quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Conflito de Competência

Acórdão da Relação de Coimbra de 21.11.2007
( processo 2.177/06.2TAAVR.C1; relator: Brízida Martins )

“Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.


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I – Relatório.

1.1. A..., com os demais sinais nos autos, participou criminalmente contra B... e outros (3), também aqui mais identificados, como melhor consta de folhas 2 e segs.Tramitado o pertinente inquérito, cumprido com o estatuído pelo artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Penal [CPP], o denunciante, entretanto admitido a intervir na veste de assistente, deduziu acusação particular contra os 4 visados denunciados, imputando-lhes a autoria de um crime de difamação com publicidade e calúnia, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.ºs 1, alínea e) e 2, ambos do Código Penal [CP], advindo a responsabilização de dois dos arguidos, por força do estatuído no artigo 31.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro [vulgo Lei de Imprensa].O Ministério Público acompanhou tal acusação relativamente a três dos arguidos, e absteve-se de o fazer no que concerne a um deles. Observado agora o disposto no artigo 283.º, n. º 5 do CPP, foi a vez de os arguidos relativamente aos quais o Ministério Público acompanhou a acusação particular (3), requererem a abertura da fase de instrução (folhas 136 e segs.).Remetidos os autos á distribuição como tal (folhas 162), recebidos em Juízo, foi proferido despacho do teor seguinte:“Os arguidos, não se conformando com a acusação particular formulada pelo assistente A..., vieram requerer a abertura de instrução. Cumpre, desde já, aferir da competência territorial deste Tribunal para a presente instrução. Ora, conforme se constata pelos factos descritos na acusação particular, a consumação da prática do crime de difamação, de publicidade e calúnia foi efectuada através da publicação de notícia, em 1.09.2006, no Jornal “24 horas” e, nos termos dos arts. 30.º, 37.º e 38.º, n.º 1, da Lei de Imprensa (2/99, de 13/01): “Para conhecer dos crimes de imprensa é competente o tribunal da comarca da sede da pessoa colectiva proprietária da publicação.” Ora, a sede da pessoa colectiva proprietária elo Jornal em causa – Global Notícias, Publicações, S.A. – situa-se na Rua Gonçalo Cristóvão, n.º 195-219, 4049-011 – Porto, área geográfica da comarca do Porto. Deste modo temos pois que é o Tribunal de Instrução Criminal do Porto o territorialmente competente para a realização da requerida instrução. Nestes termos e segundo o disposto nos arts. 19.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e 33.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal: - Declaro este Tribunal incompetente, em razão do território, para proceder à requerida instrução; - Mais ordeno a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Notifique e, após trânsito, remeta os autos como determinado.”

1.2. Não se conformando com esta decisão, recorre o assistente, extraindo da motivação oferecida as conclusões seguintes:

1.2.1. Os factos vertidos na acusação particular indicam a prática pelos arguidos dos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, previstos e punidos nos artigos 180.º e 183.º, n.º 2 do Código Penal.

1.2.2. Nos termos do n.º 5, do artigo 38.º da Lei n.º 2/99, “Para conhecer dos crimes de difamação ou calúnia é competente o tribunal da comarca do domicílio do ofendido.”

1.2.3. À data da prática dos factos crimes em apreço, o ora recorrente tinha corno domicílio o Estádio Mário Duarte, em Aveiro, pelo que,

1.2.4. Respeitando o predito normativo, é territorialmente competente o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro para proceder à instrução requerida pelos arguidos.

1.2.5. Decidindo como o fez, a decisão recorrida violou o predito normativo.Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare o Tribunal Judicial de Aveiro como territorialmente competente para apreciar a instrução em mérito.



1.3. Admitido o recurso, notificados os demais sujeitos processuais ao efeito, apenas respondeu o Ministério Público, sufragando a manutenção do despacho sob censura.1.4. Remetidos os autos a esta instância de apelo, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer suscitando a questão prévia de irrecorribilidade da decisão impugnada, apenas susceptível de ser ultrapassada incidentalmente como “conflito de competência”.Cumpriu-se com o disciplinado no artigo 417.º, n.º 2 do CPP.No exame preliminar a que alude o n.º 3 deste normativo consignou-se estarmos perante hipótese de rejeição do recurso, atento o disposto, conjugadamente, nos artigos 419.º, n.º 4, alínea a); 420.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, alínea a), todos do mencionado CPP.Como assim, determinou-se a recolha de vistos dos M.mos Juízes Adjuntos e submissão dos autos á conferência.Cabe, então, ponderar e decidir.


