sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Remessa dos autos após não concordância do arguido à sanção proposta em processo sumaríssimo

0845898

Nº Convencional: JTRP00041959
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: PROCESSO SUMARISSIMO
REENVIO

Nº do Documento: RP200812170845898
Data do Acordão: 17-12-2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 347 - FLS 31.
Área Temática: .

Sumário: Se for ordenado o reenvio do processo nos termos do nº 1 do art. 398º, cabe ao Ministério Público escolher a forma de processo a seguir.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Proc. 5898/08 - 4/8
Processo nº 5898/08
…./05.8TASTS-A – Santo Tirso
Relatora: Olga Maurício


Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO

1.
No tribunal judicial de Santo Tirso corre termos o processo acima identificado, em que é arguida B………. .
No referido processo foi deduzida acusação, em processo sumaríssimo, contra a arguida, pela prática de um crime de desobediência do art. 348º, nº 1, al. b), do Código Penal.
A acusação foi recebida e foi determinada a notificação da arguida para os efeitos do nº 2 do art. 396º do C.P.P.

Entretanto, não foi possível a notificação na residência indicada, nem se logrou apurar a residência actual da arguida.

O Ministério Público teve vista dos autos e promoveu que fosse dado cumprimento ao disposto no nº 1 e 2 do art. 398º do C.P.P.

Perante o requerido o sr. juiz proferiu o seguinte despacho: «atenta a impossibilidade de notificação da arguida, determina-se o reenvio do processo para tramitação sob outra forma, nos termos do art. 398º, nº 1, do C.P.P. Dando a competente baixa, remeta os autos aos serviços do M.P. para que ali seja feita a notificação do arguido da acusação (e do prazo para requerer a abertura de instrução, caso o M.P. entenda que o processo deve seguir a forma comum – cfr. art. 398º, nº 2, do C.P.P.). Notifique o M.P. deste despacho».

2.
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - «O primeiro impulso processual na sequência da dedução de oposição por parte do arguido cabe ao Juiz».

2ª - «O Juiz deverá ordenar o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba».

3ª - «No processo penal português existem apenas duas formas de processo, o processo comum e os processos especiais (estes subdivididos em processo sumário, processo abreviado e processo sumaríssimo)».

4ª - «Independentemente da opção do Juiz relativamente à forma de processo que competir, ele não pode este escolher determinar o reenvio do processo para qualquer outra fase processual».

5ª - «Não existe qualquer normal legal que permita ao Juiz, no caso concreto, determinar o reenvio do processo para qualquer outra fase processual».

6ª - «Assim, deverá o julgador ater-se ao comando legal contido no artigo 398º, n.º 1 do CPP e determinar o reenvio do processo para outra forma processual que lhe
couber».

7ª - «Dificilmente se compreenderia que o Juiz determinasse a remessa dos autos para a fase de inquérito (sob a tutela do Ministério Público), ordenando ao Ministério Público que seguisse nesse mesmo processo uma determinada forma processual (a qual não pode deixar de determinar nos termos do comando do artigo 398º, n.º 1 do CPP)».

8ª - «Encontrando-se o inquérito encerrado e estando o processo já distribuído como processo especial sumaríssimo, da direcção de um Juiz e, não havendo nenhuma norma que preveja que é o Ministério Público que tem de notificar o arguido do requerimento que passa a equivaler à acusação e de que lhe assiste o direito de requerer a abertura de instrução e, existindo uma norma processual penal que regula uma situação análoga e que prevê que é no âmbito da fase em que o processo se encontra que se faz tal notificação, não se vislumbra qual o fundamento que está na base do despacho proferido, por via do qual remeteu os autos ao Ministério Público, para dar cumprimento às formalidades legais do inquérito, já encerrado e ultrapassado».

9ª - «A apresentação do requerimento de abertura da instrução não se encontra limitada à fase imediatamente subsequente ao inquérito, podendo acontecer mesmo após os autos já se encontrarem na fase de julgamento, como acontece, por exemplo, quando cessa a contumácia».

