitativa ou com reservas com a posição contemplada na citação. Em suma, o acórdão limita-se a uma citação expressando uma adesão potencial ao seu teor.
Não pode, como tal, afirmar o recorrente, como afirma, que o despacho recorrido contraria o acórdão que aplicou a pena.
Acresce que a citação de Germano Marques da Silva que está em causa nestes autos é relativa a uma «conferência inserida em acção do CEJ (…) [feita] em Lisboa 2007/12/14».
Considerando que a alteração ao Código Penal que introduziu o artº 44º (Regime de permanência na habitação) data de 4 de Setembro de 2007 ([1]) e entrou em vigor em 15 de Setembro seguinte, uma conferência proferida logo em Dezembro do mesmo ano, traduzirá, possivelmente, uma ideia ainda pouco aprofundada sobre as implicações da mesma.
E o certo é que o artigo 44º do CP refere-se ao “regime de permanência na habitação” não como uma pena de natureza autónoma, mas sim como um modo de execução da pena de prisão.
Ora, o artigo 42.º, n.º2, do CP dispõe que «a execução da pena de prisão é regulada em legislação própria, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos».
Prosseguindo, dispõe o Código de Processo Penal, no artigo 487º, nº1, que a decisão que fixar o cumprimento da prisão (…) em regime de (…) permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, especifica os elementos necessários à sua execução, indicando a data do início desta.
E nada mais diz a lei de processo relativamente a esta forma de execução da pena.
Por outro lado, dispõe o artº 488.º, nº 5, do CPP que «a execução da adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância é efectuada nos termos previstos na lei.»
Em anotação a este artigo, diz Paulo Pinto Albuquerque que: «A Lei n.º 48/2007 de 29.8 prevê que o disposto no nº1 do artº2º, nos nos 2 a 5 do artº3º, nos artos 4º a 6º, nas alíneas b) e c) do nº 1 do artº 8º e no artº9º da Lei nº122/99, de 20.8, que regula a vigilância electrónica prevista no artº201º do Código de Processo Penal, é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto nos artigos 44º e 62º do Código Penal» ([2]).
A anotação formalmente inexacta, por mero lapso, sendo substancialmente correcta ([3]), em resultado, literalmente, do disposto no artigo 9º da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
Porém, das normas agora salientadas apenas se infere que, como não podia deixar de ser, que está prevista a existência de ausências do recluso do local da reclusão – no caso a habitação – e que tais ausências podem ser regulares e previamente determinadas ou mediante autorização ad hoc ou mesmo, de posterior justificação, se inesperadas.
Nada nos dizem, estas normas, relativamente à filosofia de fixação do tempo e do destino de ausência que se permite ao condenado.
Temos para nós, porém, que a lei não prevê, nem quer, ausências com a amplidão e o destino que o recorrente pretendeu obter, com o requerimento cujo indeferimento deu lugar ao presente recurso.
O CP distingue claramente os regimes do artigo 44º (Regime de permanência na habitação) e do artigo 46º (Regime de semidetenção).
Se o primeiro visa poupar o condenado ao efeito criminógeno da reclusão em estabelecimento prisional, pelo período de uma pena curta, tendo em vista o binómio ganhos/ perdas – efeito ressocializador da pena versus a dessocialização inevitavelmente devida ao efeito criminógeno – que pode ser, será, desfavorável ao fim de ressocialização da pena, esgotando-se portanto, na substituição do meio prisional pela residência, é ao segundo que é reservada a opção pela preservação da integração do condenado no seu meio de inserção e na profissão, reduzindo ao mínimo a solução de continuidade que a pena representa na sua vida.
Temos, assim, diferentes normas, instituindo diferentes meios para se atingirem diferentes fins.
A aplicação do regime do artigo 44º do CP, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele ingresse em meio prisional. No mais, a penosidade da sanção penal deve recair sobre ele, em termos o mais idênticos possível aos que resultariam de um cumprimento da pena na prisão. Não se visa descaracterizar a pena de prisão, no que ela tem de privação de liberdade, nem criar um regime de execução desproporcionadamente excepcional, face ao cumprimento efectivo da pena de prisão em estabelecimento próprio para tal fim.
E não podem os condenados abrangidos por este regime, nestes moldes, queixar-se, nomeadamente, de que ele, ao impedi-los de trabalhar, prejudica a sua subsistência. Isso é a consequência natural de uma pena de prisão e o regime de cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação apenas é aplicado aos condenados que em tal consintam, cabendo-lhes a responsabilidade da previsão da sua capacidade para se auto manterem, durante o tempo em que durar a situação em causa.
Do exposto, sem necessidade de mais longa indagação, já se vê que o recurso não pode proceder.