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II – Fundamentação.

2.1. Como decorre do antecedentemente exposto, e previamente se impõe, questão colocada é a de verificarmos se não deve, desde já, julgar-se sobre qual o tribunal territorialmente competente para conhecer dos crimes denunciados.

2.2. Para tanto seguiremos o entendimento vertido nos dois arestos mencionados pelo Ex.mo PGA no parecer oferecido, que se mostram com considerações pertinentes ao efeito, publicados ambos na Colectânea de Jurisprudência, Anos XXIII, Tomo I, págs. 141/2 (o Acórdão da Relação de Lisboa, 14 de Janeiro de 1998) e XXIV, Tomo II, pág. 152 (o do mesmo Tribunal, prolatado em 28 de Abril de 1999). Escreveu-se no primeiro deles que “1 – Aspecto fundamental da questão, e que não pode ser nunca esquecido, é o de que a declaração de incompetência não envolve apenas um tribunal (o declarado incompetente) mas sim, e pelo menos, um outro (o declarado competente, nos termos estipulados pelo artigo 33.º do CPP). É pacífico, por comummente aceite pela doutrina e jurisprudência, o entendimento segundo o qual só há conflito quando tenham passado em julgado todas as decisões sobre a competência proferidas pelos tribunais intervenientes (que poderão ser mais de dois). 2 - Sem embargo, é mister ter bem presente que no n.º 2 do art.º 34.º do CPP se prevê a cessação do conflito “logo que um dos tribunais se declarar, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso.” Ou seja, o caso julgado cede perante a pronta (e oficiosa) resolução do conflito, sendo patente o pragmatismo da lei, que coloca em primeiro e mais importante lugar a celeridade processual, em detrimento da solução “ideal”, isto é, “mais correcta”, ou “mais conforme com a lei”.(…)”.Captando de seguida a especificidade que casos como o presente suscitam, mais se anota no aludido aresto:“V – O que em primeiro lugar deve impressionar-nos nestas questões sobre a competência – … – é a dificuldade de enquadrar os recursos, quanto ao respectivo regime de subida, desde logo porque a declaração de incompetência “põe termo à causa” mas apenas no tribunal declarado incompetente (cfr. art.º 33.º do CPP; e art.º 407.º, n.º 1.a) m.d.l.). Parece, deste modo, que nos “principias gerais” – Capitulo I do Titulo I do Livro IX do C.P.Penal – não se contemplou a hipótese do recurso da decisão que declara um tribunal incompetente, até porque o n.º 2 do art.º 407.º não tem, manifestamente, aplicação neste dito caso. Ora é nossa opinião a de que não só parece, como é. Vejamos: 2 - Cremos que a solução se acha nos art.ºs 33.º, 34.º e 36.º-1 C.P.Penal, que conduzem, quanto a nós, à conclusão de que as decisões sobre a competência, cujo transito em julgado não impede a sua modificabilidade… não devem ser objecto de recurso, não tanto por força de uma inadmissibilidade legal, mas sobretudo pela sua inutilidade, e pelas desvantagens a nível da desejada celeridade processual. Mais correctamente: o único meio de reacção contra uma decisão que declara a incompetência do tribunal é a resolução em sede de conflito, e mesmo este limitado às partes face ao disposto no art.º 34.º-2 C.P.P.Abra-se um parêntesis para salientar a especificidade que ocorre na declaração de incompetência, pois quando o Tribunal se declara competente, o recurso porventura interposto dessa decisão será julgado a final (art.º 407.º-3. C.P.P.) não se colocando qualquer das questões aqui suscitadas Voltando à supra-enunciada solução: a) Declarada a incompetência, opera o comando do art.º 33.º-1 C.P.P., que (apenas) prevê a remessa do processo para o tribunal considerado competente. Logo, b) Será prematura qualquer reacção contra essa decisão, porquanto o “segundo” tribunal poderá aceitar a competência, evitando o conflito, o que é em si um fim a atingir (cf. supra, e art.º 34.º-2 C.P.P.). c) A decisão do recurso eventualmente interposto da “primeira” declaração de incompetência (caso dos autos) não vincula qualquer outro tribunal para além do recorrido. Na verdade, d) Apenas em sede de resolução de conflito há um tribunal cuja decisão se impõe a todos os tribunais intervenientes, por ter sobre eles jurisdição (cfr. art.