quinta-feira, 30 de abril de 2009

Violação de Regras de Construção: concurso de crimes?

Instrução n.º
... Juízo


Exmo. Sr. Juiz do
Tribunal Judicial de …


O Ministério Público, não se conformando com a douta decisão instrutória proferida no processo à margem identificado, vem, nos termos do disposto nos artigos 399º, 401º, n.º 1, al. a), 410º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, dela interpor recurso para o
Venerando Tribunal da Relação de …,
a subir imediatamente (artigo 407º, n.º 2, al. i), do Código de Processo Penal), em separado (artigo 406º, n.º 2, do Código de Processo Penal), e com efeito suspensivo (artigo 408º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Para o efeito junta a sua motivação.
Mais requer a Vossa Excelência que se digne admitir o presente recurso e instruí-lo com certidão da acusação e da decisão instrutória.


* * *

MOTIVAÇÃO

Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores:

O Ministério Público deduziu acusação contra João A. e António A., imputando:

– ao arguido João A., a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de infracção de regras de construção, previstos e punidos pelo artigo 277.º, n.os, 1, alínea a), e 2, do Código Penal, com referência aos artigos 15.º, 26.º e 30.º, n.º 1, também do Código Penal, e aos artigos 40.º e 150.º do Decreto-Lei n.º 41 821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º a 13.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, e artigos 4.º a 6.º, 9.º, 20.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, e de um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 277.º, n.os 1, alínea a), e 2, e 285.º, todos do Código Penal, com referência aos artigos 15.º, 26.º e 30.º, n.º 1, também do Código Penal, e aos artigos 40.º e 150.º do Decreto-Lei n.º 41821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º a 13.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, e artigos 4.º a 6.º, 9.º, 20.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro;

– ao arguido António A., a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo 277.º, n.os, 1, alínea a), e 2, do Código Penal, com referência aos artigos 15.º, 26.º e 30.º, n.º 1, também do Código Penal, e aos artigos 40.º e 150.º do Decreto-Lei n.º 41 821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º a 13.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, e artigos 4.º a 6.º, 9.º, 20.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, e de um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 277.º, n.os 1, alínea a), e 2, e 285.º, todos do Código Penal, com referência aos artigos 15.º, 26.º e 30.º, n.º 1, também do Código Penal, e aos artigos 40.º e 150.º do Decreto-Lei n.º 41 821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º a 13.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, e artigos 4.º a 6.º, 9.º, 20.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro.

Não se conformando com o teor da acusação, veio o arguido João A. requerer a abertura da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

Em 09/03/2009 foi proferido despacho judicial, pronunciando ambos os arguido, pela prática, por cada um deles, de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelos artigos 277.º, n.os 1, alínea a), e 2, e 285.º, todos do Código Penal, com referência aos artigos 15.º e 26.º, também do Código Penal, e aos artigos 40.º e 150.º do Decreto-Lei n.º 41 821, de 11 de Agosto de 1958, 11.º a 13.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, e artigos 4.º a 6.º, 9.º, 20.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro.

Entendeu-se nesta decisão, no que concerne à qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido João A., que “pese embora os três trabalhadores na obra tenham estado numa situação de perigo, os factos em apreço são susceptíveis de configurar, não três, mas um único crime de infracção de regras de construção (agravado pelo resultado)”, por se considerar, que “no caso de estarem diversas pessoas em perigo, a lei é violada uma só vez, já que é indiferente o objecto de concretização de qualquer desses perigos. Assim, independentemente do número de vítimas, existe apenas um crime, ainda que tenha resultado a morte ou incapacidade grave para alguma delas”.

O mesmo raciocínio é extensível ao arguido António A., considerando-se igualmente ter apenas cometido apenas um único crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado.
A discordância relativamente à decisão instrutória recorrida circunscreve-se à qualificação jurídica das condutas imputados aos arguidos, mais concretamente, ao número de crimes em que os mesmos incorreram com a prática dos factos que se encontram indiciados.