III.
Termos em que:

Acordamos em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 2009/09 /23
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Abílio Fialho Ramalho”

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dano com Violência (clique para consultar o acórdão)

Tribunal da Relação do Porto, Acórdão 9 Setembro 2009

Relator: António Gama Ferreira Ramos
Processo: 634/07.2GAVCD.P1

Jurisdição: Criminal
DANO QUALIFICADO. Dano com violência. Lesão de bens eminentemente pessoais. Comete o crime de dano com violência, e não apenas dano simples, quem durante a madrugada, acompanhado de mais dois indivíduos, se introduz voluntária e conscientemente numa casa de habitação onde dormem várias pessoas e destrói portas, janelas e mobiliário, causando o acordar sobressaltado dessas pessoas, fazendo-as temer pela sua integridade física e constrangendo-as a não intervir, com o objectivo conseguido de recuperar bens que se encontravam na garagem. Esse comportamento compreende a quem o suporta uma grave violência física e psíquica. Disposições aplicadas:

arts. 283.2 e 308 CPP
arts. 210.1, 212 e 214.1.a CP


Meio processual:

Tribunal Judicial de Vila do Conde, Proc. n.º 634-07-05


Jurisprudência relacionada:

STJ Acórdão 6-2-2008
STJ Acórdão 23-1-2003
STJ Acórdão 23-1-2003
STJ Acórdão 23-1-2003
STJ Acórdão 23-6-1999
TRP Acórdão 29-4-1998
STJ Acórdão 1-4-1992
No mesmo sentido, Ac. STJ de 14-12-2006.


O tipo legal do dano com violência compreende quer a violência física, quer a psíquica.
Para a verificação do crime exige-se a comprovação de um nexo de imputação entre o dano e os meios utilizados e que estes tenham provocado directamente uma lesão de bens eminentemente pessoais.

Reconstituição do Facto - art. 150º do Cód. Proc. Penal (clique para consultar o acórdão)

Tribunal da Relação do Porto, Acórdão 9 Setembro 2009

Relator: Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Processo: 230/08.7PDVNG.P1

Jurisdição: Criminal
RECONSTITUIÇÃO DO FACTO. A reconstituição do facto não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se podiam ter ocorrido de determinada forma. PROVA PROIBIDA. Se a diligência externa realizada assenta exclusivamente nas declarações do arguido, prestadas a um órgão de polícia criminal, não podem ser entendidas com a natureza de reconstituição do facto, mas apenas como declaração ilustrada do arguido. Remetendo-se o Arguido ao silêncio em sede de audiência de julgamento, a inquirição dos agentes policiais, sobre o conteúdo das declarações por estes recolhidas, constitui produção de prova proibida. RECONSTITUIÇÃO DO FACTO. Disposições aplicadas:

arts. 355-357, 57-59, 60-61, 2.4, 127 e 150 CPP

Meio processual:

Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, Proc. n.º 230/08.7PDVNG


Jurisprudência relacionada:

No mesmo sentido, Ac, STJ de 29-01-1992 (in CJ, I, 20)
No mesmo sentido, Ac. STJ de 11-07-2001
No mesmo sentido, Ac. STJ de 05-01-2005 (in CJ, I, 159)
No mesmo sentido, Ac. TRL de 08-02-2007
No mesmo sentido, Ac. TRC de 16-11-2005
No mesmo sentido, Ac. STJ 13-05-1992 (in CJ, III, 19)
Noutro sentido, Ac. STJ de 20-05-1992, (in CJ, III, 31)
No mesmo sentido, Ac. STJ de 20-04-2006


Texto Parcial do Acórdâo:

"...III. 4. 3. Eis-nos chegados ao cerne da questão.
Será que nos autos foi produzida uma reconstituição dos factos, como se pretende na decisão recorrida?
Será que o documentado no auto de fls. 425 e ss. se consubstancia numa reconstituição dos factos?
Da resposta a dar a esta questão, depende, a sorte do recurso.