º 36.º-1 C.P.P.). Logo, e) À partida é inútil o conhecimento do recurso, pois ele só resolveria a questão parcialmente, e na hipótese de ser provido (declarando a competência do tribunal a quo) mantendo ou criando o impasse processual na hipótese inversa (ao declarar a competência de um outro tribunal). VI – Chegados aqui, é evidente qual a conclusão a extrair de todo o exposto, que poderá formular-se em duas versões, ou formas, complementares: a) O princípio de que não há conflito sem duas (pelo menos) decisões transitadas deve ser entendido no sentido de que a questão da competência, para ser resolvida, deve aguardar a prolação de tantas decisões quantos os tribunais intervenientes, sem lugar a recurso. Se porventura a questão for dirimida nos termos aplicáveis do n.º 2 do art.º 34.º C.P. Penal, tanto melhor para a economia processual, pois aquela acabara aí. Não o sendo, cabe denúncia do conflito, cuja resolução vinculará os tribunais envolvidos. b) A questão da competência só devera ser dirimida em 2.ª instância por via de resolução de conflito, pois apenas esta é susceptível de vincular todos os tribunais intervenientes (cf. art.º 36.º-1. C.P.P.). Por outras palavras, a questão da competência está, portanto, e em larga medida, subtraída à litigância das partes, cabendo a estas tão só a legitimidade para a denúncia do conflito (art.º 35.º-2. C.P.P.) e devendo elas conformar-se com que a ele seja posto fim nos termos do citado art.º 34.º-2. Por outras palavras ainda, a irrecorribilidade das decisões proferidas ao abrigo do art.º 34.º-2. C.P.P. que, segundo parece, ninguém discutirá, é indício seguro de que também não deve caber recurso das decisões exaradas no âmbito do art.º 32.º-m.d.legal (o qual, e certamente não por acaso, alude exclusivamente à declaração de incompetência – cf. supra, V - 2.)”. Por seu turno, no segundo dos arestos mencionados, exarou-se com relevo para o caso vertente, também:“E a questão é pois a de saber se pode reagir-se de recurso da decisão que declara a incompetência do tribunal sem que se esteja perante uma situação de conflito de competências (que, …, não existe, ao menos, por ora).Perante a decisão de um único tribunal que se declara incompetente o art.º 33.º, n.º 1 do C. P. Penal prevê tão somente a remessa do processo para o tribunal considerado competente e este bem poderá aceitar essa competência e assim sendo não chega a haver conflito ficando os sujeitos processuais vinculados a tal decisão – art.º 34.º, n.º 2 do C. P. Penal. A existir decisão neste recurso ela apenas vincularia o tribunal recorrido uma vez que só em sede de conflito (…) é possível vincular todos os tribunais envolvidos.Tem-se assim por inútil o conhecimento deste recurso, por só poder resolver a questão, em parte, e apenas na hipótese em que viesse a conceder provimento ao recurso, declarando competente o tribunal …, único que ficaria vinculado pela decisão deste Tribunal; a hipótese inversa (a da competência do…) nunca seria possível conhecer quanto mais não fosse por este Tribunal carecer de competência para dirimir conflitos entre tribunais de distritos judiciais distintos. Assim, se a questão da competência vier a ser pelo Tribunal… tudo fica solucionado conforme dispõe o art.º 34.º, n.º 2 do C.P.Penal. Se não vier a aceitar a competência então, sim, estar-se-á perante um conflito que poderá ser suscitado pelo assistente mediante requerimento dirigido ao presidente do tribunal competente para a resolução – art.º 35.º, n.º 2 C.P.Penal (…). A lei ao dizer no art.º 34.º, n.º 2 C.P.Penal que o conflito cessa logo que um dos tribunais se declarar competente está a subtrair à vontade das partes a discussão sobre a competência. Estas têm apenas legitimidade para a denúncia do conflito. E citando ainda o Ac. desta Relação de 14/1/98 “o único meio de reacção contra uma decisão que declara a incompetência do Tribunal é a resolução em sede de conflito, e mesmo este limitado às partes face ao disposto no art.º 34.º, n.º 2 C.P.Penal”.(…).”