Conforme se dispõe na referida decisão, o crime de infracção de regras de construção, previsto e punido pelo 277.º, n.os, 1, alínea a), e 2, do Código Penal, constitui um crime de perigo comum “pois o que se prevê e se pretende acautelar é a simples criação de perigo de lesão” – por oposição aos crimes de perigo singular, nos quais “só uma pessoa – a pessoa que é exposta – pode ser posta em perigo”.

Configura-se simultaneamente, como um crime de perigo concreto, porquanto “é necessário fazer a prova em cada caso de um perigo comum verificado de facto”.

Com efeito, atendendo à forma como o bem jurídico é posto em causa pela actuação do agente, classificam-se como crimes de dano aqueles em que a realização do tipo incriminador tem como consequência uma lesão efectiva do bem jurídico – supondo a consumação do crime a lesão do objecto concreto da acção – e como crimes de perigo aqueles em que a realização do tipo não pressupõe tal lesão, mas antes se basta com a mera colocação em perigo do bem jurídico.

Dentro da categoria dos crimes de perigo, os tipos legais são ainda categorizados como crimes de perigo concreto, quando o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efectivamente sido posto em perigo, ou como crimes de perigo abstracto, quando o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição (1) (2).

Os crimes de perigo podem ainda ser classificados como crimes de perigo comum, nos casos em que “o perigo se expande relativamente a um número indiferenciado e indiferenciável de objectos de acção sustentados ou iluminados por um ou por vários bens jurídicos (3) ou como crimes de perigo singular, quando o portador do bem jurídico é uma pessoa determinada.

Todavia, a classificação doutrinária do crime em referência, quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos, como crime de perigo comum e, simultaneamente, como crime de perigo concreto, não contende com os critérios legais consagrados no artigo 30º, n.º 1 do Código Penal, para efeitos da determinação da unidade ou pluralidade de infracções criminais cometidas pelo agente.

Na realidade, dispõe este preceito legal que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

Verifica-se, pois, que “referindo a lei a pluralidade de violações do tipo (do mesmo ou de vários) não distingue entre os denominados concurso ideal e concurso real, pelo que a mesma conduta, o mesmo facto, pode constituir vários crimes, desde que lese vários bens jurídicos” (4).

Segundo Eduardo Correia – cuja formulação inspirou o artigo 33º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, que esteve na origem do referido artigo 30º do Código Penal – “a unidade ou pluralidade de significações, de valores jurídicos criminais negados por um certo comportamento humano fornece o princípio à luz do qual é possível determinar o número de crimes a que tal comportamento dá lugar” (5).

Refere o mesmo autor que o legislador integra no tipo legal de crime “aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais violam, portanto, os bens ou interesses jurídico-criminais” (6).

Na verdade, constitui função do direito penal, através da qualificação de determinadas condutas como crime, a tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal, enquanto “expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade na manutenção ou na integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso” (7).

Ao lado daquele juízo que refere o comportamento humano a bens ou valores jurídico-criminais, requer-se ainda outro juízo de valor como pressuposto do crime, o qual se analisa na censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente, podendo suceder que o momento psicológico, correspondente à realização de uma série de actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal, se estruture de tal sorte que esse concreto juízo de reprovação tenha de ser formulado várias vezes (8).

Predomina, assim, na tarefa de determinação da existência duma unidade ou pluralidade de infracções, um critério jurídico-valorativo, segundo o qual o número de crimes decorre, antes do mais, do número de valorações correspondente a certa actividade criminosa.

Ora, a circunstância de o crime de infracção de regras de construção se enquadrar na categoria dos crimes de perigo comum – pela susceptibilidade de ocorrer um dano não controlável, podendo atingir vários bens jurídicos (precisamente a vida, a integridade física e o património de elevado valor) e várias vítimas – e um crime de perigo concreto – por exigir o tipo a concreta verificação do perigo para os bens jurídicos aí protegidos, em consequência da conduta aí tipificada – não impede a pluralidade de valorações jurídico-penais de uma conduta, tendo em consideração a natureza dos bens jurídicos atingidos e juízos de censura que é possível emitir.
Assim, a classificação doutrinária do crime de infracção de regras de construção como crime de perigo comum apenas significa que o perigo vai referido a uma qualquer pessoa indistinta, não sendo necessário para a verificação do perigo que o agente conheça, numa prognose ex ante, as características individualizadoras da pessoa cuja vida ou integridade física corre perigo, o que não obsta à verificação, ex post, da colocação em perigo de distintos bens jurídicos, configurando uma conduta susceptível de uma pluralidade de juízos de reprovação, com as inerentes implicações relativamente a aplicação das regras do concurso de crimes.