Como é sabido o artigo 355º/1 dispõe que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência ressalvando-se nos termos do nº. 2, as provas contida em acto processuais cuja leitura (e hoje, visualização ou audição), sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.
Esta norma constitui uma emanação do princípio do contraditório, que aqui se realiza através da imediação e da oralidade na produção da prova.
A excepção – as situações em que o Tribunal pode valorar provas que não foram produzidas em audiência está contida no nº2.
Assim, nos termos do disposto no artigo 356º é permitida a leitura em audiência de autos, de instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas, alínea b) do nº1.
E nos termos do nº. 7, os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem com quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
E o artigo 357º reporta-se a declarações do arguido.
Dispõe, por seu lado, o artigo 150º, norma única inserida no Capítulo V designado de “da reconstituição do facto” do título II “dos meios de prova” do Livro III “da Prova”, que:
1. quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo;
2. o despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas”.

No expressivo dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, trata-se de uma encenação de uma versão provável do facto.
Defende o recorrente que a reconstituição dos factos apenas pode servir para determinar “se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, pelo que se da reconstituição efectuada no inquérito apenas se pode concluir que o furto poderia ter sido eventualmente praticado pelo recorrente, não que efectivamente o foi.
Pertinente ainda que não cabal e definitiva, observação esta.
Como bem se refere na decisão recorrida, citando o Prof. Germano marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 196, “a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução”.
“Com efeito, através da reconstituição do facto visa-se conseguir a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma (arguido, assistente, testemunhas, partes civis) ou supõe (Tribunal, MP e advogados) ter ocorrido um determinado facto.
Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma e, já não de comprovar a existência do facto histórico, em si mesmo, podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo ou lugar. Lateralmente pode ainda servir a finalidade de se perceber, se por exemplo, determinada testemunha poderá ou não ter presenciado os factos a partir do local onde diz que se encontrava.
Para que a reconstituição adquira valor probatório consistente impõe-se que parta de um máximo possível de premissas comprováveis. Para tal mostra-se necessário que haja já sido recolhida prova indiciária bastante, pois de outro modo não se estará em condições de afirmar ou supor, de que modo é que determinado facto poderá ter ocorrido. Dito de outro modo, não deverá a investigação alicerçar-se neste elemento de prova”.[2]
Tendo este meio de prova a virtualidade de materializar e objectivar um acontecimento histórico, levando em consideração contributos, que podem provir, também do próprio arguido e dado que poderá vir a ser utilizado e sede de audiência, pois que depois de documentado vale por si, quando na reconstituição participa o arguido é de todo aconselhável que este se mostre já acompanhado de defensor, para que seja assegurado o efectivo exercício do seu direito de defesa.[3]

A reconstituição do facto não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se podiam ter ocorrido de determinada forma[4].
“O auto de reconhecimento de local efectuado pela PJ que o levou a cabo com o arguido trata-se de uma verdadeira reconstituição do facto. Não é o “nomem juris” que releva mas antes a substância/conteúdo da diligência” [5].

Pela sua própria configuração e natureza – reprodução tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido o facto – a reconstituição do facto embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciado no artigo 126º.
A este propósito refere, de resto, o recorrente que ao tempo era toxicodependente, facto corroborado pelas testemunhas que levaram a cabo o dito reconhecimento exterior. Daqui, no entanto, não se pode extrapolar para o facto de que o que disse, na ocasião, o fosse sob o efeito ou de qualquer forma condicionado, sequer, por esse facto.
A reconstituição uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada autonomiza-se das contribuições individuais de quem nela tenha participado e das informações e declarações que tenham determinado os termos em que foi levada a cabo e o seu concreto resultado final.
As declarações, melhor dito, “as informações” prévias ou contemporâneas, a postura, as hesitações, o real comportamento e estado de espírito, mantido na ocasião, que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova foi processualmente adquirido.
Assim, a autonomia da reconstituição determina que se não tiver sido inquinada nos seus pressupostos, formais ou de execução, nem tiver sido utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade de algum interveniente, vale por si só e pode ser processualmente adquirida como meio de prova, a valorar segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º.
O posterior direito ao silêncio do arguido que nela participou não pode ser utilizado para colocar em causa o efeito probatório da reconstituição em que, validamente haja participado.
Nesta perspectiva e atenta a autonomia que a reconstituição do facto, documentada em auto ou por outro modo, vg. o audiovisual, ganha para o processo – podendo ser tratada como meio de prova documental, produzida no processo - onde se inserem as contribuições parcelares, porventura também do arguido, que permitem conhecer os termos em que decorreu e o seu resultado, podem os agentes de autoridade que a tenha acompanhado, prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu a diligência.
Declarações que se referem a elementos que ganham autonomia, que se referem antes, a informações carreadas pelo arguido, para a reconstituição e não tanto a “declarações” por ele prestadas na ocasião e recolhidas pelo agente de autoridade.
Contudo, dada a necessária documentação processual deste meio de prova, que, por isso, se terá, por essa via, processualmente adquirida, deve bastar-se por si próprio, e dispensar – em bom rigor – confirmações ou esclarecimentos, complementares, sem que, todavia, se exclua a possibilidade de que qualquer interveniente possa prestar esclarecimentos sobre a concreta natureza e precisos termos em que decorreu a reconstituição[6].

