quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Alteração ao R.G.I.T. introduzida pela Lei do Orçamento de Estado

Se é inequívoco que a partir da entrada em vigor da Lei de Orçamento de Estado, Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, que alterou o n.º 1 e revogou o n.º 6 do art. 105º do R.G.I.T., só é punível o crime de abuso de confiança fiscal quando o valor de cada declaração (mensal ou trimestral no IVA ) for superior a 7.500 €, independentemente de o conjunto das declarações poder exceder os 7.500 €,

o mesmo não se pode concluir no que respeita ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, pois no n.º 1 apenas se remete para as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º - não se utilizando a expressão « nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º -,

para além de que a remissão para o n.º 4 significa apenas que os factos descritos no número 1 do art. 107º (e não no n.º 1 do art. 105º)só são puníveis se se verificarem os pressupostos desse número 4.

Por outro lado, a remissão para o n.º 7 efectuada no n.º 2 do art. 107 não tem um significado diferente daquele que já tinha.

Seria uma incoerência sistemática admitir a identidade entre o art. 105º, n.º 1, e o art. 107º, n.º 1, ambos do R.G.I.T., no que respeita ao valor de 7.500 €, posto que no art. 103º, n.º 2, respeitante à fraude fiscal, se refere o valor de 15.000€ e no art. 106º, n.º 1, respeitante à fraude contra a segurança social, se refere o valor de 7.500 €, ou seja, não pode haver a mesma proporção entre o n.º 1 do art. 105º e a do n.º 1 do art. 107º do R.G.I.T.

Finalmente, entendo que ao revogar-se o n.º 6 do art. 105º do R.G.I.T., se optou involuntariamente por uma neocriminalização em sede de crime de abuso de confiança à segurança social, posto que deixa de existir a causa de extinção da responsabilidade criminal que aí se consagrava. Mas o certo é que tal até faz sentido, pois não estou a ver muitos portugueses que se possam gabar de descontar mensalmente para a segurança social um valor de superior a 2000 €.

Concluindo, a despenalização introduzida pela nova redacção do art. 105º do R.G.I.T. não tem qualquer reflexo no art. 107º do R.G.I.T.

Cumpre apenas lamentar a forma - irresponsável! (pense-se nos julgamentos que não se irão fazer, nos recursos que podem vir a ser interpostos, no tempo perdido, num contexto de ruptura do judiciário) - como se legisla em Portugal, pois os recursos vão multiplicar-se, impondo-se, no meu modesto entender, uma intervenção da Procuradoria-Geral da República, como tem sido habitual e se louva sempre e uma vez mais, se vier a acontecer, que uniformize desde já o entendimento que deve ser adoptado pelos magistrados do Ministério Público nesta matéria, ou, o que seria melhor, que o legislador venha esclarecer os tipos, dando uma redacção completa e não remissiva ao art. 107º do R.G.I.T..

Quanto à alteração do art. 105º do R.G.I.T., é sem dúvida de louvar...

Tal redacção levará ainda à aplicação da dispensa de pena no caso de valores bem mais elevados do que aqueles que se tinham por padrão...