sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Art. 371º-A do Cód. Proc. Penal

Acórdão da Relação de Guimarães, de 10.12.2007

( processo 2361/07-1, relator: Fernando Monterroso )


Sumário:

I – Sendo um arguido condenado por um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203 nº 1 e 204 nº 2 al. e), por referência ao art. 202 al. d) do Cod. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, que está a cumprir, não lhe é aplicável o regime de reabertura da audiência previsto no artº 371-A do novo CPP, com vista à suspensão da pena, pois, com tal preceito, o legislador não visou, a pretexto da entrada em vigor de Lei Nova, dar ao arguido a oportunidade de um segundo julgamento, onde possam ser colmatadas deficiências do primeiro ou considerados novos factos.

II – A redacção do art. 371-A do CPP é unívoca ao estabelecer que a audiência nele prevista limita-se à aplicação do novo regime penal mais favorável, ou seja, não basta que tenham existido alterações na lei penal geral, mas é necessário que o novo regime contenha, pelo menos, uma qualquer norma que permita conjecturar que, se já existisse no momento da condenação, poderia ter levado a uma decisão concretamente mais favorável ao arguido.

III – Ora, no caso, não existe nenhuma alteração na definição dos elementos típicos do crime, na moldura penal abstracta, na espécie de pena aplicável, nos critérios para a determinação da medida concreta da pena de prisão, ou nos requisitos substantivos da suspensão da execução da prisão.

IV – Tendo o arguido sido condenado em pena de prisão inferior a três anos, a não opção pela suspensão decorreu de não ter sido formulado o juízo de que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” e, nesta parte, são coincidentes as redacções da anterior e da nova lei.

Termo de Identidade e Residência e Carta Rogatória

Acórdão da Relação de Coimbra, de 31.10.07
( Processo 1924/05.4TBACB-A.C1; relator: Fernando Ventura )

Sumário:
1. O regime do D.L. 144/99, de 31/8 admite a emissão de carta rogatória para a prestação de TIR fora do território português. 2. A emissão da carta rogatória para a notificação do arguido e prestação de TIR não é admissível quando desconhecido o paradeiro do arguido visado.

Extracto do acórdão:

“…As questões suscitadas no presente recurso são:
1. Admissibilidade legal da prestação de T.I.R. através de carta rogatória:
2. Verificação dos pressupostos para a emissão de carta rogatória com esse objecto à Justiça do Brasil.
1. Da admissibilidade legal da carta rogatória para prestação de T.I.R.
[15] O primeiro princípio que enforma o regime da cooperação judiciária internacional no Direito português é o da primazia das fontes normativas convencionais. Assim decorre do artº 8º da Constituição da República Portuguesa, no qual se estabelece a recepção plena das normas constantes de convenções internacionais que vinculem o Estado Português, assim como das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte.
[16] Em 1991, o legislador português resolveu reunir num diploma – Decreto-Lei 43/91, de 22/1 – todo o regime de cooperação judiciária internacional em matéria penal, seguindo o modelo helvético da Loi fédérale sur l'entraide judiciaire en matière pénale, de 20 de Março de 1981, e o Código de Processo Penal italiano de 22 de Setembro de 1988.
[17] Em 1999, esse regime foi revisto, com o propósito de incorporar os avanços entretanto decorrentes dos diversos instrumentos convencionais assinados por Portugal e adequar o edifício legislativo ao novo texto constitucional, decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, o que culminou com a aprovação e publicação da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, em vigor [Com as alterações das Leis 104/2001, de 25/8, 48/2003, de 22/ e lei 48/2007, de 29/8.].
[18] Este diploma, tal como o anterior D.L. 43/91, de 22/1, substitui-se em parte às normas constantes do Código de Processo Penal sobre as relações com autoridades estrangeiras, decorrentes dos artigos 229º a 240º desse código.
[19] Assim, o regime português relativamente à cooperação judiciária internacional em matéria penal decorre: em primeira linha, das normas de direito internacional que vinculem o Estado Português; em segunda linha, do regime instituído pela Lei 144/99, de 31/8; e, por fim, em tudo o que não esteja regulado, dos artigos 229º a 240º do Código de Processo Penal.
[20] Entre Portugal e o Brasil foi firmado Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal [Aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 4/94, de 3 de Fevereiro, ratificado por Decreto do Presidente da República nº 2/94, da mesma data, tendo entrado em vigor, conforme Aviso nº 329/94, publicado em 1994/11/24.]. Porém, e como refere o despacho recorrido, esse Tratado limitou a seu objecto às “diligências preparatórias e necessárias em qualquer processo penal” [Artº 1º nº1.], com as Partes Contratantes a definir o marco processual até ao qual pretendiam regular o auxílio judiciário mútuo: todos os actos processuais praticados até à decisão judicial de recebimento da acusação ou de pronúncia do arguido, inclusive [Artº 1, nº3.].
[21] Afastada a presença de instrumento convencional, importa, como referido, atentar no regime da Lei 144/99, de 31/8, mormente nos artºs 145º e segs., com vista a responder à questão de saber se comporta actos relativos a medidas de coacção.
[22] Ora, não se vê que a interpretação efectuada no despacho recorrido tenha suporte nos dispositivos que evoca.
Diz o artº 145º, sob a epígrafe “Princípio e âmbito”:
O auxílio compreende a comunicação de informações, de actos processuais e de outros actos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo bem como os actos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos da infracção.
[23] Esta formulação, não só na alusão a “actos processuais”, sem qualquer exclusão, como também a inclusão de “actos públicos”, desde que admitidos pelo direito português, transmite claramente ao intérprete o propósito de abranger a generalidade dos actos, mesmo aqueles relativos à aplicação de medidas de coacção.
[24] Este entendimento surge reforçado pela enunciação exemplificativa constante do nº 2 do artº 145º da Lei 144/99, de 31/8 [“2. O auxílio compreende, nomeadamente…” (sublinhado nosso).] e, ao contrário do referido no despacho recorrido, pelo disposto no artº 147º. Dele decorre a consagração no direito português da possibilidade de praticar, a solicitação de outro Estado, actos que implicam o recurso a medidas de coacção, ainda que com o requisito da dupla incriminação e de respeito pelos trâmites do Estado rogado.
[25] Dúvidas não ficam, então, de que o legislador pretendeu abranger no auxílio judiciário os actos de aplicação de medida de coacção, para além das medidas privativas da liberdade (aí rege a extradição e a entrega de pessoas), mormente a prestação de Termo de Identidade e Residência, nos termos do artº 196º do CPP.
[26] Assim, e como vem sendo decidido neste Tribunal da Relação de Coimbra [Cfr. Ac. do T.R.C. de 2007/09/12, Proc. 613/03.9 TAACB.C1, www.dgsi.pt.] , entendemos que o regime do D.L. 144/99, de 31/8 admite a emissão de carta rogatória [Pode definir-se carta rogatória como “mandato conferido por uma autoridade judiciária de um país a uma autoridade estrangeira para, em seu lugar, proceder a um ou mais actos especificados” – cf. Rapport Explicatif sur la Convention Européenne d'Entraide Judiciaire en Matière Pénale, ed. Conselho da Europa, 1969, p. 14.] para a prestação de TIR fora do território português.
[27] A esta conclusão não obstam as razões indicadas no despacho recorrido relativamente ao funcionamento do princípio da reciprocidade, contemplado no artº 4º do D.L. 144/99, de 31/8, pois não existem razões para crer que Estado rogado venha a negar a cooperação.
[28] E, da mesma forma, salvaguardado o devido respeito, também não colhem os argumentos relativos às condicionantes de cumprimento do depósito postal em país estrangeiro. Não se pode confundir a admissibilidade, e a propriedade, da emissão da carta rogatória com as condições de validade do acto que integra o objecto do pedido e, no caso, nunca ficaria inviabilizado recurso a forma de notificação distintas do aviso postal simples, com garantias acrescidas de recepção.
2. Da verificação dos pressupostos para a emissão