2.3. Na posse destes considerandos mostra-se de fácil intuição o desfecho da lide. O M.mo JIC de Aveiro declina a competência territorial para proceder á realização da instrução requerida, entendendo que deve ela ser efectivada pelo M.mo JIC do Porto.Sem mais, o assistente interpôs o recurso presente com o intuito de ver atribuída a competência a quem desde já a declinou.Ora, pelos fundamentos expostos, não se deve conhecer, por ora, da impugnação oferecida. Antes, devem os autos ser remetidos ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto e perante a posição que aí vier a ser assumida, seguirem os seus normais trâmites (caso de assunção de competência nesse Tribunal), ou (denegação da competência atribuída), então, ser incidentalmente suscitado o conflito negativo de competência originado.


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III – Decisão.

São termos em que se decide não conhecer do recurso interposto, devendo os autos ser remetidos ao Tribunal a quo, e, aí proceder-se em conformidade com o expendido.

Não é devida tributação”.

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Em sentido diferente, veja-se:


Acórdão da Relação de Guimarães, de 18.10.2007

( processo 1027/07-1 , relator: Augusto Carvalho )


Sumário:


1. Dispõe o artigo 108º, do C. P. C., que a infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º determina a incompetência relativa do tribunal; Por sua vez, nos termos do nº 2, do artigo 111º, do mesmo diploma, “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”, devendo, no caso da excepção (de incompetência) ser julgada procedente, remeter-se o processo para o tribunal que for julgado competente – nº 3, do citado preceito.
2. Uma vez transitada em julgado, a decisão que conheça, mesmo oficiosamente, da excepção dilatória de incompetência relativa impõe-se dentro e fora do processo, ou seja, torna-se definitivamente vinculativa, não só para o tribunal que a profere, como também para aquele outro a quem o mesmo processo foi remetido; O julgamento da excepção da incompetência relativa põe definitivamente termo a essa questão, que não pode voltar a ser suscitada, ainda que com fundamentos diversos.
3. Verificando-se a situação de dois tribunais proferirem decisões sobre a mesma matéria, em que se declaram incompetentes, nomeadamente, em razão do valor ou do território, para apreciar e decidir certa acção, antes afirmando a competência do outro, nos termos do artigo 675º, nº 1, do C. P. C., a decisão primeiramente transitada em julgado resolve definitivamente a questão, impondo-se ao outro tribunal que, assim, a deverá acatar.

A respeito da tese defendida neste arresto, consulte-se o:

Despacho n.º 30/2007, de 22.11.2007, do Ex.mo Procurador-Geral Distrital de Coimbra, no qual se recomenda, ao abrigo do art. 58º, n.º 1, al. a), do E.M.P., face a tal tese, a interposição de recurso da decisão que declare a incompetência, no caso de se considerar que a mesma não é correcta, em processos em que o Ministério Público seja parte principal.

Mandado de Detenção Europeu e Contumácia

ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 05-12-2007
( Processo 49/03.1PATNV-A.C1; relator: INÁCIO MONTEIRO )
in http://www.dgsi.pt/


Sumário:


Não deve ser emitido mandado de detenção europeu contra arguido declarado contumaz e acusado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, para que o mesmo seja detido e entregue no tribunal onde correm os autos para prestar TIR, ser sujeito a outra medida de coacção que se considerar adequada, e para ser submetido a julgamento pelos factos por que vem acusado.



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Já antes a mesma Relação havia formulado o



Acórdão de 21-11-2007
( processo 210/00.0TBTNV-A.C1; relator: Jorge Gonçalves ) :

"Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. O M.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas determinou a emissão de mandado de detenção europeu com vista à detenção do arguido A..., para “que o mesmo seja detido e entregue neste Tribunal para prestar TIR, ser sujeito a outra medida de coacção que se considerar adequada, e para ser submetido a julgamento nos presentes autos”.

2. Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões:



1.º O art. 2.°, n.º1 da Lei 65/03 de 23-08 dispõe que o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis com pena de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.