No caso dos autos, de substantivo para a condenação do recorrente, ressalta o “auto de reconstituição e os depoimentos dos 2 agentes que participaram nessa diligência”.
Enquanto na decisão recorrida, com o aplauso do MP se considera estarmos perante uma reconstituição, o recorrente defende que o auto de diligência externa foi elaborado pelos agentes investigadores de acordo com o que lhes foi sendo dito pelo recorrente, que não visou – como é pressuposto - determinar “se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, antes, apenas se podendo extrair que o furto poderia ter sido eventualmente praticado pelo recorrente e já não que efectivamente o foi.

Vejamos então se o que se passou no processo foi ou não uma reconstituição dos factos.

Quanto à forma, como vimos já, o nome dado ao documento que corporiza a diligência, foi de, AUTO DE RECONHECIMENTO EXTERNO, chegado ao processo no dia designado para continuação da audiência, enviado para o processo oriundo de um outro processo ../08 da .ª Vara criminal do Porto.

Quanto ao conteúdo e substância:
Intróito.
Data 7ABR2008.
Identificação do processo NUIPC ../08.0PEPRT – curiosamente o processo à ordem do qual o recorrente está preso preventivamente.
Autor D………., agente principal na companhia do colega E………., agente …. do mesmo Departamento Policial.
Descrição.
“por indicação de B………., de epíteto "H……….", nascido a 16.11.1973, divorciado, sem ocupação profissional, filho de I………. e de J………., natural da ………. - Porto, sem residência fixa (pernoitando na via pública, em díspares locais desta urbe), deslocámo-nos aos locais infracitados onde o mesmo referiu que no hiato temporal compreendido entre a madrugada do transacto dia seis (Domingo) e a madrugada do dia sete (segunda-feira) perpetrou vários ilícitos criminais contra o património.
1. Rua ………., … - V. N. Gaia (fotogramas 01, 02 e 03) – a situação dos autos.
Aqui, o B………. relatou que na madrugada do pretérito dia seis (Domingo) fazendo uso de um cartão telefónico plastificado, logrou romper a porta principal de serventia do predito imóvel. Acto contínuo, desceu a escadaria que serve de acesso à garagem colectiva do prédio (fotogramas 04 e 05). Dali, furtou uma bicicleta, um berbequim, um jogo de brocas, vários jogos de puxadores e espelhos para portas, bem assim como um abre garrafas com tripé, cujas marcas e modelos disse ignorar. Uma vez na posse de tais artigos, dali retirou, subindo novamente a citada escadaria até ao piso superior, saindo pela concernente porta de entrada.