[29] Estas considerações transportam-nos para a segunda vertente do recurso, abordada na motivação, a saber, a verificação dos pressupostos para a pretendida emissão de carta rogatória para a prestação de TIR quando é desconhecido o paradeiro do arguido visado. Mais, nem mesmo consta das peças processuais enviadas a sua última residência no Brasil, país onde nasceu.
[30] Com os fenómenos migracionais que marcaram o final do século passado e o ínicio do presente e facilidade na circulação planetária, cresceram os fenómenos de criminalidade transnacional e, correspondentemente, a necessidade de aprofundar os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal, mormente evoluíndo do paradigma da cooperação para o do reconhecimento mútuo [Desde as conclusões do Conselho Europeu Tampere de Outubro de 1999 que o reconhecimento mútuo das decisões judiciais é considerado a pedra angular no domínio da cooperação judiciária na esfera da União Europeia.].
[31] Porém, e mesmo que muito tenha sido conseguido, os pedidos de cooperação internacional em matéria penal permanecem instrumentos pesados e onerosos, sobretudo fora do contexto europeu, a utilizar apenas quando esgotados todos os recursos ao alcançe da jurisdição onde decorre o procedimento e depois de asseguradas todas as condições de viabilidade na satisfação do acto rogado.
[32] Ora, tomando os elementos facultados, não se vê como pode o recorrente afirmar que “resulta sobejamente dos autos que o arguido, cidadão de nacionalidade brasileira, se encontra a residir no seu País Natal”, face aos termos lacónicos das indicações policiais, algumas com mera presunção.
[33] Acontece que, tratando-se de notificação [Embora não equacionado na promoção de emissão de rogatória, nem no despacho recorrido, importa atentar no disposto artº 336º nº3 do CPP, pelo que a pretendida carta rogatória sempre deveria envolver a notificação da acusação proferida. Aliás, dificilmente uma carta rogatória pode ter como objecto apenas a prestação de TIR. Em inquérito, envolverá o obrigatório interrogatório do arguido, caso não tenha acontecido e, nas demais fases processuais, as notificações pessoais indicadas no artº 103º nº9 do C.P.P.], o pedido de auxílio deve conter a menção do nome e residência do destinatário ou de outro local em que possa ser notificado, sem o que o pedido de auxílio não é mais de notificação, mas sim de obtenção de paradeiro, situação em que existe desproporção manifesta com a utilização de carta rogatória.
[34] Com efeito, a emissão de cartas rogatórias, tanto aquelas para a obtenção de prova, como para a notificação e prática de actos processuais, como a prestação de TIR, está dependente do respeito cumulativo dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, como decorre do disposto no artº 230º nº2 do CPP, de forma a que a apressada utilização do recurso a jurisdição estrangeira não venha a afectar a desejável celeridade de solicitações futuras e o respeito devido entre Estados.
[35] O que dizer, porém, da indicação do recorrente de que “…mesmo que não se sabendo em concreto da sua residência nada obsta ao cumprimento da Carta Rogatória, porquanto, o Ministério Público Federal junto do Supremo Tribunal de Justiça no Brasil sempre procederá às diligências atinentes à averiguação da residência do arguido nesse país”, remetendo para a tramitação verificada na carta rogatória expedida à Justiça do Brasil no Processo nº 252/00.6 TBACB?
[36] Compulsados esses elementos, verifica-se que a residência do aí arguido no Brasil é identificada na carta rogatória expedida e que o “exequatur” concedido pelo Supremo Tribunal de Justiça foi precedido de notificação postal para a residência indicada [Intimação para, querendo, impugnar o cumprimento da rogatória, conforme artº 226º do Regulamento Interno do Supremo Tribunal Federal], não devolvida. Após a mesma, o Ministério Público Federal indicou outro endereço “além do que consta nos autos” [Sublinhado nosso.]. Ou seja, situação bastante dissemelhante daquela dos presentes autos, em que se pretende confrontar a Justiça do Brasil com a absoluta ausência de determinação de endereço.
[37] Por outro lado, tomando a consideração de que o cumprimento da carta rogatória envolverá, necessariamente, actividade investigatória prévia por parte do Ministério Público Federal do Brasil, então permanece aberta a possibilidade, e a necessidade, de desencadear primeiro essa colaboração, mormente através da Procuradoria Geral da República, enquanto Autoridade Central de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, o que pode ser efectuado por simples comunicação.
[38] Aqui chegados, emerge nítida a conclusão de que, sendo admissível a pretendida emissão de carta rogatória para a notificação do arguido e prestação de TIR, não estão reunidos os pressupostos para que essa determinação aconteça.
[39] Deve então manter-se a decisão recorrida, ainda que não pelos mesmos fundamentos.
III. Dispositivo
[40] Termos em que acordam os Juízes da secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar, ainda que por diferentes fundamentos, o despacho recorrido.
[41] Sem custas (artº 522º nº1 do CPP).
Notifique.
Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).
Recurso 1924/05.4TBACB-A.C1
Coimbra,
(Fernando Ventura - relator)
(Gabriel Catarino)
(Barreto do Carmo) “

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Já antes o Acórdão da Relação de Coimbra, de 12.09.07 ( processo 613/03.9TAACB.C1; relator: Gabriel Catarino ), decidira que:

Sumário:

A medida de coacção de termo de identidade e residência imposta ao arguido por termo nos Autos, lavrado em Auto, em diligência presidida pela Autoridade Judiciária Alemã, no caso sub judice pelo Juiz, que explicou ao arguido e lhe deu a conhecer os seus deveres de acordo com o nº 3, do artigo 196º, do Código de Processo Penal, factos que o mesmo compreendeu e do qual recebeu um duplicado traduzido em língua germânica, Auto esse que foi redigido, assinado quer pela Autoridade Judiciária competente, quer pelo arguido e por uma terceira outra pessoa, é formal e substancialmente válida, ainda que o formulário “stricto sensu” do termo de identidade e residência, enviado para o efeito, não se mostre assinado pelo arguido.