quarta-feira, 4 de junho de 2008

ESCUTA TELEFÓNICA

403/08-1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Acordão da Relação de Évora de 13-05-2008
Sumário:
Quando o OPC, nos termos do art.º 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, leva ao M.º P.º as escutas telefónicas, o funcionário judicial que as recebe tem, nos termos do art.º 106.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, dois dias para as tramitar (dois dias que, ainda que não haja no processo arguidos presos, devem ser contados nos termo dos art.º 103.º, n.º 2 al.ª f), 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 144.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e o Magistrado do M.º P.º tem, de acordo com o art.º 188.º, n.º 4, quarenta e oito horas para as levar ao conhecimento do juiz. Assim, este prazo de quarenta e oito horas do art.º 188.º, n.º 4, é fixado ao agente do M.º P.º e não à simbiose do agente do M.º P.º com os respectivos serviços do M.º P.º.

CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE: PRAZO

Acórdão da Relação de Coimbra de 14-05-2008 [Ver ficha original em www.dgsi.pt]

1. A audiência de julgamento que baliza o prazo do art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP é aquela que se refere apenas ao início da fase de julgamento, entendido o julgamento aqui em sentido restrito, isto é, em que se inicia a produção de prova e na qual deve estar estabilizada a instância e definidas as regras para se iniciar a demanda contra o arguido e na qual o ofendido tem interesse em agir, e em cuja lide os intervenientes processuais devem intervir em pé de igualdade. 2. Deste modo é tempestivo o requerimento para admissão de constituição de assistente, entrado nos autos no mesmo dia para o qual estava designada audiência de julgamento (17/10/2007), na qual foi proferido despacho a admitir o pedido de indemnização cível e ordenada a respectiva notificação, declarando-se depois suspensa, com continuação no dia 23/10/2007, em cuja sessão se iniciou a produção de prova. 3. O facto da audiência se ter iniciado unicamente para aquele fim, em nada difere da situação em que há adiamento da audiência de julgamento
Proc. 389/06.8PBTMR-A.C1
Relator: DR. INÁCIO MONTEIRO

Aplicação oficiosa da redução do período de suspensão da execução da pena, face ao actual regime do art. 50.º, n.º 5, do Código Penal

Acórdão da Relação de Coimbra, de 07.05.08

Relator: Inácio Monteiro
Processo: 428/05.0PBFIG.A. C1

1. O tribunal deve oficiosamente reduzir o prazo de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido condenado por sentença transitada em julgado
2. A abertura da audiência de julgamento prevista no artº 371º-A do CPP só deve ter lugar quando tal de justifique para determinar o regime concretamente aplicável ou se no caso concreto é ou não aplicável o novo regime.,apenas “para que lhe seja aplicado o novo regime”, sendo este mais favorável.
3. Seria por exemplo caso da abertura da audiência para determinar se era aplicável a suspensão da execução da pena, caso esta fosse superior a 3 anos e não superior a 5 anos de prisão, para equacionar e ajuizar concretamente se ao caso era aplicável a eventual suspensão da execução da pena, agora admissível neste intervalo



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Processo comum com intervenção do tribunal singular, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial da Figueira da Foz

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Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