2. ………., .. - Porto (Fotogramas 06, 07 e 08)
Aqui, aludiu que na manhã do antedito dia seis - volvidas poucas horas após a perpetração do referidos furtos - fazendo uso do mesmo cartão telefónico, logrou romper a porta principal de entrada do supradito imóvel. Após, deslocou-se ao 1° andar, sala 24 (fotogramas 09 e 10). Aqui, pese embora os subsecutivos pontapés violentamente desferidos ao nível da zona da atinente fechadura, não logrou irromper pela respectiva porta de acesso, o que inviabilizou o acesso ao seu interior.
Gorados os seus intentos apropriativos, imediatamente se dirigiu à sala 23 (fotogramas 11 e 12). Ali, após ter arrombado a respectiva porta de acesso através do sobredito modus faciendi - pontapés desferidos ao nível da zona da fechadura – introduziu-se no interior. Uma vez ali, após vasculhar o recheio com que se deparara, logrou furtar diversos CD's de música variada e dois rádios leitores de CD's cujas marcas e modelos disse ignorar.
Obstinado, deslocou-se à sala 22 (fotogramas 13 e 14). Recorrente no método que vinha empregando, conseguiu a abertura da respectiva porta e ulterior introdução no seu interior. Porém, não detectou qualquer artigo que lhe merecesse especial interesse, pelo que dali nada furtou. Relevam-se os danos que, com a sua conduta deveras violenta, causou na porta de acesso.
Na senda da ilicitude decursiva, dirigiu-se à sala 30 (fotogramas 15 e 16). Aqui, de novo através do aludido modo, arrombou a respectiva porta de acesso. Uma vez no seu interior, analisado o recheio ali existente, optou por furtar uma embalagem contendo diversos CD's, € 200,00 (duzentos euros) em notas do BCE e um livro de chegues.
Na posse dos documentos furtados do interior da mencionada sala 30, dali retirou, fazendo-o pela porta de entrada do prédio em alusão.
No tocante aos demais artigos furtados, referiu tê-los ocultado no interior de um pequeno armário existente no imóvel em referência, o qual serve de resguardo a contadores) da EDP (fotograma 17). Disse que perspectivava ali voltar a fim de se munir dos mesmos.
3. Rua ………., … - Porto (Fotogramas 18, 19 e 20)
Aqui, mencionou que na madrugada do pretérito dia sete (segunda-feira), fazendo uso do cartão telefónico já referido, logrou romper a porta de ingresso no supracitado imóvel. Sem perder tempo, percorreu os diversos andares que o constituem. Deslocou-se então ao 1° andar direito (fotogramas 21,22 e 23), onde, após ter arrombado a respectiva porta de acesso através de pontapés violentamente desferidos ao nível da zona da atinente fechadura, alcançou o seu interior. Uma vez ali, após remexer as várias dependências que pertencem aos escritórios em foco, dali furtou quatro monitores de computador cujas marcas e modelos disse ignorar, uma caixa com garrafas de vinho do Porto e, outrossim, uma garrafa de whisky J&B 15 anos.
Não totalmente satisfeito com o resultado obtido, deslocou-se sem delonga para o 3° andar esquerdo (fotogramas 24 e 25). Aqui, pese embora os múltiplos pontapés desferidos ao nível da zona da fechadura, não logrou irromper pela respectiva porta de acesso, o que inviabilizou o acesso ao seu interior. Todavia, são bem visíveis os danos por si provocados na antedita porta.
Pertinaz, logo se dirigiu ao 4° andar esquerdo (fotogramas 26 e 27). Neste local, não obstante a perseverança em alcançar os seus desígnios, deparou-se com um desfecho análogo ao narrado no parágrafo supra. Também aqui são visíveis os danos que provocou na respectiva porta de acesso.
Dando continuidade à actividade delituosa em curso, deslocou-se então para o 6° andar esquerdo (fotogramas 28 e 29). Aqui, utilizando o 'modus operandl" prolixamente descrito nos presentes, logrou abrir a respectiva porta e subsequentemente introduzir-se no seu interior. Porém, após ter remexido todo o seu conteúdo, voltou a não alcançar a plenitude dos seus intentos, visto não ter encontrado qualquer artigo que lhe afigurasse facilmente vendável.
Apoderando-se dos susoditos artigos furtados do interior do 1° andar direito, dali retirou, descendo a escadaria do prédio até ao piso inferior, saindo pela concernente porta de acesso.

Mais consta estar assinado, pelos “indicante, autuante e testemunha”.

Analisando a norma contida no artigo 150º, podemos esquematizar:
como pressuposto - a realização da reconstituição do facto tem subjacente a necessidade de se apurar se determinado facto pode ter ocorrido de determinada forma;
como requisitos, a sua realização exige,
a reprodução fiel, tanto quanto possível das condições em que (no caso) o recorrente afirma ter ocorrido o facto e,
a repetição do modo de realização do facto.

Daqui, cremos resultar óbvio que, nem, no contexto, nem na finalidade, nem na forma, nem no resultado, se pode afirmar estarmos perante uma reconstituição do facto.

O que consta do auto que documenta a realização da diligência, antes, permite afirmar que estamos perante um reconhecimento dos locais onde o recorrente praticou atentados contra o património.
Este auto retrata uma espécie de visita guiada do arguido aos locais dos crimes.
Ou dito de outra forma, constitui a confissão da autoria dos factos, in loco e, não no silêncio do gabinete policial.
Obviamente que se não pretendeu, desde logo – por isso nem sequer se tentou demonstrar, na prática – a forma como o recorrente refere ter levado a efeito os factos[7].

Assim, não pode aquela diligência valer como reconstituição do facto, antes e tão só, como declarações ilustradas do arguido[8].