Se se admite, como se afirma na decisão recorrida, que “a essência do perigo comum, mais do que na pluralidade, reside na indeterminabilidade dos objectos do perigo, daí não se extrai, necessariamente, a conclusão que, para efeitos de determinação do número de infracções criminais praticadas, seja “indiferente o objecto de concretização de qualquer desses perigos”.

O ponto crucial destes crimes, escreve-se na "Introdução" ao Código Penal, reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem amiúde num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos. Nesta medida, a lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos, basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social.

A qualificação de uma conduta como crime de perigo comum sustenta-se assim, essencialmente, em razões de política criminal, não colidindo com a determinação dos juízos de censura jurídico-penal implicados nessa mesma conduta a circunstância de serem ou não determináveis ex ante os concretos portadores dos bens jurídicos afectados.

Na verdade, no que respeita à tutela do bem jurídico protegido, o perigo enquanto realidade dogmática não se distingue do dano, verificando-se, num caso, uma situação de “perigo-violação” e, noutro, uma situação de “dano-violação”, o que faz com que os crimes de perigo concreto – enquanto crimes de “perigo-violação” – sejam crimes de resultado.

Assim, “a negação do específico valor jurídico-criminal de um bem jurídico pode operar-se através da destruição do bem jurídico protegido (crimes de dano) ou tão-somente pela colocação em perigo do mesmo bem jurídico (9).

Através da previsão de crimes de perigo procede-se a uma “antecipação” da protecção aos bens jurídicos penalmente relevantes, não deixando, contudo, essa antecâmara de protecção de ser parte integrante do próprio bem jurídico (10), sendo possível surpreender diversos níveis de ofensividade de um ataque a um determinado nem jurídico (11).

Os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal de crime em causa são a vida, a integridade física e os bens patrimoniais alheios, aos quais concreta e disjuntivamente se refere o n.º 1 do artigo 277º do Código Penal (12).

Quer a vida quer a integridade física constituem bens jurídicos eminentemente pessoais, na medida em que se “reconduzem aos chamados direitos da personalidade” (13).

Neste pressuposto, acompanhando Eduardo Correia, considera-se que “há tipos legais de crimes descritos em certas disposições que realmente se desdobram numa pluralidade mais ou menos indeterminada, e isso porque uma melhor interpretação revela que os bens jurídicos protegidos só podem entender-se se os considerarmos tomados pela lei concreta e individualmente. Este é precisamente o caso, como vimos, das disposições que visam proteger bens jurídicos eminentemente pessoais. Aí, e qualquer que seja a concepção de que se parta, não pode deixar de reconhecer-se que corresponde um valor autónomo a cada pessoa a quem a lei quer estender a sua protecção. Radicando-se tais bens jurídicos na própria personalidade, eles não podem nunca ser tomados abstractamente (14).

Conclui-se, assim, que estarão preenchidos tantos tipos legais quantas as negações de valores ou bens jurídicos eminentemente pessoais, os quais “se incarnam individualmente na pessoa dos seus portadores, dos quais se não pode fazer abstracção”.

Considerando a existência de bens eminentemente pessoais na determinação do número de crimes em concurso, estando em causa apenas uma acção, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/1994, Proc. 43656/3, www.dgsi.pt, verificar-se em concurso real, dois crimes, quando o arguido abandona duas pessoas sinistradas (15).

Também o Acórdão da Relação do Porto de 04/01/2006, Proc. 0514505, www.dgsi.pt, considerou que “o crime de violação da obrigação de alimentos protege bens de natureza eminentemente pessoal e, como tal, o agente comete tantos crimes quantas as pessoas ofendidas, ainda que haja uma só resolução criminosa”.