2.° O arguido foi acusado nos autos por dois crimes de roubo agravados na forma tentada, p. e p. pelo art. 210.°, n.º1 e 2, alínea b) com referência aos artigos 204.°, n.º 2, al. f), 22.°, 23.° e 73.° todos do C.P., puníveis com pena de prisão de 7 meses até 10 anos, encontrando-se contumaz. 3.° O Mmo. Juiz a quo emitiu mandados de detenção europeus para captura do arguido a fim de este prestar T.I.R. ou eventualmente outra medida de coacção e ser sujeito a julgamento.

4.° Nos termos do C.P.P. a detenção do arguido in casu só se mostra fundamentada ao abrigo do preceituado no artigo 337.°, n.º 1 e 336.°, n.º 2 de tal diploma legal.

5.° Porém, não havendo qualquer medida de coacção privativa de liberdade já decretada nos autos, o mesmo apenas poderá permanecer detido pelo período máximo de 48 horas nos termos do artigo 254.°, n.º 1 também do C.P.P. e 28.° da C.R.P.

6.° Tal regime aplica-se subsidiariamente ao processo de execução do MDE – cf. o artigo 34.º da Lei n.º 65/2003.

7.° Ora, no caso concreto com a eventual detenção no cumprimento de um MDE o arguido irá ficar detido no mínimo pelo período de 10 dias – cf. o artigo 26.° da Lei n.º 65/2003 - sem ser presente a um juiz com vista a aplicação de medida de coacção.

8.° Tal período de detenção é manifestamente desproporcionado aos fins que se visam com a detenção do arguido: prestação de TIR para poder ser submetido a julgamento e eventualmente sujeição a outra medida de coacção.

9.° A finalidade com que foi emitido o MDE contra o arguido é in casu, desproporcionada e violadora do disposto nos artigos 18.º (princípio da proporcionalidade) e 27. ° E 28.° todos da C.RP .

10.° Viola também os princípios que norteiam a emissão dos MDE (construção de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça, supondo um território comum de valores que federem sociedades, e princípios livremente partilhados que constituam âncoras de liberdade e segurança. Tal comunidade supõe a existência de valores e bens jurídicos comuns que devem ser tutelados pelo direito penal, aceitando os seus membros que a incriminação de comportamentos que afectem tais valores é inerente à partilha de valores comuns) e o artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

11.° Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e determinar­-se a imediata recolha dos MDE expedidos.

12.° Mais deverá determinar-se caso assim se entenda que se aprecie a existência de fundamento legal para determinar a aplicação ao arguido de medida de prisão preventiva e concluindo em sentido afirmativo ser proferido despacho em conformidade, e na sequência do mesmo, então sim, determinar a detenção do arguido com recurso ao MDE.

13.° Mantendo-se, por ora, apenas o pedido de localização do arguido para que possa ser notificado e com recurso aos meios próprios em sede de cooperação internacional (cf. a Lei n.º 144/99).



3. O recurso foi admitido e o M.mo Juiz sustentou o despacho recorrido, como consta de fls. 64 e seguintes, nos termos do artigo 414.º, n.º4, do Código de Processo Penal.



4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá merecer provimento, louvando-se na argumentação desenvolvida na motivação.



5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a emissão de mandado de detenção europeu, ordenada no despacho recorrido, se mostra desproporcionada e violadora das disposições invocadas pelo recorrente, tendo em vista as finalidades que se pretendem alcançar mediante tal emissão.

2. Face aos elementos constantes dos autos de recurso, o quadro factual a considerar é o seguinte: 1) O arguido A... foi acusado, por despacho de 6 de Abril de 1999, pela prática, em 23 de Outubro de 1997, em co-autoria material e concurso real, de dois crimes de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º1 e 2, alínea b), 204.º, n.º2, alínea f), 22.º, 23.º e 72.º, todos do Código Penal. 2) O arguido nunca foi notificado da acusação, nem do despacho que designou dia para julgamento. 3) Por despacho de 3 de Março de 2000, foi declarado contumaz, com a imediata passagem de mandados de detenção nos termos do disposto no artigo 337.º, n.º1, do C.P.Penal. 4) Por despacho de 26 de Outubro de 2006, foi determinada a emissão de mandados de detenção europeus contra o arguido, por se suspeitar que “tenha saído de Portugal e se encontre dentro de um outro território europeu que faz parte do Espaço Schengen”, pretendendo-se a sua detenção para ser “entregue neste Tribunal para prestar TIR, ser sujeito a outra medida de coacção que se considerar adequada, e para ser submetido a julgamento nos presentes autos” (cf. fls. 37 destes autos de recurso).