Vejamos agora as consequências directas e imediatas de tal consideração.
Desde logo, não pode o auto que a reproduz ser lido, por conter declarações do arguido e não estarmos perante nenhum dos 2 casos previstos no artigo 357º, em que é admitida a leitura de declarações do arguido – a sua própria solicitação, ou se prestadas perante um juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
Da mesma forma - dado que o arguido se recusou a prestar declarações em audiência, não existe qualquer hipótese, (aqui seria por via da contradição ou discrepância) - se não podem ser lidas aquelas declarações anteriormente prestadas, decorre, de forma necessária, que quem, a qualquer título participou na sua recolha, não pode ser inquirido sobre o conteúdo delas, artigo 356º/7[9].

Com efeito, relacionada sequencialmente com a questão da qualificação da diligência a que se reporta o auto de fls. 425 e ss, surge, irremediavelmente uma outra – a possibilidade de os órgãos de polícia criminal (OPC) poderem ser ouvidos sobre factos de que tenham conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que recebeu (ou que acompanhou a receber) do arguido, no processo.
Entendimento este, que vem sendo aceite de forma uniforme, no sentido de que do âmbito desta audição apenas estará excluído o conteúdo das declarações prestadas pelo arguido perante o agente OPC ou seu auxiliar material.
Ou seja, quem recebeu declarações ou participou na sua recolha fica impedido de depor sobre o seu conteúdo.

Exemplos de declarações de agentes OPC que caem fora do âmbito das declarações do arguido, não havendo, por isso, impedimento à sua audição, colhem-se nas seguintes situações:

agente que fora incumbido de ir a determinado local verificar o conteúdo de uma mala com heroína aí encontrada, foi admitido a falar sobre a existência da mala, o seu conteúdo e o local onde se encontrava, “que são factos que se comprovam por observação directa e análise laboratorial”, in Acórdão do STJ de 7OUT1992;
é permitida a narração de diligências em que os agentes OPC intervieram: buscas, apreensões, escutas telefónicas, in Acórdão do STJ de 30OUT1996;
agentes da PJ que depuseram sobre o que se passou na reconstituição do crime, in Acórdão do STJ de 11DEZ1996, de 22ABR2004 e de 30MAR2005, de resto, invocados na decisão recorrida;
agente OPC que havia assinado, um aditamento ao auto de denúncia, o auto de reconhecimento, auto de apreensão e termo de entrega, in Acórdão do STJ de 22JAN1997;
agente da PJ acerca dos factos de que tomou conhecimento directo, através de vigilância ao local do crime ou investigação a partir de denúncia de indivíduo não revelado ou que observou em busca, in Acórdão do STJ 25SET1997;
sobre busca, ainda, Acórdãos do STJ de 26JUN1997 e de 21JAN1999.

A reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do artigo 357°.
Pode, de resto, o auto de reconstituição do facto ser lido em audiência, nos termos do artigo 356º/1 alínea b).
Isto porque a verbalização que suporta o acto de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de ”declarações”, pois o discurso ou “declarações” produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto e se destinam no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo, ensinamento que se retira do invocado na decisão recorrida, Acórdão do STJ de 20ABR2006.

Isto é assim, independentemente de o arguido em audiência falar, assumir ou negar, ou se remeter ao silêncio.
Estaremos perante conversas informais prestadas no dia seguinte e no próprio dia (em relação ao outros factos) ao da ocorrência dos factos, com a identificação dos locais dos crimes, que foram transpostas para o processo e por isso deixaram de o ser.
Se é certo que o OPC não pode ser inquirido sobre o conteúdo das declarações que recebeu nem sobre a recolha que acompanhou, numa 1ª abordagem dir-se-ia que as testemunhas que subscreveram o auto ao deporem sobre a diligência externa não estavam a ser inquiridos sobre declarações do recorrente. Só que numa 2ª observação, logo se surpreende que tal diligência externa de reconhecimento-indicação dos locais dos crimes de furto se baseia evidente e exclusivamente em declarações do recorrente.
É uma prova que assenta exclusivamente na confissão do recorrente e, no caso, obtida antes de ter sido, sequer, constituído arguido e submetido a interrogatório.
Nem se pode dizer que esta diligência haja servido para complementar uma anterior confissão. A confissão aqui obtida, e retratada no auto, foi a 1ª intervenção do recorrente nos autos.

