quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Cartas de condução do Brasil, Angola, Cabo-Verde: reciprocidade/ Não assim com as de São Tomé e Príncipe

Acórdão da Relação de Lisboa, de 26-03-2008

Relator: CARLOS SOUSA
Processo: 781/2008-3



Sumário:

1. Não basta um reconhecimento de facto da validade de cartas de condução portuguesas, em situação idêntica, por parte do Estado estrangeiro emitente da carta de condução do arguido – no caso, a República de São Tomé e Príncipe.
2. Resulta da ponderação e apreciação das várias alíneas daquele nº 1 do artº 125º do C.Estrada (2005), que exige um acordo de reciprocidade, mediante acto da Administração Pública, relativamente a licenças de condução emitidas por Estado estrangeiro, tal como ocorre no caso da alínea precedente, em que “... o Estado Português se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional” – vd. al. d) desse nº 1.
3. Esta alínea d) não se aplica ao presente caso já que os Estados que integram os PALOP não aderiram à Convenção de Genebra sobre Trânsito Rodoviário, de 19/09/1949 (cfr. artºs 16º e 17º da Convenção de Viena, de 8/1/1968).
4. Por isso, também na hipótese prevista na al. e), que ora nos ocupa, se exige acto de reconhecimento expresso, por parte da Administração Pública portuguesa, exactamente para efeitos de reconhecimento da validade dos títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro “desde que este reconheça idêntica validade aos títulos nacionais”




Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa:

"... *
III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é restrito à questão de se saber se o despacho recorrido, ao rejeitar a acusação por considerar inexistir crime, mas antes que os factos descritos na mesma integram somente a prática pelo arguido da contra-ordenação p. e p. pelo artº 125º, nº 1, al. e), nº 4 e nº 7, do C.Estrada (DL 44/2005), violou o disposto no artº 311º nºs 1, 2 e 3, al. d) do CPP (L 59/98).
2. Começamos, assim, por realçar que na acusação do MºPº a factualidade imputada ao arguido era a seguinte:
« 1) No dia 7 de Junho de 2007, pelas 17h00, o arguido A… conduzia o motociclo, com a matrícula XX-XX-XX, pela Rua São José, em Santa Iria da Azóia, quando foi fiscalizado pelo autuante, agente da P.S.P.;
2) O arguido conduzia o veículo indicado sem se encontrar legalmente habilitado para exercer a condução de motociclos na via pública;
3) O arguido é titular de uma carta de condução n.º 25122, emitida em 29.6.2005, pela República Democrática de São Tomé e Príncipe;
4) O arguido agiu deliberadamente, livre e conscientemente;
5) Bem sabia que tal conduta era proibida por lei. »
*
3. Pondera-se, por sua vez, no douto despacho recorrido o seguinte:
« Despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº 1, nº 2, al. a), e nº 3, al. d), do Código de Processo Penal:
Entendemos que os factos constantes da acusação merecem um diferente enquadramento jurídico e, consequentemente, sanção diferente se lhes corresponde.
Com efeito, o enquadramento jurídico vertido na acusação pressupõe que a reciprocidade no reconhecimento dos títulos de condução estrangeiros prevista na al. e) do artigo 125º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, depende de acto da Administração Pública, ou seja, que é uma responsabilidade condicionada.
Tal tese conduziria à condenação criminal dos habilitados com carta emitida por São Tomé e Príncipe se e enquanto a Administração Pública (neste caso, a Direcção-Geral de Viação ou entidade que lhe sucedeu) assim o entendesse.
Ora, sendo certo que a aplicação da al. e) do artigo 125º do Código da Estrada, e do artigo 3º do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, se excluem mutuamente, ou seja, o que não caberá numa caberá noutra, não poderá o intérprete basear a sua opção na existência, ou não, de um acto de Administração Pública.
Sob pena de, então, violar-se o disposto no artigo 1º do Código Penal e, bem assim, a norma constante da al. c) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, que diz: “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, (...) c) definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, (...)”
Sem prescindir, pensamos também que será de atentar no relatório do recente ACORDO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA DE CABO VERDE PARA RECONHECIMENTO DE TÍTULOS DE CONDUÇÃO (vertido no Decreto nº 10/2007, de 5 de junho), pois que um dos fundamentos para o estabelecimento do referido acordo é, e passamos a citar, “Tendo em conta que a República de Cabo Verde já reconhece, de facto, os títulos de condução portugueses,...”
Ora, tal reconhecimento de facto, existe, de igual modo, pela República de São Tomé e Príncipe, país da entidade emitente do título de condução do arguido. (...)»
Para então se concluir, como já acima relatámos, tendo ainda em conta que “o arguido reside há mais de 185 dias em Portugal”, que os factos imputados na acusação integram somente a aludida contra-ordenação p. e p. pelo artº 125º, nº 1, al. e), nº 4, e nº 7, do C.E.(2005).
*
4. Em situação muito semelhante à ora descrita e na qual se estava perante idêntico despacho de rejeição da acusação do MºPº, já esta Relação de Lisboa e 3ª Secção decidiu dar provimento a recurso do MºPº - cfr. Ac. TRL de 27/09/2006 (Proc. nº 5790/06-3ª, mesmo relator).
Na verdade, a questão suscitada prende-se com a possibilidade de um cidadão titular de carta de condução emitida em país estrangeiro para poder circular legalmente em Portugal depender do reconhecimento pelo Estado Português, por acto administrativo/político, e no exercício da sua soberania, conferir validade ao documento emitido pelo Estado estrangeiro, mormente por acordo de reciprocidade.
Ora, o despacho recorrido basta-se, como vimos, pela afirmação (mas não comprovação) de uma alegada reciprocidade de facto (quod erat demonstrandum!!!), por parte do Estado estrangeiro (emitente da carta de condução detida pelo arguido), pois, segundo ele, subjaz ao disposto na al. e) do nº 1 do artº 125º do Código da Estrada o entendimento de que a reciprocidade no reconhecimento dos títulos de condução estrangeiros, ali prevista, não depende de acto da Administração Pública.
Ao invés, o Ministério Público, ora recorrente (secundado pela Ex.ma PGA, nesta Relação), considera que o preceito constante daquela alínea e) exige a chamada reciprocidade condicionada; ou seja, que haja um acto da Administração Pública (do Estado Português) a reconhecer expressamente a validade daquelas licenças de condução (estrangeiras).
5. Parece-nos evidente que tem razão o ora recorrente (MºPº) na medida em que não basta um reconhecimento de facto da validade de cartas de condução portuguesas, em situação idêntica, por parte do Estado estrangeiro (emitente da carta de condução do arguido – no caso, a República de São Tomé e Príncipe).
Na verdade, é o que resulta da ponderação e apreciação das várias alíneas daquele nº 1 do artº 125º do C.Estrada (2005), que exige um acordo de reciprocidade, mediante acto da Administração Pública, relativamente a licenças de condução emitidas por Estado estrangeiro, tal como ocorre no caso da alínea precedente, em que “... o Estado Português se tenha obrigado a reconhecer, por convenção ou tratado internacional” – vd. al. d) desse nº 1.
Note-se que esta alínea d) não se aplica ao presente caso já que os Estados que integram os PALOP não aderiram à Convenção de Genebra sobre Trânsito Rodoviário, de 19/09/1949 (cfr. artºs 16º e 17º da Convenção de Viena, de 8/1/1968), como bem alerta o MºPº, recorrente.
Por isso, também na hipótese prevista na al. e), que ora nos ocupa, se exige acto de reconhecimento expresso, por parte da Administração Pública portuguesa, exactamente para efeitos de reconhecimento da validade dos títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro “desde que este reconheça idêntica validade aos títulos nacionais”.
Assim ocorre relativamente a licenças de condução emitidas pelo Brasil – cfr. despacho da DGV nº 10.942/00 (DR II Série, de 27/05/2000) – ou pela República de Cabo Verde – cfr. Decreto nº 10/2007, de 5 de Junho, publicado no DR I Série; e o mesmo sucede com a República Popular de Angola.
No caso, o arguido conduzia munido de licença de condução emitida pela República Democrática de São Tomé e Príncipe, sendo certo que ainda não ocorreu o exigível reconhecimento da validade destas licenças de condução por parte da Administração Pública portuguesa. Não está, pois, abrangida pela citada al. e) do nº 1 do artº 125º do C.Estrada (2005).
Em suma, como aquele título não o habilita, legalmente, a conduzir em território nacional, significa isto que se indicia nos autos que o arguido cometeu o crime imputado na acusação, de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º, nº 2 do D.L. nº 2/98, de 3/1.
[ Neste sentido, o Ac. TRL de 12/10/1988, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo IV, págs.144 e 145 – consignou que: “Conduz sem título válido, ou indocumentado, quem, domiciliado em Portugal, é apenas titular de uma carta de condução emitida por outro país no qual os cidadãos portugueses, em idênticas circunstâncias, só possam conduzir quando sejam titulares de carta de condução desse país.”]
IV - DECISÃO:
Nos termos expostos, acordam em dar provimento ao recurso, pelo que se revoga o despacho recorrido e ordena-se a sua substituição por outro que receba a acusação do MºPº e designe data para a audiência de julgamento. Sem custas.
Lisboa, 26 de Março de 2008.
(Carlos de Sousa – relator)
(Mário Manuel Varges Gomes)
(Maria Teresa Féria de Almeida)


Comentário:

Ver o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19-09-2007
Processo: 5066/2007-3
Relator: RODRIGUES SIMÃO
( publicado neste blogue e extraído de www.dgsi.pt )

Sumário: I – Com a publicação do Despacho n.º 12595/07 (DR II série de 21/06/07) do Director Geral de Viação, os títulos de condução emitidos pela República Popular de Angola, que se encontrem dentro do respectivo prazo de validade, habilitam à condução em Portugal, ao abrigo do art. 125.º, n.º 1, al. e), do CE, pelo prazo de 185 dias.

II – Perante o disposto nos arts. 29.º, n.º 4, da CRP e 2.º, n.º 2, do CP, com a publicação do aludido despacho foram descriminalizadas todas as condutas respeitantes à condução de veículos levadas a cabo em Portugal por cidadãos daquele país angolano, residentes em Portugal, desde que titulares de título de condução válido emitido por Angola.

III – Sendo o arguido, de nacionalidade angolana, detentor de título de condução válido emitido pela República Popular de Angola e residindo no nosso país há mais de 185 dias, ao conduzir veículo automóvel em Portugal comete a contra-ordenação prevista no art. 125.º, n.ºs 1 al. e), 4 e 7, do CE.

Segredo de Justiça

Acordão do Tribunal Constitucional n.º 428/08

Processo n.º 520/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080428.html


“…3. Decisão
Em face do exposto, decide‑se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao arguido, antes do encerra­mento do inqué­rito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida pri­vada de outras pessoas, abran­gendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional, sem que tenha sido con­cluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devo­lução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal; e, consequentemente,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Agosto de 2008.

Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Silva Rodrigues (Vencido de acordo com a declaração de voto que anexarei)
Rui Manuel Moura Ramos”

Liquidação de pena

Vista:

*

O arguido foi condenado na pena de 7 ( sete ) meses de prisão, tendo direito ao desconto de 8 ( oito ) dias de prisão, relativos ao período de 19.01.05 a 26.01.05 ( cf. fls. 231, verso, 244 e 300 ).
Foi ligado a estes autos a 21.08.08.
Assim, atinge:
- o termo da pena a: 13.03.09
- os seis meses mencionados no art. 61º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Penal a: 13.02.09
A concordar-se com a presente liquidação de pena, promovo que se notifique o arguido e se remetam as certidões a que alude o art. 477º do Cód. Proc. Penal ao Estabelecimento Prisional, ao TEP e à D.G.R.S.
_____________________________________________________________________________
Processei, imprimi, revi e assinei o texto, seguindo os versos em branco ( art. 94º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal ).
..., ds
O Procurador-Adjunto


Comentário:
SÓ SE CALCULAM OS SEIS MESES E NÃO A METADE DA PENA, POR SER INFERIOR A SEIS MESES, TAL COMO OS 2/3 CALHAM EM DATA ANTERIOR À DOS SEIS MESES.