3. Apreciando



3.1. O mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito do espaço de segurança e justiça (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março, 2003, pp. 27 segs; Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, pp. 325 segs.). A evolução das formas de cooperação penal, no âmbito europeu, deu origem a diversos instrumentos que, além do mais, visaram modernizar os procedimentos em matéria extradicional. Porém, foi sobretudo com o Tratado de Amesterdão que a cooperação judiciária em matéria penal ganhou uma nova perspectiva, como forma de realização de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.O aprofundamento desta dimensão, inspirada na noção de “espaço europeu” e orientada no sentido da construção de um espaço judiciário comum, foi impulsionado pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, que afirmou, nas suas conclusões, o princípio do reconhecimento mútuo como “pedra angular” da cooperação judiciária em matéria penal, preconizando a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes, cuja sentença já tivesse transitado em julgado, bem como a aceleração dos processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infracção (ponto 35 das conclusões). A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui, precisamente, uma concretização – a primeira - no domínio penal do referido princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a concepção tradicional do auxílio judiciário entre Estados. O “considerando” 5 da Decisão-Quadro esclarece, nos seguintes termos, a finalidade que o novo instrumento pretende realizar: O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, sendo que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.Foi para concretizar a referida Decisão-Quadro, na legislação interna, que a Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República I Série-A, nº 194, de 23 de Agosto de 2003, aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu.



3.2. O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade – artigo 1.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003.O mandado de detenção é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na supra referida Lei e na Decisão-Quadro - artigo 1.º, n.º2, da Lei n.º 65/2003.Pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses, sem controlo, em muitos casos, da dupla incriminação (artigo 2.º).A emissão em Portugal de mandado de detenção europeu compete à autoridade judiciária competente para ordenar a detenção ou a prisão da pessoa procurada nos termos da lei portuguesa, estando a emissão e a transmissão do mandado sujeitas às regras previstas no capítulo I da citada Lei n.º 65/2003 (artigos 36.º e 37.º).Nos termos da Lei e da Decisão-Quadro, o mandado de detenção europeu direcciona-se quer ao cumprimento da decisão final do processo criminal – “cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” -, quer ao cumprimento de um procedimento processual no decurso do processo – “efeitos de procedimento criminal”.



3.3. A contumácia é a situação processual de suspensão dos ulteriores termos do processo por ausência do arguido, que não haja prestado termo de identidade e residência, e que determina para o arguido declarado contumaz a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração, podendo ser decretada, como forma de desmotivação da contumácia, a proibição de obter determinados documentos, certidões ou registos, bem como o arresto, na totalidade ou em parte, dos bens do arguido (artigo 337.º, n.º1 e 3, do C.P.P.).Com maior relevo para a matéria em causa nos presentes autos, saliente-se que a declaração de contumácia implica, ainda, ex lege, a passagem imediata de mandado de detenção contra o arguido, com vista a obter a sua comparência coerciva em juízo para efeitos de prestação de termo de identidade e residência e aplicação de outras medidas de coacção, sendo caso disso (artigo 337.º, n.º1, do C.P.P.). É sabido que, em princípio, ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança, como prescreve o artigo 27.º, n.º2, da Constituição da República, estando as medidas privativas da liberdade sujeitas a uma dupla reserva: reserva de lei e reserva de decisão judicial. Os mandados de detenção emitidos ex lege, tendo como único pressuposto a declaração de contumácia, estão abrangidos pela previsão geral do artigo 254.º, n.º1, alínea b), 2.ª parte, do C.P.P. e, entre as excepções ao princípio enunciado no artigo 27.º, n.º2, da Constituição da República, subordinadas ao princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade, enquadram-se na excepção prevista no n.º3, alínea f), do mesmo artigo da Lei Fundamental.Justifica-se, pois, que o legislador tenha estabelecido um apertado prazo máximo de duração da detenção, em que se admite como proporcional, necessária e adequada esta restrição do direito à liberdade individual, tendo em vista a finalidade que com a medida se pretende alcançar. Pode acontecer, porém, que a medida de coacção de prisão preventiva tenha já sido aplicada ao arguido contumaz, hipótese que o artigo 335.º, n.º1, do C.P.P., não só não exclui, mas expressamente prevê, caso em que os mandados de detenção se destinarão a dar execução a tal medida e não à aplicação ao arguido de uma medida de coacção.



3.4. Antes da entrada em vigor do regime relativo ao mandado de detenção europeu, nunca se suscitou qualquer dúvida sobre a possibilidade de difusão internacional de mandados de detenção para a execução de prisão preventiva, à semelhança do que sucedia com os mandados de detenção para efeitos de cumprimento de condenação em pena privativa da liberdade. Tal difusão internacional constituía uma fase preliminar de um processo internacional de entrega a Portugal da pessoa procurada, a desencadear após a sua detenção no estrangeiro, nos quadros tradicionais da extradição, ainda hoje vigentes fora do espaço da União Europeia.Note-se que quando a extradição se reportava a um pedido internacional de comparência num processo penal, ou seja, quando era formulada para efeitos de prosseguimento criminal e não para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade, o pedido de detenção provisória da pessoa a extraditar teria como pressuposto, necessariamente, um prévia decisão judicial que determinasse a privação da liberdade do arguido, no respeito das disposições legais do C.P.P., o que, na prática, impunha a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, desde que verificados os respectivos pressupostos (Mário Mendes Serrano, Cooperação Internacional Penal, Extradição, Regime e Praxis, CEJ, Volume I, pp. 74 e 75). Assim, havia não só que ponderar da necessidade da utilização de um mecanismo de cooperação internacional para assegurar a presença do arguido no processo penal português, mas também da admissibilidade da sujeição do arguido a prazos de detenção no estrangeiro, situação que materialmente se identificava com a figura da prisão preventiva, o que acarretava, num e noutro caso, uma adequada análise dos critérios de legalidade, adequação e proporcionalidade justificadores dessa restrição da liberdade, no quadro constitucional.Quando não estivesse em causa a execução da medida de prisão preventiva ou de detenção para efeitos de cumprimento de pena ou quando, por um qualquer outro motivo, se antevisse que o pedido de extradição subsequente não poderia vir a proceder, o mecanismo utilizado traduzia-se na averiguação do paradeiro da pessoa procurada no estrangeiro através de contactos com as autoridades policiais competentes ou, no interior do espaço Schengen, através da inserção da identidade dessa pessoa na base informatizada do Sistema de Informação Schengen (SIS), apenas para efeitos de indicação de paradeiro – artigo 98.º1 da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen de 1990 – e não para efeitos de detenção provisória como preliminar de um pedido de extradição – artigo 95.º, 1, da mesma Convenção.