Do que vem de ser exposto, cremos poder concluir que com o silêncio do recorrente fica impossibilitada, desde logo, a possibilidade de ponderação desta confissão.
A propósito de diligências de reconhecimento de casa assaltada efectuada com o arguido, decidiu o STJ no Acórdão de 13MAI1992, in CJ, III, 19, que não pode ser atendido o depoimento do OPC que nela participou.
Todavia o STJ decidiu no Acórdão de 20.MAI1992, in CJ, III, 31 de forma diferente: entendeu que a lei só proíbe o depoimento sobre declarações escritas (fala em leitura) pelo que se o arguido participara com o agente numa diligência de reconhecimento das residências assaltadas, antes de ser ouvido em declarações, não pode gorar-se o direito ao silêncio do arguido (que não é meio de prova) mas também não pode rejeitar-se o que foi investigado.

Ademais no caso, suscita-se, ainda a seguinte questão.
O arguido deve ser considerado não como um objecto de prova, mas sim como um sujeito do processo.
Daí o rigor com que nos artigos 57º a 59º, se procura delimitar essa qualidade (ainda agora na recente reforma do C P Penal, reforçada, cfr. artigo 58º/1 alínea a) e d) e 61º/1 alínea c) evitando que uma pessoa contra quem esteja a correr uma indagação criminal minimamente objectivada seja colocado em posições dúbias de desconhecimento dos seus direitos e deveres, os quais lhe devem ser dados a saber formalmente, artigos 58º/3, 60º e 61º.
Realce-se desde logo que a não constituição de alguém como arguido nos casos a que se refere artigo 58º C P penal, nomeadamente a violação ou omissão das formalidades aí previstas “implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela”, norma que pode relevar, desde logo, no âmbito das ditas conversas informais que os agentes OPC mantém com a pessoa antes de ser submetida a interrogatório formal, impedindo um futuro depoimento sobre elas.
É certo que o artigo 250º dispõe que os OPC podem identificar uma pessoa em lugar público ou equiparado sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes.
Mas depois de uma pormenorizada descrição sobre os procedimentos a adoptar pela autoridade e o modo de a pessoa se identificar - podendo haver condução do suspeito ao posto policial mais próximo e ser compelido a ali permanecer pelo tempo estritamente indispensável à identificação, por período não superior a 6 horas - actos que devem ser reduzido a auto, dispõe o nº. 8 que os OPC podem pedir ao suspeito bem como a quaisquer pessoas susceptíveis de fornecer informações úteis, e deles receber, sem prejuízo quanto ao suspeito do disposto no artigo 59º, informações relativas ao crime e nomeadamente à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária.
Esta norma está inserida numa disposição que vai dirigida à actuação dos OPC em lugares públicos, onde se contactam pessoas por fundada suspeita de envolvimento na prática de crimes – em flagrante, ou quase flagrante delito, como será a regra. Actuação que é determinada pela urgência da situação, destinada à descoberta e à conservação de meios de prova. Sendo que no tocante à recolha de informações úteis relativas ao crime, logo se ressalva em relação ao suspeito, o disposto no artigo 59º, ou seja no momento em que surja fundada suspeita de que a fonte de informação pode coincidir com o autor do crime, o OPC suspende de imediato o acto de pedido de informações sob pena de tais declarações não poderem ser usadas contra ele, nº. 3 do artigo 59º e 4 do artigo 58º (hoje nº. 5).
Daqui resulta um argumento de valia para a não admissão das ditas conversas informais entre OPC e suspeitos e mesmo, no que respeita a autos de ocorrência que venham a ser lavrados ou relatórios elaborados nos termos do artigo 253º onde porventura se incluam referências à confissão do arguido – que então ainda o não era. [10]

Em resumo:
dado que a diligência externa realizada assenta exclusivamente nas declarações do recorrente prestadas a OPC, ainda que fisicamente diante e com a identificação dos prédios que constituem o local dos crimes – que nem se podem dizer complemento, esclarecimento/concretização de anterior confissão;
dado que foram até, a 1ª diligência, cronologicamente falando, a ter lugar, de resto nem sequer nestes autos, não se podem ter como validamente adquiridas nem podem ser entendida com a natureza de reconstituição do facto,
de todo se não verificam os pressupostos e condições do artigo 150º C P Penal,
pois que não foi com esse objectivo que foi levada a efeito a diligência, (era, de resto absolutamente prematuro o entendimento da necessidade de verificação da possibilidade de os actos terem sido levados a cabo de determinada maneira),
nem, o teor, o conteúdo, a substância, revelam essa natureza ou virtualidade;
dado estarmos perante proibição legal, desde logo, por violação do artigo 58º/1 alíneas a) e d) C P Penal, nos termos do nº. 5 da mesma norma e 126º/3 C P Penal [11];
dado que, et pour cause, os depoimento das testemunhas agentes da PSP que participaram na diligência de recolha da confissão com concomitante identificaãp do local do crime, não podem versar sobre as declarações prestadas pelo recorrente[12],
dado que nenhum outro elemento de prova existe no processo que permita chegar à conclusão afirmada na decisão recorrida – como dela mesmo consta, de resto - o recurso terá que proceder.