No mesmo sentido, relativamente a este tipo legal de crime, o Acórdão do mesmo Tribunal de 21/04/2004, Proc. 0242126, www.dgsi.pt, refere que “considerando-se a provada única resolução do agente, estejamos, então, perante um caso de concurso ideal homogéneo que, nos termos do art. 30º n.º 1 do C. Penal urge tratar como o concurso real(...)”.

Por outro lado, atenta a natureza dos bens jurídicos em causa (bens eminentemente pessoais), o facto de estar em causa apenas uma conduta negligente “não exclui a possibilidade de uma pluralidade de juízos de culpa, quando uma pluralidade de lesões jurídicas tenha sido causada, sempre que os resultados da acção lhe possam ser imputados, por poderem ter estado no seu âmbito de previsão” (16).

Efectivamente, “na previsão do artigo 30°, n.º 1, do Código Penal, integra-se qualquer tipo de concurso ideal — homogéneo ou heterogéneo, doloso ou negligente — o que significa que o agente que, com uma só acção, realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo legal de crime, independentemente de agir como dolo ou negligência (consciente ou inconsciente), comete tantos crimes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado, a punir nos termos do artigo 77° do Código Penal” (17).

Também Figueiredo Dias defende, relativamente ao crime de homicídio por negligência, que se através de uma acção são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma hipótese de concurso efectivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença por que a negligência tenha sido consciente ou inconsciente (18).

No mesmo sentido, Pedro Caeiro e Cláudia Santos refutam a unicidade do juízo de censura em caso de pluralidade de violação de bens jurídicos em crimes negligentes, demonstrando, no essencial, que a qualificação do resultado nos crimes negligentes não é uma condição objectiva de punibilidade; que o artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, ao contrário do Código Penal alemão não faz distinção na punição entre concurso real e concurso ideal homogéneo e heterogéneo; e que o princípio da culpa não afasta a pluralidade de infracções, pois se o agente devia prever a produção das consequências do seu acto, esse dever tanto se verifica em relação a uma violação como a várias (19).

Remetendo para a formulação de Eduardo Correia, nos termos acima expostos, deverá considerar-se que o arguido praticará tantos crimes, quantos os valores ou bens jurídicos forem violados, independentemente de, no plano naturalístico, lhe corresponder apenas uma acção ou omissão.

Considerou-se na decisão instrutória indiciarem os autos que a violação das regras de construção aí indicadas, imputada ao arguido João A., criou perigo para a vida e integridade física dos trabalhadores Alfredo Jorge e António A. e Américo M., tendo a morte deste sido consequência da acção perigosa criada pela violação das regras de construção, resultado que o mesmo representou, embora não se tivesse conformado com ele.

Indicia-se ainda o não cumprimento por parte do arguido António A. das obrigações que legalmente lhe incumbiam, enquanto encarregado da obra, o que contribuiu igualmente para a criação de perigo para a vida e integridade física dos dois trabalhadores acima identificados, e para a morte de um deles, o que representou como possível, não obstante não se tivesse conformado com o resultado.

Conclui-se, assim, que a conduta do arguido João A. atentou contra três bens jurídicos diferenciados, merecedores de protecção jurídica distinta, o que justifica, nos termos acima expostos, a respectiva qualificação jurídico-penal, em concurso efectivo, como dois crimes de infracção de regras de construção e um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado.

Pela mesma razão, ao arguido António A. deverão ser imputados, em concurso efectivo, um crime de infracção de regras de construção e um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado.


Concluindo:


1. A decisão instrutória recorrida pronunciou os arguidos pela prática, cada um deles, de apenas um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado.

2. Todavia, a conduta do arguido João A. criou perigo para a vida e integridade física de três trabalhadores, provocando, como consequência da mesma, a morte de um deles, enquanto a conduta do arguido António A. criou perigo para a vida e integridade física de dois trabalhadores, em consequência da qual, ocorreu a morte de um deles.

3. O crime de infracção de regras de construção integra a categoria dos crimes de perigo comum, assim como dos crimes de perigo concreto.