10ª - «Com a actual redacção do CPP, no seu artigo 398º, n.º 2, prevê-se expressamente que o arguido pode requerer a abertura da instrução na sequência da remessa do processo para outra forma, determinada pelo Juiz».

11ª - «A solução vinda de defender é a única compatível com o princípio da celeridade processual que se encontra subjacente à utilização das formas de processo especial, designadamente, o processo sumaríssimo, o qual não pode ter como consequência uma dilação processual nos casos em que o arguido não concorda com a sanção proposta pelo Ministério Público».

12ª - «Sem prescindir do que atrás se deixou exposto, o que se reitera apenas porque a norma em causa foi invocada no despacho recorrido, sempre se dirá que não existe qualquer fundamento legal para a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito a quo».

13ª - «A norma em causa e vinda de referir diz unicamente respeito a situações em que o arguido deduza oposição ao requerimento apresentado pelo Ministério Público».

14ª - «A arguida não deduziu qualquer oposição até porque nem sequer foi notificada do requerimento apresentado pelo Ministério Público».

15ª - «Pelo que deve o processo permanecer na secção judicial até se obter o desiderato propugnado pela lei que é a notificação pessoal da arguida nos termos do disposto no artigo 396º, n.º 2 do C.P.P.».

16ª - «Assim, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a notificação à arguida da acusação proferida nos autos».

3.
O recurso foi admitido.

4.
A arguida (através da defensora nomeada) respondeu ao recurso dizendo que é essencial ao prosseguimento do processo sumaríssimo a aceitação do arguido.
A falta de concordância por impossibilidade de notificação deve equiparar-se à dedução de oposição, pelo que para efeitos do prosseguimento do processo devem seguir-se os termos do art. 398º do C.P.P., com o Ministério Público a superintender a tramitação.

O Exmº P.G.A. junto desta Relação emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Isto porque compete ao juiz definir a forma do processo a seguir, sempre em fase de julgamento, agora que não é possível manter a forma sumaríssima.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P.

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

*
*

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2 do mesmo Código.

Por via dessa delimitação resulta que a questão a decidir reside em saber a quem compete a determinação da forma de um processo inicialmente tramitado como processo sumaríssimo e a quem cabe ordenar a notificação da acusação prevista no nº 2 do art. 398º do C.P.P.
*

Como já resulta, foi proferida acusação em processo sumaríssimo contra a arguida B………. .
A acusação foi recebida e foi determinada a sua notificação para se opor, querendo, à sanção proposta pelo Ministério Público, tudo conforme estabelece o nº 2 do art. 396º do C.P.P.
Não se logrou obter a notificação por o paradeiro ser desconhecido e, em consequência, o Ministério Público requereu que fosse dado cumprimento aos nºs 1 e 2 do art. 398º do C.P.P..
Perante o requerido o juiz recorrido decidiu determinar o reenvio do processo ao Ministério Público, para que este decidisse qual a forma de processo a seguir e para que, sob a sua égide, fosse efectuada a notificação da acusação.

Esta questão, de saber a quem compete a determinação da forma de processo e notificação da acusação no caso em análise, tem dividido a jurisprudência, pois que enquanto para uma corrente o caminho a seguir é, precisamente, o que foi definido pelo despacho recorrido, já para outra resulta que o processo se mantém em fase de julgamento, sendo ao juiz que caberá decidir da forma de processo e promover o cumprimento dos demais formalismos legais, conforme se defende no recurso.

A norma sobre a qual se centra o conflito é a que consta do art. 398º, que diz:
«1. Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, equivalendo à acusação, em todos os casos, o requerimento do MP formulado nos termos do artigo 394º.
2. Ordenado o reenvio, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução».
Num caso em que o arguido se opôs à proposta do Ministério Público já decidiu esta Relação que cabia ao Ministério Público a escolha da forma a seguir, tal como igualmente lhe competia a notificação da acusação deduzida. Estamos a reportar-nos ao processo 0850052, decidido em 12-3-2008 (subscrito pela agora relatora, na qualidade de adjunta).

O processo penal português prevê diferentes formas de processo e da lei resulta que cabe sempre ao Ministério Público a escolha da forma de processo a seguir, escolha feita, é certo, de acordo com critérios legalmente definidos.
E a lei, no nº 1 do art. 398º do C.P.P., ao referir que o juiz reenvia o processo para outra forma, prevê a possibilidade de, em abstracto, várias formas caberem ao processo concreto, agora reenviado para forma processual diferente.
Então, de acordo com o princípio que informa o nosso processo, deve, também aqui, ser o Ministério Público a decidir qual a forma que passa a presidir ao processo, falhada que foi a tentativa de resolução por via da forma sumaríssima.
Além disso aquele mesmo artigo prevê, no seu nº 2, a notificação do arguido para requerer, querendo, a abertura de instrução.
Ora, esta faculdade de requerer a abertura de instrução segue-se, sempre e apenas, à notificação da acusação.
Então, se em caso de processo sumaríssimo reenviado para outra forma de processo o arguido mantém o direito de requerer a abertura de instrução é porque a lei entende que a fase de investigação, digamos assim, ainda não está terminada.
Se esta fase não está terminada, se o inquérito persiste, então caberá ao Ministério Público a sua direcção e a supervisão dos respectivos actos (com excepção daqueles cominados por lei ao juiz de instrução).

Assim, e sem necessidade de outras considerações, entendemos assistir razão ao sr. juiz ao ter decidido como decidiu.

*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:
I – Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
II – Sem custas.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Porto, 2008-12-17
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob



COMENTÁRIO:

O acórdão subscreve uma interpretação das normas que regem o processo sumaríssimo que conflitua de forma inequívoca com a letra dos preceitos respectivos, e desde logo com o disposto no art. 398º, n.º 1, do CPP, o qual dispõe que o juiz ao determinar a remessa do processo define qual a forma de processo respectiva.

A interpretação subscrita no acórdão presume, à revelia da letra da lei, que o legislador se enganou, que a solução que adoptou não é a mais correcta. Porém, tal interpretação correctiva não é consentida, porque viola de forma flagrante a letra da lei, para além de não se descortinar na mesma qualquer contradição que autorize a interpetação ab-rogante ou correctiva.

Não se vê como possa o juiz impôr ao Ministério Público que acuse em determinada forma de processo sem violação do princípio da autonomia do Ministério Público, constitucionalmente consagrado. É certo que o acórdão em apreço subscreve uma interpetação que permite ao Ministério Público definir a forma do processo, só que ao arrepio manifesto do que resulta da lei. Ora, a conjugação da remessa a inquérito com a definição pelo juiz da forma do processo será inconstitucional.

Não vemos que obstáculo exista à solução que resulta da lei, pois a definição da forma de processo - no caso concreto, comum ou abreviada - não é senão a escolha do rito processual a seguir, não contendendo com o princípio do acusatório o facto de pode ser o juiz a defini-la, numa altura em que não havendo motivo para rejeitar a acusação, se impõe o prosseguimento do processo.

Pensamos que os argumentos vertidos pelo Ministério Público no recurso são suficientes e correctos. Discordamos da solução do acórdão, muito embora se vislumbre no mesmo um propósito, ainda que não conseguido, de respeitar a autonomia do Ministério Público, ou melhor, que os senhores juízes desembargadores compreenderam bem as funções do Ministério Público, muito embora as extremassem ao ponto de deixarem de compreender a função do juiz de hoje, na pequena criminalidade...Esta incompreensão também se vislumbra na rejeição de alguns acórdãos a que seja o juiz titular do processo sumário a determinar a suspensão provisória do processo respectivo, à semelhança do que se passa hoje na instrução, em que o juiz de instrução, nesta fase, pode determinar ( e não apenas concordar ) a suspensão provisória do processo.

Tudo se evitava, porém, se as leis fossem feitas com cuidado.