A esta conclusão não obsta a forma como em concreto foi deduzida a pretensão recursória do recorrente.
Se como refere o MP na sua resposta, o recorrente não indicou quais as concretas provas que impõe decisão em sentido diverso, não deixou, contudo, de num âmbito processualmente, mais alargado, de resto, se insurgir contra a qualificação jurídica e subsequente valoração (em 2 vertentes: do próprio auto e das declarações dos agentes de autoridade que participaram na diligência), afinal, as provas que em concreto foram decisivas para julgar provados os factos atinentes à autoria dos factos.
Da forma alguma, este modo concreto pelo qual o recorrente optou para mostrar a sua irresignação contra a sentença que o condenou, se pode ter como “comprometendo o êxito da sua impugnação”, como pretende o MP.
Na mesma peça processual, o MP, mais adiante, acaba por reconhecer que, afinal, entre outros argumentos, o recorrente estrutura a sua impugnação, na desvalorização do auto de diligência externa, que entende, no entanto, como não tendo a virtualidade de substituir aquela indicação, nem constitui fundamento, que permita a alteração do julgamento da matéria de facto fixada na 1ª instância, argumentação de que demonstra discordar dado que nem sequer arguiu a nulidade de tal meio de prova.

Entende Paulo Pinto Albuquerque, in Comentário do C P Penal que na situação de o juiz valorar prova proibida na sentença, pronunciando-se erradamente sobre a interpretação da norma que prevê a proibição de prova, ié. admitindo como válida uma prova proibida, o vício é de Direito, rectius de interpretação jurídica, que deve ser alegado nos termos do artigo 412º/2 alínea b) C P Penal.
Como vimos, então, a questão não se reporta, tanto a nulidade de qualquer meio de prova, mas sim a nulidade da prova proibida - que não pode deixar de se ter como arguida - dada a dependência cronológica, lógica e valorativa, em que se encontra a diligência contra a qual o recorrente “assentou baterias, por si, directamente posta em crise enquanto “reconstituição do facto”, sendo que afinal se reconduz a prestação de declarações confessórias “in loco” com a, por esse facto, impossibilidade de os depoimentos das testemunhas que participaram na diligência, sobre tais declarações versar.

III. 5. Para finalizar.

Refere o recorrente, de facto, as coisas são como são e as regras do processo e os princípios constitucionais directamente as enformam impõem-se como balizas dentro das quais o Julgador se tem de ter.
Com efeito, o resultado a que se chega pode-se dizer que de algum modo, está em contraponto com o interesse público na perseguição dos criminosos, da segurança dos cidadãos e das garantias que devem provir de um Estado de Direito, bem como da própria confiança nas Instituições.
Só que ao tribunais cabe julgar com total independência na interpretação da Lei no caso concreto, sendo que o fim do processo, com tem sido sublinhado com insistência, não é apenas o da descoberta da verdade e todo o transe, mas a descoberta da verdade, usando regras processualmente admissíveis e legítimas.
A elaboração de tais regras compete, na organização dos poderes do Estado, a outros órgãos que não os judiciais, vocacionados para a ponderação dos interesses relevantes, à luz dos princípios vertidos na Constituição da República e em outros instrumentos internacionalmente consagrados.
Se o sistema é excessivo na protecção e garantia do arguido, ficando ao alcance de uma boa estratégia de defesa, não cabe aqui avaliar. Também, por outro lado, os Tribunais não existem para suprir falhas de investigação ou de oportunas diligências que plasmem a prova em ordem a poder ser apreciada na audiência de julgamento.
O que o legislador terá querido foi, conceder ao arguido uma completa independência e liberdade na sua defesa, afastando-o de qualquer tipo de pressões, comparecendo perante o Tribunal que o vai julgar sem qualquer vinculação - designadamente se adoptar a atitude do silêncio – ao que anteriormente dissera, de forma processualmente válida – o que, de resto, saliente-se, nem foi o caso.

Com esta decisão fica, naturalmente, prejudicado o outro segmento do recurso, atinente à medida pena.

IV. DISPOSITIVO.

Nos termos e com os fundamentos indicados, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B………., revogando-se a decisão recorrida.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2009.Setembro.09
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício"