quinta-feira, 3 de abril de 2008

Despacho de Suspensão Provisória do Inquérito

Inquérito nº

I. Nos presentes autos vem o arguido, António Manuel …, indiciado pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01(cfr. auto de notícia de fls. 2).

Das diligências efectuadas e dos elementos de prova recolhidos no Inquérito resulta que, no dia 30 de Junho de 2007, pelas 04h40m, na Estrada Nacional n.º 109, ao Km 116,8, Tavarede, Figueira da Foz, António Manuel …, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …, de sua propriedade, sem que fosse titular de licença de condução válida, em virtude da licença de condução se encontrar caducada desde 09 de Fevereiro de 2005, não tendo procedido à renovação do mencionado título de condução nos escalões etários previstos, mormente aos 70 e 72 anos de idade.

II. No âmbito do presente inquérito realizaram-se as diligências infra mencionadas:


- António Manuel … foi constituído arguido (cfr. fls. 3), tendo-se procedido ao seu interrogatório (cfr. fls 13 e 14), no qual confirmou os factos constantes do auto de notícia de fls. 2, referindo que saber que o seu título de condução tinha caducado. Refere ainda encontrar-se a proceder à renovação do referido título, motivo pelo qual se encontra inscrito na escola de condução …, juntando documento comprovativo da respectiva inscrição a fls.17.

Encontra-se reformado, auferindo a esse título a quantia de 600,00 a 700,00 Euros mensais; o cônjuge trabalha em … e tem uma filha a seu cargo.

Declarou aceitar a prestação de trabalho a favor da comunidade como injunção no âmbito da suspensão provisória do inquérito, no valor de oitenta horas, em local a indicar pela D.G.R.S..

- A fls. 16 dos autos foi junto atestado médico para condutor de veículos datado de 6.07.2007 que permite constatar que o arguido tem aptidão física e mental para a condução de veículos automóveis ligeiros sem quaisquer restrições e o documento junto a fls. 17 permite constatar que o arguido procedeu à sua inscrição na escola de condução acima identificada em 06.07.2007

- A Informação para aplicação da injunção de prestação de serviços de interesse público realizada pela D.G.R.S. (cfr. fls. 29 a 31) no âmbito da suspensão provisória do processo indica como entidade beneficiária a Escola Secundária … e informa que o arguido se encontra disponível para cumprir oitenta horas de trabalho a favor da comunidade junto da referida entidade beneficiária, desempenhando, para o efeito, tarefas de apoio administrativo a elemento do conselho executivo ou outras designadas pelo sector administrativo da escola, durante dois dias por semana, em horário a definir com a entidade beneficiária.

*

III. Procedendo à qualificação jurídica dos factos em questão, vejamos se os mesmos são susceptíveis de integrar o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, do Decreto-Lei nº 2/98 de 03.01., cuja ratio visa garantir a segurança do tráfego rodoviário para que não sejam afectados certos bens jurídicos individuais, como, a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado.

Preceitua o artigo 3º, do Decreto Lei nº 2/98 de 03/1 no seu nº 1 que “quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”; e no nº 2 que “se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel, a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”.

Da análise do preceito, constata-se que os elementos do tipo objectivo são a condução de motociclo ou automóvel a motor na via pública ou equiparada e a verificação da inexistência de habilitação legal do agente para a prática da condução do veículo, nos termos constantes do artigo 121º do Código da Estrada.

Nessa esteira, o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Decreto-Lei nº 209/98 de 15 de Julho (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 315/99 de 11 de Agosto e pelo Decreto-Lei nº 570/99, de 24 de Dezembro) regula “(…) os modos de emissão e revalidação das cartas e licenças de condução”, sendo necessário uma licença que ateste a aptidão para a prática da condução.


Em rigor, o ilícito de condução sem habilitação legal apenas é punido quando o seu condutor não está habilitado para a prática da condução nos termos legalmente previstos.

Quanto aos elementos do tipo subjectivo, este crime apenas poderá ter lugar a título doloso, nos termos gerais dos artigos 13º e 14º, ambos do Código Penal.

Dos autos resulta provado que o arguido preencheu o tipo objectivo do crime em análise, uma
vez que conduziu na via pública sem estar legalmente habilitado para o fazer.

No caso concreto, é indiscutível que o arguido conduzia numa via pública – E.N. 109 – entendida como via de comunicação terrestre afectada ao trânsito público (artigo 1º, al. v), do Código da Estrada), sendo detectado no exercício da condução de um veículo ligeiro de passageiros sem que possuísse título de condução válido, em virtude de a carta se encontrar caducada há mais de dois anos.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 130º do Código da Estrada, o arguido considera-se, para todos os efeitos legais, não habilitado a conduzir os veículos para os quais a sua carta de condução foi emitida.

Pelo exposto, conclui-se que os factos em questão são susceptíveis de integrar o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro.

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IV. Perante o exposto, cumpre apreciar, em sede de encerramento do Inquérito, se deverá haver lugar a dedução de acusação pelos factos supra descritos ou antes à suspensão provisória do processo nos termos previstos na lei.

Vejamos.

A suspensão provisória do processo, legalmente prevista nos artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal, é um instituto de cariz notoriamente consensual, que visa a celeridade e eficácia do sistema de justiça penal, isto é, visa perante a pequena e média criminalidade, o exercício da acção penal através de um mecanismo que obste à submissão a julgamento do arguido e privilegie a diversão com intervenção.

Contudo para a decisão de suspensão provisória do processo, é fulcral a verificação da existência de determinados pressupostos, de verificação cumulativa, que consubstanciam verdadeiras condições “sine qua non” para a sua aplicação, a saber:

- Existência de crime punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão;
- Concordância do arguido e assistente;
- Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
- Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
- Inaplicabilidade, no caso concreto, de medida de segurança de internamento;
- Ausência de um grau elevado de culpa;
- Previsibilidade de o cumprimento das injunções e regras de conduta responderem suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir;
- Concordância do juiz de instrução.

Nestes termos, atentemos na factualidade apurada e diligências probatórias realizadas, de modo a aferir do preenchimento ou não dos referidos pressupostos nos presentes autos:

1 - A moldura penal que ao crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo n.º 2 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, corresponde – pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias - não excede os cinco anos de prisão e prevê a aplicação de sanção diversa da pena de prisão – pena de multa-.

2 - O arguido, António Manuel …, concordou com a suspensão provisória do processo, nos precisos termos impostos.
Facto que de per se corresponde a uma das finalidades essenciais da adopção deste instituto, ao alcançar a adesão do arguido às injunções propostas em concreto, desta forma, vinculando-o à adopção de comportamentos que, sendo responsabilizantes, não contendem com uma limitação infundada dos direitos fundamentais do arguido, nos termos constitucionalmente previstos no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

3 - O arguido não tem antecedentes criminais (cfr. Certificado de Registo Criminal, junto a fls. 6 dos autos), nunca tendo corrido inquérito contra si, segundo declarou no seu interrogatório, o mesmo resultando da informação de fls. ... .

4 - Não há lugar a medida de segurança de internamento, pois não se verificam os pressupostos a que alude o artigo 91º do Código Penal.

5 - Ouvido o arguido, de 72 anos, por este foi admitida a prática dos factos indiciados, tendo manifestado arrependimento pela sua conduta e vontade de agir em conformidade com o direito, o que se constata pela diligência assumida no procedimento para renovação do título de condução de que era portador (cfr. documentos juntos a fls. 16 e 17 dos autos).
Definindo a culpa como o juízo de censura dirigido ao agente por se ter determinado a agir em desconformidade com o direito, e, portanto, contrariamente ao que seria uma determinação normal no âmbito dos valores vigentes e constituintes da sociedade; e considerando as circunstâncias em que os factos ocorreram, mormente que o arguido já foi titular de carta de condução válida, sustentamos que a sua culpa não se apresenta elevada.

6 - Ponderando todos os factos supra descritos, razões existem que permitem prever que a imposição ao arguido de injunções é suficiente e bastante para cumprir as exigências de prevenção especial que este requer, bem como satisfazer de forma adequada as exigências de prevenção geral que, em concreto, se fazem sentir.
Nesse âmbito, salienta-se o facto do arguido ter admitido a prática dos factos e ter demonstrado que interiorizou a ilicitude da sua conduta ao agir de modo a que a sua conduta se integre nos valores comunitários e se reveja nas condutas lícitas previstas, permitindo considerar que ressurgiu, destarte, plenamente, a revalidação comunitária das normas jurídicas violadas, fundamento alicerçado, ainda, no facto do arguido se ter conformado com o cumprimento de uma injunção de trabalho a favor da comunidade.
Acresce que o arguido é primário, com a idade de 72 anos, não revelando durante a sua vivência em comunidade uma personalidade desconforme ao direito, ao invés, evidencia reconhecimento e arrependimento pelos factos praticados e vontade de os rectificar, pelo que se entende serem diminutas as exigências de socialização do arguido.
Ademais, as circunstâncias fácticas em que a conduta ocorreu permitem, do mesmo modo, concluir que as exigências de prevenção geral, em sede de reafirmação da validade das normas violadas, são também mínimas e completamente acauteladas com a aplicação ao caso do instituto da suspensão provisória do processo.

Assim, atendendo às condições de vida do arguido, ao comportamento demonstrado, anterior e posterior aos factos, conforme ao direito, à fraca ilicitude e à diminuta culpa no facto praticado, conclui-se que é adequado não submeter o arguido a julgamento, afigurando-se mais razoável e em resposta às necessidades de prevenção especial, suspender provisoriamente o processo, nos termos do artigo 281º do Código de Processo penal.

Pelo exposto, e de acordo com o disposto no artigo 281º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal, determina-se a suspensão provisória do processo, impondo-se ao arguido António Manuel …:

- a injunção de prestar 80 horas de trabalho a favor da comunidade, na Escola Secundária …, desempenhando tarefas de apoio administrativo a elemento do conselho executivo e outras que lhe forem designadas junto do sector administrativo da entidade beneficiária, a executar durante dois dias por semana em horário a acordar com a entidade beneficiária.

Remeta os autos ao M.º Juiz de Instrução, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 281º, nº1, do Código de Processo Penal.

(processei, imprimi, revi e assinei o texto, seguindo os versos em branco – artigo 94º, nº2 do Código de Processo Penal)

Local/Data

O Procurador-Adjunto