4. A categorização como crime de perigo comum assenta, essencialmente, na indeterminabilidade dos objectos de perigo, assumindo uma perspectiva ex ante, pretendendo o legislador, com a sua incriminação a “antecipação” da protecção aos bens jurídicos penalmente relevantes em face da perigosidade de determinadas condutas, o que impõe que se considere indiferente para a subsunção jurídico-penal das condutas a violação dos concretos bens jurídicos objecto do perigo.

5. A classificação doutrinal do tipo legal em causa não contende assim com as regras de determinação do concurso de crimes constantes do artigo 30º do Código Penal, definido pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime é preenchido pela conduta do agente, o que, seguindo a formulação de Eduardo Correia, se consubstancia na “pluralidade de valores jurídicos criminais negados por um certo comportamento”, a que acresce uma pluralidade de juízos de censura jurídico-penal.

6. A negação do específico valor jurídico-criminal de um bem jurídico pode operar-se através da destruição do bem jurídico protegido (crimes de dano) ou tão-somente pela colocação em perigo do mesmo bem jurídico (crimes de perigo).

7. A vida e a integridade física, enquanto bens jurídicos protegidos pela incriminação da infracção de regras de construção constituem bens jurídicos eminentemente pessoais, daí decorrendo que deverão ser tomados pela lei concreta e individualmente

8. Razão pela qual estarão preenchidos tantos tipos legais quantas as negações de valores ou bens jurídicos eminentemente pessoais, o que se traduz, no tipo legal em causa, na imputação aos arguidos de tantos crimes quantos bens jurídicos daquela natureza colocados em perigo.

9. Conclusão a que não obsta a imputação a título de negligência, porquanto na previsão do artigo 30°, n.º 1, do Código Penal, se integra qualquer tipo de concurso ideal, doloso ou negligente.

10. Termos em que a decisão instrutória deve ser revogada, nesta parte, e substituída por outra que pronuncie o arguido João A. pela prática, em concurso efectivo, de dois crimes de infracção de regras de construção e um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado e o arguido António A. pela prática, em concurso efectivo, de um crime de infracção de regras de construção e um crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado.


No entanto, Vossas Excelências, como sempre, farão a tão costumada

JUSTIÇA!


O Procurador-Adjunto



NOTAS DE RODAPÉ (que foram inseridas no lugar próprio):

1.Cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 291 e GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Editorial Verbo, 2005, pág. 32.

2.Ou ainda como crimes de perigo abstracto-concreto, em que se exige “uma mera potencialidade abstracta de verificação da lesão como consequência da acção perigosa, ao contrário da lei penal - PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, «Crimes de perigo e contra a segurança das comunicações», Jornadas de direito criminal, Revisão do código penal, volume II, Coimbra editora, 1998, pag. 267.

3.JOSÉ FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 867.

4.GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., pág. 336.

5.EDUARDO CORREIA, A teoria do concurso em direito criminal – Unidade e Pluralidade de infracções, Almedina, 1983, pág. 84.

6.EDUARDO CORREIA, ob. cit., págs. 86 e segs.

7.JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pág. 291.

8.EDUARDO CORREIA, ob. cit., págs. 91 e segs.

9.JOSÉ DE FARIA COSTA, O perigo em direito penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 407.

10.JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 867.

11.JOSÉ DE FARIA COSTA, ob. cit., pág. 629

12.Assim, VICTOR SÁ PEREIRA e ALEXANDRE LAFAYETTE, Código Penal Comentado e Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 698, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2009 pág. 713 e RUI PATRÍCIO, ob. cit., pág. 204.

13.TAIPA DE CARVALHO, citado por Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, ob. cit. pág. 139.

14.EDUARDO CORREIA, ob. cit., pág. 255.

15.Citado por Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e comentado, 14ª Ed., Almedina, pág. 143.

16.Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/06/2008, Proc. 591/05.0TACBR.C1, www.dgsi.pt

17.Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/1999, Proc. n.º 257/99-3, citado em MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Anotado e comentado, 16ª Ed., Almedina, pág.145.

18.Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 114.

19.Referidos no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/06/2008, Proc. 591/05.0TACBR.C1, www.dgsi.pt