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No processo supra identificado, o tribunal decidiu condenar o arguido, A… , em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
A sentença, proferida em 23/1/2007 transitou em julgado.
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Pelo requerimento de fls. 10 a 15 destes autos de recurso, que subiram em separado, veio o Ministério Público requerer, por força do art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, doravante designado apenas pelas siglas CP, a aplicação do disposto no art. 50.º, n.º 5, do mesmo diploma legal, na redacção dada pela Lei n.º 59/07, de 4/9.
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O aludido requerimento mereceu o seguinte despacho:
«Nos termos do art. 2.º, n.º 4, do CP revisto “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em penais posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
No presente caso temos uma decisão já transitada em julgado.
A norma acabada de referir não refere que o tribunal possa ou deva alterar decisões já transitadas.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 371.º, do CPP revisto, “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”.
Esta norma é a que permite a alteração de decisões transitadas para aplicação de lei penal mais favorável. Porém, é necessário um requerimento do condenado que no presente caso não existe.
Não se vê na lei penal ou processual penal norma que permita ao M.P. fazer requerimento idêntico à promoção que antecede.
Assim sendo, por falta de requerimento do condenado, logo, por falta de base legal, indefere-se o requerido na promoção que antecede».
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O Ministério Público, inconformado recorre deste despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1. Ao indeferir a promoção do Ministério Público, no sentido de se aplicar o disposto no art. 50.º, n.º 5, do Cód. Penal, conjugadamente com o disposto no art. 2.º, n.º 4, do Cód. Penal, reduzindo-se o prazo de suspensão de execução da pena de prisão a 17 meses.
2. Com base na alegação de caso julgado e de falta de requerimento do arguido ao abrigo do art. 371.º-A do Cód. Proc. Penal.
3. Violou o despacho recorrido o disposto nos arts. 18.º, 29.º, n.º 4, 2.ª parte, da Constituição da República, 2.º, n.º 4, e 50.º, n.º 5, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 04.09.
4. Porquanto resulta de uma mera ponderação abstracta, sem necessidade de recurso a uma ponderação concreta, com audiência do arguido, que a aplicação retroactiva da lei penal nova é mais favorável no caso em apreço.
5. O princípio base, que regula a sucessão de leis penais no nosso direito positivo, não é o da irretroactividade. A irretroactividade é um dos corolários de um princípio superior (favor libertatis), o qual, em homenagem à liberdade do cidadão, lhe assegura o tratamento penal mais mitigado entre o do momento da prática do delito e os tratamentos estabelecidos por leis sucessivas. Deverá antes e com legitimidade acrescida, com a nova redacção do art. 2.º, n.º 4, do Cód. Penal, introduzida pela Lei n.º 59/07, de 04.09, afirmar-se que o princípio é o da aplicação da lei penal mais favorável.
6. Termos em que o despacho formulado deve ser revogado e substituído por outro que aplique a lei mais favorável».
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Na resposta o arguido adere aos fundamentos das motivação de recurso, no sentido de que deve ser reduzido o prazo de suspensão da execução da pena, aplicando-se assim a lei mais favorável.
Nesta instância o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido de que se mostra duvidosa a posição do Ministério Público na 1.ª instância, ao entender que a redução do período de suspensão da execução da pena prevista no art. 50.º, n.º 5, do CP, na actual redacção, é de aplicação oficiosa.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre-nos decidir.
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O Direito:
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir:
Apreciar se o tribunal deve oficiosamente reduzir o prazo de suspensão da execução da pena, a arguido condenado por sentença transitada em julgado, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, quando o art. 50.º, n.º 5, do CP, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, passou a impor que o período de suspensão tem a duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a 1 ano.

O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, em cúmulo jurídico, na pena única de 1ano e 5 meses de prisão.
Vem interposto recurso do despacho que indeferiu a pretensão do Ministério Público no sentido de ser oficiosamente reduzido o período de suspensão.
Assim não entendeu o tribunal a quo, ao considerar que o tribunal não podia alterar um decisão transitada e a ter lugar só a coberto de requerimento do arguido.
Obviamente que não partilhamos do entendimento da decisão recorrida, por duas ordens de razões: as decisões ainda que transitadas podem e devem ser alteradas, sempre que esteja em causa a aplicação de regime sancionatório mais favorável ao arguido e não tem que ser obrigatoriamente a requerimento do arguido.
Esta imposição resulta do preceito constitucional do art. 29.º, n.º 4, da CRP quando refere “…aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
A este respeito escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 495:
«Se é proibida a aplicação retroactiva da lei penal desfavorável, já é obrigatória a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (n.º 4, 2.ª parte). Se o legislador deixa de considerar criminalmente censurável uma conduta, ou passa a puni-la menos severamente, então essa nova valoração legislativa deve aproveitar a todos, mesmo aos que já tinham cometido tal crime. Este princípio compreende também duas vertentes: (a) que deixe de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar; e (b) que um crime passa a ser menos severamente punido do que era no momento da sua prática, se lei posterior o sancionar com pena mais leve.
Não estabelecendo a Constituição qualquer excepção, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, ao menos em princípio, mesmo para os casos julgados, com a consequente reapreciação da questão, devendo notar-se que, quando a Constituição manda respeitar os casos julgados nos casos de declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, admite uma excepção exactamente para a lei penal (ou equiparada) mais favorável (cfr. art. 282.º-3 e respectiva anotação). De facto, não faz sentido que alguém continue a cumprir uma pena por um crime que, entretanto, deixou de o ser ou que passou a ser punido com pena mais leve».
Porém, a abertura da audiência de julgamento só deve ter lugar quando tal de justifique para determinar o regime concretamente aplicável ou se no caso concreto é ou não aplicável o novo regime.
Dispõe o art. 371.º-A, do CPP o seguinte:
«Se após trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime».
Consagra-se nesta normativo o princípio constitucional acima mencionado da aplicação retroactiva da lei, quando esta se mostre mais favorável ao arguido constante do art. 29.º, n.º 4, da CRP e com expressão na lei ordinária no art. 2.º, n.º 4, do CP.
O Ministério Público limita o fundamento do presente recurso à aplicação do actual regime quanto ao período da suspensão da execução da pena.
Este é o único fundamento do recurso.
Ora, o actual regime de suspensão da execução da pena é aplicável oficiosamente porque o art. 50.º, n.º 5, do CP prevê agora um regime legal mais favorável aos arguidos, não permitindo que o período de suspensão tenha duração superior à pena de prisão determinada na sentença.
Nestes termos se a pena aplicada foi de 1 ano e 5 meses de prisão, não poderá ser suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, como era permitido no momento da prolação da sentença e terá de ser obrigatoriamente igual á duração da pena, isto é 17 meses.
Este regime mais favorável resulta directamente da lei, pois é taxativa quanto ao período de suspensão, fazendo coincidir este com a duração da pena aplicada, sem necessidade de recorrer à abertura da audiência de julgamento, para a sua fixação, ao abrigo do disposto no art. 371.º-A, do CPP.
No regime actual o art. 50.º do Código Penal prevê:
“1 -O tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)
5. O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão".
As demais alterações não apresentam qualquer repercussão no que ao caso concreto diz respeito.
Ora, face à referida alteração, o que há que concluir será a de que o regime mais favorável desta específica alteração traduzir-se-á tão só em reduzir o período de suspensão da execução da pena, fazendo-o coincidir com a medida da pena aplicada.
Outra leitura não é possível fazer.
Ora, o art. 371.º- A prevê a reabertura da audiência apenas “para que lhe seja aplicado o novo regime”, sendo este mais favorável.
Seria por exemplo caso da abertura da audiência para determinar se era aplicável a suspensão da execução da pena, caso esta fosse superior a 3 anos e não superior a 5 anos de prisão, para equacionar e ajuizar concretamente se ao caso era aplicável a eventual suspensão da execução da pena, agora admissível neste intervalo.
De forma alguma quis o legislador pretender a reabertura da audiência para, por esta via, se proceder a um segundo julgamento com produção de provas ou produzir novas provas para depois se aplicar novamente o regime sancionatório, que não deve ser discutido, a não ser no segmento do período de suspensão da execução da pena que concretamente está em causa e se encontra definido na lei.
Assim, não deve ser reaberta a audiência, nos termos do art. 371.º-A, do CPP para aplicação retroactiva de lei penal face à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, por não haver necessidade de discutir no caso concreto qual o regime de suspensão da execução da pena mais favorável ao arguido, quanto à sua durabilidade, antes se impondo a aplicação imediata e oficiosa da sua redução, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP, na actual redacção.
Nesta conformidade outra sorte não podia ter o recurso que não a sua total procedência.
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente se revoga o despacho recorrido, o qual se substitui, sem necessidade de recorrer à abertura da audiência de julgamento, reduzindo-se o período de suspensão da execução da pena, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP, para 17 meses.
Sem custas.

Coimbra,…………………………………..
Inácio Monteiro
Alice Santos

Nota:

No mesmo sentido foi formulado o Acórdão da Relação de Coimbra, de 30.04.08, no processo 55/03.6TAMMV-B.