3.5. No caso em análise, não oferece dúvidas que o despacho recorrido mais não pretendeu do que conferir difusão internacional, através do recurso ao mecanismo do mandado de detenção europeu, à detenção que tinha sido ordenada por força da mera declaração do arguido como contumaz, nos termos do artigo 337.º, n.º1, do C.P.P., não tendo sido decretada a medida de prisão preventiva.É certo que, de harmonia com o disposto no artigo 2.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003, diploma legal de transposição da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses. Porém, a autoridade judiciária portuguesa, sendo Portugal o Estado de emissão, não pode deixar de ter em conta o enquadramento constitucional e legal vigente, pois o mandado de detenção europeu não constitui uma realidade autónoma e isolada, que se baste a si própria, apenas sujeita às suas regras e desligada da Constituição e do quadro global da lei penal e processual do Estado de emissão. Quer isto dizer que a autoridade judiciária, confrontada com a hipótese de emissão de um mandado de detenção europeu, deve ponderar o contexto das situações processuais a que a detenção pretende dar resposta, tendo em vista que é sempre no quadro constitucional e legal de um Estado determinado que o alcance e significado dessas situações pode ser verdadeiramente determinado. Tratando-se da interpretação/aplicação das normas constantes da Lei n.º 65/2003, haverá que ter em conta a sua inserção no ordenamento jurídico em que vigora, os princípios que o regem, mormente os consagrados na Constituição. A eficácia de um mandado de detenção emitido por autoridade judiciária portuguesa projecta-se no espaço da União, implicando, de forma extrema, com os direitos fundamentais. De harmonia com o disposto no artigo 18.º, n.º2, da Constituição, no que concerne à restrição legítima de direitos, liberdades e garantias rege o chamado princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso), desdobrado em três subprincípios: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido restrito (sobre este tema, Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, p. 392). Traduzindo-se a execução de um mandado de detenção europeu numa restrição importante de um direito fundamental como o direito à liberdade, num horizonte territorial alargado, tendo em conta, igualmente, o período de tempo em que a detenção potencialmente se pode manter sem que seja tomada a decisão final de entrega, conclui-se que não só a sua prossecução, mas também a decisão que a montante é tomada quanto à sua emissão, deverão obedecer aos princípios da legalidade, da excepcionalidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade lato sensu. A decisão recorrida, pretendendo dar projecção internacional à ordem de detenção ex lege decorrente da declaração de contumácia, através da emissão de mandado de detenção europeu, não pondera os princípios da excepcionalidade e da subsidiariedade da privação da liberdade, a adequação, a necessidade ou proporcionalidade stricto sensu da medida adoptada, tendo em vista a finalidade a que se propõe.Levando às últimas consequências o raciocínio subjacente ao despacho recorrido, seria admissível a emissão de mandados de detenção europeus, com base na suspeita de permanência no território da União, contra a maioria dos arguidos declarados contumazes, porquanto: a contumácia determina a passagem imediata de mandado de detenção; muitos dos crimes tipificados no Código Penal contemplam molduras penais em que o máximo não é inferior a 12 meses. Assim, exemplificando: seria admissível emitir mandado de detenção europeu, para efeitos de procedimento criminal, por crime de ofensa à integridade física simples, independentemente de qualquer juízo concreto sobre a adequação, necessidade ou proporcionalidade da medida decretada, desde que o arguido fosse contumaz. Nesse caso, ocorre perguntar: não haveria que ponderar se, face às finalidades prosseguidas pela emissão dos referidos mandados de detenção, não seria manifestamente desproporcional e desadequado sujeitar o arguido a um prazo de detenção alargado, como ocorre na execução de um mandado de detenção europeu? Ora, o despacho que determina a detenção, decorrente da declaração de contumácia, não pondera (nem tem que ponderar), ao contrário do que sucede com o mandado de detenção resultante da aplicação da medida de prisão preventiva – e aqui identificamos uma das principais diferenças entre ambas as situações –, os mencionados critérios de adequação, necessidade ou proporcionalidade stricto sensu, e os princípios da excepcionalidade e da subsidiariedade da privação da liberdade. Sendo assim, entendemos que a possibilidade de restrição da liberdade individual que se traduza na sua privação em qualquer situação materialmente idêntica à da prisão preventiva só pode ocorrer, à luz da Constituição da República e da lei, fora dos casos de condenação transitada em julgado, na sequência de despacho judicial que, aplicando os critérios da legalidade, adequação, necessidade e proporcionalidade aos factos suficientemente indiciados, decida que essa sujeição, face aos referidos critérios, se compadece com os interesses que com a mesma se pretende alcançar. No caso de emissão de mandado de detenção europeu, com fundamento na declaração de contumácia, tendo em consideração as restrições à liberdade que implica, que se projectam para além do território nacional e podem determinar, até à decisão final de entrega, um período de detenção alargado, afigura-se-nos ser indispensável proceder à concreta ponderação dos apontados critérios, o que não foi feito pelo despacho recorrido, sendo certo que, admitindo os crimes imputados ao arguido a aplicação da medida de prisão preventiva, sempre o M.mo Juiz poderia ter decretado tal medida de coacção, se para o efeito estivessem reunidos os indispensáveis pressupostos legais, possibilidade que continua em aberto.



III – Dispositivo



Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se a recolha de todos os mandados de detenção expedidos.

Sem tributação.



Coimbra, 07-11-21

(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


Jorge Gonçalves
Jorge Raposo

Gabriel Catarino